Elizabeth abriu a porta do escritório de Duque e vasculhou por todo o perímetro do Royale à vista. Ela tinha uma impressão muito clara de que aquele choro suave ouvido de longe era de sua irmã caçula. Já escutara o pranto de sua irmã diversas vezes por diversos motivos. Seus olhos passaram pelo salão e voltaram para um canto específico. Acertou em cheio, sua irmã segurava um papel, enquanto se debulhava em lágrimas. James estava sentado ao seu lado. Parecia tão confuso, olhando fixamente para June com os olhos arregalados.

Ela correu pelas escadas com Duque em seu encalço. Perto o suficiente para manter no canto da sua mente aquele quase beijo que havia acontecido. Ajoelhou-se ao lado de June, esfregou suas costas e perguntou com uma voz aveludada:

—Qual o problema, querida?

Sua irmã levantou a cabeça instantaneamente, reconhecendo a voz de Elizabeth.

—O que você está fazendo aqui?- o olhar de June foi de Elizabeth para Duque em questão de segundos. A última pessoa que esperava encontrar no Royale era sua irmã mais velha, de novo. Já bastou aquele episódio constrangedor do Pandemônio.

—Vim pedir desculpas pelo meu comportamento no Pandemônio para os três donos.- Elizabeth abriu um pequeno sorriso envergonhado- Mas esse não é o foco. O que está acontecendo?

As feições de June no mesmo momento demonstraram desespero. Ela olhou de volta para o papel em suas mãos e como Elizabeth estava mais próxima podia ver que era uma carta assinada anonimamente.

Querida senhorita Clark,

Não pude deixar passar a sua presença e de sua irmã no Pandemônio há duas noites. Imagine a minha surpresa em ver as duas damas circulando livremente por um dos maiores cassinos de Londres. Até onde eu sabia, cassinos eram frequentados somente por cavalheiros.

Aparentemente a noite foi cheia de surpresas. Porque além de descoberto a presença das duas, um passarinho verde me contou que há uma parte do clube exclusiva para damas da alta sociedade. Chocante ainda mais, não?! Como a senhorita e o senhor Carter estão se encontrando clandestinamente, sugiro que passe essa carta para ele e os outros donos do Royale.

Imagino que essas informações as quais eu possuo são extremamente delicadas, e caso vão a público trariam desgraça tanto para a reputação das duas moças, quanto para o Royale. Presumo que os senhores farão de tudo para fechar a minha boca. Aguardem a minha próxima carta que passarei meus valores.

                                                                                               Ansiosamente,

                                                                                               Lorde Mascarado

—Que homem sádico- Duque exclamou após Elizabeth terminar de ler a carta em voz alta.

Eles estavam sendo chantageados. As reputações de Elizabeth e June estavam em jogo. Elizabeth não estava tão preocupada como a alta sociedade a veria, caso essa informação fosse a público. No entanto, sua irmã ficaria devastada. Ela adorava conviver com a aristocracia inglesa, algumas de suas grandes amigas eram filhas de duques, viscondes e marqueses. Com sua reputação arruinada, Elizabeth duvidava que as tão estimadas colegas sequer considerariam frequentar a mansão Clark.

E para completar todo o conflito, o destino do Royale estava em risco. Ela olhou para Duque e James, ambos estavam chocados. Ela imaginava que o lado feminino do clube nunca havia caído no conhecimento de ninguém que não fosse totalmente confiável. Elizabeth olhou para a carta novamente, procurando algum sinal de que aquilo era uma brincadeira cruel. Que nada disso estava acontecendo.

Eles tinham que tomar alguma decisão naquele momento. Não poderiam ceder às vontades daquele cretino. Caso cedessem uma vez, essa sombra sempre pairaria na cabeça de todos. Algum plano precisava ser elaborado, e rápido. Antes de receberem a próxima carta.

—O maldito foi muito esperto- James exclamou sacudindo a cabeça, com a mão no queixo- Mandando a carta para June, provavelmente ela não rastrearia o mensageiro, mas a carta chegaria em minhas mãos da mesma maneira.

Elizabeth franziu o cenho, confusa.

—Já tentaram chantagear os senhores?

—Algumas vezes- Duque respondeu e ela deu um pulinho sobressaltada. Havia esquecido por um momento de sua presença. Ele tentava de qualquer jeito não fazer contato visual, claramente constrangido pelo que havia acontecido em seu escritório- Mas nós imaginamos que isso aconteceria eventualmente quando abrimos o cassino para as damas, então tomamos algumas precauções para conseguirmos rastrear qualquer correspondência entregue no Royale. Agora a mensagem sendo entregue na casas de vocês duas, torna impossível de saber.

O recinto ficou em silêncio por um momento. Elizabeth se colocou a pensar. Lembrou de todos os livros de mistérios lidos durante sua adolescência. O vilão sempre deixava alguma pista. Aquela bola de lã aparentemente impossível de desenrolar sempre tinha uma ponta solta, mesmo que fosse pequena. Sua mente começou a trabalhar, e ela falava em voz alta sua linha de raciocínio.

—Não é possível que o nosso chantagista tenha reconhecido eu e minha irmã simplesmente nos vendo de longe.

—Até porque as duas não chegaram juntas- James comentou, aderindo à linha de pensamento de Elizabeth

—Então ele teria que ter se aproximado de uma delas- Duque completou.

—E ser um conhecido da família. Eu não frequento muitos bailes, e quando vou não chamo muita atenção. Nem todo mundo sabe da irmã solteirona de June- Elizabeth sorriu indicando que aquilo era alguma piada.

Duque franziu o cenho, confuso. Como ela ainda estava solteira? Entendia que havia alguns cavalheiros idiotas que temiam uma mulher de opinião forte. Mas a alta sociedade inteira estava fora de si para não enxergar a joia que estavam lidando?Mais um motivo para evitar as temporadas sociais.

—Eu não lembro de nenhum conhecido nosso no Pandemônio- Duque ouviu a voz de June entrando na conversa, mas seu olhar ainda era fixo em Elizabeth.

Elizabeth se lembrou de alguns conhecidos próximos do escritório de Duque. Porém será que aquela pequena vista teria sido o suficiente para as duas serem reconhecidas? A não ser que o cavalheiro em questão já havia visto Elizabeth ou June e ficou na espreita, esperando para confirmar a informação.

Começou a sentir sua cabeça latejar. Havia muita coisa em risco, e ela não estava nem próxima de chegar perto da resposta daquele mistério. Sentou-se ao lado de June, com uma postura derrotada.

—Achar alguém durante o Pandemônio é como procurar por uma agulha num palheiro- Duque soltou, desanimado.

Uma pequena luz se acendeu na cabeça de Elizabeth de repente. E se a agulha em questão tivesse se esfregado na sua cara, mas ela não reconheceu por estar mascarada? O cavalheiro que havia esbarrado nela na entrada do Royale. Ele havia se aproximado o suficiente para reconhecê-la e ainda ouvir a voz dela quando ela reclamou em voz alta do esbarrão. Talvez conseguisse reconhecê-lo, se o visse de novo.

—Talvez eu tenha uma pista para acharmos o chantagista- ela soltou pensativa e todos da mesa viraram suas cabeças na sua direção.

—Novamente essa reunião de família? Elizabeth, achei que já havíamos passado desta fase de choque pelo caso entre James e June. Acredite, querida, eu e Duque estamos tentando resolver essa situação.

Uma pequena curiosidade surgiu na mente de Elizabeth. O que Duque estava planejando fazer para ajudar seu amigo e sua irmã? Mas o importante agora era todos bolarem um plano para desvendarem a identidade daquele cretino de quinta categoria. Por isso, quando Ethan continuou a tagarelar, Elizabeth baixou as sobrancelhas e fuzilou o cavalheiro com seu olhar mais ameaçador. Um assunto de grande importância e Ethan não sentia todo mundo olhando para ele de maneira impaciente.

Ouviu a gargalhada de Duque ao seu lado. Ele estava se divertindo horrores com a situação.

—Ethan, meu caro, acho melhor você ficar quieto neste momento. Ou corre o risco de perder a cabeça.

Ethan fechou a boca, olhou para Elizabeth e esperou sua fala.

—Eu talvez tenha uma pista de quem seja o chantagista. Um cavalheiro mascarado esbarrou comigo na entrada do Royale. Depois eu o vi próximo de alguns conhecidos da nossa família. Nada garante que ele é o homem certo, mas não custa tentar- ela deu de ombros.

James inclinou seu corpo para frente e colocou os dois braços na mesa. Parecia carregar o peso do mundo em suas costas, a situação também não estava fácil para o lado dele.

—Mas como identificar nosso chantagista pode ser a solução?

—Eu entendo o raciocínio de Elizabeth- Duque entrou na conversa- Se o cavalheiro em questão tem medo de mostrar sua identidade, é porque provavelmente tem algo a esconder. Algo em seu passado que alguém poderia descobrir, caso fizesse uma investigação- ela agradeceu que alguém entendia o que a sua cabecinha confusa pensava.

James e June trocaram um olhar cúmplice. Pareciam convencidos que essa era a única pista.

—Haverá um baile na casa de Lord e Lady Edgell. Vai ser um dos maiores bailes da temporada. Se quisermos procurar uma agulha num palheiro, esse é o lugar mais apropriado- James constatou olhando para Elizabeth. Parecia que a tomada de decisões viria da parte dela, porque houve um momento suspenso, esperando por sua resposta.

—O problema é que June e eu não fomos convidadas- ela cerrou os dentes, constrangida. Os Clark não era muito influentes pela sua linhagem burguesa.

James abanou a mão, desprezando aquele empecilho:

—Que besteira! Posso convencer Lady Edgell de convidar as duas. Ela e seu marido frequentam o cassino, com certeza ela não vai gostar nada de saber que o lado feminino será revelado. Ainda mais que Lorde Edgell não faz a menor ideia das atividades da mulher. Vou mandar uma mensageiro para sua casa imediatamente. Ethan, você consegue marcar com a costureira uma visita urgente para as duas irmãs Clark? Mandar fazer dois vestidos novos?- James se virou para seu sócio e esperou sua resposta.

—Claro que posso. Assim que alguém me explicar que inferno está acontecendo aqui.

Todos sentados à mesa se entreolharam e sorriram, achando graça da confusão de Ethan. Elizabeth olhou em volta e se sentiu bem em pertencer mesmo que por pouco tempo àquele grupo e que o motivo daquela união sejam ruins. Fez muito bem se sentir pertencente a alguma coisa, era um sentimento extremamente raro em seu mundo.

Levantou-se e virou para Duque:

—O trabalho é todo seu de atualizar seu amigo- ele sorriu docemente e o coração de Elizabeth derreteu um pouquinho.