Mar de flores. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 7
Estrelas e o mar.


Notas iniciais do capítulo

Baseado no poema de Edgar Allan Poe, Evening Star.
https://www.escritas.org/pt/t/11298/evening-star
Evening Star, tradução literal: Estrela da Tarde, é um dos nomes do planeta Vênus.

Aproveite!



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Era mais fácil falar que fazer.

Sugerir a viagem à praia foi fácil. Realmente fazê-la, nem tanto.

E não foi só pelo aspecto financeiro. Juntar umas economias aqui, umas ali, falar com um ou dois contatos da época de escritório, encontrar um bom lugar em conta. Trabalhoso, mas não difícil.

A parte mais difícil para Nino foi justamente quando tudo estava arranjado.

A ideia de voltar ao mar, agora que palpável, era perturbadora. Ele passou anos evitando o oceano, sentindo uma dor fantasma apenas por pensar em revisitar sua antiga paixão, antecipando a dor real de lembrar tão vividamente os dias de glória e como tudo foi perdido. Tocar de novo numa velha ferida.

Foi uma péssima ideia.

Uma sugestão nascida do calor do momento, impulsiva e impensada. Assim que seu cérebro teve tempo de processar todos os motivos pelos quais não ir, os preparativos já estavam encaminhados e Alexandre estava tão animado e ele simplesmente não conseguia cancelar os planos que ele mesmo fez.

Nino pensou que talvez fosse um covarde por isso, mas não conseguia olhar para Alexandre— que superou as próprias incertezas para tentar trabalhar com o que ama, que literalmente largou tudo que tinha por amor num ato que beirava a burrice, que era uma das pessoas mais incríveis que Nino conhecia— e dizer que queria desistir por causa das próprias incertezas, que não tinha coragem de enfrentar esse fantasma do passado.

Apenas não dava.

Então, é, ele foi para à tão temida viagem, a viagem que tinha tudo para dar errado. Ainda não era hora, ele não era forte o bastante para encarar o mar de novo, não ainda.

Ainda assim, a empolgação quase infantil de Alexandre e seu sorriso radiante quase eram o bastante para fazê-lo esquecer de todos esses receios. Quase. Alexandre já tinha estado na praia outras vezes, claro, mas estava animado como se fosse a primeira. Nino admirava e invejava essa energia, esse entusiasmo pela vida em geral. É um ímpeto que ele não sabia se perdeu com o acidente ou se nunca teve.

“Aqui é bem legal” Alexandre comentou, se referindo ao quarto que alugaram da pousada (cujo preço era até razoável). “E tem café da manhã incluso!”

“A cama é muito pequena” Nino disse mais para contrariar que por realmente se importar com esse detalhe. Era muito divertido provocar Alexandre.

“O que quer dizer que podemos ficar juntinhos” Sorriu e, sem cair na provocação, abraçou Nino por trás e o puxou para a cama. “Além do mais, aqui é pertinho da praia. Podemos até fazer uma caminhada e ir a pé!”

...Sério, onde ele arrumava disposição?

“Vamos desfazer as malas primeiro, depois pensamos nisso”.

*

“Acorda ou vai perder o café da manhã” Nino cutucou Alexandre nem tão suavemente.

“Hm hum.” Grunhiu semiconsciente “Já vou”

“Sei, você disse isso há meia hora” Cutucou de novo.

“O café da manhã vai até as dez”

“E que horas você acha que são?”

Alexandre arregalou os olhos e praticamente pulou da cama, já arrancando a camisa do pijama e pegando a primeira roupa que viu pela frente. Nino só apreciou a cena tão familiar —que se repetia sempre que Alexandre precisava acordar “cedo” —e esperou ele terminar para poderem comer juntos.

Uma das primeiras coisas que Nino aprendeu sobre seu namorado é que ele podia ser um poço de energia, mas só depois do almoço. De manhã ele simplesmente não funcionava.

Eles acabaram se atrasando para o café da manhã e decidiram ir logo para a praia e comer algo no caminho (só não sabiam se seria café da manhã ou almoço logo, afinal, já seria quase onze horas quando chegassem...)

A praia estava cheia, era pleno verão e muita gente buscava o mar e a brisa litorânea nessa época. Nino hesitou um momento ou dois, mas Alexandre apenas sorriu compreensivo e uniu suas mãos, o incentivando.

Era tão estranho estar de volta ao litoral. A sensação de areia sob os pés, a brisa salgada, o sol forte, o céu azul, as palmeiras, o som constante de ondas e a visão majestosa do oceano, que parece infinito. Fazia tanto tempo e, mesmo assim, nada mudou. A areia, o mar, o vento, o sol, tudo igual.

Encontrar um bom lugar vago não foi tão fácil, já que tinha muita gente, mas também não foi impossível. Eles provavelmente conseguiriam uma praia mais vazia se fossem mais cedo, mas isso exigiria acordar Alexandre realmente cedo, o que, Nino pensou, era de fato impossível nas férias.

Eles comeram peixe, tomaram sorvete de casquinha, caminharam pela praia (depois de aplicar muito protetor solar, insistência de Nino, que já sofreu com queimaduras de sol no passado e não queria repetir a experiência) e aproveitaram o dia em geral. Nino não havia entrado no mar, mas Alexandre não tocou no assunto. Estar ali já era ótimo.

E a tarde foi passando assim. Montaram castelos de areia (ideia de Alexandre), destruíram castelos de areia (ideia de Nino), conversaram sobre tudo e sobre nada, fizeram uma trilha curta para iniciantes, aproveitaram o dia em geral.

Já era fim de tarde quando Alexandre viu algo na praia que chamou sua atenção: um aluguel de barcos. Tinha de tudo, barcos pesqueiros, lanchas e, é claro, veleiros. Nino percebeu os olhares ocasionais de Alexandre para o barco e, em seguida, para si, como que esperando uma reação ou um comentário.

“Você quer ir?” Se pegou dizendo, surpreendendo ambos.

“Ah... Não, quer dizer, eu só estava pensando em, você sabe, naquilo, e, bem, deixa pra lá. Não precisamos ir. Barcos nem são tão legais assim e- “

“E você quer ir?” Repetiu com um sorriso de canto. Esta era uma mania que os dois tinham: se explicar demais quando estavam nervosos. “Porque acho que eu quero.”

E era verdade.

Nino se pegou desejando reviver um pouco da antiga paixão. Recordando mais a liberdade do veleiro, o vento no rosto, as ondas batendo contra o casco; e menos o acidente, a dor, a desilusão. Talvez isso fosse amadurecer, encarar o passado com outros olhos, deixar boas e más memórias conviverem sem que uma subjugue outra. O mar não era mau, assim como o veleiro ou a praia. Uma experiência ruim não podia anular todas as boas. Não mais.

“...Claro, vamos” Alexandre, um pouco chocado, concordou.

O aluguel do veleiro não era dos mais baratos, mas Nino conseguiu negociar o preço e, bem, como o aluguel era pela noite toda, no fim compensava. Além do mais, há anos ele sequer pensava em subir num barco, qualquer preço é irrisório comparado a reviver uma paixão.

*

O fim de tarde logo se tornou noite. Nino se viu guiando o veleiro quase que por instinto e, expulsando memórias do acidente, aproveitou a bela visão do vasto mar a sua frente, as ondas refletindo o sutil brilho da lua. Ele não se atrevia a ir muito rápido, mas considerava essa mudança mais bom senso do amadurecimento que trauma.

Tudo incrível, o céu estrelado e o mar calmo, até Alexandre cutucá-lo de leve no ombro para chamar sua atenção, seu rosto pálido.

“Você tá bem?” Nino perguntou.

“Então... Eu meio que queria saber se você tem” Ele fez uma pausa pra pôr a mão sobre a boca, engolindo em seco “Uma sacola ou um balde ou algo assim?”

“Não, por quê?” Indagou mesmo que a resposta fosse óbvia.

“É que-” Começou, mas se interrompeu de repente e correu para a alheta para vomitar.

Bem autoexplicativo.

Nino se aproximou e pôs uma mão sobre suas costas, incerto sobre o que fazer nessa situação. Quando Alexandre acabou de pôr praticamente tudo que comeu para fora, voltou a encarar Nino e limpou a boca com as costas da mão, o rosto ainda pálido.

“É que eu enjoo fácil em barcos” Explicou, mesmo que o fato fosse bem evidente agora.

“Devia ter falado isso antes de entrar no barco” Nino disse exasperado, ele não estava bravo, só preocupado.

“Eu sei, é que eu queria muito te ver velejando” Sorriu apesar da náusea, os dentes brancos contrastando com a palidez da pele.

“Você é um idiota” Nino suspirou. Por que ele estava surpreso mesmo? Essa era uma atitude tão típica de Alexandre, pôr o próprio bem estar em segundo plano por ele. “Vamos voltar pra praia”

Alexandre pensou em retrucar que valeu a pena, que era só náusea passageira e que Nino ficava muito lindo (e sexy) comandando um leme, mas ele gostou o bastante da ideia de voltar à terra firme para manter a boca fechada.

O veleiro cortou as águas e, logo, eles estavam de volta à areia. Alexandre agradeceu a todos os Deuses que conseguiu pensar pelo chão estável sob seus pés e Nino, mais tranquilo ao ver a cor voltando ao rosto do outro, decidiu respirar fundo e aproveitar a beleza da praia à noite. Não havia mais ninguém lá (com exceção do cara que alugava barcos) e o céu escuro enaltecia o brilho das estrelas e da lua minguante, a qual era meio escondida por finas nuvens acinzentadas.

“Você não devia esconder essas coisas de mim, eu fiquei preocupado!”

“Relaxa, foi só um enjoozinho. E foi legal velejar com você, mesmo que só um pouquinho. Gosto do seu sorriso quando você está no barco”

“Nem vem bajular, eu fiquei preocupado e você não vai se safar tão fácil” Nino cruzou os braços.

“Tá, tá... Eu não vou esconder nada importante de você de novo, ok, entendi” Alexandre revirou os olhos “A noite está linda hoje, não?”

A mudança de assunto foi descarada, mas Nino resolveu deixar por isso mesmo. Pelo menos por hora.

“É, está sim. As estrelas estão lindas”

“Sabia que aquela ali” Apontou para um dos pontinhos mais brilhantes “não é uma estrela? É Vênus”

“Mesmo?” Nino seguiu a direção apontada “Como você sabe?”

“Ora, flores não são tudo que eu sei. Também gosto um pouquinho de astronomia” Se aproximou “E sabia que Vênus era a Deusa romana do amor?” Disse com seu rosto bem perto do de Nino.

“Espero que não esteja esperando um beijo, porque você acabou de vomitar” Nino o lembrou “Mas, se é em nome do amor...” Sorriu e lhe deu um beijo na bochecha.

“Sério? Só isso que eu ganho?” Alexandre provocou. “Vênus estaria desapontada”

“Depois que você escovar os dentes, conversamos”

“Sem graça” Revirou os olhos “Mas entendo seu ponto. Vamos pra pousada então? Você me deve um beijo de verdade... E talvez um pouquinho mais!”

“Claro” Nino riu e pegou sua mão. Foi um bom dia. Um dia incrível.

E, durante o caminho de volta, Nino pensou que, entre o brilho frio do luar, o brilho acolhedor das estrelas ou mesmo o brilho forte de Vênus, a estrela da tarde, seu favorito era o brilho nos olhos de Alexandre. Ele nem imaginava que Alexandre pensava o mesmo dele.

É, foi um ótimo dia, apesar de tudo.


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Notas finais do capítulo

E com isso, acabamos a história.
Êêê!
Espero que tenha gostado!
(Agora tenho uma fic para cobrar da Little Hobbit...)
Nos vemos por aí!

Bye!