Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 77
A Pior das Notícias


Notas iniciais do capítulo

Como prometido nas notas finais do último capítulo, um salve para a Isa Caan que acertou a identidade do careca. Só digo que ele vai voltar!!
Antes que eu receba uma chuva de pedras virtualmente, quero dizer que tudo o que vai acontecer nos capítulos daqui para a frente, está na série, assim, eu não vou me atentar nos detalhes que estão nos episódios, mas sim naquilo que não vimos, onde eu posso inventar.
Dito isso, sugiro que vejam os episódios Hiatus Parte 1 e 2 (S03E23e24); Shalom (S04E01) e Escaped (S04E02), só para terem uma ideia do que está para acontecer.
Boa leitura!



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— Mamãe... mamãe... acorda! – Ouvi algo ao longe. – MAMÃE! – Alguém me sacudiu.

— Vai procurar o seu pai. – Grunhi e busquei pelo travesseiro de Jethro.

— O papai não está aqui. Saiu cedo. Ele me acordou para se despedir. – Sophie me respondeu.

Abri um olho, e lá estava a minha filha, com os olhos vermelhos, o cabelo todo embolado e uma cara não muito feliz.

— O que aconteceu, pequena?

— Eu não tô passando bem... – Ela me respondeu e segurou a barriga.

— Você comeu muito doce ontem na casa da Abby?

— Não, mamãe. A Abbs não me deu doce nenhum. Desde a festa do pijama, ninguém me dá muito doce. – Ela me respondeu.

— E o que você tem? – Me sentei na cama e a puxei para se sentar do meu colo.

— Não sei. Eu tô sentindo uma dor na minha barriga. Tá doendo aqui, ó! – Ela apontou para o estômago.

— Você tem certeza de que não comeu nada de diferente?

— Não, mamãe. A Abby fez uma sopa. E eu não comi doce. Não é dor de barriga comum, essa é diferente!

— Diferente? – Perguntei intrigada.

— Sim. Parece que minha barriga está gelada!

E foi só aí que eu entendi. Sophie estava nervosa.

— Está preocupada com alguma coisa, filha?

E a ruivinha mordeu o lábio.

— Eu tornei a sonhar com o papai. E eu não gostei.

— Aquele mesmo sonho que você teve no dia do seu aniversário?

— Sim. Só tinha uma coisa de diferente. – Ela me respondeu infeliz.

— Que era?

— Dessa vez ele acordava. Só que ele não sabia quem eu era! – Ela chorou.

— Ô filhota, foi só um sonho ruim. Seu pai é incapaz de te esquecer! – Beijei a cabeça dela.

Sophie se deitou do meu lado, ainda chorando.

— Toda vez que esse sonho se repete, eu me levanto com dor de barriga. – Ela murmurou encolhida em mim.

Fiquei pensando no que ela falou. Eu sabia o que era ter certos tipos de “premonição” e isso não era nada agradável, contudo, eu confiava em Jethro e na equipe e achava muito improvável que Jethro fosse parar no hospital, em coma e quando acordasse, esquecesse da vida dele. Acho que Sophie está vendo filmes demais.

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Depois de meses de treinamento intensivo, de comer o pão que o diabo amassou, eu tinha uma folga. Míseros três dias. E eu tentava me convencer que três dias eram melhor do que nada, assim, quando entrei no meu carro e fiz meu caminho para D.C. eu só pensava em duas coisas, descansar e passar um tempo com o meu pai.

É lógico, que eu não passei quase quatro meses sem falar com ninguém, eu liguei para todos, mandei mensagens, conversei pelo chat para saber as últimas do casal mais badalado do NCIS, só que não é a mesma coisa, nem as fofocas são as mesma coisa, quando são passadas por mensagem.

Assim acabei acelerando mais do que devia no meu caminho para casa. Que se dane, eu quero é ficar em casa à toa com as pernas para cima vendo a minha irmã mais nova deixar o meu pai maluco!

Mas se eu soubesse o que me aguardava quando cheguei, talvez eu tivesse preferido ficar de plantão em Anápolis por todo o final de semana...

—-----------------   

— E então? – Perguntei para a minha filha que estava sentada na minha cama me ajudando a me arrumar.

— Toda de vermelho!! Adorei!! – Ela sorriu e eu pressenti que tinha um “mas” ali no meio.

— Mas o que, Sophie?

— Teria ficado muito melhor se a senhora não tivesse cortado o cabelo. – Ela disse toda sincera.

— Você realmente não gostou do meu corte de cabelo, não é? – Indaguei para a saltitante ruiva que ia na minha frente.

— Não, eu não gostei. E nem sei o motivo da senhora ter feito isso! – Ela fez um bico quando atingiu o último degrau e olhou para mim.

— Quis mudar. – Respondi por fim.

— Isso eu não faria! – Ela falou e iria continuar com o discurso “Eu odiei o corte de cabelo da mamãe” se Jethro não a tivesse levantado no colo e a assustado. – Papai!! Eu quase dei um treco!

— Ainda inconformada com o corte de cabelo da sua mãe?

— Tô!

Estou!— Tanto eu quanto ele a corrigimos, e ela fechou ainda mais a carranca.

— Isso tá virando um complô! A Kells precisa voltar logo ou eu vou pedir asilo na casa do Tony! – Ela falou infeliz.

— Na casa do Tony? Você? – Olhei incrédula.

— Lá tem filmes! E sorvete!

— Tony te manda de volta em menos de vinte e quatro horas. – Jethro disse sorrindo.

Sophie encarou o pai, Jethro fez o mesmo e os dois começaram a competição de encaradas que já estava virando algo comum.

— Vamos parando? – Tive que terminar a contenda ou os dois ficariam assim por um tempo, calados, se olhando e eu tenho certeza, conversando sem falar nada.

— Mamãe! – Sophie reclamou assim que o pai a colocou no chão. – Fica comigo!

— É um jantar importante, Sophie. Não posso. – Dei um beijo no alto da cabeça dela.

— Papai? – Ela tentou.

— Não posso Soph. Mas amanhã eu vou ficar o dia inteiro aqui. – Ele prometeu.

— Amanhã a Kells está aqui. Não vai ser a mesma coisa. – Ela falou subindo dois degraus para tentar igualar a nossa altura.

— Desde quando tem ciúmes da Kelly? – Jethro perguntou se apoiando no corrimão e olhando para a caçula.

— Não tenho. Só não quero que vocês vão. Só isso. – Ela deu de ombros.

— Sophie... – Dissemos ao mesmo tempo.

— Tá bom. Tá doendo aqui! – Ela apontou para a barriga. – Eu não tô gostando disso. Por favor, fiquem comigo! – Ela implorou com os olhos cheios de água.

— Filha, nada de ruim vai acontecer, você não precisa ficar assim. Não vai acontecer nada. – Tentei acalmá-la ou não conseguiria sair de casa.

— Promete, mamãe?

— Mas é claro! – Abracei-a e notei que ela estava segurando o choro. - Eu volto logo, Miniatura, pode ter certeza disso. Agora me dê um beijo que tenho que ir. – Pedi.

Sophie me deu um beijo e me levou até o carro, parando na porta de casa ao lado de Jethro, assim que meu motorista deu a partida.

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— Papai? – Sophie me olhou assim que o carro que levava Jen para o jantar na Casa Branca desapareceu de nossas vistas. – Fica!

— Não posso, Ruiva. Essa operação está programada há muito tempo, mas eu te prometo que amanhã bem cedo eu te acordarei para que possamos perturbar a Kelly.

— Onde é essa operação? – Ela me perguntou apreensiva.

— Dentro de um navio turco.

— Não! Não vai! Não suba nesse navio, papai. Por favor! – Ela agarrou as minhas pernas, completamente desesperada.

— Por que não? Sophie, meu trabalho envolve a Marinha, e você sabe o que a Marinha tem.

— Papai, por favor. – Ela implorou. - Eu sonhei com um navio explodindo, eu sonhei com o senhor dentro desse navio, não vá.

— Sophie... – Me ajoelhei para ficar da altura dela. – Nada vai acontecer, não precisa ter medo.

Ela balançou negativamente a cabeça e enterrou o rosto entre meu pescoço e meu ombro.

— Não vai. Por favor. – Ela murmurava entre os soluços do choro.

— Eu tenho que ir, filha.

Ela deu um passo para trás e, ainda chorando, falou.

— Eu não quero perder o senhor, papai. Eu mal te conheci. – Era de partir o coração ver o tanto que ela estava desesperada.

— Pode me esperar acordada, filha. Eu chego para te pôr na cama e te dar um beijo de boa noite. – A puxei para um abraço e falei contra o seu cabelo.

— Isso é uma promessa, papai?

— Pode apostar que sim, Ruiva. Você vai me levar até o carro igual fez com a sua mãe?

Ela deu um passo para trás e me deu a mão e ainda chorando me levou até o carro.

Entrei e ela ficou parada do lado de fora, ao lado da janela.

— Eu te amo, papai! – Ela me falou.

— Também te amo, filha. – Respondi e dei um beijo em sua testa, depois, esperei ela ficar parada no batente da porta, onde Noemi já a esperava. Dei a partida e ela me acenou adeus, ainda não tinha parado de chorar.

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Tudo estava correndo bem, iria acabar voltando para a casa de Jen antes mesmo que Sophie desse conta e a essa altura eu esperava que Kelly já tivesse chegado, até que algo mudou.

O passaporte dado como falso, a nossa palavra-chave. Galib correu até a lavanderia, fui atrás.

— Desculpe ter te feito correr, não queria que os outros nos vissem. – Ele disse.

Por mim não tinha problemas, desde que ele me desse a informação que eu precisava. E ele tinha.

Um nome: PinPin Pula. Um alvo, a fragata Cape Fear. Iria explodi-la antes que ela fosse descarregada no Mar Vermelho. Se isso acontecesse seria pior que o 11 de setembro.

Ele não tinha mais nada. Eu agradeci, minha tarefa estava terminada, era só passar para o Alto Comando as informações.

— Me deixe ir, dê alguns tiros, só não me acerte. – Galib pediu com uma risada.

— Eu vou avisar a minha equipe para não atirar em você. – Disse pegando o celular.

Galib caminhou para fora da lavanderia enquanto eu sacava o celular. Eu não vi o aconteceu, mas quando a temperatura subiu e eu notei que era uma bomba, uma frase de uma garotinha ruiva ecoou em meus ouvidos:

Papai, por favor. Eu sonhei com um navio explodindo, eu sonhei com o senhor dentro desse navio, não vá.

Eu não quero perder o senhor, papai. Eu mal te conheci.

Depois disso só escuridão.   

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Isso não podia estar acontecendo. Não podia, eu ainda não acreditava nas palavras de DiNozzo. O que ele fazia lá se fora incapaz de proteger Jethro?

Acho que cheguei a falar isso para ele, mas não tenho certeza.

Na verdade, não tenho certeza de nada. Abandonei o jantar na Casa Branca, estou indo direto para Portsmouth, preciso ver Jethro, preciso me certificar de que ele vai ficar bem. Ele tem que ficar bem.

Foi quando me lembrei. Kelly. Ela estava vindo ou talvez já tenha até chegado.

Tentei ligar para ela. Um toque, dois toques.

— Qual é, Jen! Eu estou entrando na rua da sua casa agora! Não demorei tanto assim! - Ela disse, e era possível ouvir o sorriso dela. 

— Kelly. – Tentei parar o falatório dela. Eu sabia que ela reconheceria o meu tom de voz.

— O que aconteceu? Eu já te ouvi assim! – Escutei ao fundo pneus cantando, ela tinha parado o carro de uma vez.

— Seu pai. Houve uma explosão. Ele foi ferido.

— Onde ele está? Me diga! Eu estou indo agora!

— Portsmouth. – Foi tudo o que eu consegui dizer.

— Melhor centro de traumas dos três estados. Ele vai ficar bem. Eu sei que vai. – Kelly falou e ouvi pneus cantando novamente quando ela colocou o carro em movimento.

— Venha devagar, Kelly, por favor! – Pedi. Não sei se ela me escutou.

Já no hospital, entrei sem me importar com nada. Eu só tinha um objetivo. Chegar até ele.

Na estação das enfermeiras, pedi à enfermeira chefe a última atualização sobre Jethro. Ele estava no Trauma Um. Me virei e me vi impedida de entrar.

— Somente pessoal autorizado. – Ela me falou.

— Mostrei a minha identificação. Eu tinha que ser liberada.

Nem assim eu fui, diante disso comecei a procurar algo na minha clutch.

— Vai atirar em mim, Madame? – Ela me perguntou.

— Não chegaria a tanto, e além do mais, não trouxe minha arma.  – Respondi com o mesmo nível de sarcasmo, talvez o que estava por fazer era até arrogante demais. Mas por Jethro, eu faria qualquer coisa. Assim que achei meu celular, busquei na discagem rápida o número que precisava e a Secretaria de Estado, Condoleeza Rice me atendeu de primeira e logo perguntou por Jethro.

— A Chefe das Enfermeiras não em deixa vê-lo. – Expliquei.

— Passe o telefone para ela.

Passei o telefone para a enfermeira que já me olhava estranho, eu deveria ter um sorriso muito arrogante em meus lábios nessa hora.

Não sei o que foi falado, só sei que assim que o meu celular foi devolvido, ela abriu as portas do Trauma 1 para mim. Teria que agradecer a Condy depois.

Lá dentro, depois de receber os olhares mais estranhos devido à roupa que usava, não obtive nenhuma notícia quanto ao estado de Gibbs, só que ele estava sendo examinado.

Me sentei em um canto, torcendo e rezando para tudo dar certo. E por um instante, era Positano novamente. Era ele ferido e eu uma completa inútil, sem fazer nada a não ser esperar. E enquanto eu esperava, lembrei de Sophie, de seus dois sonhos e de seu desespero quando saí. Ela tinha razão por estar tão nervosa. O sexto sentido da minha filha era muito bom. E pensar nela me fez perceber que eu não voltaria para casa hoje. Não tinha como eu deixar Jethro aqui. Não nesse estado. Eu precisava ficar ao lado dele.

Dei uma olhada na hora, já era bem tarde, Sophie deveria estar dormindo, assim, temendo acordar Noemi, liguei para minha casa.

O telefone foi atendido no segundo toque, por uma Noemi bem agitada. Ao fundo eu escutava minha filha chorando.

— Noemi. – Chamei.

Señora! Que bom que ligou. Pode, por favor, acalmar a pequeña que não para de chorar desde que o Señor Gibbs saiu?

É claro que Sophie estaria ainda mais desesperada. Isso ela tinha puxado de mim.

— Noemi, preciso que você faça um imenso favor para mim, eu vou conversar com a Sophie, porém a notícia não é boa. Ela vai ficar ainda mais agitada e eu sei que você sabe fazer um chá calmante, quero que dê a ela assim que eu encerrar a ligação.

¿Señora, que se pasa?

— Jethro foi pego em uma emboscada, uma explosão em um navio, ele está no hospital, ainda não tenho notícias, mas acho que não está bem. Eu vou conversar com a Sophie e dizer que não foi nada preocupante, mas você a conhece...

Si. conozco.

— Ela vai ficar ainda mais aflita. Acalme-a por mim.

¿No vas a volver hoy?

— Não. Vou ficar aqui até ter notícias. Amanhã bem cedo eu peço Cynthia para passar aí e pegar as minhas coisas.

— Si. ¿Quieres que llame la niña?

— Por favor. – E me preparei para conversar com Sophie.

— Mamãe, cadê o papai? Me fala que ele está bem? – Ela implorou.

— Filhota, seu pai está no hospital.

— Eu sabia! Eu pedi para ele não ir naquele navio. Ele tá bem, né?

— Ainda não o vi, mas você conhece o seu pai. Ele é forte e vai ficar bem.

— Ele me prometeu que voltava para me dar um beijo de boa noite. – Ela falou, chorando ainda mais.

— Hoje não, meu amor. Mas ele vai fazer isso. Ele só precisa ser checado e ficar descansando um pouco.

— Tem certeza, mamãe? – Eu podia ouvir o desespero dela. E me senti muito mal por mentir.

— Tenho filha. Agora a mamãe tem que desligar, eu prometo ligar de novo.

— A senhora vai ficar aí no hospital?

— Sim. Eu vou.

Fez-se um silêncio absurdo do outro lado da linha e eu achei que Sophie tinha desligado, até que a escutei fungando, tentando segurar o choro.

— A senhora faz uma coisa por mim? – Me pediu.

— Qualquer coisa, filhota.

— Diz pro papai que eu o amo muito. Mas muito mesmo. E que eu não me importo que ele não vai me dar um beijo de boa noite hoje. E que eu quero que ele melhore logo para voltar para casa.

— Eu digo. Na primeira oportunidade que eu tiver, eu vou falar para ele.

— Obrigada, mamãe. Eu também te amo. Tchau.

— Eu te amo e nunca vou te abandonar, ruiva. – Falei e desliguei o telefone, algo atraindo a minha atenção imediatamente.

Era Abby e seus impraticáveis sapatos de plataforma.

— Jenny!!! Jenny! Como o Gibbs está? – Ela veio aflita andando em minha direção e eu temi que ela caísse com aqueles sapatos.

— Sem notícias Abbs.

— Ai meu Deus! Eu nunca vi o Gibbs em um hospital, eu não sei o que eu faço.

— Pense positivo, Abby. – Foi tudo o que eu consegui falar, antes de me jogar em uma das cadeiras de plástico para esperar por qualquer notícia.

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Eu tenho a certeza de que eu vou receber no mínimo umas três multas. Duas por furar um sinal vermelho e a outra por excesso de velocidade. Pouco me importava.

Parei no estacionamento do hospital cantando pneus e pouco me lixando para os olhares raivosos que recebi.

Ajeitei meu quepe, mesmo em desespero, eu tinha que manter o meu uniforme alinhado e corri para dentro do hospital. Eu era uma médica, da Marinha, e iria usar isso e todas as outras armas que pudesse achar para ter notícias do meu pai.

Na estação de trabalho, a enfermeira-chefe me olhou torto.

— Não me diga que também está aqui por:

— Leroy Jethro Gibbs. Ele é meu pai. – Falei.

— Você é filha daquela ruiva arrogante?

Por "ruiva arrogante", eu presumi que seria a Jenny. Eu não sabia o que ela tinha feito para entrar – a categoria noiva não se enquadrava nas permissões. – Mas confirmei com a cabeça. Não era filha biológica, mas ela era minha mãe em vários sentidos.

— Esse cara tem a família mais estranha que já vi. – Ela falou cansada e apertou o botão que me dava acesso ao Trauma 01.

— Muitíssimo obrigada! - Agradeci.

Passei correndo pelas portas e sem olhar para qualquer outro lugar, fui direto no balcão de informações, a resposta que recebi, não tinham nenhuma. Eu quase dei um grito. Ia jogar na cara da enfermeira que era médica, quando uma voz me chamou.

— Kelly, respira. – Era Jen quem falava.

— Mas eu só quero.... – Comecei e parei. – Que roupa é essa? – Apontei para o vestido de gala que ela usava.

— Estava em um jantar na Casa Branca. – Ela me informou e me levou para onde estava sentada, Abbs estava lá, naquele visual gótico completo. E só agora eu entendi a menção à “família mais estranha”. Éramos um trio e tanto.

— Eu vou tentar entrar na sala de exames. – Falei de uma hora para outra.

— Seu uniforme não vai te dar essa autorização, Kells. Espere trazerem seu pai e você poderá conversar com o médico. – Jenny tentava me manter no lugar.

Meia hora se passou, Abby estava andando de um lado para o outro quando as portas duplas se abriram. Nós três nos levantamos e fomos andando atrás da maca.

E ele estava mal. Entubado. Inconsciente. Uma concussão grave, várias queimaduras. E o médico esperava que ele ficasse bem.

Esperar não era o caso. Eu queria um prognóstico de verdade.

— Na verdade? – Ele me perguntou depois que deixamos Jen e Abby olhando meu pai pela porta de vidro. – Eu não faço ideia. A tomografia diz que tudo está normal. Mas eu só vou ter certeza quando ele acordar.

Isso era um bom sinal. Um ótimo sinal. Não havia dano cerebral, o corpo só tinha desligado para se curar. Eu poderia me agarrar a isso.

— Obrigada. Qualquer mudança nos avise, por favor.

— Eu farei isso. – Ele me sorriu e saiu para atender o próximo paciente.

Assim que parei do lado de Jen, ela me olhou, me perguntando o que eu achava.

— Não tem danos cerebrais. É com ele, agora.

Ela se voltou para o meu pai. E eu vi a preocupação que ela tinha.

E não era só ela, Abby também. Todas nós queríamos a mesma coisa, que o Marine teimoso acordasse e saísse distribuindo seus tapas e olhares mortais para todos.

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Jethro passou a noite inconsciente. A certa altura, eu mandei Abby para a casa com a promessa de que ela seria a primeira a receber qualquer notícia. Kelly foi outro assunto.

— Você fica, eu fico. – Ela bateu o pé e nunca foi tão parecida com Jethro como agora.

Ela ficou em uma cadeira perto da cama, eu fiquei com a mais afastada. Minha mente trabalhando sem parar. Eu tentava me apegar ao que Kelly havia falado.

Sem danos cerebrais. Agora é com ele.

Porém, todas as vezes que eu olhava para Jethro eu observava que ele parecia com dor. Preso em um pesadelo sem fim.

E não tinha o que eu pudesse fazer para ajudá-lo. Nada.

A certa altura, Kelly cochilou, acabou com o corpo meio deitado na cama, meio sentado na cadeira. Tentei movê-la da posição ou ela acordaria toda dolorida, ela nem se mexeu.

Passei a noite toda acordada, sentada ao lado de Jethro, segurando a sua mão. Como eu havia pensado mais cedo, era Positano. Com duas grandes diferenças. Kelly estava aqui e tínhamos uma filha.

Filha que estava desesperada, mais do que eu e a irmã juntas.

As horas passaram enquanto eu revivia o passado, quando dei por mim, Jethro continuava dormindo e o dia amanhecia. Logo que o dia clareou, a enfermeira veio checá-lo.

— Ele está bem. É só questão de tempo para que ele acorde.

— Jethro tem o próprio tempo. – Respondi, olhando para ele.

Ela acabou de anotar o que ela tinha observado na ficha dele e me avisou que estaria de volta em uma hora.

Duas horas depois, Kelly acordou, toda dolorida pela posição que dormira, deu uma boa olhada no pai, e sem nem ler os últimos dados anotados pela enfermeira, soltou:

— Ele está na mesma. A essa hora ele deveria ter dado algum sinal de que vai acordar. – Ela murmurou.

— Espere mais um pouco, Kells.

— Como aconteceu?

— Ainda não sei. A equipe está analisando a cena, Tony está no comando, vai me ligar assim que tiver informações.

Tony? Na liderança da equipe? – Kelly perguntou cheia de incredulidade.

— Ele é um bom agente, Kelly. Dê o devido crédito a ele e ao seu pai que o vem treinando há cinco anos.

— É que parece errado. Tony liderando algo, quando ele mal sabe o que tomou de café da manhã.

— Você o subestima. Ele é melhor do que isso.

Ela deu de ombros e se levantou.

— Preciso de um café se quiser raciocinar quando o médico vier checá-lo, quer algo? – Ela me questionou, trocando de assunto.

— Um café, por favor. Não posso sair vestida assim.- Falei.

— Qualquer novidade me liga?

— Pode apostar.

E ela saiu.

Com pouco, Cynthia passava pelas portas duplas e começava a vasculhar os arredores à minha procura, cheguei na porta do quarto e a chamei.

— Ah, senhora. Aqui estão suas roupas. – Ela me entregou uma bolsa.

— Muito obrigada. – Peguei a bolsa e observei que minha assistente tinha algo para falar. – Pode dizer, Cynthia.

— Parece tão errado ver o Agente Gibbs assim. – Ela falou olhando para dentro do quarto.

— Ele vai sair dessa.

— Ouvi dizer que ele é durão, não duvido. – Ela me respondeu.

— Como estava lá em casa? Sophie...

— Ela quem me atendeu, estava chorando. E parece que não dormiu.

— Imaginei isso. Eu vou precisar ir lá em casa ainda nessa manhã. Mas...

— A senhora não quer deixar o agente Gibbs...

— Não posso, Cynthia. Simplesmente não posso.

— Eu vou cancelar a sua agenda do dia e a de amanhã também. Não se preocupe com nada, senhora.

— Muito obrigada, Cynthia e qualquer imprevisto, me ligue.

Ela meneou a cabeça em concordância.

— Tenha um bom dia, senhora.

— O mesmo, Cynthia. – E ela se foi.

Aproveitei a ausência de Kelly e resolvi me trocar. Dei uma olhada na roupa, tinha certeza absoluta de que fora Sophie quem escolhera.

Assim que Kelly voltou, perguntou por atualizações.

— Nenhuma. De nenhum dos lados.

Ela andou até a janela e começou a respirar fundo.

— Tudo vai ficar bem. Tudo vai ficar bem. Tudo vai ficar bem. – Ela começou a murmurar. Estava quase começando a acompanhá-la quando meu celular tocou.

DiNozzo.

— Shepard. - Atendi.

— Diretora. Bom dia. Cynthia me disse que passou a noite aí. Alguma notícia? – Ele soava ao mesmo tempo extremamente profissional, e preocupado.

— Ainda nada, DiNozzo. Mas Jethro tem o tempo dele. – Repeti as mesmas palavras que havia dito para a enfermeira.

— Ele é durão como John Wayne. – Tony respondeu e começou a falar dos filmes. Até que uma das frases dele me chamou atenção.

— Eu até consigo ouvir o Chefe dizendo: “Esse vai ser o dia!”

Flashbacks daquela noite passaram pela minha mente e eu não controlei o que comecei a dizer:

— Ele me disse isso uma vez. Quando eu falei para ele que... – parei, notando o tamanho da indiscrição que iria cometer. – Quando fomos parceiros na Europa. – Me corrigi a tempo. – E DiNozzo? Gostaria de me desculpar. Eu fui arrogante com você.

— A senhora sabe o que o Chefe falaria agora. Nunca peça desculpas...

— É um sinal de fraqueza. – Completei e olhei para Jethro. Novamente ele parecia sonhar. Kelly tinha notado a mesma coisa.

Assim Tony passou a me atualizar sobre as investigações. As evidências e o corpo encontrado já estavam a caminho do estaleiro. Ziva e McGee estavam interrogando os tripulantes.

— Qualquer novidade me avise, por favor. – Pedi.

— Sim, senhora. Farei isso. E, Diretora, se me permite...

— Diga.

— Kelly e Sophie já sabem?

— Kelly está aqui. Sophie soube o necessário.

— Sim, senhora. Se precisar de alguém para... – Ele parou.

— Agradeço Tony. Mas você tem muito a fazer. As duas vão ficar bem. – Respondi e Kelly me olhou levantando uma sobrancelha.

— Não há de que. E te manterei atualizada, senhora. – Assim ele desligou e Kelly ainda me encarava.

— DiNozzo, perguntando sobre você e Soph.

Ela se surpreendeu.

— Eu te disse, Kelly, você o subestima.

Kelly voltou sua atenção ao pai.

— Ele está sonhando. – Ela falou.

— Espero que seja um sonho e não um pesadelo. – Completei e peguei a mão de Jethro na minha.

Outra memória há muito enterrada voltou. A expressão de Jethro agora era a mesma que ele tinha na manhã do aniversário de morte de Shannon. Internamente eu torci que ele não estivesse revivendo aqueles momentos.

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Demorou. E como demorou! Pareceu que meses haviam se passado, mas foram somente três dias. Muito melhor do que os dezenove da primeira vez. Não que eu me lembre ou que papai tenha me contado. Foi o Doutor Gelfand que me contou.

Uma certa hora, depois que Jenny havia saído, eu estava lá, parada do lado do meu pai, tentando entender como um cérebro que não tem nada de anormal, poderia ficar desacordado... Foi quanto o doutor entrou.

— Desculpe. – Ele falou quando notei a presença dele e quase caí sentada.

— Não há problemas. Só estava distraída com os resultados.

— Você é a filha do Agente Gibbs?

— Uma delas. – Respondi.

— Pelo o que me contaram, é médica.

— Sim, sou. Tentando me especializar em neurologia. Por isso... – Apontei para os resultados em minhas mãos.

— São estranhos. Do ponto de vista médico, seu pai não tem nada.

— Até parece que ele não quer acordar. – Comentei.

— Isso acontece. Da primeira vez, ele deu a mesma impressão.

Foi quando eu me assustei.

— Primeira vez? – Perguntei.

— Ele nunca te falou.

— Se foi na Guerra do Golfo, meu pai não comenta ou conversa sobre isso, e muito menos porque ele voltou mais cedo.

E então o doutor começou a informar dos sintomas do coma de meu pai em 1991. Eram exatamente os mesmos de hoje.

— Está realmente nas mãos dele acordar. – Suspirei.

— Creio que sim. Mas qualquer pessoa que estivesse com ele naquela época pode ser de grande ajuda. Ou até mesmo a sua irmã. Se ela for mais velha que você.

— Minha irmã é bem mais nova do que eu. Mas se trazê-la até aqui for ajudar em alguma coisa, eu mesma vou pegá-la agora.

— A Diretora Shepard me disse que iria tentar achar alguém que tivesse trabalhado com o Agente Gibbs em 91.

— Bem, se a Jen disse, te garanto que ela vai encontrar. – Garanti um pouco mais animada.

Foi quando Ducky entrou. Daquele jeitinho dele, pedindo desculpas por atrapalhar a conversa.

Doutor Gelfand atualizou Ducky enquanto eu pedi licença para fazer uma ligação. Talvez trazer Sophie aqui poderia fazer algum bem ao meu pai, principalmente porque ela foi a última pessoa da família que conversou com ele.

Jenny acabou por não me atender, não me restou alternativa a não ser mandar uma mensagem e rezar para que ela visse o mais rápido possível. Assim, não tendo muito o que fazer, voltei para o quarto. Ducky estava só, conversando com meu pai, na verdade, o estava atualizando sobre o caso.

— Esse é um dos casos mais estranhos, não é, Ducky?

— Minha querida Kelly, já tivemos a nossa cota de casos estranhos no NCIS, mas talvez, a falta de uma peça tão essencial na investigação como Jethro é, tenha transformado tudo em uma grande confusão. Mas eu confio que Anthony e toda a equipe irão trabalhar bem, e que logo Jethro acordará para nos ajudar.

— Que suas palavras sejam verdade, Ducky. – Respondi.

Observei meu pai mais uma vez, ele parecia estar mais agitado do que mais cedo. Talvez toda a nossa falação estivesse surtindo efeito.

E quando eu dei por mim, ele acordou. Sem avisos, sem nada. Parecia alguém que tinha acabado de acordar de um pesadelo.

— Papai. Pai. Calma. Tudo vai ficar bem. – Tentei garantir e fazê-lo se acalmar.

— Jethro. Só tenha calma, tudo está bem. – Ducky reafirmava.

Doutor Gelfand chegou e começou a fazer os primeiros exames. As primeiras perguntas. Tirou o tubo e o colocaram em uma máscara de oxigênio.

E papai fez primeira pergunta:

— Onde estou?  

— No Hospital Geral de Portsmouth. Sabe o que aconteceu com você, Agente Gibbs?

— Sim.

— Isso bom. O Doutor Mallard e a sua filha estão aqui. Eu vou...

Papai o interrompeu e encarando a Ducky disse:

— Eu não o conheço. E a minha filha tem oito anos.

Olhei desesperada para Ducky que me olhou de volta.

— Jethro, em que ano estamos?

— 1991.

Eu quis chorar. Não é à toa que papai estava sofrendo tanto. Ele realmente estava tendo um pesadelo. O pesadelo de quando minha mãe foi assassinada e eu quase morta.


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Notas finais do capítulo

Pin Pin Pula está na minha parede dos mais odiados. Podem ter certeza.
Então é isso. Que comece o desespero e eu espero, encarecidamente, que não vocês não queriam a minha morte daqui para frente...
Obrigada a quem está lendo e acompanhando.
Até o próximo!
xox



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