Never Enough escrita por oicarool


Capítulo 5
Capítulo 5




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A primeira lembrança que Darcy tinha de Elisabeta era quase traumática. Acontecera quando ele tinha cerca de quatro anos, e Elisabeta, dois. Ele não lembrava-se das circunstâncias, apenas que, em determinado momento, estava na sala de sua casa, enquanto Elisabeta e Ernesto estavam em um berço improvisado. Naquela época Darcy achava os bebês chatos – Elisabeta era quase sete meses mais velha que Ernesto, mas ainda assim, nenhum deles estava em idade para brincar com Darcy.

Tudo o que Darcy podia se lembrar era de ver a pequena Elisabeta escalando o berço, e antes que pudesse gritar por um adulto, a garotinha já despencara daquela altura, caindo em um choro desesperado. Talvez por isso, pelo trauma daquela cena, Darcy Williamson sempre fora um pouco superprotetor demais com sua amiga Elisabeta. O que, com o passar dos anos, significava que ele tentara boicotar todas as atividades perigosas que a garota inventava.

Aos cinco anos, Elisabeta caíra de uma mureta na rua de cima, fazendo com que Darcy precisasse estancar o sangue de seus joelhos até Ernesto encontrar um adulto. Não era necessário dizer que Darcy havia contraindicado aquela brincadeira, mas, como sempre Ernesto e Elisabeta não o ouviram. Aos sete anos, a garota precisara ser salva de se afogar no riacho, em uma viagem que todos fizeram para visitar os avós Benedito no interior.

A lista de vezes em que Darcy opinara contra alguma brincadeira perigosa, apenas para que Ernesto e Elisabeta seguissem o plano e tudo desse errado, era enorme. Faltavam mãos para enumerar as confusões em que os dois se metiam. Camilo e Jane, os irmãos seguintes, eram completamente diferentes. E Mariana era muito mais nova do que ele, por isso Darcy conseguia convencê-la a não concretizar suas ideias malucas.

A verdade é que, com o passar dos anos, ficou cada vez mais claro que Elisabeta e Ernesto eram muito parecidos. Aprontavam as mais diversas aventuras, chegavam sujos e cansados em casa quase todas as noites, e, como eram dois, tinham maior poder de decisão. Com o tempo, Darcy apenas cansou de tentar convencê-los do contrário, e como uma forma de defesa alegava que estava muito velho para aquelas brincadeiras.

Não era a mais sincera das coisas, mas, se fosse admitir, sentia-se enciumado por nunca ter a mesma atenção que Ernesto recebia. Elisabeta via seu irmão como aventureiro, divertido, e ele apenas era o irmão mais velho chato de Ernesto. Como bons irmãos, os dois viviam em pé de guerra, mas nunca houve qualquer dúvida sobre o quanto se amavam.

Darcy seria capaz de fazer qualquer coisa por Ernesto, e Ernesto por Darcy. Por isso, mesmo quando entravam nas maiores discussões quando adolescentes, logo faziam as pazes. Mas o mesmo não acontecia quando Darcy discutia com Elisabeta. Quando adolescentes, passavam dias sem trocar uma palavra, orgulhosos demais para pedir desculpas. Isso era algo que havia melhorado com o tempo.

Quando mais velhos, apenas entenderam que discutiriam eventualmente e fariam as pazes na mesma facilidade, para logo depois brigar novamente. Mas Darcy em seguida começou a trabalhar, e via Elisabeta com muito menos frequência do que antes. Foi um afastamento natural, e em algum momento restaram apenas as implicâncias e discordâncias. E nenhum dos dois tinha coragem de admitir que sentia falta, afinal, qual seria o sentido de sentir falta de uma relação tão conturbada?

Mas, aos vinte e três anos o emprego de Darcy no exército exigiu que ele se afastasse de casa. E, como já não eram tão amigos assim, nenhum dos dois teve muito contato durante aquele período, exceto por um ou dois finais de semana em que Darcy visitou sua família. Nestes, parecia sempre haver um desconforto entre eles, e era essa a sensação que mantinham desde então.

Era como se fossem velhos amigos, ao mesmo tempo em que eram quase desconhecidos. E os confundia cada vez mais o porque de suas pequenas interações ou indiferenças parecerem magoar tão mais profundamente do que quando mais novos. Mas, aos poucos e em pequenos gestos, começavam a questionar se suas implicâncias eram fundamentadas.

Elisabeta se perguntava exatamente isso, enquanto observava a lua naquela noite gelada. O dia havia sido tumultuado desde cedo. Tudo começara quando ela escrevia sua próxima coluna, e ouviu gritos na rua. Correu até a fonte do barulho, assim como sua mãe e sua irmã Cecília. Do outro lado da rua uma senhora segurava Charlotte pelo braço e gritava com Veridiana. Foi tudo muito rápido, mas o suficiente para Elisabeta entender que Lídia e Charlotte estavam crescendo.

Aparentemente, sua nem tão inocente irmã estava envolvida com algum tipo de canalha que frequentava um bar no caminho de sua escola. Lídia era uma menina surpreendentemente avançada para a sua idade. Falava e sabia coisas que chocavam suas quatro irmãs mais velhas. Charlotte, ao contrário, era uma moça doce e bem mais inocente. Como as duas eram melhores amigas ainda era intrigante.

O fato é que Lídia, em suas muitas idas e vindas da escola, havia se envolvido com o tal sujeito, um marinheiro que estava de passagem pela cidade. Charlotte, para não deixa-la desacompanhada, ficava aguardando os flertes de Lídia, e assim tornou-se presa fácil para um poeta chamado Diogo Uirapuru. A senhora que a trazia pelo braço era a dona da pensão em que o calhorda vivia, que, preocupada com a juventude da garota que o poeta tentava levar para seu quarto, a obrigara a dizer onde vivia.

Sendo Charlotte a única menina dos Williamson, não demorou para que Camilo e Ernesto ficassem sabendo da história. Seus amigos tinham muitas qualidades, mas nenhum deles sabia lidar com uma menina que estava se sentindo humilhada, e logo Charlotte atravessara a rua correndo, sob os protestos de Veridiana e seus irmãos. Ofélia berrava a plenos pulmões com Lídia, e Elisabeta jurou não se envolver, pois Deus sabia que sua irmã mais nova precisava de alguns limites.

Mas, ouvindo a confusão, Elisabeta assegurou à Veridiana que conversaria com Charlotte, discutiu com Ernesto a ponto de chamar a atenção dos vizinhos, e, por fim, levou Charlotte até seu quarto. Charlotte era como uma de suas irmãs mais novas, e Elisabeta a ouviu chorar e lamentar, a consolando a medida do possível.

Ernesto e Camilo ainda tentaram levar Charlotte para casa, gerando uma nova onda de discussões com Elisabeta, e mais tarde Archibald precisou ser contido por Felisberto, que o levou para uma longa conversa sobre ser pai de uma menina. Por isso, quando Darcy chegou até a casa dos Benedito e entrou no quarto de Elisabeta sem pedir licença, ela já tinha mais pedras nas mãos do que poderia contar.

— Se veio aqui para agir como um homem das cavernas, pode ir embora. – ela disse, firme, antes que ele pudesse falar qualquer coisa.

Mas Darcy a ignorou, sentando-se na cama de Elisabeta, onde a mesma estava sentada com a cabeça de Charlotte repousando em seu colo. Elisabeta abriu a boca para manda-lo embora novamente, mas Darcy acariciou os cabelos da irmã, e por isso Elisabeta ficou quieta.

— Charlotte, o que foi que aconteceu? – ele perguntou em um tom suave, que Elisabeta não sabia se já havia ouvido sair dele.

— Me desculpe, Darcy. – a mais nova disse, sentando-se rapidamente e se jogando nos braços do irmão, as lágrimas voltando a correr por seu rosto. – Eu não estava pensando direito, eu não queria envergonhar nossa família.

Darcy a abraçou com força, e Elisabeta de repente sentiu-se uma intrusa, fazendo parte de um momento íntimo demais. Darcy sussurrava que estava tudo bem, enquanto Charlotte chorava nos braços do irmão mais velho.

— Você não envergonhou ninguém. – ele disse, se afastando e olhando nos olhos da irmã. – Você não precisa pedir desculpas por nada.

— Mas aquela senhora me trouxe pelo braço, gritou com mamãe no meio da rua. Ernesto e Camilo disseram que eu não me dei ao respeito. – Charlotte começou a chorar novamente.

— Nossos irmãos são uns idiotas. Você já sabe disso. – Darcy tentou sorrir, mas Elisabeta via a tristeza nos olhos deles. – Por favor, não chore.

— Me desculpe, Darcy. Eu achei que Uirapuru me amava. Eu nunca pensei que ele poderia querer... – ela cortou as palavras, e Darcy a abraçou novamente.

— Um homem que a amasse a trataria como a joia que é, Charlotte. – Darcy acariciou os cabelos dela. – A respeitaria e não tentaria abusar de sua inocência.

Não demorou muito para que Darcy convencesse Charlotte a finalmente voltar para casa e conversar com seus irmãos. Prometeu não deixar que Ernesto e Camilo interferissem, nem que precisasse socá-los, o que fez Charlotte rir. Elisabeta ainda observou quando os irmãos atravessaram a rua abraçados, e agora, muito tempo depois, olhava o céu, completamente surpresa com a reação inesperada de Darcy.

Como se seus pensamentos se materializassem, Darcy abriu a porta da frente de casa, e andou em direção à janela de Elisabeta. Subiu novamente no alto rodapé de pedras, apoiando-se no parapeito da janela, ao lado de onde Elisabeta estava. Então suspirou, exausto, fazendo Elisabeta rir.

— Eu não sabia que era tão difícil ter uma irmã mais nova. – ele riu.

— Me sinto um pouco responsável pelo que aconteceu. Charlotte nunca se meteria nessa confusão se não fosse por Lídia. – ela confessou.

— São meninas, não é culpa delas. – Darcy deu de ombros. – Mas eu vim agradecer você. Minha mãe disse que você gritou com meus irmãos até que eles voltassem para dentro de casa. – ele riu.

— Seus irmãos não entendem nada sobre ter mulheres em casa. – Elisabeta sorriu. – Mas você me surpreendeu.

— Surpreendi? – ele perguntou, e soou muito mais jovem do que parecia.

— Tudo o que Charlotte precisava era de um pouco de afeto. Você fez um bom papel.

— Eu vou anotar este dia no calendário. – Darcy fingiu estar pensando. – O dia em que Elisabeta Benedito elogiou Darcy Williamson.

Elisabeta apenas revirou os olhos, e então abriu um sorriso.

— Obrigado. De verdade. – ele disse, sincero.

Por algum motivo Elisabeta não conseguiu responder, e o silêncio fez com que um olhasse para o outro. Por alguns segundos, nenhum deles conseguiu quebrar aquela conexão, conscientes demais um do outro. Então Elisabeta desviou o olhar, ao mesmo tempo em que Darcy desceu de seu apoio e se despediu com um aceno.


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Notas finais do capítulo

Eu to apaixonada pela relação deles, é isso.



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