Noah escrita por Ari


Capítulo 1
1; day after day


Notas iniciais do capítulo

Olá! Sejam bem vindos ao primeiro capítulo de Noah! Eu tenho muita coisa pra dizer por aqui, mesmo que não queira ser o tipo de pessoa que faz Notas maiores que o livro em si. Estou tão animado por estar tendo a oportunidade de postar essa história aqui!

Quero dizer de primeira que os avisos na introdução da história são extremamente conectados ao final da história, não seu início em questão.

Obrigado por estar aqui e aproveite a história!



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QUANDO EU TINHA DOZE ANOS, o meu maior medo era que chegassem para conversar comigo e perguntassem “Oi, Noah, posso te fazer uma perguntinha?” porque eu sabia o que vinha logo após isso.

Eu ficava totalmente apavorado e não tinha nada o que dizer. Nem sabia direito quem eu era. Quem dirá uma coisa dessas.

Hoje em dia, ninguém me pergunta mais isso. Eu queria que o fizessem, mas chegou um momento que eu me tornei tão avulso na vida alheia que as pessoas simplesmente pararam de se meter. Isso de alguma forma era relaxante e desesperador.

Perto dos meus catorze anos de idade, eu notei uma coisa. O ensino médio que iria me atormentar pouco depois, não ia ser algo como High School Musical, onde assim que chegassem as férias, seriam apenas felicidades, cantoria e coreografia bem esquematizada. Não irei mentir, eu queria muito que fosse.

Mas chega um momento, que você percebe uma coisa. As histórias não terminam com um grande beijo na última cena. A protagonista não arruma um namorado e muito menos vai morar em Paris.

No final da história você descobre que o personagem claramente homossexual foi criado apenas para garotos e garotas heterossexuais tirarem sarro quando o nome fatídico vem em sua mente nos dias que se vieram depois de assistirem o tal filme.

Parece que, atualmente, as pessoas gostam de problematizar tudo. Se alguém quiser pintar o cabelo, deixe-as. Se uma mulher não tiver capacidade de criar uma criança, às vezes porque a camisinha estourou e eles não perceberam ou qualquer seja o motivo e quiser abortar, deixe-a. Se um garoto quiser pintar as unhas, deixe-o. Se alguém quiser participar de um relacionamento triplo, deixe-os. Se você é tão a favor da vida, então levante essa bunda da sua cadeira e cuide da sua. O universo inteiro agradece.

Ah, sim. Precisamos de uma apresentação mais adequada. Não que você já não me conheça. Eu sou literalmente aquele garoto que você provavelmente já deve ter visto no corredor, com purpurina espalhada abaixo dos olhos, próximo à bochecha, os fios vermelhos claro e roupas que deixam bem claro que saiu de um filme cult ruim dos anos 80, que graças ao melhor amigo e sua personificação de estilo para este, não esconde nem um pouco o arco-íris que escorre por suas veias.

Se você já viu alguém assim, parabéns, você me encontrou! Não que eu fosse aquele tipo de pessoa muito relevante, oradora da turma, líder de torcida de um filme americano de 2013 ou coisa do tipo, nem o melhor cantor, o melhor dançarino ou o gay mais fabuloso.

Eu sou só eu.

O garoto mais fabuloso da escola é sem sombra de dúvidas o meu melhor amigo. Sim, garotos gays também tem melhores amigos gays. E isso não é novidade.

Se você pensa em um padrãozinho gay, parabéns, você também acaba de se deparar com o Julio. Ele é alto, tem auto estima de sobra e sempre o escolhem para dar conselhos sobre roupas ou relacionamentos. Aliás, ele desde sempre usa um óculos escuros sob o cabelo, o que é literalmente a coisa que eu mais vi ele fazer.

Esses óculos são quase importantes pro Ju. Eram do pai dele. Algum drama familiar que realmente nunca entenderei, por mais que eu tente.

Mas enfim, bem vindo ao meu mundo de primeiranista. Honestamente, não é porra nenhuma de interessante, porém nossa vida segue normalmente e sem nenhum imprevisto aparente.

Naquele dia em questão, eu estava com um pirulito na boca e ouvindo a mesma música pela oitava vez naquele dia. O que era de se esperar de vir dos fones de ouvido via Bluetooth. Nenhuma novidade.

Julio estava sentado do meu lado na carteira, me assistindo abrir pela décima vez o mesmo manuscrito e fechar na mesma hora. Ele fazia um comentário ou outro quando eu escrevia uma frase, daquele tipo “Noah, você consegue!”, ou “Nossa, Noah, que trecho tocante. De onde você tira tanta criatividade?”.

As vezes eu tinha vontade de virar pra ele e dizer “Criatividade é o meu pau. Eu passo praticamente a semana inteira escrevendo uma história que ninguém vai ler e que eu nem sei como vai terminar porque eu sou um tapado que não sabe descrever emoções alheias e nem sei como as opiniões vão influenciar ou não no futuro do personagem.”

Talvez a música que eu estava ouvindo não era a melhor pra escrever esse capítulo. Porém, a trilha sonora daquele filme é literalmente a coisa mais alucinante do mundo, o que me faz ficar horas e horas ouvindo as músicas e passando meu tempo cantando as músicas com o manuscrito aberto.

E também tinha a pressão pro dia da festa de formatura, que é semana que vem. Falta uma semana e eu não tenho nenhum par, mesmo sabendo que eu nem deveria ir pois estou no primeiro ano, porque adivinhem? Eu sou gay.

Provavelmente eu e o Julio ficaremos em casa assistindo a cobertura feita pela Isabela, que vai com o Isaque por motivos desconhecidos, já que ambos se odeiam mortalmente e intensamente. Eu acho. Nunca vi os dois se falando se não fosse para brigar feio.

Escrevi um parágrafo da história, e até gostei dele. De verdade, minha protagonista estava morrendo afogada e simplesmente encontrou um portal pra outro mundo. E logo depois ela cai perto da casa de seus pais biológicos, mas não se lembra que é ali. Então, ela atravessa novamente o portal e volta pro seu mundo tão infeliz e confuso. Muito original.

Julio começou a me cutucar desesperadamente, me mostrando o celular, onde a foto de um garoto com seu pênis ereto – olha só, mãe! Eu sou culto! – e mostrando o rosto quase inteiro. Não preciso ser nenhum idiota pra saber quem era.

Que vergonha, era o namorado da melhor amiga dele. Contraí o rosto, voltando a escrever. Mas era muito difícil fazer isso quando o professor não permite o uso de porra nenhuma de tecnologia na sala de aula e você tem que apoiar o aparelho na sua coxa enquanto alterna entre a escrita do seu livro e num caderninho.

O sinal ecoou alto por todo o corredor, dizendo que eu já poderia ir para a casa. Ainda bem, eu achei que ia enlouquecer aqui dentro.

Chega um momento que não é mais a melhor coisa do mundo ir pra escola todos os dias, que você não quer mais fazer os deveres de casa. Chega aquele momento fatídico em que você só quer se jogar na cama pelo resto do ano e dormir feito um condenado. Já que simplesmente caem em cima de você com uma tonelada de trabalhos e de palavras desconhecidas que simplesmente saltam do milhão de apostilas que te entregam no começo do ano, sabendo que na hora que eles forem corrigir ninguém vai nem sequer ter feito um esforço pra responder corretamente.

Guardei o notebook na mochila, despertando a atenção do professor. Lá se vai 4 pontos da minha nota final. E, pra quem tá pertinho de tomar bomba na matéria dele, isso é OK. Eu vou simplesmente ignorar isso.

Eu não preciso de nota. O professor de inglês – no caso, o dito cujo – não afeta quase nada, já que o mesmo sempre diz que eu estou quase reprovando porque no primeiro bimestre tirei um belo dez, no segundo dois e no terceiro tirei dois e meio de média final. 5,5 de média seria fácil se ele não trocasse toda hora as matérias – de verdade, era uma aula por semana. Dessa aula por semana, ele começava explicando o Verbo to Be e na semana seguinte ele estava falando de Literatura Inglesa e como identificar o Passado Simples nele. Conteúdos que todo mundo já tinha visto no Ensino Fundamental.

Logo quando eu sai da sala, encontrei um Julio desesperado pra passar o final de semana inteiro na minha casa assistindo Friends de roupão e comendo três litros de sorvete.

Eu sei que pode parecer extremamente íntimo pra dois garotos que são gays, você também achou, principalmente se é alguém da minha escola lendo isso. Vocês são sacos de lixo, calem a boca. Principalmente a parte do roupão. Eu acho. Mas é que a gente todo Domingo se veste bem e vai no cinema, mesmo sabendo que o preço é três vezes maior. É que o nosso querido Julio deu um jeito de se apaixonar pelo garoto que fica no caixa todos os finais de semana, então ele me arrasta pra ficar de vela nos fundos do cinema.

No caminho da casa, eu evito manter uma conversa com Julio, já que ele provavelmente iria falar NOVAMENTE, PELA VIGÉSIMA VEZ do Felipe. Sim. Em letra maiúscula. O meu melhor amigo era o melhor em fazer a vida ser como um filme musical ruim.

Eu queria poupar a conversa de que tudo acontece por um motivo porque eu realmente estava cansado de todo mundo me falando isso. Vivi 15 anos da minha longa vida ouvindo que tudo acontece por um motivo. Que meus pais se separaram por um motivo melhor. Que eu estava desperdiçando meu cérebro com coisas inúteis e que isso ia me foder no futuro. Porque isso é mais comum de ser ouvido do que “Já que você é gay, então você tem que ser perfeito”. Se você é LGBT e já ouviu isso, parabéns! Bem vindxs ao clube dxs garotxs odiosxs!

As vezes eu me pergunto como é ser o Julio. Ele se destaca, sabe exatamente o que dizer e o que fazer. Por um ano e meio eu joguei um jogo chamado “O que o Ju faria?” e é exatamente o que eu não devia ter feito.

Todo mundo se espelha em alguma pessoa famosa. Eu, Noah, sempre me inspirei no meu melhor amigo pra tudo. Uma vez eu fiz uma apresentação de dança, que mesmo sabendo estar horrível aconteceu, por incentivo dele.

Você deve estar pensando “Nossa, Noah! Você é um puxa saco do caralho desse Julio, hein!” ou “Wow, eles se beijam no final da história?” E não, nenhuma das opções acontece de verdade, eu juro.

Porque o motivo pelo qual eu estou aqui, vos contando esta história fatídica, é exatamente pelo o que acontece depois do momento em que eu recebo a primeira mensagem que troquei com Joshua, naquela mesma noite em que eu recusei pela primeira vez uma das milhares idas ao cinema de Noah, Julio & Felipe.

As pessoas realmente se importam muito com encontrar um amor e ter uma pessoa pra transar? Eu achava que era apenas uma brincadeira ridícula. Sabe, quando a pessoa que você mais odeia chega na sua frente e fala “Eu sempre te amei! Vamos deitar nesse chão e transar como dois cachorros no cio” – que porra é essa, Noah? Bem Hollywood – ou coisa parecida com isso.

Em toda a minha vida, eu recebi o total de 0 declarações românticas. No primeiro dia dos namorados da minha tão fatídica puberdade, eu estava muito interessado no Isaque, que na época nem falava direito comigo e era o garoto mais famoso da escola inteira. Eu só era a bichinha com a voz fina. Então, eles inventaram de fazer um evento anual totalmente americanizado e desnecessário, porque pelo visto essa porcaria de escola não tenta fazer uma coisa brasileira nesse caralho em que o dia dos namorados nem é no dia certo: “O correio anônimo”.

O tempo passou. De repente Julio era o garoto mais popular e aquele que recebia um milhão de cartinhas e mais cartinhas de garotos e garotas que estavam se dizendo apaixonados (apaixonadas) por ele. E eu só recebia um total de zero cartas. Teve um ano em que eu recebi uma cartinha! De mim mesmo. Porque eu mandei pra pessoa errada.

“Tudo bem, Noah, já entendemos que você é um fracassado na vida e que nunca vai beijar pro resto da sua vida.” É exatamente isso que eu quero dizer. Ou eu estou destinado a morrer sem dividir minha saliva com outra pessoa, ou eu serei o próximo magnata secretamente masoquista que quer transar a todo momento.

Atualmente, a primeira opção era bem mais óbvia.

— Noah, você vai querer ir comigo e o Felipe no cinema? — meus olhos encontraram os do meu melhor amigo e se ele não fosse a pessoa mais incrível do mundo, eu teria mandado ele se foder imediatamente. — Por favorzinho, vai. Prometo que você não vai ficar de vela dessa vez. Ele vai levar um amigo!

— Eu tenho duas temporadas de uma série pra assistir. E eu tenho aquela festa à fantasia, esqueceu? Com minha família e coisa tal. Eu te falei no mês passado.

Ele concorda com a cabeça, sabendo que eu estava mentindo. Eu odiava reuniões familiares mais do que tudo. Principalmente as que terminavam com fotos constrangedoras no Facebook e a legenda “Família.felis e sorridemte :D” – sério, isso já aconteceu. Mas tudo certo, eu só relevo quando é minha mãe.

Tudo bem até aí, certo? Errado! Minha família colocou essa ideia estúpida na cabeça que eu tenho de seguir o padrão heterossexual perfeito, o que significava que eu nunca poderia escolher de verdade uma fantasia – de verdade, minha mãe já me mandou ir vestido de John Travolta em uma dessas festas. – mas hoje eu cheguei em casa disposto a fazer tudo mudar.

Me sentei na cama, colocando uma música em último volume no Spotify, trilha sonora de uma das séries que eu mais ando obcecado ultimamente.

Na parede, uns quadrinhos extremamente antigos permaneciam enquadrados pro dia em que eu decida quebrar tudo e vender por um preço absurdo. Minha personagem favorita permanecia em um de seus melhores desenhos. Eu havia refeito aquela mesma personagem um milhão de vezes em desenhos que nunca ficariam tão bons quanto os originais, mas eu tentava de todo modo.

Tinha chegado a hora de expandir meus horizontes. Eu só apreciava os quadrinhos de longe e escutava músicas do meu filme ou série favorito no momento. Ou eu escrevia duas palavras no Word e fingia que estava tudo okay, que estava tudo belezinha.

Quando eu tinha seis anos, eu me vesti de Kurt Cobain. Se eu tiver sorte, uma tesoura e um spray pra pintar cabelo, eu conseguia mudar aquilo direitinho se achasse.

Tudo bem, era a hora certa, já que minha mãe não estava em casa. Porém, antes que eu pudesse resolver toda a minha fantasia, a chuva se instaurou do lado de fora da casa, assim como o céu nublado. Sorri com a vista, considerando que meu quarto tinha uma grande janela de vidro.

Coloquei minha playlist para dias cinzentos e de chuva, me jogando na cama e sentindo que eu estava livre de todos os pesadelos ou coisas ruins do mundo inteiro, incluindo a reunião de família.

Abri um livro, lendo a primeira página. Retirei meus sapatos, ficando apenas com a meia e a calça de moletom. Tomei coragem de levantar, descendo todas as escadas em direção à cozinha.

O cômodo era extremamente planejado, como tudo nessa casa. Minha mãe era quase a louca dos móveis planejados. Tudo naquela casa tinha um grande apelo cinzento, como o dia lá fora.

Peguei a cafeteira, que ganhei de aniversário. Meu corpo inteiro pesava enquanto eu pensava no quanto aquela merda de Nespresso deve ter custado. Na caixa, estava escrito “Essenza Mini Preta”, só isso. Não que eu me importasse, era só uma máquina.

Joguei a cápsula de Cappuccino, de uma marca totalmente diferente, já que eu sou a lei do mundo e de todos. Coloquei minha xícara logo abaixo e aguardei.

Mas eu aguardei mesmo. Parecia que aquela porcaria nunca ficaria pronta. Então, retornei ao meu quarto e peguei o meu notebook, que comprei com meus quatro primeiros salários da vida. Fui demitido logo depois do quinto, porque a loja faliu.

Quando voltei, o drink estava pronto – olha só, o Noah é todo chique! Daqui a pouco está falando je ne sais quoi, que aliás eu acabei de jogar no Google e descobri o significado. Se você está esperando que eu vá te dizer o que é, supere! Se você está segurando isso você tem duas mãos, ou seja, pode muito bem pesquisar. – e quase derramando da minha xícara de vaquinha, que ganhei de presente de uma professora do oitavo ano.

Abri o laptop, abrindo mais uma vez o documento no Word que estava usando na sala de aula. O que tinha vindo em minha mente era uma fanfic onde a Hillary, protagonista do meu quadrinho favorito, era uma bêbada e a sua namorada Marta – também interesse romântico da Graphic Novel – tinha sofrido um acidente de carro.

A história é muito diferente do que eu estou acostumado a escrever, considerando que eu sempre escrevo histórias de terror ou suspense, cheias de sequestros, pessoas morrendo e traições. De verdade, uma das histórias que eu escrevi esse ano era exatamente assim. – quando eu digo “escrevi”, quero dizer que abri o Evernote e coloquei tudo o que tinha pensado sobre a história no documento e ficou ali, como uma lista de tópicos.

Coloquei uma das minhas músicas favoritas pra tocar, ela era extremamente lenta e tranquila de se dançar, conseguia realmente me relaxar. Por enquanto, eu não precisava me preocupar com fantasias. Nem com arrumar um namorado que me ame de verdade. Por mais que a minha meta de vida fosse encontrar um portal interdimensional e acordar em uma mansão com vista pro mar e criando dois filhos, eu tenho coisas melhores pra fazer. Muito menos ficar invejando o fato de Julio estar 100% mais adiantado que eu quando o exemplo é vida sexual.

Meu melhor amigo, de acordo com ele, já transou com mais da metade do mundo – e isso é um exagero, ok? Ele só transou com umas 15 pessoas nos seus quase 18 anos de vida. Repetentes. – e gosta muito de me perguntar quando é que eu vou tomar coragem e contratar um prostituto pra perder a virgindade, como se eu quisesse muito apenas sexo.

Me sentei na bancada de concreto, pegando o aparelho eletrônico e escrevendo três palavras “A chuva caía”. Era tudo o que eu precisava saber sobre a próxima história de Hillary e Marta. Em minha mente, Marta já estaria internada e a outra garota beberia até todos os problemas sumirem. Bem dramático.

As vezes eu queria ser maior de idade ou um adolescente inconsequente pra beber até meus problemas desaparecerem com toda a minha identidade. Mas eu não sou nem um, nem outro. Nunca matei aula, nunca bebi, nem fumei maconha. Talvez eu fosse mesmo o garoto certinho. Talvez meu destino não fosse ser o próximo magnata viciado em cocaína e prostitutas.

O que saiu do meu texto, foi algo tipo assim:

Mares escuros – capítulo um.

   A garota de cabelos loiros abaixou a janela do carro, um modelo branco recém comprado. Não entendia o motivo da mudança repentina, mas ouviu algo sobre terem sido despachados vindo de sua mãe. O que podia ser no mínimo confuso, já que a casa havia sido quitada pela família um mês antes.

    Ela ouvia música alta, cujo não se recorda o nome, enquanto sentia a ventania causada pela velocidade do veículo bater em seu rosto que agora não mantinha mais um sorriso. Nunca comentaria com ninguém as palavras ditas pela mulher de cabelos de mesma cor do seu antes de ela, seu padrasto e sua mãe saírem da casa onde viviam, a fechando.

    Era algo demasiado horrível. Um peso enorme para se carregar com seus dezesseis anos mal completos. Sabia que no final das contas teria de usar aquilo que se encontrava abaixo de seus pés, na maleta azulada dada por sua mãe — por mais que não soubesse como manusear.

    Na mala de Hillary Blackwood, havia uma pistola. Ela não sabia o motivo da entrega daquele objeto, porém sua mãe implorou para que ela deixasse embaixo de seu travesseiro todas as noites, tendo de o tirar apenas quando houvesse a extrema necessidade.

   Não entendia o motivo; o bairro era considerado um dos mais seguros do país, sua família era totalmente sã — bem, era o que aparentava nos poucos momentos em que passam juntos. Ela não sabia o que acontecia no quarto de seus pais quando estava fora.

   — Estamos chegando? — questionou a loira, que mantinha uma voz mais madura que a dos outros jovens. Ela havia virado o rosto para a frente, onde seus pais estavam, porém apenas sua mãe olhou.

   — Vamos estar lá quando estivermos que estar. — respondeu a mulher, mais uma vez sem um sorriso no rosto. E então, a mesma tornou a fitar a frente.

   Por quê estão todos sem sorrir?, pensou Hil, Alguém morreu? Será que o local não era tão seguro quanto eu havia pensado? O que ela quis dizer com isso?

   O pensamento fazia Hillary tremer. A mãe tentou a acalmar, retirando o cinto, indo para o banco de trás e abraçando as costas da filha, que havia tido muito nova. Por mais estranho que pareça, ela não se arrependia nem um pouco. Nos seus trinta e dois anos de idade, era desempregada e todo o tempo ajudava a mais nova com suas atividades extracurriculares.

   — Hil, eu preciso te dizer uma coisa. — disse a mulher, quando estavam prestes a sair. Ela se abaixou, olhando para a mesma. Acariciou a bochecha rosada da filha, que arregalou os olhos. — As vezes a vida te dá felicidades ou a vida te dá apenas desgraças. Independente do que ocorrer naquele lugar, saiba que você precisa amadurecer. Não importa se vai ser cedo demais. Você precisa. Em algum momento, da sua vida, quem irá te salvar?

   — Okay, mamãe. — e se virou para ir correndo até o carro. Porém a mulher segurou o braço dela, olhando fixamente para os olhos azuis por conta da lente da garota. — Mamãe, por que parece preocupada? Eu fiz algo de errado?

   — Escuta, Hillary. Você não está segura com seu padrasto. Você nunca vai estar. Eu tenho uma coisa para te dar. — e assim, puxou uma pistola de dentro de seu casaco preto, a aproximando das mãos do filho, que apenas tocou. — Você engatilha assim. — mostrou como se fazia, parecendo experiente naquilo. — E para atirar, aperta essa trava aqui, o.k.? É chamado de gatilho. Mantenha isso debaixo do seu travesseiro todos os dias. Apenas tire em situação de extrema necessidade. E não se esqueça: Você não está seguro aqui.

   Você não está seguro aqui. Por um segundo, Hillary perguntou o que isso significaria. Então ela pensou e notou uma coisa dentre todo aquele pequeno caos; o líquido avermelhado preso nos dedos de seu padrasto, era viscoso demais para ser groselha.

Eram as 644 palavras que mais me orgulharam nessa vida todinha. A chuva passou. E como toda chuva de verão; veio o arco-íris.

E com o arco-íris, uma mensagem do Julio.

Julio, the great: Noah, você pode ir comigo buscar o meu primo de Portugal no aeroporto? Ele veio pra apresentar no baile. Ele canta muito bem. O que você acha da ideia?

Eu: Já estou de pijama. Desculpa Juju. Eu tenho coisas importantíssimas pra fazer. Como assistir três temporadas inteiras de Teen Wolf.

Julio, the great: Ou será que você vai se masturbar pra garotos aleatórios do Twitter quando você pode conhecer o gatinho do meu primo? Hein, hein?

Eu: EU JÁ TE DISSE QUE SOU 900% PURO E VIRGEM, EU NÃO SEI DESSAS COISAS.

Julio, the great: Mas enfim, você vem? O Adiel é um gatinho de verdade, eu to te falando. E aquele olhar dele vai te hipnotizar na hora. Eu estou olhando pra ele faz uma hora e minha única vontade é sentar naquela rola portuguesa.

Eu: Você nem tem parentes portugueses. Ou tem mesmo e não está tentando me levar pro cinema com o Felipe? Por favor, me diz que não é uma brincadeira. E pare de falar do pinto alheio, eu não quero saber, sua tarada!

Julio, the great: Na verdade, o Adiel é bem real. Só que ele já está aqui em casa.

Julio, the great: Eu te inscrevi num show de talentos pra hoje e você é obrigado a ir. Se você se recusar, esquece que eu sou seu amigo.

Eu: Você ainda vai se foder bonitinho na minha mão.

Julio, the WORST SON OF A BITCH THAT I HATE MORE THAN EVERYTHING IN MY LIFE I REALLY WOULD LIKE IF LIFE COULD KILL HIM IN A CAR ACCIDENT: Eu te busco às 19h. E não tenta fugir, eu sei todos os seus esconderijos.

Eu: Corno.

O que eu ia vestir? O que eu ia apresentar? O que eu ia fazer? Claro que, com essa ideia do show de talentos, poderia me considerar livre de festa a fantasia em família. Mas agora corria o risco de passar a maior vergonha da minha vida todinha, que seria motivo de chacota por todo o resto da minha vivência neste mundo cruel.

Minha vontade era de me jogar no chão e cantar uma música sobre auto estima, ou sobre a falta de um namorado e coisa assim. Gravar um videoclipe e me tornar viral na internet todinha. Mas a única coisa que eu consegui fazer foi apoiar minha cabeça na bancada e chorar sem motivo aparente.

Honestamente, eu era uma protagonista de novela mexicana. Ou de um livro ruim onde o principal se vê em uma espécie Minecraft amoroso e sem saber o que fazer da própria vida.

Uma coisa era certa: Naquela noite, eu me fantasiaria. E aquela fantasia barata talvez foi o que ferrou a minha vida inteira pelo resto do mês. Porque eu fiquei num castigo tão fodido que preferia não ter feito nada.

Mas ainda assim, eu o fiz. Subi todas as escadas e procurei no armário a peruca de Kurt Cobain. Dei uma encaracolada nos fios e os tingi em um tom quase platinado, com o spray pra cabelo de carnaval. Fui para o banheiro e como um flash, saindo quase dois minutos depois deixando um cômodo cheio de fumaça por conta do vapor da água quente.

Vesti meu jeans de cintura alta, que ficava ligeiramente folgado em mim e coloquei minha blusa preta favorita por baixo da calça, peguei minha jaqueta e a vesti rapidamente, logo tateando a peruca tingida e a colocando sob meu cabelo. Dei uma olhada rápida, fazendo minha melhor maquiagem básica. Com “Básico” quero dizer que eu fiquei uma hora tentando fazer aquela porcaria funcionar. Troquei de maquiagem um bilhão de vezes até encontrar uma paleta de cores toda vermelhinha que me agradasse.

Dei uma olhada de relance para o quadrinho pregado à minha parede e dei um sorriso. Hillary, who? E finalmente, com minha primeira fantasia decente da vida, escutei a campainha tocar exatamente à 19h, para avisar que meu melhor amigo já estava entrando, porque Julio era pontual e já tinha a chave.

Quando desci as escadas, consegui escutar o queixo do meu melhor amigo se deslocar até o chão com a visão, e tive meu primeiro vislumbre de Adiel Peters.

Seus olhos verde-esmeralda penetraram a minha alma imediatamente. Os fios de cabelo do garoto eram em um tom castanho escuro e seu rosto tinha um alinhamento perfeito. E o corpo, nossa! Ele usava uma regata que marcava bem os braços e uma calça que ficava muito colada no corpo. Como o Julio tinha um primo tão bonito assim e nunca me contou?

Ele não parecia chocado. Sua sobrancelha levantava revelava pouco sobre o que ele estava pensando. Seus lábios se abriram levemente e eu só consegui escutar uma palavra sair deles.

 Kacey.

Eu não conhecia essa tal de Kacey, mas se eu estou parecido com ela, eu sei como ela se sentiria no meu lugar. Deslumbrante. Era o que eu era agora. Um príncipe fantasiado pra se sentir bem consigo mesmo, mesmo que isso significasse ser outra pessoa.

Sorri para Julio, que sorriu de volta, tomando meu braço.

— Ma’am, você me concede esta viagem? — sorri, considerando que já estávamos indo em direção ao carro dos pais de Juju, que seria dirigido pelo pai deste, que me olhou chocado e abaixou um pouco os óculos.

— Noah Gomes! — uma exclamação. Mas não era o Sr. Peters. E sim, a voz da minha mãe, totalmente enfurecida ao me ver vestido daquele jeito.

Virei pra ela, com meus olhos já marejando ao ter de ouvir o discurso “Não apoio meu filho gay e sou foda por isso, a vida é boa e eu NÃO tenho um Tinder” de sempre. Eu estava finalmente feliz com alguma coisa e isso iria parar novamente por causa dela.

— Não. — disse, a deixando confusa. Consegui ouvi-la balbuciar um “O que?”, causando mais uma vez meu grito. — Não! Eu já cansei de escutar o mesmo discursinho que me machuca todos os dias, mãe. Você disse que queria ser a minha melhor amiga, mas ultimamente está sendo literalmente o oposto disso. Eu não quero mais ficar preso nas suas garras como se você fosse a porra de uma tirana! Eu não nasci pra ficar calado, eu não quero ficar calado..

Corri pra dentro de casa, procurando o megafone que havia usado pro trabalho de Português, que se encontrava em cima da mesinha de centro da sala, jogado como tudo meu nessa casa.

A porta ainda estava aberta, então dei a minha melhor saída triunfal, porque como não é surpresa pra ninguém, eu sou uma Drama Queen. Meu cabelo voava, enquanto eu tirava a peruca, para que todos me escutassem.

Levei meus lábios até o megafone, dando meu grito mais alto, pra que todos da vizinhança escutassem. Ela queria manter isso em segredo? Pois bem. Tenta desmentir essa agora, sua Barbie torrada de sol.

— Escutem essa, seus filhos de uma puta que gostam de cuidar da vida alheia! — sorri, olhando para Julio, que ainda estava perplexo. — Meu nome é Noah Gomes e eu sou gay, poc, bichinha, viadinho, o que mais vocês quiserem me chamar. Tomara que vocês morram no poço de falsidade de vocês! Porque enquanto algumas pessoas vão pra igreja rezar para que a família perfeita, o filho deles vem encher a porra do meu saco pra trepar comigo!

E com isso, entrei no carro de Julio, atirando o megafone no colo da minha mãe. E a primeira coisa que veio na minha mente foi: I AM SO RANDOM, I CAN’T BELIEVE I JUST DID THAT. Ponto final. Sem nenhuma surpresa.

Ninguém disse mais nada no caminho até o show de talentos. Eu aproveitei pra chorar e borrar a maquiagem inteira, coisa que só perceberia logo depois, quando chegasse no pub em que acontecia o evento.

O lugar estava lotado. Pessoas dançando em todos os lados e gritando. O show ainda não havia começado. Olhando no retrovisor do carro, encontrei meus olhos todos borrados. Falei pro meu melhor amigo que ia ao banheiro me arrumar e assim o fiz.

Adiel me pegou pelo braço rapidamente, porém com pouca força.

— Escuta, Noah. Eu preciso mesmo falar com você um dia desses. Isso não pode ser possível.

Me soltei rapidamente e corri pro banheiro, onde molhei meu rosto o mais rápido possível. A maquiagem borrada foi saindo com muito papel e eu precisava muito de ajuda, já que não tinha um removedor por perto.

— Julio, por favor, me ajuda. Eu estou no banheiro feminino, eu não consigo parar de chorar. Vem aqui me ajudar, por favor. — minha voz estava embargada enquanto eu gravava o áudio, por mais que não tivesse muito pra se dizer. Enviei.

Deixei meu celular apoiado na bancada da pia, logo depois recebendo duas mensagens. Uma de um número desconhecido e outra de Julio.

Desconhecido: Noah, é o Julio! Eu mudei de número agora, estou aqui fora do pub, fiquei tanto tempo sem colocar um crédito sequer que cancelaram meu número e deram pra outra pessoa. Tudo bem aí no banheiro?

Merda. Merda. Merda. Merda. Isso não podia estar acontecendo no mesmo dia. Não tinha como o Julio ter mudado de número na hora em que eu mandei o áudio pra ele. Outra pessoa, recentemente com esse chip novo, pegou o número. Que droga. Eu podia literalmente ser a pessoa mais fodida da internet todinha. Me sentei na pia, olhando pro visor do celular com medo de ler a mensagem.

Digitei a minha senha, que deu erro. Qual era mesmo? Puta que o pariu. Agora meu celular estava bloqueado. Porra de smartphone de última geração. Tomara que exploda mesmo.

Minha senha é muito fácil. Simplesmente tem 41 caracteres que formam perfeitamente a frase “I will never ever be Julio, no matter how hard I try” [Eu nunca serei Julio, não importa o quanto eu tente]

E assim, o celular abriu. Encontrei a mensagem, esperando pra ser lida por minha ilustre pessoa que agora não sabia mais o que fazer da vida nem como prosseguir naquele momento.

Não é o julio: Oi, eu provavelmente não sou seu amigo. E nem sei como te ajudar. Meu nome é Juliano, quer que eu ligue pra alguém?


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