English Boy escrita por Kiki, Tyke


Capítulo 11
Capítulo 11




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773819/chapter/11

Desisti de estudar, uma vez que meus olhos não focavam mais nas palavras escritas no livro. Apoie o rosto na mão e fiquei observando James conjugando verbos na minha frente.

Depois dos cumprimentos básicos o livro ensinava os pronomes do caso reto. Quando chegou nessa parte, James repetiu várias vezes cada um deles por uns vinte minutos. Em seguida o assunto era: verbos regulares no presente do indicativo. James me disse que se parecia com o espanhol, mas fazia tempo que ele estava pelejava com esse tópico.

ꟷ ...eu falo, tu falas, ele fala… ꟷ James repetia o que a voz do livro dizia.

Deixei meu corpo cair e debrucei sobre a mesa com a cabeça metida entre meus braços. A biblioteca costumava ser um lugar muito monótono e ficar escutando James conjugando verbos como crianças faziam nos primários, me atingiu como um sonífero. Juntando que eu já estava morrendo de sono.

ꟷ Lucas? ꟷ senti James me sacudir de leve. ꟷ Tenho uma dúvida. É melhor usar tu ou você?

ꟷ An? ꟷ  levantei a cabeça meio cochilando e processei a pergunta. ꟷ Você. ꟷ respondi.

ꟷ Quando uso tu? ꟷ ele me perguntou. Percebi que sua mão ainda estava pousada no meu ombro e que dela emanava um calor confortável.

Cocei meus olhos e bocejei.

ꟷ Praticamente nunca, pelo menos, não a conjugação. ꟷ  tentei explicar.

ꟷ Mas...por que tem a segunda pessoa se não tem utilidade? ꟷ ele tirou a mão de mim para enfiá-la entre os fios de cabelos vermelhos e bagunça-los, como sempre fazia.

ꟷ Menino, não faço ideia! Acho que em Portugal ainda usam.

James suspirou com minha resposta pouco explicativa e retomou o estudo. Havia uma lista enorme de verbos que o Chico do livro podia conjugar para James repetir. E ele continuava fazendo aquilo me deixando entediado. Apoiei a cabeça sobre a minha mão de novo e voltei olha-lo. A persistência dele era de se admirar.

ꟷ ...nós bebemos, vós beb-b-eis...

Comecei a rir dele gaguejando ao tropeçar nas palavras.

ꟷ É indelicado zombar de uma pessoa aprendendo. ꟷ James falou irritado de verdade.

ꟷ Vamos, nem eu sei pronunciar isso. Deixa esse livro um pouco. ꟷ abanei a mão no ar para ele ver que eu não ri por maldade.

ꟷ Arg! Podia ter um feitiço que fizesse entrar na cabeça. ꟷ James bufou fechando o livro com força fazendo voar partículas de papéis velhos.

ꟷ Receio que não há.

Ele debruçou por cima do livro, com o queixo apoiado nos braços, e ficou me olhando com uma cara de cachorro perdido que me fez sorrir.

ꟷ Como você aprendeu inglês? ꟷ  ele perguntou sem desfazer a expressão desolada.

ꟷ Quando eu era criança minha mãe trabalhava em uma escola de idiomas, ela conseguiu desconto no curso para mim. E depois conheci o Danilo que me ensinou bastante. Mas demorou anos.

ꟷ Eu tenho um ano. ꟷ  James fez uma careta de desânimo.

ꟷ Você é muito exigente. ꟷ  revirei os olhos.

Afinal nenhum professor cobrava dele os deveres em português, ele tinha os artefatos tradutores e a mim (sem contar o Dani e o Tião). James poderia simplesmente ignorar nossa língua se quisesse, porque ninguém esperava que ele aprendesse.

ꟷ E você poderia me ajudar mais. ꟷ  ele falou.

ꟷ Hey! Eu não faço o bastante? ꟷ questionei ofendido e surpreso com a culpa sendo jogada em mim.

ꟷ Você fica falando comigo em inglês. ꟷ  ele disse acusador tentando justificar.

ꟷ Uai, mas… ꟷ mordi os lábios pensando em uma forma de ajudá-lo aprender mais rápido. ꟷ Certo, tira o tradutor.

ꟷ Por quê? ꟷ  ele endireitou o corpo e juntando as sobrancelhas.

ꟷ Olha! ꟷ fiz sinal para ele apontando as minhas próprias orelhas. ꟷ Essa coisa fica sussurrando no seu ouvido. Você escuta português o tempo todo, mas não presta atenção porque é sobreposto por outro som, não é confuso?

Eu já tinha usado um tradutor sabia o quanto era ruim, apesar de ajudar a se comunicar.

ꟷ É um pouco. ꟷ  ele assumiu.

ꟷ Tira. ꟷ insisti.

Por fim ele tirou pousando o objeto em cima da mesa.

ꟷ Beleza! Agora você pode se concentrar apenas nesse som. ꟷ apontei para minha boca.

ꟷ Espero que não tenha me xingado. ꟷ James me deu um olhar desconfiado.

ꟷ Não. ꟷ eu ri abertamente.

ꟷ Não? ꟷ ele repetiu sem muita confiança.

Me levantei, dei a volta na mesa e sentei ao lado dele. Comecei a fazer perguntas simples como: “Qual a sua idade?” e coisas do tipo. Ele não compreendia quase nada, mas eu tentei gesticular, repetir, escrever e desenhar até que ele entendesse. Eu não tinha certeza se estava funcionando. No começo achei que não, mas aos poucos James parecia entender mais rápido minhas perguntas.

ꟷ Qual o nome dos seus irmãos? ꟷ era a sexta vez que repetia essa.

Eu falava pausadamente de uma forma bem estúpida e ele encarava a frase escrita no pergaminho e o desenho horroroso que fiz de dois meninos e uma menina brincando.

ꟷ Irmão? Ele chama Albus. ꟷ  James sorriu ao conseguir compreender.

ꟷ Irmãos é plural. Então me refiro aos dois. ꟷ expliquei em inglês ao ver que ele só tinha pegado em parte.

ꟷ Ah, Certo! Eles chamam Lily e Albus. Ok, espera... ꟷ James apontou um dos meninos de palito e disse ꟷ Irmão. ꟷ apontou a menina ꟷ Irmã. ꟷ e circulou o desenho todo com o dedo ꟷ Irmãos?

ꟷ Sim. ꟷ confirmei.

ꟷ Ok.

James fez uma cara pensativa. Depois sorriu pra mim, caloroso como sempre. Os dentes dele eram perfeitos, isso eu tinha que admitir. Muito bem alinhados, branquinhos e ele tinha aqueles caninos mais pontiagudos que ficavam aparentes sempre que eram deixados amostra daquela forma. Os dentes de James era algo harmônico de se ver e ele os exibia o tempo todo em seus sorrisos constantes.

Eu não tinha o costume de sorrir tanto assim, mas desde que o conheci isso mudou. Várias vezes me peguei retribuindo cada sorriso que ganhava dele automaticamente, como naquele momento.

Continuamos com aquele jogo de perguntas por mais um tempo até a hora do jantar. Quando terminamos eu estava morrendo de cansaço e ainda tinha aula de astronomia a noite. Já estava me arrependendo de ter pego essa matéria.

Mais tarde naquele dia, quase noite, eu definitivamente estava dormindo em algum lugar. Ou melhor em qualquer lugar que eu escorava. Senti um cafuné gostoso no meu cabelo. Pensei que fosse Lina, mas as mãos não pareciam com as dela.

Eu estava debruçado em uma carteira em cima de papiros e penas .Abri os olhos virando o rosto dentro dos meus braços procurando a pessoa que me tocava. Logo me localizei: estava na aula de Astronomia e era Tião quem passava as mãos na minha cabeça. Ele parou quando encontrou com meu olhar e me deu sorriso embaraçado.

ꟷ Você desmaiou. ꟷ ele disse.

Levantei a cabeça esfregando os olhos. A professora explicava alguma coisa sobre o Sistema Solar. Doía só de pensar que depois eu teria que estudar sozinho aquela aula por estar perdendo tudo.

Tião colocou a cadeira mais perto da minha e juntou nossas mãos, acariciando minhas palmas.

ꟷ O que está fazendo? ꟷ perguntei estranhando a proximidade dele.

ꟷ Nada. ꟷ ele sorriu presunçoso mirando um canto da sala.

Olhei ao redor procurando o alvo dele. Encontrei um garoto de cara azeda nos encarando. Seu nome era Rafael, estava no nosso ano e nem de perto era nosso amigo. Ele era o típico garoto dentro de todos os padrões que existem: jogador quadribol, família de classe média puro-sangue, notas satisfatórias, popular, fama de pegador entre as garotas...mas eu bem sabia do seu envolvimento com Tião.

Eles ficaram algumas vezes, fato que poucas pessoas no universo sabiam. Não era segredo para ninguém que Tião era gay, já o Rafael era outra história. Tião nos contou que Rafael não se aceitava, mas também não conseguia ficar longe dele por muito tempo. Provavelmente por isso eu ganhava um olhar tão mortal do garoto sentado algumas carteiras na frente.

ꟷ Vou cobrar por estar me usando. ꟷ falei para Tião que ainda segurava minha mão.

ꟷ Sem problema, eu pago. ꟷ ele disse aproximando do meu rosto. Eu sabia que ele fazia isso olhando direto para Rafael que virou o rosto para longe de nós fazendo uma careta mais feia ainda.

ꟷ Burguês safado, não me toque! ꟷ amaldiçoei por Tião jogar na cara que tinha dinheiro. Puxei minhas mãos das dele bruscamente.

Tião riu largando o corpo no encosto da cadeira.

ꟷ Como está James? ꟷ ele perguntou depois de um tempo em silêncio.

ꟷ Bem. ꟷ respondi.

ꟷ Hum! Ele ficou gasturado com a aula do Afonso, né?

ꟷ Sei lá, acho que sim.

ꟷ Também não gosto daquelas planta cabulosa. ꟷ ele estremeceu fingidamente e levando os dedos a boca para roer. ꟷ James é meio cismado, né?

ꟷ Como assim?

ꟷ Meio "menino de ouro' que deve fazer tudo perfeito, não percebeu?

ꟷ Não reparei.

Na verdade, agora, pensando bem era bem nítido esse comportamento

ꟷ Ele parece ser perfeccionista, daqueles que cobra muito de si. ꟷ Tião passou a mão pelos cachos ajeitando-os e tirando os que caiam sobre os olhos. ꟷ Talvez por causa da família, igual meu irmão que tenta remedar o pai em tudo. Ser um Potter não deve ser fácil também… muita cobrança, entende? ꟷ ele expôs sua teoria.

ꟷ Metade do país chama Silva, Tião ꟷ a última coisa que eu entendia era sobre ser "importante".

ꟷ Verdade… Bom, eu sei como é. ꟷ ele deu um sorriso fraco.

ꟷ Ótimo! Vocês se entendem, podem compartilhar a difícil vida que levam com muito dinheiro e fama. ꟷ zombei ironicamente.

ꟷ Engraçadinho. ꟷ Tião falou balançando a cabeça de um lado pro outro. Depois ele assumiu um ar sombrio, parecendo querer dizer algo, mas então mudou de ideia. ꟷ Ele tem uma tatuagem nas costas, sabia?

ꟷ James? ꟷ pisquei atordoado com o comentário aleatória.

ꟷ Uma fenix… é bem sexy. ꟷ ele deu um sorriso malicioso.

ꟷ Tião! ꟷ eu o repreendi, mas meu sorriso de indignação escapou.

ꟷ O que? Olhar não machuca e ele é lindo. ꟷ Tião deu de ombros ꟷ É legal como James não se sente inseguro comigo. Com o "cabra macho" do Marco eu não podia nem levantar o olhar pra ele e já tava jurado de morte. Com coisa que eu tinha interesse naquele trasgo.

ꟷ Marco Escroto. ꟷ suspirei o apelido que demos a ele no nosso terceiro ano.

ꟷ Ele está trabalhando na loja de caldeirões da família. O vi quando fui na Viela com meus pais. Fiz questão de entrar na loja e comprar um macerador só para vê-lo me atender contra vontade.

ꟷ Debochado. ꟷ eu ri só de imaginar a cara do Marco.

ꟷ Oxe! Te conhecendo você faria o mesmo. Pior, você seria capaz de fazê-lo revirar os estoques atrás de qualquer bagaça e quando ele achasse diria que não vai levar. Ainda daria esse seu sorriso diabólico.

ꟷ Acha que eu faria isso? ꟷ me fiz de inocente.

ꟷ Luquinha, ta pra nascer uma pessoa mais afrontosa que você.

ꟷ Eu não sou, quase nunca bato de frente com as coisas. Na verdade, eu preferiria nunca mais olhar na cara Marco. ꟷ falei com sinceridade. Por tudo que Marco causou na vida da Cat eu preferia esquecer que ele existia.

ꟷ Nem mesmo para presenteá-lo com um aquário de picuriranhas no Natal? ꟷ Tião ergueu uma sobrancelha dando um sorriso de lado.

Mordi meus lábios com a ideia tentadoramente engraçada.

ꟷ Você é terrível! ꟷ meu amigo desatou a rir.

ꟷ A ideia foi sua, doido. Eu nunca faria isso. ꟷ falei indignado.

ꟷ Aham, sei!

O sinal finalmente bateu e eu suspirei aliviado só de pensar que minha próxima parada era minha cama. Começamos guardar os materiais e notei uma pessoa que não tirava os olhos de nós.

ꟷ Ele está olhando para você de novo. ꟷ sussurrei para Tião.

Tião virou a cabeça na direção de Rafael e deu um sorrisinho daqueles sugestivos. O garoto ficou vermelho em segundos e virou bruscamente com medo de seus amigos terem percebido.

ꟷ Besta. ꟷ revirei os olhos para a atitude dele.

ꟷ Ai, ai... ꟷ Tião lamentou desanimado.

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Oooi
kiki aqui. :)

Demorei um pouquinho para postar e o motivo foi: Férias acabaram! Ainda por cima mudei de casa e mudança é sempre uma confusão.
Espero que estejam gostando da fic.

Queria pedir uma ajudinha que é: variação linguística! aaaahhh
É muito fácil quando se trata do Lucas a forma como ele deve pensar e falar, pois dei a ele nada menos que a naturalidade da região de onde nasci. Ele fala como eu o que facilita na hora de escrever.
O Danilo também não é um problema, pois moro com duas pessoas de São Paulo e é fácil prever a forma como ele deve falar. (mesmo que o Dani é do litoral e não da capital). Agora os outros... por mais que eu pesquiso é um desafio.

Iara e Naldo, são do Rio (estado)
Tião, Nordeste, sem nenhum estado determinado ainda. (talvez vcs me ajudem a definir)
Lina, Amazônia mesmo.
Marco e alguns futuros personagens são do Sul.

Queria que vcs, maravilhosos, que são desses lugares nos ajudassem com dicas, expressões e palavras que são recorrente no vocabulário de vcs. (paulistas e mineiros podem ajudar tbm kkkkk)
Bjs!!!

Ps: Tyke manja das artes e esta fazendo desenhos dos personagens *-* em breve colocaremos aqui.

Até o próximo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "English Boy" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.