Crescendo - Shirbert escrita por Sabrina


Capítulo 18
Mudanças demais para Marilla




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***

Já não havia aulas extras que mantivessem Anne na escola até mais tarde, e por esse motivo, no último dia de aula ela deixou a escola acompanhada por Diana Barry. Embora a companhia de sua melhor amiga lhe agradasse por demais, havia outro motivo. Ela não queria ficar perto de Gilbert hoje. Não hoje que era o último dia, e o principal assunto a conversar seria o futuro.

— Tenho certeza de que você vai ganhar a bolsa – disse Diana, empinando o queixo, convicta.

Um senhor muito rico havia morrido e como não possuía herdeiros, deixara todo o seu dinheiro para Redmond, a faculdade onde estudou. O dinheiro deveria pagar todas as despesas e mensalidades de um aluno, o que tivesse as notas mais altas. Mas era uma única bolsa para um único aluno, e Anne ansiava por ela com cada fibra de seu corpo. Precisava dela. Matthew e Marilla não tinham condições de pagar por uma faculdade, então aquela era sua única chance. Gilbert também desejava a bolsa. A fazenda recomeçou a dar lucros desde que ele e Bash passaram a trabalhar nela, mas Anne suspeitava que não era dinheiro o suficiente. Então, ela evitava conversar sobre o assunto sempre que podia. Não sabia como lidar com ele. E embora Gilbert lhe dissesse que o relacionamento dos dois não seria afetado por essa divergência, Anne tinha seus receios. Concluíra que independente de qual dos dois conseguisse a vaga, um outro teria de ficar. Gilbert dizia que escreveria de onde estivesse, e que se encontrariam quando ele viesse passar os fins de semana em Avonlea. “Isso não vai nos prejudicar”, ele dizia, “a menos que você fique paranoica e deixe”.

Secretamente, Anne já estava ficando paranoica. A noite sonhava que o namorado ganhava a bolsa e ia pra longe. No começo ainda permaneciam juntos, até que ele se cansasse da distância e se apaixonasse por alguma estudante de sua faculdade, e se casasse com ela. Ou então, sonhava que ela é quem conseguia a bolsa e ia pra longe, e Gilbert, igualmente cansado da distância, se apaixonava por outra mulher residente de Avonlea, e os dois se casavam. De todo jeito, Anne sempre acordava a assustada. Só contava esses sonhos a Diana.

— Não se preocupe – garantiu a amiga. – Gilbert é tão apaixonado por você que chega a ser irritante. Ele não a trocaria nem pela mulher mais linda e rica da face da Terra.

— Acho que você já está exagerando – Anne semicerrou os olhos. – É claro que ele me trocaria.

— Não trocaria não.

— Trocaria sim.

— Não trocaria.

Elas se encaram com expressões firmes, e então caíram na risada.

— Você tem tanta sorte – comentou Diana, quando já estavam chegando a Green Gables. – Se conseguir a bolsa, e eu sei que vai, terá alguém a sua espera aqui. E se não conseguir, o que eu não acredito, Gilbert se tornará um médico e você será a esposa de um médico! – ela suspirou, sonhadora. – É tão romântico!

— Preferia que houvesse uma maneira de nós dois irmos estudar.

Os dias foram se passando, e a ansiedade de Anne só aumentava. Havia momentos doces com Diana, Ruby ou Gilbert, mas ela sempre temia que fossem os últimos. Naquela manhã de segunda-feira, andava de um lado para o outro pelo quintal, esperando pelo carteiro que poria fim a sua agonia. Pareceu-se passar uma eternidade até que ele chegasse cavalgando e gritando “Correio! Correio!”. Anne disparou em direção à cerca.

— Miss Anne – disse ele, nem um pouco surpreso por ela correr sem sua direção. Já estava acostumado. – Carta pra você. De Redmond.

Anne se sentiu mal por isso e pediu desculpas depois, mas arrancou a carta das mãos do homem antes mesmo que ele a estendesse a ela. Seu coração estava acelerado e as mãos tremiam quando abriu e começou a ler. Atropelou a maioria das palavras até “...informamos que a senhorita teve a honra de receber a bolsa...”. Ela fechou os olhos e abraçou o papel junto ao peito. O carteiro já tinha ido embora e partia para a casa de Diana e depois a de Gilbert. Gilbert!

— Ah meu Deus!

Mas sofreria com isso depois. Primeiro, tinha que dar a noticia a Matthew e Marilla. Correu para dentro de casa, e ficou parada diante da porta, em êxtase. Foi Marilla quem pegou a carta e leu.

— Oh, Anne! – ela abraçou a garota, o que era raro. – Estou tão orgulhosa de você!

Matthew se aproximou e pôs a mão no ombro dela. E Anne chorou. Então Marilla também chorou, e Matthew foi “ao celeiro terminar algumas tarefas”.

***

Anne Shirley estava deitada no quintal, sobre a grama, imaginando formas nas nuvens quando Gilbert chegou. Seu rosto estava rosado e a respiração desregular, como se ele tivesse corrido pra chegar até ali. Havia uma carta aberta em sua mão e um sorriso em seu rosto.

— Anne – disse, se aproximando e deitando ao lado dela. – Me diga que conseguiu a bolsa, por favor. Tem de me dizer.

Ela baixou os olhos, timidamente. É o começo do fim, pensou, o começo do fim de Anne e Gilbert.

— Consegui – falou, sem conseguir olhar pra ele. – A carta está no meu quarto.

— Isso é ótimo! Nem acredito!

Ela ergueu os olhos, confusa com a felicidade dele. Não deveria estar triste?

— Não acredito que vamos estudar juntos! Na verdade, ainda nem acredito que fui aceito!

— Mas é claro que você seria aceito, isso era óbvio. Só não entendo como vai... Gilbert, como pretende pagar?

— Bom, não sei se você sabe, mas meu pai me deixou algum dinheiro... E juntando isso ao dinheiro que ganhei com o trabalho no estágio e na fazenda... posso pagar as mensalidades, desde que consiga um lugar barato pra ficar.

— Você está falando sério?

— É claro que estou. Por que mentiria? – ele sorriu. – Vamos estudar na mesma faculdade!

Anne ficou tão feliz que inclinou a cabeça e o beijou. Para a sorte dos dois, Matthew estava mesmo no celeiro e Marilla bem longe da janela, de modo que ninguém viu. Gilbert, ainda deitado, contornou a cintura dela com um dos braços quando se lembrou de algo de repente, abriu os olhos e se afastou.

— Tenho uma coisa muito importante pra fazer – disse, se levantando. – Mas primeiro preciso falar com você.

— O que? – ela franziu as sobrancelhas, também se levantando e limpando a  grama do vestido. Ele sorria demais para o gosto dela. – Imagino que queira contar a novidade a Marilla e Matthew. Eles ficarão felizes.

— Não, não é isso. Anne, eu quero... – ele se aproximou e pegou as mãos dela nas suas. – Olhe, nossas vidas vão mudar daqui pra frente. E quero... quero firmar um compromisso maior com você. Depois que toda essa loucura acabar, e pudermos retornar a Avonlea com nossas profissões... eu gostaria de tê-la mais perto.

Ela sentiu os batimentos de seu coração acelerarem. Mais perto... Mais perto como? Gilbert ia mesmo fazer o que ela achava que ia?

— Quero a garantia de que a terei pra sempre... Quero tê-la para sempre... Você gostaria de me ter pra sempre também?

— Gostaria – respondeu ela, correspondendo ao sorriso dele. – Gostaria sim.

Gilbert Blythe segurou o rosto de Anne entre as mãos e a beijou, tendo dificuldade devido ao seu sorriso enorme. Dessa vez, não tiveram tanta sorte. Marilla Cuthbert passava pela janela da cozinha quando se deparou com a cena e não acreditou nos próprios olhos, soltando um grito diante daquela indecência no seu quintal.

O casal, ao ouvir o grito, correu em aflição para dentro da casa. Agora Marilla estava sentada, a mão no coração, respirando com dificuldade. Era só o que faltava! O que faria agora? Que bronca daria nos dois? Não sabia como agir. Achava que já havia passado por todos os desafios de educar uma criança, mas Anne sempre surgia com um novo cada vez mais complicado.

— Oh, Marilla, não fique assim! Nós só nos beijamos ali porque a situação permitia!

— Anne tem razão, a situação permitia. Eu jamais desrespeitaria você e Matthew desse modo se não houvesse bons motivos.

— O fato de Anne ter conseguido a bolsa não é um bom motivo! – disse Marilla. – Onde já se viu? Se beijar em plena luz do dia, no quintal, onde qualquer um que passar pode ver e então... e então o que pensariam?! Que eu não a eduquei direito! Que ela comete...

Marilla!— exclamou Anne. – Por favor, escute. Não é esse o motivo!

— Então qual é? Espero que seja mesmo bom!

— Gilbert – ela olhou para o homem ao seu lado e sorriu. – Ele me...

— Eu a pedi em casamento – ele interrompeu, também sorrindo. – Pretendia pedir formalmente a sua permissão e a Matthew, mas você gritou e então nós corremos...

Marilla, que estava vermelha, ficou branca. Levantou-se com a boca aberta e caminhou até a porta, passou a mão pelo rosto e gritou pelo irmão, que veio as pressas.

— O que está havendo? – perguntou ele.

— Agora – disse ela. – Pode pedir formalmente, Sr. Blythe.

Gilbert olhou para Anne e então se voltou para os irmãos Cuthbert.

— Eu e Anne conversamos agora a pouco – contou ele. – Eu a pedi em casamento, e ela aceitou. Agora falta saber se vocês abençoam.

— É claro que abençoamos – respondeu Matthew, enquanto Marilla se virava de costas. – Não sou homem de muitas palavras, mas preciso dizer que você demorou, Sr. Blythe. Podia ter feito isso quando veio pedir para cortejá-la, e a resposta teria sido a mesma.

— Não queria apressar as coisas.

— Marilla? – Anne se aproximou e tocou o ombro da senhora. – O que foi?

Marilla fungou.

— Eu não esperava por isso – disse ela, escondendo o rosto. – Você já irá pra longe pela faculdade e agora está noiva... são mudanças demais pra um dia só.

— Mas elas vão ocorrer bem lentamente – disse Anne, abraçando-a. – Só partirei no mês que vem, e sabe-se lá quanto tempo eu e Gilbert vamos demorar para nos casarmos.

— É, é, você tem razão – Marilla se afastou do abraço e enxugou o rosto com um lenço. – Sou uma velha boba. Meu Deus, Anne, acho que me apeguei mesmo a você. Mas estou sendo inconveniente, não é hora para isso. Vou preparar um chá e vamos tomar todos juntos, para comemorarmos. Sr. Blythe, o senhor está mais do que convidado! Sente-se, sente-se! Ora, isso mesmo! Anne, me ajude a preparar o chá!


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