Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 42
A Decisão Mais Difícil


Notas iniciais do capítulo

E aqui está. O desfecho do gancho do último capítulo. Espero que vocês não me matem...
Um aviso: eu não estou fazendo apologia nenhuma ou defendo ou julgando nenhuma questão referente ao aborto. Eu trouxe o tema para dar mais drama à história. Vocês lerão o resultado.
Tenham uma ótima leitura!



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Mesmo com a data do procedimento marcada, eu ainda ficava olhando para a minha barriga. Como seria possível que ali dentro coubesse um ser? Eu sou tão magra. Tão pequena.

Fui dormir com a sensação de que estava fazendo a escolha errada. Muito errada. Meu coração me dizia que eu não tinha o direito de tirar uma vida desse jeito. Meu cérebro dizia que não era um assassinato. Era o meu corpo, eu poderia fazer dele o que bem entendesse.

Não consegui dormir bem. Sonhei com sangue, uma linda menina de cabelos ruivos e olhos azuis que chorava o tempo todo me perguntando “Por quê”? E, eu não sabia explicar a ela o que ela queira saber. E quando me via sem saída, quando eu queria sair correndo e deixá-la para trás, seus olhos me perseguiam. E de repente não eram mais os olhos da garotinha sem nome, eram os olhos dele, que estavam carregados de dor, decepção e mágoa. E quando eu tomava a coragem de encará-los e contar os meus motivos, eu os encontrava cobertos de lágrimas. Jethro tinha lágrimas nos olhos e eu sangue em minhas mãos. E uma única frase ficava no ar: “Você matou a minha garotinha”!

Acordei assustada e chorando. Sozinha, abracei minhas próprias pernas e fiquei encarando a janela. Lá fora, os primeiros raios da aurora começavam a despontar, teimosos, tentando passar através das nuvens que traziam a chuva.

Um deles foi teimoso o bastante e atravessou a pesada camada de nuvens, vindo bater na minha janela, e dentro do meu quarto. Clareando justamente a foto que tenho. A única foto que tenho dentro de todo este apartamento. A foto que nós três tiramos no dia do aniversário de Jethro, me fazendo lembrar do melhor final de semana da minha vida.

Encarei a foto, com medo de tocá-la. Com medo de que fosse me queimar. Fiquei ali, imaginando como eles estariam, como seria a reação de Jethro, se ainda estivéssemos juntos, quando eu contasse que estava grávida. Tentava imaginar Kelly recebendo a notícia e sendo uma irmã mais velha. E chorei, pois, isso não iria acontecer, não podia acontecer. Não estava nos meus planos ter um bebê! Finalmente o despertador tocou. Dentro de três horas estaria resolvido.

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Peguei a mala que já estava pronta, desci para o saguão e fiquei na espera de um táxi para me levar ao hospital.

Não demorou muito e um carro vazio parou. Entrei, dei o endereço e respirei fundo. Era uma viagem de vinte minutos, sem trânsito, com um trânsito mais pesado de uma manhã de véspera de feriado, poderia levar até quarenta.

Tentei cochilar. Mas assim que fechei os olhos, a última imagem do meu pesadelo veio a minha mente. Instintivamente levei minha mão para minha barriga. Só me dei conta desse gesto quando era tarde demais... eu não posso me apegar a esse bebê. Não existem condições para criá-lo.

Meia hora depois desse estranho gesto, eu estava dando entrada na ala cirúrgica. Dados coletados e uma última instrução quanto ao pós-operatório, uma jovem enfermeira me levou para trocar de roupa e, depois me guiou para a antessala cirúrgica.

Me deitaram em uma maca. Respirei fundo. Meus olhos se encheram de lágrimas. Por um segundo eu vislumbrei o futuro. Eu vi a mesma garotinha ruiva do meu pesadelo correndo feliz, seus cabelos estavam soltos, ela tinha um lindo sorriso no rosto e seus olhos azuis, como os dele, brilhavam, refletindo a alegria que ela sentia. Então a imagem trocou de foco e eu pude ver na direção de quem ela corria, ele a esperava de braços abertos, e quando ela finalmente chegou, pulando, ele a pegou e a levantou em direção ao céu. Pude ouvir a risada dela e a dele. E esse som ficou gravado em meu cérebro.

Sacudi a cabeça para me livrar desse pensamento, bem no momento em que Doutora Lewis, já toda vestida para o procedimento entrava na sala.

Ela parou do meu lado, leu minha expressão e, mais uma vez me perguntou.

— Você está pronta? 

Não respondi nada. Não confiava na minha voz. Apenas meneei a cabeça positivamente.

Ela balançou a dela em sinal de negação, e assumiu o seu posto. Pediu que uma enfermeira colocasse minhas pernas nos apoios.

Eu me senti exposta.

Não tinha mais volta.

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Uma sensação estranha, um aperto em meu peito e um sonho estranho, me acordaram. Olhei para quem estava do meu lado. Por um momento aquele cabelo ruivo, aquele corpo magro, me deram a esperança de que ela estava de volta.

Mas aí as recordações da noite anterior passaram pela minha cabeça. O mesmo bar dos últimos dois meses. Muito Bourbon. Uma ruiva entrou, qual era mesmo o nome dela? Samara? Sabrina? Stephanie! E, depois de pouco papo e muita ação, acabamos aqui.

O que eu estava fazendo? E se Kelly a visse?

Levantei da cama, me vesti. E desci para meu porão.

Era cedo, eu sei. Mas eu precisava de um pouco mais de bebida. Eu precisava esquecer aquele sonho. Precisava esquecer aquela garotinha ruiva de olhos verdes que veio correndo em minha direção, gritando papai e pulando em meus braços. Precisava esquecer o sorriso que estava estampado no rosto de Jen quando eu levantei a pequena ruiva em direção aos céus.

Mas como esquecer aquilo, sendo que eu pude até sentir o momento? Eu sentia o sol aquecendo a minha pele, senti o peso do corpo da minha filha quando eu a ergui, e senti o calor da mão de Jen quando ela me abraçou pela cintura e deu um beijo na ponta do nariz da nossa filha.

Isso não era um sonho, era um pesadelo. Era a minha mente me tentando, me mostrando o que eu nunca mais teria.

Acho que só o álcool seria pouco para esquecer tudo aquilo.

—---------------

Antes que a anestesia fosse aplicada, Doutora Lewis fez um último exame. E eu me senti mais exposta do que nunca.

O que eu estava fazendo?— Uma voz ecoou na minha cabeça.

Por que eu estava fazendo aquilo? Tinha outras formas de não ter uma criança, poderia dar à luz e dá-la para a adoção.— Novamente falei comigo mesma.

Assassina! – A primeira voz gritou.

Rainha de Gelo!— As palavras de Kelly em sua última carta se transformaram em um eco de sua voz, e vieram me perturbar.

Foi quando eu senti a mão da médica e a escutei dizendo que poderia me sedar...

Eu senti nojo de mim mesma. Eu não me reconheci. Um dia, há muito tempo, eu sonhei em ser mãe e agora eu estava aqui, prestes a matar o bebê que eu carregava. Eu não matei Svetlana porque ela estava grávida, eu não pude executar um bebê inocente, contudo estava prestes a matar o meu próprio bebê.

O anestesista veio com o gás em direção ao meu rosto. E, quando eu fechei os olhos para dar a primeira inalada, a garotinha apareceu novamente.

Dessa vez ela chorava. Chorava, sentada em um algum lugar que não reconheci. Parecia um porão. E nesse porão tinha algo sendo construído. Ela tinha os cabelos ruivos embaraçados, os olhos azuis, vermelhos de tanto chorar, vestia um moletom azul com quatro letras estampadas U.S.M.C., que eu imediatamente reconheci, era exatamente igual ao que eu usava enquanto estava à toa naquela fazenda na Sérvia, e, apesar de tentar, sua vozinha embargada não era mais alta do que um suspiro. Ela me olhou nos olhos e disse em um sussurro: “Não faça isso comigo, mamãe! Não faça isso com ele”! E olhou para o outro lado do porão empoeirado, onde, enfim, pude vê-lo. Jethro estava sentado, apoiado na base de uma estação de trabalho, garrafa de bourbon na mão, olhos vermelhos em claro sinal de ressaca e choro. Não me contive e tive que chegar perto, a vontade de tocá-lo era maior que tudo, mas quando ele notou a minha aproximação, apenas levantou a cabeça. Seus olhos tão vermelhos quanto os da pequena ruiva, sua voz embargada pela bebida e pela tristeza apenas disse: “Ela não merece isso! Deixe-a ser feliz”!

Abri os olhos em desespero. Não poderia fazer isso! Eu não posso matar a minha filha, sim, eu tinha certeza, é uma menina. Eu não posso matar a única parte dele que me sobrou.

— NÃO!! – Eu gritei em plenos pulmões. - PARE!! Eu não quero matar a minha bebê!! – Eu chorei em desespero. Tinha medo de já ser tarde demais. Tinha medo de que ela já não estivesse mais ali dentro, quentinha e protegida.

Tirei minhas pernas dos apoios. Aquilo já era demais, e arranquei as intravenosas no braço. Doutora Lewis se levantou de sua posição e veio em minha direção.

— Me diga que ela ainda está aqui dentro. – Minha mão, protetoramente foi em direção ao meu baixo ventre.

— Sim, eu não tinha começado ainda. Estava esperando a anestesia fazer efeito. Mas você não parava de falar. Qual é a sua posição final? Quer prosseguir com o aborto?

— NÃO! Quero parar. Não posso matá-la. – Supliquei.

— Como pode ter tanta certeza de que é uma menina?

— Eu a vi. Eu sei que é. E não posso fazer isso com a minha pequena. Não posso! – Eu chorava copiosamente.

Por mais estranho que possa parecer, Dra. Lewis não ficou raivosa por eu ter interrompido o procedimento.

— Você não faz ideia, Sra. Shepard, do alívio que é para mim não fazer um procedimento desses.

— Eu não posso imaginar... – Disse com tristeza. – Ela vai ficar bem, não vai?

— Como disse há dois dias, seu bebê é saudável. Não tenho como confirmar o sexo, mas se tem tanta certeza de que é uma menina...

— Confie, em mim. É sim uma menina.

— Bem, vou deixar você aqui, para se vestir. Quero conversar com você em meu consultório. Temos que programar todo o pré-natal...

— Estarei lá. – Dessa vez eu tinha um enorme sorriso no rosto. Eu tinha feito tantas coisas que tantas pessoas juravam ser impossíveis para mim, eu conseguiria ser mãe!

Nesse momento, uma frase, de mais de um ano atrás ecoou na minha cabeça: “Você seria uma boa mãe, Jen”!

Sim, Jethro, vou fazer o meu melhor para criar a nossa filha, mesmo que você nunca a conheça. Mas ela vai saber quem você é. Pode acreditar nisso.

Me vesti rapidamente. E corri para o consultório da Dra. Lewis. Ela me passou um monte de vitaminas, restrições alimentares e até mesmo o que e como eu deveria fazer certas atividades.

Seguiria tudo à risca. Não colocaria a vida da minha filha em risco novamente. 

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Não posso dizer o quanto eu bebi ou quanto tempo eu fiquei ali, sentado, escorado na minha bancada de trabalho.

Mas sei que foi tempo suficiente para sonhar ou ter outro pesadelo.

Eu claramente escutava um choro de uma criança. Seus soluços me partiam o coração. Contudo, por mais que eu quisesse, não tinha forças para me levantar, atravessar meu porão e tentar acalmá-la, a única coisa que sabia é que ela estava sentada do outro lado. Tinha os cabelos ruivos embaraçados e, quando levantou a cabeça em minha direção notei duas coisas, seus olhos verdes estavam muito vermelhos e ela estava usando um de meus moletons do meu tempo com os Fuzileiros. O mesmo que Jen usava quando estava dentro daquela fazenda no interior da Sérvia. Depois de um tempo me encarando, ela me perguntou baixinho: “Por que não posso ficar aqui? Por que ela escolheu fazer isso? Não poderemos ser felizes”? E ela recomeçou a chorar. Não sabia o que responder diante de suas súplicas. Eu não tinha palavras para aquela visão.

Não tinha notado a presença de outra pessoa, até que escutei o clicar de saltos altos, de repente, vi Jenny e ela encarava a menina com um misto de medo, tristeza e assombro. Deu alguns passos em direção à ruivinha e parou, seus olhos se encheram de lágrimas pelo que a pequena tinha lhe falado. E, então, ela pareceu perceber a minha presença. Não consegui olhar em seus olhos de primeira, como ela podia pensar em algo assim? Mas, do mesmo modo que ela não resistiu em caminhar até mim, eu não podia perder a oportunidade de vê-la novamente.

Olhei para a menina sentada no chão do meu porão, olhei em direção à Jen, a semelhança entre elas era absurda. Só tive forças para lhe dizer uma coisa: “Ela não merece isso! Deixe-a ser feliz”!

Jen pareceu entender o que eu queria dizer, uma última mirada na minha direção e um sorriso triste para a nossa filha, e ela sumiu, da mesma forma que tinha chegado, ela se foi. Mas seu rosto estava calmo. Ela tinha decidido pelo certo. Eu tinha certeza disso!

Acordei procurando por algum vestígio de que aquilo poderia ser real. De alguma forma, eu precisava saber se a linda menina ruiva estava bem. Eu não sabia como, mas a necessidade de querer proteger aquela garotinha era maior que tudo.

E o outro sentimento que eu tinha era raiva, raiva de mim por me permitir sonhar com Jen novamente. E me permitir vislumbrar como uma filha nossa poderia ser, caso ela viesse a existir.

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Sai do hospital com um humor totalmente diferente do qual eu havia entrado. Não podia acreditar que queria matar a única parte dele que havia me sobrado. Se meus pesadelos fossem uma pequena parte da realidade, eu tenho certeza de que ela herdaria os olhos dele. Pelo menos era essa minha esperança. Assim, eu poderia olhar para a minha pequena e sempre lembrar do pai dela, e saber, no fundo, que nunca fora em vão. Que amá-lo tinha me dado o maior presente de todos.

Com todas as recomendações e lista de vitaminas que tinha que tomar, fui direto na farmácia mais próxima. Eu faria tudo, o possível e, se fosse necessário, o impossível também, para que eu tivesse a minha menina em meus braços dentro de sete meses.

Com todas as compras feitas, peguei um táxi e voltei para meu apartamento. Era ali que as maiores mudanças deveriam ser feitas. Eu precisaria de um quarto só para ela. E estava sozinha para arrumar tudo.

Como ainda não tinha muitas coisas, foi fácil de liberar um dos quartos. Com ele vazio, fiz uma limpeza e comecei a imaginar como seria a decoração. Onde colocaria o berço. E então parei. Lembrei de Kelly me dizendo que Jethro podia fazer de tudo com madeira. E tentei imaginar como seria um berço feito por ele. Contudo, tive que sacudir a minha cabeça, isso não existiria, e Sophie teria um berço comprado em loja mesmo.

Sophie... sim. Esse seria o nome dela. E era bom ela já ir se acostumando com ele e com todos os apelidos que vou inventar nos próximos meses.

Meu fim de semana passou rápido. Com as coisas que consegui comprar no sábado e as encomendas que já havia feito, tenho certeza de que esse quarto ficará pronto antes mesmo que eu chegue ao sexto mês.

Tinha feito um pequeno desenho de como eu queria que tudo ficasse. E eu esperava que a realidade ficasse, ao menos, parecida.

Foi aí que três coisas vieram à minha mente: Eu tinha que comunicar a minha gravidez para o Diretor Morrow, afinal, quando Sophie nascer, eu vou precisar de um tempo para poder me acostumar com a sua presença nesse mundo. Segundo: eu tive a necessidade de informar a Jethro. Não só a ele, mas a Kelly também. Terceiro, eu sabia muito bem quem poderia me ajudar com tudo isso. Noemi, acho que você vai passar uma temporada em Londres.

Logo na segunda-feira, assim que era uma hora adequada em Washington, fiz a ligação que poderia mudar todo o rumo da minha carreira. Um toque, dois toques.

— Escritório do Diretor Morrow, Sarah falando, bom dia. – A voz educada da secretaria do diretor me atendeu.

— Bom dia, Sarah. É a Agente Shepard, do escritório de Londres, gostaria de falar com o Diretor, por favor.

— Já vou transferir, Agente Shepard, aguarde um momento.

Depois de cada um dos problemas que tivemos durante a operação, e como o resultado foi o melhor possível, Morrow ficou um tanto quanto mais simpático. Mesmo assim, eu estava nervosa. Sabia que ele não era burro, e sabia mais ainda que tinha rumores correndo pelos escritórios do NCIS que eu e Jethro fomos mais do que parceiros. Então, não seria difícil de que ele ligasse dois com dois quando eu desse a notícia de minha gravidez. Eu somente teria que afirmar que ele não precisava temer que eu abandonasse o meu posto.

— Bom dia, Jennifer. Tem algo que posso fazer por você? – A voz firme e calma de Morrow soou pelo telefone.

— Bom dia, Diretor. Espero que tudo esteja bem. Na verdade, sim, tem algo que preciso te dizer.

— Espero que você não esteja abandonando o escritório de Londres. Não sei mais quem poderei colocar nessa cidade...

— Não senhor, não estou abandonando o escritório, só quero te avisar que dentro de sete meses vou precisar tirar uma licença.

— Mas por que me avisar com tanta antecedência, Agente Shepard?

— Senhor, eu estou grávida, de dois meses. Não pretendo abrir mão do me cargo, mas estou te comunicando desde já para que não seja pego de surpresa quando meu requerimento chegar às suas mãos.

— Compreendo. E você pretende continuar em campo até quando?

— Até quando eu puder, senhor. Estou carregando um bebê, não estou doente. Enquanto for fisicamente possível e viável, estarei trabalhando.

— Se você diz, Agente Shepard, acredito em você. Espero que tanto você quanto o pai estejam felizes com a notícia.

Não disse que ele faria a suposição?

— Quanto ao pai da criança, senhor, gostaria que meu estado permanecesse em sigilo.

— Esse é um assunto que não cabe a mim espalhar, Jennifer. Desejo saúde para o bebê e para você. Se algo de novo surgir e você precisar sair de licença mais cedo, peço que me informe imediatamente.

— Informarei senhor. Muito obrigada e tenha um ótimo dia de trabalho.

— Igualmente, Agente Shepard.

E a ligação fora encerrada. Era vencida mais uma etapa.

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Trabalhei normalmente, o escritório estava vazio, muitos tinham conseguido a folga, tendo em vista que amanhã é feriado.

Coloquei os relatórios em dia, limpei minha mesa, aproveitando a calmaria, comprei uma agenda separada, nela coloquei todas as datas das consultas, exames e marquei a possível data em que minha filha iria chegar a esse mundo.

Junto, comecei a planejar como seria a minha carreira depois que Soph estivesse por aqui.

Minha intenção era desacelerar, talvez conseguir uma promoção que me levasse aos Estados Unidos.

E quando pensei nisso, outra coisa me ocorreu.

Eu tinha a intenção de contar para Jethro. Sim, ele tinha que saber, ele era o pai, mas como ficaria a nossa relação depois disso?

Será que ele aceitaria a filha?

Será que ele viria visitá-la?

Ele permitiria que a menina fizesse parte da vida dele?

Ou ainda, será que ele brigaria para ter a guarda integral dela? Será que Jethro tiraria a minha filha de mim?

E se ele simplesmente resolvesse ignorar a existência dela, o que eu faria? Um dia, eu tenho certeza, ela começaria a fazer perguntas sobre o pai.

Da minha parte eu estava certa, eu contaria tudo sobre o pai, sobre como nos conhecemos. E quando ela tivesse idade suficiente, ela poderia procurá-lo. Mas eu já temia a possível rejeição que ela poderia ter ao ir atrás dele.

Bem... isso me dava a deixa para começar a pensar em como contar para as duas pessoas em Alexandria que a família deles iria aumentar.

Peguei uma folha de papel, e tomei a coragem.

Será que eles leriam estas cartas?

~~~~~~~~~~~~

Londres, 20 de setembro de 1999

Olá Kelly!

Sei que você muito provavelmente não quer ouvir notícias minhas, eu te entendo perfeitamente. Mas as circunstâncias mudaram.

Primeiro, eu gostaria de pedir desculpas. Me desculpe por todo o sofrimento que causei. Sim, eu recebi a sua carta, e não foi muito depois que você a enviou.

Muitas coisas aconteceram de uma única vez depois que você foi passar o ano-novo. Coisas boas e ruins. Algumas talvez inexplicáveis, outras difíceis de entender. Assim, a única coisa que tenho a te pedir é desculpas.

Não sei se você vai ou não aceitá-las, ou se um dia eu serei capaz de te explicar exatamente o que aconteceu, por ora, desculpas e um pouco de compreensão é tudo o que tenho a pedir para você.

O outro tópico que quero te dizer é um pouco mais complicado.

A verdade é que estou grávida. Sim, de dois meses. E não, eu não sabia que estava carregando um bebê quando tudo aconteceu há dois meses.

E, é por isso que eu estou te escrevendo. Tenho certeza de que você tem o direito de saber que será irmã mais velha, do mesmo modo que eu tenho certeza de que essa bebê que estou carregando tem o direito de saber que tem uma irmã.

Assim, eu te dou a opção, você pode ignorar a notícia e a existência da sua irmã e não fazer parte da vida dela, ou você pode fazer parte da vida dela, pode acompanhá-la e estar presente o tanto que você quiser. A escolha é sua. Só saiba que Sophie vai ser criada sabendo da existência da família dela. Não me importa quais perguntas ela faça, ela sempre terá a verdade.

Gostaria muito que você, depois que se acalmasse, pensasse no assunto. Afinal, eu já soube que você sempre quis ser irmã mais velha...

Espero que tudo esteja bem com você. Que você e Henry tenham acertado os ponteiros e principalmente, que você possa ser feliz.

Por favor, não entenda minha carta como a palavra de alguém que quer chamar a atenção, eu só quero que a minha filha possa ter uma família, assim como quero que você possa conviver com a sua irmã.

Vou entender o seu silêncio como uma recusa, você não precisa me dizer nada se quiser cortar qualquer laço comigo. E, mesmo assim, eu vou entender a sua decisão.

Te desejo tudo de bom, Kelly, de coração.

Aproveitando, te desejo um Feliz Aniversário. Você merece ser muito feliz Kelly.

Um abraço,

Jenny

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Acabei a carta de Kelly e reli o que escrevi. Ainda duvidava que ela fosse ler, contudo, tive que acalmar a minha mente, eu estava fazendo o que era certo.

Se escrever a carta para Kelly já foi difícil, começar a de Jethro era pior ainda.

Com uma carta eu o deixei em Paris, e sendo sincera comigo mesma, eu não explicava os meus motivos muito bem. E agora eu soltaria outra bomba nas mãos dele, também por carta.

Jethro não merecia isso. Porém um telefonema era fora de cogitação. Quando eu abrisse a boca e ele reconhecesse a voz, ele teria duas prováveis reações, ou começaria a brigar comigo, ou desligaria o telefone, e nas duas, eu não teria oportunidade e coragem de interrompê-lo.

Seja o que Deus quiser.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~

 Londres, 20 de setembro de 1999

Querido Jethro,

Por favor, não comece a encarar essa carta como se fosse uma reprise da última que te deixei. Não é.

Eu realmente não sei como começar a te contar isso, Jethro, sinceramente.

Pensei em te ligar, mas tenho a certeza de que você não me atenderia. E eu te dou toda a razão, nem eu me atenderia. Não depois do que eu fiz com você.

Eu não tenho como te encontrar pessoalmente, não por enquanto, ao menos.

Só me restou a carta. Que eu sei que vai chegar até você, só não sei se será lida. Ou respondida.

Jethro, eu sinto muito pelo modo que terminei as coisas, eu sinto muito de verdade. Mas era preciso.

Minha ideia era te deixar aquela carta e nunca mais entrar em contato. Deixar o meu coração cicatrizar sozinho e deixar você em paz. E eu estava disposta a fazer isso, até três dias atrás.

Por favor, não entenda essas palavras como uma tentativa antiga e idiota de tentar reatar o que nós – não – tivemos. Eu não faria isso. Estou te escrevendo para te avisar, porque você tem o direito de saber.

Jethro, eu estou grávida. Vamos ter uma filha.

 E eu estou te contando pelo simples fato de que você tem o direito de participar da vida dela, do crescimento dela. Ou tem a escolha de resolver ignorá-la, e fingir que ela não existe.

A decisão é sua. E saiba que eu vou aceitar qualquer uma que você tomar. Só te peço para separar seus sentimentos por mim da vida de nossa filha. Ela não tem culpa das decisões que tomamos, da decisão que eu tomei. Sophie é a parte inocente disso tudo.

Eu ficaria muito feliz se ela pudesse ter o pai e a irmã mais velha na vida dela. Todavia, se você optar por me ignorar, saiba que ela vai saber quem você é. E tudo o que você significa para mim.

Jethro, sei que não tenho este direito, mas te peço que, ao tomar essa decisão, esteja com a cabeça fria. Não faça nada na raiva ou no impulso, você tem tempo. Muito tempo. Sophie só vai nascer dentro de sete meses.

Espero sinceramente que você leia isso e pense sobre o futuro de nossa filha. Sobre tudo o que você vai fazer e, não tome uma decisão idiota como a que eu tomei ao deixá-lo. Tem certas decisões que são impossíveis de serem remediadas, de serem perdoadas.

Ah, Jethro, tem tanto que eu queria falar, te explicar, mas eu sinto que já perdi a minha chance. Que eu te perdi de vez quando desci daquele avião.

Eu me arrependo de tanto. Espero que nossa filha possa ser a minha redenção...

Mas não vou te ocupar ainda mais e aceitarei o que você decidir.

Até qualquer dia, Jethro.

Jenny.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Selei as duas cartas, eu chorava quando as coloquei no correio. Rezava que tanto Jethro quanto Kelly pudessem separar o que eu tinha feito com os dois, com como eles iriam aceitar ou não Sophie.

Eu tinha a grande desculpa dos hormônios para cada lágrima que eu derramava, porém eu sabia que não eram hormônios, não, era simples e puro, arrependimento.

Eu queria ter Jethro do meu lado agora.

Eu estava apavorada, não sabia como iria criar a minha filha. Eu não tinha ideia do que esperar quando ela nascesse.

Faria tudo para ser uma boa mãe, mas a ideia de ter uma menina que dependesse de mim para tudo me apavorava, porém, ao mesmo tempo eu não podia esperar mais para ter a companhia dela. Tudo o que eu mais queria era poder vê-la e jurar para ela que, por mais que eu errasse, eu tentaria fazer com que a vida dela fosse muito melhor que a minha.

Eram sentimentos conflitantes, paralisantes. Eu estava no escuro e com medo. E era a única esperança desse bebê que crescia dentro de mim.

Seremos eu e você, Sophie. Sempre nós duas. Sempre. Foi o juramento que fiz à minha filha quando enviei as cartas.


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Notas finais do capítulo

Eu já escrevi lá em cima e torno a escrever aqui: não estou defendo ou julgando a questão do aborto. Apenas trouxe à história essa questão e a resolvi como eu acho que a personagem faria, mostrando os motivos dela.
Espero que tenham gostado do capítulo.
E sim, a pequena Sophie vai aparecer na história. Para quem acompanha as minhas histórias, aqui começa a saga de mais uma Jibblet!
Muito obrigada a todxs que estão lendo e comentando!
Até o próximo na semana que vem!
xoxo



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