Recomeçar escrita por bia


Capítulo 1
Quando estamos tristes, sorrimos




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Narrado por - Igor

 

   “Corra! Corra mais, seja forte!” dizia a mim mesmo.

   Minhas pernas doíam, meus pulmões clamavam por ar, mas minha respiração não era suficiente para saciar esse vazio. Tudo em minha volta não passava de vultos, verdes e grandes vultos.

   “Você tem que ser forte” 

   Talvez isso me motivasse, talvez eu realmente fosse forte, só estava em uma recaída, ou simplesmente tentava me provar o quão fraco posso ser.

   Foi então que voltei a ver o carro e atrás um caminhão. Suas cores eram tão vibrantes que chamavam por um assalto, ou a sociedade está acostumada a pensar o pior. Grande e intacto, o carro não parecia ter os dez anos que tinha. Conservado e brilhando, um carro de executivo talvez, ou de uma mãe de família.

   Já o caminhão quebrava toda a pose elegante do primeiro veiculo, com um tom amarelo e verde, vibrando no asfalto. Suas rodas gastadas, os faróis sujos, a lataria com crostas pretas e o vidro cheio de insetos mortos. O motorista era um homem gordo, com uma barba por fazer, e blusa branca que já estava ficando marrom.

   Abri vagarosamente a porta do carro de minha mãe, ela me encarou com aqueles olhos curiosos, clamando por uma resposta sensata.

   - Estava lá?

   - Não mãe, acho que perdi.

   - Quando chegarmos à casa nova em compro outro.

   - Não quero outro.

   - Tudo bem filho, eu compro, sem problemas. Você deve ter esquecido na escola, posso ligar pedindo que guardem caso achem um celular – insistia ela, ligando o carro e dando partida.

   - Mãe, não quero outro. Dizem que celular dá câncer.

   - Isso é lenda urbana.

   - Não quero arriscar.

   - Se você insiste, então tudo bem. Não te imagino vivendo sem celular. Você gastava horrores com telefone.

   - Mãe, estamos mudando de cidade, mudando de hábitos.

   - Você ainda quer mesmo ir?

   Foi então que o clima ficou tenso. Os sorrisos que saiam do canto da boca eram falsos, os olhares ficaram simplórios.

   - Quero.

   - Ainda pode desistir, voltamos pra casa e tudo volta ao normal.

   - Nunca mais será normal.

   - Filho, pense bem. Estamos mudando de cidade, você não conhece ninguém lá, está no meio do bimestre. Pode estragar seu ano.

   - Eu quero ir.

   - Pode me contar direito o que aconteceu? Porque quis mudar do nada?

   - Já te falei mãe, cansei de Baitibá.

   - Saiba que Registro é muito menor que Baitibá, foi uma sorte achar um lugar que preste para se viver ali.

   - Agora eu quero viver no meio no nada, bem longe daqui.

   - Não vai me contar mesmo o motivo disso?

   - Você não vai ouvir nada a mais do que já ouviu.

   O silencio se instalou no ar, era até agradável. O barulho dos carros passou a ser confortável. O radio desligado, as bocas fechadas, nada mais para atrapalhar meus pensamentos. Agora somos só eu e ele. Não foi difícil me acostumar com a música que tocava em minha cabeça.

   O tempo foi passando e eu acabei me perdendo em meus sonhos.

***

   - Igor, acorde filho.

   Abri os olhos, a luz ardia, mas forcei-os a se acostumar. Até que tudo ficou claro e eu pude ver meu novo lar. A cidade parecia um ovo de codorna, para se dizer. Baitibá realmente é maior que Registro. As ruas são de paralelepípedo, as casas têm a fachada antiga, as paredes descascando e as janelas quebradas.

   Passando pelo centro da cidade pude ver uma feira, não de comida, mas de artesanato. As pessoas olhavam atentamente, analisando os objetos feito de conchas. Todos estavam usando traje de banho, com chinelo havaiana e uma canga enrolada no corpo.

   O carro avançou mais e eu pude ver o mar. É, eu sempre gostei do mar. Suas cores vibrantes, o sol brilhando na água. O azul do infinito. O horizonte perfeito, a paisagem perfeita. As pedras em volta, onde as pessoas sentavam, pareciam grandes baleias encalhadas, talvez sejam mesmo.

   O carro começou a se afastar do mar, andando na direção oposta.

   - Onde vamos morar?

   - É aqui perto. Você vai adorar filho, é um condomínio de luxo, acho que o único aqui.

   - Eu vou poder vim no mar?

   - Calma lá, você só tem 14 anos, não é bom andar sozinho por ai.

   - Mãe, se tiver algum assaltante aqui então é muito azar meu. Duvido até que tenha policia.

   - Resolvemos mais tarde – disse, encerrando o assunto.

   Eu não precisava insistir por muito tempo, ela sempre acaba cedendo.

   O carro continuou andando e eu pude ver o tal condomínio. Pois é, quem viu essa cidade lá no começo não imaginaria isso aqui, realmente tiro meu chapéu para esse lugar.

   Logo no começo tinha um chafariz, com coqueiros em volta. Atrás do muro coberto pela trepadeira tinha grandes holofotes, e até alguma coisa de palha que eu não pude ver. As casas tinham cores neutras e janelas grandes, todas com o mesmo padrão.

   - Deve ter custado uma fortuna mãe, tem certeza que moramos aqui?

   - Claro filho, eu gasto o que for preciso para te ver feliz.

   - Eu não estou triste.

   - Também não está feliz.

   - Eu vou gostar daqui – eu disse, tentando provar a mim mesmo que nada me magoava.

   - Tomara.

   O carro parou no portão.

   - Pois não? – disse uma voz grossa pelo interfone.

   Devia ser o porteiro que estava quase trancado dentro de uma cabine branca com janelas pretas. Não era possível ver nada, mas logo imaginei um homem grande e assustador.

   - Sou a nova moradora da casa 18.

   - Seja bem vinda, sabe onde é?

   - Sei sim, obrigada.

   O grande portão se abriu. O caminhão da mudança, que nos seguiu a viajem inteira, parou logo atrás. Minha casa parecia um castelo. Grande para duas pessoas, pelo menos por fora.

   As aparências enganam, mas não por muito tempo. O condomínio devia ter umas 20 casas só, tinha uma quadra de futebol e uma de tênis. A coisa de palha que vi era um quiosque na grama. Tinha uma churrasqueira enorme, com mesa, balcão, geladeira e tudo mais.

   Mamãe abriu a porta de casa. Eu entrei e me surpreendi, que lugar enorme. No meu quarto tem uma parede em verde forte e outra em verde claro, as outras duas estavam brancas mesmo. Com banheiro e closet.

   - Gostou da parede? Mandei pintar porque eu sei que é a sua cor preferida.

   - Adorei mãe.

   Não demorou muito para a sala ficar cheia de caixas. Agora tudo parecia menor, andar era praticamente impossível.

   Comecei a procurar as caixas que contem meu nome escrito e arrastei-as para meu novo quarto.

   A tarde foi caindo, o sol foi se pondo. A Lua começou a ficar mais visível. A cama já estava montada, minhas roupas já estavam no armário e as poucas caixas que restaram foram arrastadas para o canto do quarto, acumulando poeira.

   Eu comecei a ouvir gritos e chutes.

   - PASSA CEBOLA! – gritavam – GOOOOL!

  Que eu saiba hoje não tem futebol.

   - Olha lá filho, eles estão jogando na quadra, vai lá se enturmar.

   - Não to muito afim mãe.

   - Para de ser mole Igor, vai lá.

   Eu peguei um saco de salgadinho que trouxe na minha mochila e sai porta a fora.

   Eu nem queria jogar, mas só de sair de perto das pessoas eu me sentia melhor. É um habito meio recente, mas que eu adoro.

   - PASSA A BOLA CEBOLA! – gritaram de novo.

   - Mas que diabo de cebola é esse? – perguntei a mim mesmo.

   Abri o salgadinho e comecei a andar. Achei um canto agradável e sentei.

   - PASSA CEBOLA!

   Já chega, quem é esse cebola?

   Levantei e fui em direção a quadra. Quando cheguei lá estavam todos sem camisa correndo atrás da bola. Suados e de aparência sofrida.

   - PASSA CEBOLA! – gritou o goleiro.

   - NUM ENCHE! – gritou um moleque meio esquisito. Seus cabelos estavam molhados, sua pele era extremamente sem cor.

   - Olha o garoto novo! – gritaram.

   O time inteiro olhou para mim.

   - O garoto novo veio com um saco de Cheetos – gritou algum outro.

   Não imaginava que teria tanta pessoa da minha idade aqui, mas devia ter uns 15 moleques.

   - Fala ai Cheetos!

   - Ae Cheetos.

   Acho que esse virou meu novo apelido.

   - Vem joga Cheetos! – é, acho que virou mesmo.

   Eu larguei o salgadinho no chão e sai correndo em direção a quadra. O jogo recomeçou. Devia ter avisado que sou péssimo em futebol, mas acho que eles já notaram quando consegui errar o gol que estava na minha frente sem goleiro.

   - Qual é Cheetos?

   - Foi mal! – gritei, mas acho que eles não gostaram muito.

   - Oh, quatro olhos, vamos acertar o gol?

   Zombou um moleque, depois riu junto com outros 3. Certo, eu uso óculos, mas isso é tão ruim? Hoje a maioria da população usa óculos.

   - Piadinha velha hein! – disse o goleiro.

   Eu olhei para ele. Ele levantou a sobrancelha e disse:

   - Aqui, sua primeira impressão que conta.

   Ou eu melhorava meu jeito, ou ia passar o resto da vida sendo zoado. Foi então que percebi que não queria amigos, talvez o goleiro virasse meu amigo, eu precisava de mais?

***

   O jogo acabou e cada um foi tomando seu rumo. Alguns voltaram para suas casas, outros tornaram com suas panelinhas de origem.

   Eu peguei minha camisa que joguei no chão e peguei o saco de salgadinho – que estava pisado.

   Estava saindo da quadra e voltando pra casa, quando algo me tocou os ombros.

   - Garoto novo, prefere Cheetos ou Quatro olhos?

   - Igor – disse, informando-lhe meu nome.

   - Não vou ser seu amigo – disse, referindo-se a usar meu nome de verdade.

   - Não quero sua amizade.

   - Então... Cheetos, bem vindo ao inferno.

   - Ae pipoca, amanhã na mesma hora, falow? – gritou um moleque grande, pegando a camisa do chão.

   - Beleza Truta!

   - Pipoca então? – perguntei, quando o goleiro voltou a olhar para mim.

   - Eu avisei que aqui é a sua primeira impressão que conta.

   - Você estava comendo pipoca?

   - Não, eu cheguei e já xinguei o cara de pipoca, então ficou.

   - E pipoca quer dizer....

   - Sei lá – respondeu, jogando a camisa por cima do ombro.

   Eu peguei a minha e amarrei na cintura.

   - Vamos chamar a Re.

   - Re?

   - A Renata, eu jogo futebol, e depois a chamo pra gente ficar conversando. Virou costume.

   Saímos andando no meio das casas. Ele parou na frente de uma casa cor creme, com uma janela enorme na sala, que mostrava praticamente todo o espaço.

   - RE!! – gritou ele.

   A janela do andar de cima se abriu, estava muito escuro e eu não pude ver direito o rosto.

   - FALA PIPOCA! – gritou ela.

   - DESCE!

   - QUEM É ESSE? – perguntou ela, se referindo a mim.

   - O CHEETOS!

   - O GAROTO NOVO? – porra, estava todo mundo sabendo que eu cheguei?

   - É, VEM!

   A janela se fechou e nós sentamos na calçada, ficando de costas para a casa.

   - Eu ainda não sei seu nome – falei.

   - Já disse que não vou ser seu amigo.

   - Ae Tiago! – disse Renata, chegando e sentando do lado dele.

   - Tiago então – disse, gravando o nome na minha cabeça.

   - Já arrumou um apelido foi? – perguntou ela, olhando para mim.

   - Pois é – respondi – qual é o seu?

   - O Pipoca me chama de Re, mas aqui no condomínio me chamam de Loira.

   Foi só então que eu percebi que ela é loira.

   - Podemos ir para outro lugar? Se minha mãe me vê aqui ela vai me mandar entrar – pediu ela, olhando constantemente para trás.

   - Vamos lá loira – disse Tiago, dando um tapa na coxa dela.

   - Respeito viu garoto – pediu ela, por um instante eu achei que estava sobrando ali, é, talvez eu estivesse mesmo.

   - Acho que vou pra casa tá gente.

   - Falow Cheetos, a gente se vê amanhã – disse Tiago, é, acho que ele realmente não quer ser meu amigo.

   - Qual é? Já ta com sono Cheetos? – perguntou ela.

   Todos nós levantamos, caminhando para algum lugar longe dali. Passando de baixo da luz eu pude ver como é a loira. Eu não sou muito de reparar, mas ela tem um peito enorme. É gostosa.

   - Vamos ficar por aqui mesmo – pediu ela, sentando em um dos bancos do quiosque.

   - Eu vou pra casa pega alguma coisa pra come e já volto – disse Tiago, se levantando e indo embora.

   O silencio reinou no lugar, eu e ela não somos muito amigos ainda, pra falar a verdade eu não tenho amigos ainda.

   - Então, qual é a desse lugar? A cidade parece meio simples mais isso aqui é um luxo – eu perguntei para ela, olhando o lugar em volta.

   Ela deu uma pequena risada e respondeu:

   - Você reparou algo esquisito aqui? – eu neguei com a cabeça – A cidade é pequena, simples, mas as pessoas estão sempre bem vestidas. É como se fosse uma fachada.

   Eu podia ver um ponto de interrogação em cima da minha cabeça, e pelo jeito ela também.

   - Certo, me responde uma coisa. Quando estamos tristes, o que fazemos?

   - Choramos? – perguntei, me encolhendo.

   - Não! Quando estamos tristes, sorrimos! Para não mostrar nosso lado sentimental – ela sorria e gesticulava com o braço, mostrando empolgação.

   - Isso quer dizer que...?

   - Que essa cidade mantém essa fachada de pobre para não mostrar o quão rica é! – sorriu, mostrando o óbvio.

   - Por quê?

   - Preste atenção, porque pessoas que podem pagar um condomínio desse nível estariam aqui, no meio do nada?

   - Para esconder a riqueza?

   - Isso! Todos estão aqui não porque querem, mas porque precisam. O Truta, aquele garoto metido e o que inventa os apelidos, está aqui porque morava em Cascavel, e lá a mãe e a irmã dele foram seqüestradas, depois disso se enfiaram nesse fim de mundo.

   “O cebola está aqui porque morava no exterior, seu pai é dono de uma fabrica de cobre, sofria ameaças constantes, então também se enfiaram aqui.”

   - E porque você esta aqui? – perguntei, vendo ela toda empolgada.

   - Eu já morava aqui antes, quando a cidade ainda era pobre. Fomos para a cidade grande e acabou acontecendo uma tragédia e perdemos tudo, todo o dinheiro que meu pai lutou pra conseguir. Meu tio é dono desse condomínio e deu uma casa aqui pra gente, senão estaríamos na rua. E você Cheetos, está aqui por quê? – eu queria perguntar o que tinha acontecido, mas seu rosto estava triste, talvez ela não quisesse tocar no assunto.

   - Cansei de Baitibá, queria sair da cidade grande e vim pra cá.

   - Como assim cansou de Baitibá? – perguntou a loira, incrédula, passando os dedos na ponta do cabelo.

   - Ué, cansei oras!

   - Tipo assim, Baitibá é a melhor metrópole do Brasil, todos querem morar lá, e isso são pra poucos.

   - É grande demais pra mim – respondi simplesmente.

   - Nossa, é meu sonho.

   - Depois que você conhece descobre que é um mundo de perdição.

   - Tiago iria adorar – disse ela, quando falou nele, seus olhos se perderam no vazio da noite, lembrando de alguma coisa.

   - Sinto que ele não gosta de mim – eu disse me perdendo também no vazio.

   - Porque acha isso?

   - Ele falou que não queria ser meu amigo.

   - Ele também falou pra mim e veja o que somos agora, quase irmãos – respondeu, embora eu ache que eles são bem mais que isso, tenho certeza que ela se reserva.

   - Falae povo! – falando nele, olha quem chegou e fez questão de sentar entre mim e Renata, nos separando – Fala loirinha.

   - Fala pipoquinha!

   - Olha o biquinho dela – disse ele, se aproximando da loira fazendo um biquinho nos lábios.

   Mais uma vez eu sobrei.

   - Gente eu vou pra casa – disse, me levantando.

   - Por quê? – perguntou Renata.

   - To com soninho – respondi brincando, ela deu uma pequena risada.

   - Falow Cheetos! – disse o pipoca.

   - Tchau... Qual seu nome?

   - IGOR! – respondi, já estava longe deles.

   - TCHAU IGOR! – foi quase inaudível, mas ainda sim ouvi sua voz.

   - Tchau Re – disse, a mim mesmo em particular.

   Abri a porta de casa, tomando cuidado para não tropeçar nas caixas da mudança, olhei no relógio, já eram nove horas.

   Fui para meu quarto e fechei a porta. Deitei na cama e calmamente coloquei a coberta em cima de mim.

   Eu estava quase me perdendo aos meus sonhos quando ela apareceu em meus pensamentos.

   - Marina – sussurrei.

   Foi quando eu me lembrei de uma frase: “Quando estamos tristes, sorrimos”

   Adormecendo eu pude sentir meus lábios abrindo um pequeno sorriso de tristeza, é verdade, sorrimos afinal.


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Notas finais do capítulo

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Primeiro capitulo, pode estar mei confuso, mas de uma chance
espero que gostem,
mereço reviews?



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