Encontro-me em um quarto fechado, com um coração leve e uma mente recriminante; nem em um milhão de anos eu aprovaria a escrita de uma carta ao futuro. A minha identidade paira sobre a minha própria ideia do tempo: é algo que, se procurarmos entender, falhamos. Então, por que tentar? Por que gastar palavras por algo que não afetará o rumo do que quer que seja? 

No entanto, logo me recordo. Recordo de que costumo não lembrar de mim mesma. 

As mudanças vividas por um ser humano são tão sutís, tão naturais que são esquecidas no instante seguinte ao acontecimento. Ontem não fui o que sou hoje e amanhã não serei o que fui ontem. No entanto, penso em mim como quem sempre habitei. O corpo, a mente e o espírito de uma mesma pessoa. 

Essa carta ao futuro, então, se torna um lamento. Quantas pessoas existiram dentro de mim e se apagaram? Quantas identidades possuí que foram mascaradas sob o meu nome? Ao meu eu de dez anos, peço perdão. Ao meu eu de 15. Ao meu eu de 60. Ao meu eu da semana passada. Vocês nunca foram os mesmos. Nunca foram eu. 

Ao mesmo tempo, o que seriam? Certamente, não outra pessoa. A infinidade combinatória da minha mente se perde e se encontra embaixo de uma mesma história. Uma que nunca seria contada por nenhum outro. 

A minha identidade é formada por tudo aquilo que vivo, encapsulada pela minha consciência. Eu poderia me tornar outra pessoa por completo, ainda assim pertenceria a mim, a alguma barreira invisível que me prende em algum lugar.

Não é o meu corpo, porque ele pode mudar. Não é em minha mente, porque ela se transforma. Não está em meus hábitos, ou em minhas opiniões, ou em meus amores. 

Talvez sejam isso que chamam de alma. 

Assim, essa carta não permanece ao futuro, porque ele não pensa. Nem mesmo é. Essa carta é destinada ao que futuro guarda.

E, ah, alma. Há tantas coisas que gostaria de te dizer.