Primavera de Todoroki escrita por LiliBeans


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Finalmente tomei coragem para ingressar nesse mundo, até então eu era só leitora, hehe~

Nada melhor para começar do que uma oneshort das que mais me emocionei escrevendo ^-^
Estou aberta a críticas, comentários, sugestões e dicas!

Apreciem a leitura!



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Primavera de Todoroki

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Bateu a porta da frente com força em busca de calar os anseios da irmã, que implorava para que ele voltasse e conversasse com o pai. Outra briga que resultou em uma explosão de temperamento, deixando todos na casa em um estado de angústia severo. Andou mais um pouco e desviou o olhar para encontrar seu vizinho, que o fitava com medo e fechou a janela com força.

Todoroki sentiu uma efervescência muito grande em suas veias. Tinha como seu pai ser mais escandaloso? Provavelmente a vizinhança inteira estava ciente das brigas constantes dentro daquela casa. Não era exatamente uma novidade, sempre que tinha a chance de enfrentar seu velho, Todoroki o fazia, porém a evitava ao máximo o confronto. Desde a final do festival esportivo a frequência aumentou, não podia simplesmente ficar calado enquanto seu pai tentava o humilhar pela derrota – vergonhosa sob seu ponto de vista. E as acusações eram sempre as mesmas, sua rejeição exacerbada ao lado esquerdo.

Com as mãos no bolso, amassando algum papelzinho que achou por lá, Todoroki seguia pela rua morro abaixo em direção a lugar nenhum. O mais longe possível do seu bairro ainda não seria o suficiente. Não raro, pensamentos de si mesmo arrumando as malas e indo embora daquela casa cruzavam sua mente, com seu talento conseguiria facilmente algum estágio como ajudante em uma agência, sua carreira de herói não dependia da imagem de Endeavor para isso.

Durante as eliminatórias tinha certeza de que suas dúvidas seriam esclarecidas e o caminho para se tornar herói ficaria mais fácil, entretanto, sua mente voltou mais confusa do que quando entrou. E era tudo culpa daquele garoto. Via-o com muita atenção desde o primeiro dia de aula, lembra-se que achou ridículo o fato de sacrificar o próprio corpo apenas para ser um herói, como ele pretendia lutar com vilões se é tão frágil com sua individualidade? Mas com o tempo passou a analisá-lo melhor e foi notando as nuances de sua personalidade. Midoriya sempre pensava nos outros antes de si mesmo e isso o levava a decisões estúpidas como colocar sua vida em risco para ajudar alguém a se libertar de um trauma.

Foi exatamente o que fez, esgotou quase todos os ossos do corpo para forçar Todoroki a enfrentar seu lado esquerdo, sujo, fruto de uma violência sem qualquer justificativa. Ainda não sabia muito bem como funcionava aquilo, porém não parava de pensar em como Midoriya foi o primeiro a olhá-lo e não enxergar o Endeavor. Gostaria muito de tentar se aproximar e conversar mais sobre essa posição, só que suas habilidades sociais eram tão atrofiadas que não tinha ideia de como fazer isso.

Não sabia exatamente há quanto tempo andava e certamente já havia se afastado mundo de seu bairro, também se sentia mais calmo, sua respiração se normalizou, ele tentava não pensar que aquilo foi pela imagem de Midoriya vir a sua mente, ainda era muito confuso. A noite estava muito quente e uma brisa fresca atingia seu rosto calmamente, jogando alguns fios de cabelo rebelde em frente aos seus olhos.

Logo a frente havia uma praça com cerejeiras carregadas de pétalas e frutos, apenas esperando o primeiro sinal da primavera para cobrir o asfalto com o tapete rosado. Mesmo outras vezes que saía de casa após brigas, não se lembrava daquele lugar, sinal de que havia ido muito além dos limites da sua residência. Talvez fosse melhor assim, quando seu pai fosse procurá-lo não viria a uma região mais popular.

De repente parou de andar com uma visão que fez as batidas de seu coração ligeiramente mais rápidas. O garoto que dominou seus pensamentos há dias estava há cem metros de distância, talvez menos. Todoroki engoliu em seco e analisou atentamente ao comportamento do colega de classe.

Apoiado na mureta que dividia a ponte do lago, Midoriya arrancava com os dedos migalhas bem diminutas de um pão e o esfarelava delicadamente entre os dedos, jogando-os para as carpas. O vento parecia se divertir balançando aqueles fios rebeldes para trás, revelando os doces verdes, tristes. Apesar de concentrado em sua tarefa de alimentar peixes, Midoriya estava se perdendo em suspiros, algumas vezes tentava curvar os lábios para sorrir, mas ele saia trêmulos e logo desfaziam para dar vazão a um bico triste.

Se aproximou devagar, ainda não queria que o colega notasse sua presença e conforme chegava mais perto, pôde ter um vislumbre mais detalhado da situação de Midoriya. Já tinha tirado o gesso do braço, porém os dedos continuavam enfaixados, também possuía curativo em um dos joelhos que o rapaz fazia uma pressão excessiva para mantê-lo apoiado ao chão. Um nó de culpa entalou em sua garganta, ele evitava pensar que praticamente obrigou Midoriya a dar tudo de si em uma batalha, mesmo ciente de que sua individualidade não o permitiria ir tão longe.

Como Midoriya foi capaz de sacrificar o corpo para ajudá-lo é uma das questões que ele não poderia responder sozinho. Não lhe passa pela cabeça como ele não tinha noção do perigo e dos seus limites para salvar os outros, considerando que não é a primeira vez que isso acontece. Assim como na arena se não fosse o exército reforço chegar no exato instante, Midoriya não estaria aqui, morreria como mártir para o All Might, que não é exatamente o herói que precisa de um adolescente se sacrificando por ele.

Debruçou-se na mureta com cuidado, Midoriya ainda não notou sua presença, ou sua presença era silenciosa demais ou o rapaz estava muito imerso seja lá no que ocupa seu coração, talvez os dois. O único som do ambiente era os splashes de água e as migalhas de pão sendo arrancadas com gentileza, algumas vezes também ouvia suspiros vindo de Midoriya, só que eram bem raros e baixos, abafados pelo som da correnteza.

De repente, um engasgo e o som da casca do pão sobre a madeira da ponte, encontrou os olhos com os de Midoriya, que o olhava assustado.

― Ah, é só você, Todoroki. ― Midoriya soltou o ar em um suspiro aliviado, abaixando um pouco a mão que foi até o peito. Todoroki não encontrou as palavras certas e apenas se abaixou para pegar o pão para o colega, exatamente no mesmo instante que Midoriya também o fez. As pontas dos dedos de Midoriya tocou delicadamente as costas da sua mão e a reação imediata do rapaz foi recuar um pouco. Quando Todoroki foi entregar o alimento, notou o discreto blush rosado nas bochechas, junto com a timidez em seus olhos. Midoriya murmurou um agradecimento antes de voltar ao trabalho.

Durante algum tempo o silêncio reinou, porém nenhum dos meninos se sentia incomodado com aquilo, aproveitavam a presença um do outro à sua própria maneira. Todoroki tinha seu olhar voltado para as carpas, observando como elas se moviam rapidamente e aglomeravam ao redor de onde Midoriya jogava o pão. Já este algumas vezes movia seus olhos para o companheiro ao lado, mas não dizia nada, sua única ação foi uma vez que se aproximou um pouco, quase imperceptível.

― Posso também? ― Todoroki foi quem quebrou o gelo. Como resposta, Midoriya partiu metade do que ainda restava de pão e entregou-o ao rapaz. Todoroki arrancou um pedaço bruto de pão e o jogou no lago, porém nenhum peixe se aproximou. Uma risada singela atravessou seu ouvido e rapidamente encontrou Midoriya sorrindo genuinamente desde que o encontrou ali.

― Eles não vão conseguir comer pedaços grandes assim nem se você jogar com tanta força, irá assustá-los. ― Explicou Midoriya visivelmente mais a vontade com a presença de Todoroki, tanto que se aproximou mais um pouco. Em seguida tirou um pequeno pedaço com os dedos, amassou-o e esfarelou antes de jogar, agora vários peixes se reuniram na luta para ficar com a maior quantidade de comida.

Todoroki tentou mais uma vez, dessa vez seguindo os conselhos de Midoriya, pegou um pedaço menor e jogou, contudo, ficou preso em um cascalho estreito. Somente uma carpa conseguiria pegar, mas elas foram se aglomerando umas às outras e nenhuma conseguiu, as que estavam na frente eram grandes e gordas, bloqueavam a passar, ao passo em que as de trás, menores, não conseguiam penetrar as primeiras. Sem perceber, Todoroki tornou aquilo uma batalha para a sobrevivência.

Ele não sabe quando se tornou tão interessante observar aquilo e imaginar quem iria vencer, não, interessante não é a palavra, curioso seria mais apropriado. Quando algumas migalhas que Midoriya jogou tocaram suavemente a água, os menores desistiram dos cascalhos e foram atrás.

― Por que aqueles grandões não desistem? Não conseguem passar por aquela barreira, podem morrer se entalarem nos cascalhos. ― Todoroki questionou mais alto do que pretendia, despertando a atenção de Midoriya. Na verdade, aquilo era mais uma de suas interrogações internas, porém foi verbalizada, por algum motivo.

― A pouca comida que eu jogo não é o suficiente para alimentá-los, eles estão em busca de sobreviver e para isso teriam que se arriscar. ― Ponderou Midoriya com bastante cuidado, como se escolhesse criteriosamente as palavras.

― Se ficarem entalados a ponto de não conseguirem mais se mover, irão morrer e todo esse esforço irá por água abaixo. ― Retrucou com a voz um pouco áspera do que o normal, porém mantinha em seus olhos a inexpressividade, mirando-os diretamente em um grande que quase ficou preso nos cascalhos.

― Mas é a única escolha que eles têm, portanto, a mais sábia. Melhor se arriscarem e ter uma chance de viver do que sucumbir e morrer da mesma forma.

― Eles não podem simplesmente se sacrificar assim! ― Todoroki se alterou a medida que sentiu seu suor evaporar no lado esquerdo do seu corpo. Até mesmo Midoriya moveu seu olhar arregalado. Todoroki respirou profundamente, exalando um ar bem gelado que o ajudou a acalmar os ânimos, detestava quando perdia o controle assim, ficava assustadoramente parecido com seu pai.

Midoriya abaixou o olhar, entendendo que a conversa não se tratava de carpas ao pé da letra, não tinha mais palavras. Desencostou-se da mureta e moveu-se até um banco de madeira, abaixo de uma cerejeira, estava tomado por uma expressão séria e contemplativa, porém ainda com um brilho triste no olhar, semelhante ao que encontrou quando chegou ali. Todoroki também desistiu de alimentar os peixes quando percebeu que seu pão havia tostado, em seguida endurecido rapidamente, virou uma pedra. Sentou-se no mesmo banco que Midoriya, entretanto com uma certa distância.

Novamente o silêncio reinou, mas era completamente diferente da outra vez, havia uma tensão no ar, uma aura um pouco triste, Todoroki sabia que foi um pouco rude com as palavras e não viu outra alternativa, alguém tinha que trazer Midoriya para a realidade daquele mundo, nele havia crueldade, ambição, ganância e corrupção, mesmo entre os heróis. Não fazia o menor sentido Midoriya arriscar sua vida para salvar aquele mundo.

O farfalhar de um saco de papel tomou conta do ambiente e o rapaz não ousou quebrar seu olhar de gelo para verificar o que Midoriya estava fazendo. Não foi necessário, pois logo uma mão pequena estendeu-lhe a metade de um mochi médio. Era lindo, o morango no meio, coberto por aquele creme de feijão doce e a massa de arroz cobrindo tudo. Atordoado, Todoroki aceitou o doce e sentiu seus dedos vacilarem quando tocou a pele áspera da cicatriz que Midoriya carregava nos dedos. Outra pontada de culpa ao se lembrar que Midoriya excedeu muito seus limites na batalha, resultando em sequelas irreversíveis, seu outro lado discordou, o garoto conhecia seu corpo, se arriscar daquela forma foi uma escolha pessoal.

Assim que recolheu a mão, Midoriya começou a comer delicadamente, talvez para não fazer muito barulho e continuava olhando para o chão naquele semblante angustiado. Tudo aquilo era novo para Todoroki, ele nunca teve alguém que lhe dividiu alguma coisa, uma pessoa que o trata com tanta gentileza e carinho, mesmo com pouco contato. Isso tornava Midoriya cada vez mais difícil de ler e mais intensa se tornava a vontade de desvendar o mistério daquele olhar desolado.

― Heróis existem porque existem vilões. Ou será que existem vilões porque existem heróis? Não há uma explicação muito clara para isso. ― Todoroki mirou o outro rapaz com o canto dos olhos, agora com os ouvidos bem atentos ao que ele falaria. ― Primavera é a estação da mudança, esta só ocorrerá com muitos sacrifícios, senão tiver uma ruptura na zona de conforto, tudo permanecerá como está.

― Mas várias primaveras se vão e nada se altera. Pessoas no topo continuam no topo, pessoas inferiores continuam inferiores, então para que acreditar em um pensamento tão infantil? ― Foi a primeira vez que Midoriya ergueu a cabeça para encará-lo, o queixo levemente caído, Todoroki se moveu sutilmente na direção o rapaz. ― Sua vida vale tanto quanto a minha, quanto a de All Might, mesmo assim você insiste em colocar-se inferior. Não passa pela sua cabeça que deixa todo mundo preocupado com essa atitude.

Midoriya moveu levemente os lábios, querendo começar uma discussão, mas não conseguiu sustentá-la. Ele sabia que se morresse deixaria uma série de pessoas desoladas, porém sua vontade de ser herói falava mais alto e seus valores lhe diziam que um herói deve salvar as pessoas, custe o que custar, até a própria vida. Não suportou o peso do olhar gelado de Todoroki e desviou para o chão, segurando a vontade de chorar com uma fungada profunda.

― Você também possui um complexo de inferioridade muito grande, Todoroki, todos nós carregamos alguma angústia. ― Respondeu e Todoroki pela primeira vez quebrou a inexpressividade para rosnar com a singela menção ao seu lado esquerdo.

― Meu lado esquerdo é sujo, não é a mesma coisa. Ele não merece vir à tona.

― Não se dá a chance de conhecê-lo devidamente e tira conclusões baseadas em experiências completamente exteriores. É muito comum odiarmos alguma coisa quando temos referências negativas a ela ou referência alguma. ― Midoriya quem tomou a dianteira e se aproximou, estendendo a mão para tocar o lado esquerdo, porém Todoroki foi mais rápido e segurou o pulso do rapaz, impedindo-o que o fizesse. Foi instintivo, não queria que Midoriya fosse corrompido pelo seu pai. ― Quanto tempo acha que pode aguentar sem ele? Depois me acusa de me sacrificar à toa. ― Os olhos verdes do rapaz encontraram a lua crescente no céu. ― Está tarde, tenho que ir antes que minha mãe fique preocupada.

Recolheu todo o restante do lixo orgânico no banco, deixando-o dentro da sacola que trouxe e se levantou. Todoroki ficou sem reação por alguns instantes e observou a perna esquerda de Midoriya, como mancava. Sentiu mais uma vez seu instinto dizendo para acompanhá-lo, naquele estado se algum vilão atacasse Midoriya, ele não tinha condições para se defender e provavelmente não teria nenhum herói de plantão naqueles arredores, eles não costumam operar em bairros mais pobres tarde da noite.

Ou será que apenas procurava uma desculpa para permanecer mais tempo ao lado de Midoriya?

Quando se deu conta estava correndo para alcançar o menino e diminuiu o ritmo quando conseguiu. Midoriya o olhou surpreso, aceitou a companhia calado. Os meninos não trocaram uma única palavra durante o caminho.

Aquela noite foi de longe a mais frustrante desde que começou as férias, mesmo àquelas que as brigas com seu pai eram as mais violentas. Por mais que seu pai fosse um brutamontes desgraçado, Todoroki sabia agora se defender, só não conseguiu se defender de Midoriya que inverteu completamente o diálogo para fazê-lo desabafar, foi extremamente injusto. Ao final, Todoroki sabia menos de Midoriya do que quando chegou.

Estavam se aproximando de um complexo de prédios quando Midoriya parou, ficou um tempo parado contemplando algo e se virou para Todoroki, com um sorriso nos lábios.

― Meu prédio é aquele. ― Apontou para o segundo que estava à poucos metros adiante. Todoroki balançou positivamente a cabeça ao entender que era uma despedida. Midoriya olhou para os prédios, mas hesitou um pouco antes de ir. ― Eu sempre alimento as carpas nas quartas a noite, está bem?

Todoroki prendeu a respiração por alguns instantes, foi impossível conter seus pelos se arrepiarem com o calor que emanou dos seus poros, assim como não conseguiu esconder um vermelho nas suas bochechas. Midoriya deu-lhe uma risada doce antes de acenar e foi para o seu prédio, deixando o colega sozinho ali. Era a primeira vez que vivia algo daquele nível. E estava disposto a aceitar aquela mudança.


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