Dear Future Husband escrita por Brigadeiro


Capítulo 5
4 - You got that 9 to 5, but baby so do I


Notas iniciais do capítulo

Dedico essa atualização à Juliana, que há exatamente 1 ano atrás entrou na minha vida me ensinando amar Huma e a amar ela também. Obrigada por todas as horas de especulação, de reflexão sobre plots e pela confiança com todas as histórias.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/772177/chapter/5

~ You got to 9 to 5

But baby so do I ~

 

Com a mão na cintura e os lábios fechados em uma linha fina, Mal encarava aquele monte de papéis à sua frente fazendo muito esforço para não suspirar.

Estava começando a se arrepender de ter recusado ter um escritório quando Ben lhe ofereceu um. Ela pensou que um escritório tornaria as coisas muito oficiais e não ter um faria com que chegasse menos trabalho em suas mãos. Ledo engano. A única coisa que sua recusa lhe proporcionou foi uma bagunça monumental em qualquer lugar onde ela estivesse. Naquele momento o foco da bagunça era em uma das salas de estar.

— Eu não sei por onde começar — sentindo uma forte dor de cabeça começando, ela afundou-a nas mãos, amassando suas bochechas, e olhou para Jane pedindo socorro.

— O que? — a filha da Fada Madrinha questionou, arregalando os olhos. — Não, nem adianta me olhar assim. Você sabe que já adiou tudo o que podia adiar.

Mal olhou novamente a profusão de papéis à sua frente. As milhares de letrinhas pequenas em cada um deles pareciam estar se embaralhando e dançando na frente de seus olhos. Ela os piscou com força tentando mandar a letargia ir embora.

Ela sabia que precisava lidar com todas aquelas situações, e nem mesmo eram coisas difíceis de fazer, ela podia dar um jeito em tudo sem muito esforço. O problema é que nos últimos dias ela simplesmente estava se sentindo muito cansada, já acordava assim e mesmo que passasse o dia deitada a sensação de cansaço permanecia.

— Mas eu tenho muita coisa pra fazer do ca...

— O casamento da Evie. É, eu sei que você é a madrinha, mas essa desculpa não cola mais — Jane soltou uma risadinha. — Nós duas sabemos que ela está fazendo tudo sozinha e não deixa ninguém chegar perto desses preparativos.

Mal fez um bico.

— Não significa que ela não precisa de ajuda.

— Mal — sua amiga e assistente suspirou e começou a ajuntar todos os papéis que estavam na frente dela. — Não estou tentando ser chata, mas você foi quem me contratou para ficar no seu pé. Vamos lá, você sempre lida tão bem com tudo, e essas coisas nem são tão difíceis... Vão ficar se você deixar elas de lado, mas no momento não são.

Mal odiava estar errada. E Jane era a melhor assistente do mundo, deixava tudo impecavelmente organizado de forma que Mal só tinha que tomar as decisões, e não era mesmo justo dificultar tudo para ela.

Mal bocejou largamente e esticou a mão para os papeis.

— Tudo bem, vamos ver o que Auradon está aprontando hoje.

Jane sorriu, satisfeita, e puxou uma pasta bege da pilha, colocando-a ansiosamente na frente da Rainha.

— Tudo bem, esse aqui é o contrato e os relatórios da construção da escola da Ilha. Houve alguns protestos...

— Mudança não é algo fácil. Eu sabia que haveria dificuldades, é a Ilha dos Perdidos, afinal — ela coçou a cabeça, que estava sem a coroa naquela tarde, encarando os relatórios do vandalismo que tinha ocorrido na construção.

Já há anos eles estavam trabalhando no Projeto Restauração, que incluia fechar as antigas escolas da Ilha – que tinham por objetivo ensinar as crianças de lá a como serem más e odiar Auradon – e abrir novas escolas no lugar, que daria uma educação adequada acerca do que realmente era a realidade atual deles após a queda da barreira. Atualmente, já quatro escolas já tinham sido reformadas e funcionavam no novo modelo, inclusive Dragon Hall, a antiga escola de Mal. Agora ela estava focada na construção de uma escola técnica para a formação dos moradores de lá. Mal ainda não tinha muita certeza de como tudo aquilo iria funcionar uma vez que estivesse pronto, mas primeiro tinha que se concentrar em fazer com que tudo acontecesse, já que estavam enfrentando tanta oposição por conta da várias mudanças em pouco tempo. Ela queria que eles pudessem ver Auradon como ela via agora, como parte de si mesmos, como um mesmo Reino com a Ilha. Ela sabia que a maioria ainda encarava Auradon um pouco como inimigos porque ela mesma pensava assim antes, há tantos anos atrás.

— Devemos fazer algo quanto a isso? — Jane questionou, olhando os papéis. Ao não obter resposta, bufou. — Mal!

— O que? — ela tinha se distraído com seus pensamentos, imaginando o que faria se estivesse no lugar deles, na Ilha, e visse Auradon de repente invadindo o lugar querendo mudar tudo por lá. Não seria nada legal. — Não, não, não faça nada. Eles vão se dispersar uma hora ou outra quando acharem algo mais interessante para bagunçar e vandalizar.

— Tem certeza?

— Tenho, eu sei como eles pensam. Não estão realmente preocupados com a escola.

Ela bocejou novamente.

— Você não dormiu essa noite?

Ela levantou o olhar para Jane, que estava analisando-a com cautela. Mal desviou seu olhar para o espelho à direita dela, que cobria quase metade da parede como enfeite. Ela não estava muito apresentável. A calça roxa que ela vestia estava ligeiramente amassada, assim como a regata de linho cinza, porque ela tinha se jogado de volta na cama e cochilado por mais uns vinte minutos logo após se trocar de manhã. Havia leves olheiras em volta de seus olhos e o rabo de cavalo no qual prendera seu cabelo tinha vários fios soltos.

Ela certamente não sairia do palácio naquela manhã, não se não quisesse aparecer na capa da revista de fofoca da manhã seguinte debaixo do título de “Rainha Desleixada”. Seu plano, na verdade, era nem mesmo sair do quarto, mas Jane invadiu sua casa em plenas nove horas da manhã e arrastou-a para trabalhar.

— Eu dormi — respondeu a pergunta de Jane. — Até mais do que deveria. Eu só... Tive muitos pesadelos.

— Que tipo de pesadelos?

— Do tipo estranho que faz você acordar de cinco em cinco minutos — ela esfregou os olhos, sentindo a letargia do sono a atingir novamente ao falarem do assunto. Malditos pesadelos. Ela ficava completamente inútil quando estava com sono, não conseguia ser produtiva e isso sem falar do péssimo estado que seu humor ficava, humor esse que ela estava tentando muito controlar no momento. — O que exatamente tem pra ser feito, Jane?

Jane deu uma rápida passada de olho pelos papéis, contando os assuntos contidos neles.

— Hum... Fora as construções na Ilha, tem a organização da inauguração do centro de cultura, a Festa da União de Auradon que será em pouco mais de um mês...

— Ah, eu me esqueci completamente dessa festa estúpida!

Um barulho alto soou na sala, chamando a atenção das duas jovens que se entreolharam. Jane arregalou os olhos para Mal, cujo rosto estava enrugado em uma careta.

— Isso veio de você?!

As mãos de Mal cobriram seu estômago enquanto ela mordia os lábios.

— Eu meio que... Não tomei café da manhã hoje.

— E por que não?

— Acordei com o estômago embrulhando. Nada do que eu colocasse nele ia parar aqui dentro, acredite.

Jane olhou dos papéis para sua amiga, que parecia realmente indisposta. Nunca tinha visto Mal reclamar de um mal-estar. Ela reclamava sobre muitas coisas, isso é certo, mas nunca sobre sua saúde. Após morder os lábios em um breve momento de indecisão, ela subitamente começou a ajuntar tudo, guardando dentro da pasta novamente.

— O que está fazendo?

— Olha só, eu preciso mesmo encontrar o Carlos daqui a pouco então vamos só fingir que esses papéis não existem por hoje, tudo bem?

Mal ergueu uma sobrancelha para a filha de sua ex-professora, desconfiada. Jane nunca cedia tão fácil.

— Qual a pegadinha?

— Nenhuma. Você está cansada e começando a se irritar, não vai ser produtiva hoje. Apenas coma alguma coisa e durma o resto da tarde.

— Certo, definitivamente tem uma pegadinha ai.

Terminado de ajuntar os papéis, Jane se levantou, ajeitando seu vestido, e sorriu.

— Não tem.

— Então os papéis vão mesmo sumir? — Mal estreitou os olhos, esperançosa.

— Por hoje. Amanhã eles vão reaparecer, e consideravelmente maiores, vossa majestade — parecendo satisfeita com a ameaça, Jane soprou um beijo e saiu, deixando Mal com a boca aberta de surpresa na sala.

Ela bufou e jogou uma almofada longe.

— Eu sabia que tinha pegadinha.

{...}

Você está mesmo bem?

Era a sétima vez que Ben fazia aquela pergunta durante a ligação.

Mal estava jogada em um sofá, encarando um prato de torradas com manteiga como se ele fosse um inimigo mortal a ser combatido. Empurrou o prato para longe, enjoada, se concentrando em manter o telefone firme na orelha.

— Já falei que estou, você é surdo ou o quê?

Do outro lado da linha, Ben riu. Estava mais do que acostumado com as respostas atravessadas de sua esposa temperamental.

Tudo bem agora eu acredito. Se você consegue xingar, então está bem.

— Isso não deveria ser um parâmetro. Quando é que eu não xingo?

É justo — ele não deixou outra risada escapar, mas Mal sabia exatamente como ele estava sorrindo de forma travessa pela forma como sua voz soou. Benjamin realmente não tinha medo do perigo. — Só estranhei as ligações. Geralmente sou eu quem sinto sua falta primeiro.

Ela não deixou de perceber o duplo sentido romântico por trás da afirmação, mas seu humor não estava muito bom para responder a altura naquele momento.

— Está reclamando? Não faço mais.

Depois de tirar um cochilo rápido após a partida de Jane e sonhar com Ben, Mal se sentiu estranhamente carente. Lutou contra aquele sentimento estranho que não era de seu feitio o máximo que pode, mais não conseguiu se contar e acabou ligando para seu marido. Três vezes.

Argh! O que estava acontecendo com ela?!

Não estou reclamando, nem um pouco! Adoro ouvir sua voz ao longo do dia — Ben se apressou em dizer. — Escute, me desculpe novamente pelo almoço, tudo bem?

— Não tem problema.

Logo na primeira ligação, Ben tinha avisado a ela que não conseguiriam almoçar juntos naquele dia, coisa que eles costumavam fazer quase que diariamente, porque ele teve um “imprevisto de Rei”, como eles costumavam chamar os assuntos sérios do Reino que exigiam a atenção máxima de Ben.

Graças a isso, ela tinha ficado ainda mais emotiva, sentindo-se patética ao sentir saudades dele, sendo que os dois tinham se visto pela manhã. Essa confusão de sentimentos foi o que a fez ligar mais duas vezes para ele nas últimas três horas. Algo definitivamente estava errado.

Eu vou te compensar amanhã, eu prometo.

— Eu disse que não tem problema, Ben.

Vamos sair e fazer um piquenique — ele a ignorou.

— Não é necessário.

E vou levar um balde de morangos para você.

— Vou precisar desenhar a frase ‘não tem problema’ em um papel e esfregá-lo na sua cara? — resmungou, irritada pela insistência. — Relaxa!

Claro que tem problema. Cada segundo longe de você é um desperdício de tempo enorme.

Mal rolou os olhos, um sorriso involuntário brotando em sua face. Como ela acabado se casando com a pessoa mais melosa da face da terra? Esse seria sempre o maior mistério da sua vida. Isso, e como ela acabava sempre sorrindo, também.

— Você disse morangos? — disse para a linha.

Ben riu.

Um balde cheinho deles. Todos que a minha rainha quiser.

Mal mordeu os lábios, já ansiosa. O embrulho em seu estômago tinha ido subitamente embora, e a fome retornara. Voltando a se sentar, ela puxou o prato de torradas para mais perto, desejando que elas tivessem morangos cortados no meio da manteiga.

— Neste caso... Estou devastada pelo cancelamento do almoço e acho bom ser compensada direito por isso, Florian.

Ben riu novamente. Adorava provocar Mal, e adorava ainda mais saber todos os seus pontos fracos para desarmá-la daquela maneira sempre que possível. Desejava poder conversar com ela pelo resto do dia, mas, infelizmente, ele ainda tinha trabalho a fazer.

Pode contar com isso. Escute... Eu preciso ir.

Um bico involuntário se formou em seus lábios, mas ela se esforçou para desfazê-lo e responder normalmente.

— Tudo bem — foi só o que disse. Já tinha incomodado Ben demais por um dia só. — Você volta às cinco?

Em ponto.

— Ok — pelo seu cálculo mental, ela ainda teria longas quatro horas sem ele.

 — Você está bem mesmo? — ele questionou novamente antes de desligar, ainda preocupado pelo motivo de três ligações. — Se estiver precisando de alguma coisa, eu...

Ela bufou, bem alto, para que ele escutasse do outro lado.

— Eu estou bem, Benjamin! Pare de pensar besteira e vá fazer o seu trabalho. Vai lá cumprir as tarefas de rei e volte como Ben pra mim.

Prometo. Até mais tarde.

— Até.

Eles desligaram ao mesmo tempo e Mal jogou o celular na mesa de centro, voltando a encarar as torradas. Ainda estava com vontade de comer morangos, mas as torradas tinham voltado a parecer nojentas para ela.

— Droga.

Ela assoprou os fios de cabelo caídos por seu rosto, pensando no que poderia fazer até o fim da tarde. Não estava mais com sono e não havia nada para fazer. Não se sentia com inspiração para desenhar. Seus sogros tinham saído e, com Ben no escritório, o palácio estava vazio com exceção dos empregados. Seus amigos estavam ocupados. Seu pai, ela nem fazia ideia. Ela começou a se arrepender levemente de ter feito Jane ir embora.

Poderia chamá-la de volta... Mas, não. Só de pensar naquele monte de papéis sua cabeça começou a doer de novo.

A barriga ainda roncava, incomodando. Lançou outro olhar para as torradas solitárias. Eca. De jeito nenhum. A cada segundo elas pareciam mais e mais nojentas, engorduradas, pingando óleo velho e cheirando a... Ah!

Ela precisava fazer alguma coisa para distrair sua cabeça da fome e do enjoo antes que acabasse vomitando e ficando com a barriga ainda mais vazia.

Será que Evie não estaria realmente querendo alguma ajuda?

Sem muitas opções, ela pegou de volta o celular, digitando uma mensagem.

“Está muito ocupada?”

Ficou encarando a tela do aparelho, sabendo que Evie estava sempre perto de seu telefone também. De fato, a resposta não demorou a chegar.

“Sim. Casamentos dão trabalho”.

“Quer ajuda?”

“Você está doente?”

Mal bufou. Seus dedos pareciam metralhadoras ao redigir a resposta.

“Não vou oferecer duas vezes”.

“4Hearts”.

Mal não precisou de mais nenhum incentivo. Correu até seu quarto atrás das chaves de sua inseparável motocicleta – que, aliás, já estava ficando ultrapassada; Ben tentou lhe convencer a comprar um modelo mais atual, mas ela se recusava a abrir mão daquela – e, sem nem se preocupar em avisar que estava saindo, partiu o mais rápido que pôde em direção ao ateliê pessoal de Evie, quase ultrapassando a velocidade permitida no caminho.

O ar fresco batendo em seu rosto lhe fez bem, ela estava se sentindo ligeiramente suada por conta do sono e dos enjoos que a tinham acometido naquela manhã. A sensação gelada do vento gerado pela velocidade da moto era tão deliciosa que ela teve que se concentrar em não fechar os olhos para apreciá-las, e só então se lembrou de que tinha se esquecido de colocar o capacete. Não diminuiu, entretanto. A adrenalina do perigo bobo a fez sorrir e acelerar ainda mais.

Lamentou quando chegou ao antigo pequeno castelo que, há anos atrás, tinha sido a primeira sede do Evie’s 4Hearts após se formarem na Auradon Prep. Era uma construção pequena, esguia e de apenas três andares (sendo um dele apenas o soton na torre) que a amiga de Mal tinha feito questão de comprar com suas primeiras economias e onde a marca de roupas tinha dados seus segundos passos – já que os primeiros tinham sido dados ainda no dormitório que elas dividiam na escola.

Mal estacionou a moto e subiu os pequenos degraus de pedra sentindo uma estranha nostalgia. Ela se lembrava de ter ajudado Evie a pintar aquela parede da sala, após uma crise monumental de indecisão que sua melhor amiga tinha tido sobre qual o tom certo de azul para se usar, e Mal podia jurar, tanto quanto sua boa memória permitia, que os tons eram exatamente iguais. Ela quis matar Evie naquele dia, e riu com a lembrança.

Agora não havia mais a placa escrito “Evie’s 4 Hearts” que elas tinham pendurado juntas. Há tempos a marca tinha se expandido muito, ficado famosa demais para um local tão pequeno e então ganhara uma nova sede, com um prédio bem maior, funcionários e algumas lojas espalhadas por Auradon e seus reinos. Desde então, o primeiro castelo-ateliê de Evie era usado exatamente como o chamavam: como um ateliê pessoal para Evie, e também onde ela e sua mãe moravam. A Rainha Má tinha se instalado ali após a queda da barreira. E Evie tinha se mudado depois de sair do apartamento em que os quatro amigos dividiam até Mal se casar. Pouco tempo depois de Doug tê-la pedido em casamento, ela se instalou lá para não incomodar Carlos e Jay com os preparativos todos, que já duravam muito mais do que ela tinha imaginado.

— Tô entrando! — Mal anunciou ao passar pelas portas de madeira antiga.

O lugar estava uma bagunça. Havia tecidos de todas as cores espalhados por toda a extensão da casa até chegar à sala de vidro onde ficava o ateliê, os móveis estavam todos tomados por objetos de costura, manequins com vestidos espalhados aqui e ali e uma Evie debruçada em cima do balcão central, concentrada, esticando uma fita métrica sobre um tecido azul royal.

— Uau, você foi rápida!  — ela levantou a cabeça com a chegada de Mal, que se aproximou de onde Evie estava, observando as desenhos de algumas roupas que estavam ali por cima. — Então, como foi exatamente que o bichinho da boa vontade te mordeu hoje?

Ambas as mãos de Mal foram parar em seu peito, uma falsa expressão de indignação cruzou seu rosto.

— O quê? Não se pode mais oferecer ajuda a uma amiga sem ser julgada por aqui? — a falsidade em sua voz fez Evie rir, e ela desfez a expressão, rindo também.  — Okay, eu estava entediada.

Evie ergueu uma sobrancelha.

— A Rainha de Auradon entediada? Há dois dias atrás você estava reclamando sobre a grande quantidade de ‘coisa estúpidas’ que tinha para fazer. O que aconteceu com elas?

Mal não respondeu. Puxou um banquinho debaixo do balcão e sentou-se, inclinando-se sobre a mesa para xeretar o trabalho de Evie. O cheiro dos tecidos finos era bom e isso acalmou seu estômago. Pegou um deles na mão, observando os detalhes do bordado delicado distraidamente.

— Esse lugar está uma bagunça, ein? Onde está sua mãe?

— Saiu com a Cruella pra fazer compras. E não é bagunça — Evie resmungou, tomando o tecido da mão de Mal. — Chama-se ‘organizar um casamento’. Não se lembra da loucura que foi o seu?

Mal fingiu pensar.

— Na verdade, não. Você quem organizou tudo.

— Cara de pau — Evie rolou os olhos e escancarou uma folha em frente ao nariz da amiga. — O que acha?

Mal pegou o desenho em mãos para olhar. Era claramente um modelo novo, desenhado há pouco tempo a julgar pelo brilho no papel. Era obviamente azul, mas em um tom escuro e arroxeado com alguns detalhes bordados em dourado formando um desenho belíssimo, mangas longas parcialmente transparentes, decote reto, cinturado e com uma longa saia azul solta. É, graças a Evie, Mal tinha aprendido muito termos sobre detalhes de roupas, mesmo que não se importasse com eles. Apesar de tudo, o vestido era incrivelmente lindo, com um ar inegavelmente imponente.

— É maravilhoso — Mal levantou os olhos até encontrar os de sua amiga, brilhando de animação. — Mas você não deveria se casar de branco? E com um vestido menos... Hum... Reto?

— Esse é o seu vestido. De madrinha!

Mal arregalou os olhos olhando novamente para o desenho da peça. Por que Evie estava tão empenhada em um vestido que não era o da noiva?

— Uau, Evie! Isso é... Demais! — ela não sabia como dizer o que estava pensando de maneira delicada. — Mas eu não devia estar mais bonita do que a noiva. Você precisa se concentrar no seu vestido.

Evie riu.

— Como se a estrutura do meu vestido não estivesse pronta há meses. Foi a primeira coisa que desenhei! Só faltam os detalhes. Não se preocupe, ninguém vai estar mais bela do que eu — sorrindo maliciosamente, ela piscou.

Mal balançou a cabeça, pensando em como certas coisas nunca mudavam. E ela era grata por isso. Olhou para o vestido novamente.

— Vai mesmo me fazer usar azul?

— Nem reclame, escolhi o índigo exatamente porque tem um toque de roxo — ela bateu as mãos, animada. — E eu preciso fazer os vestidos voltarem à moda.

— E quando eles saíram?

— Isso é sério? — Evie estalou a língua, e apontou para Mal, indicando suas roupas. — Graças a você só chegam pedidos de calças, blusas e jaquetas no 4 Hearts. Quase não se vende mais vestidos.

— O quê? O que eu tenho a ver com isso?

— O que você veste influencia todas as tendências, Mal. Todas querem se vestir como a Rainha — revirou os olhos.

Mal sabia que Evie estava exagerando. Ela bem que queria que aquilo fosse verdade, mas vestidos sempre seriam a maior moda entre a população feminina de Auradon, não importa quanto tempo se passasse ou o que ela vestisse. Ou então ela apenas não prestava atenção o suficiente. As chances da segunda opção eram grandes.

Com sua animação imperturbável, Evie saltou da cadeira em direção a um armário cheio de tecidos, começando a remexer lá dentro. Sentindo um pouco do sono voltar, Mal dobrou os braços sobre o balcão e deitou a cabeça neles, perguntando-se como podia a sonolência de alguém ficar indo e voltando daquele jeito.

— Como se sentiu quando faltavam apenas uma semana para o seu casamento? — alheia ao estado de sua melhor amiga, Evie continuava saltitando de lá pra cá pelo espaço, gastando energia e deixando Mal tonta ao tentar acompanhá-la com os olhos.

— Enjoada. Nervosa. A beira de um ataque de pânico — respondeu.

Mal pouco tinha registrado o tempo que passou entre seu noivado e o casamento, podiam ter sido meses ou anos e ela não teria notado, tamanha era a quantidade de trabalho que teve pra fazer entre as datas, principalmente por conta da queda da barreira. Em contrapartida, Evie e Doug já beiravam os três anos de noivado. Evie queria tudo perfeito e perfeição exigia tempo e dedicação; e ela teve que dar muito de si para o crescimento da sua marca nesse meio tempo, o que atrasou tudo. Agora que o Evie’s 4 Hearts estava completamente encaminhado, com sucesso, lucrando e não precisava mais da vigilância constante de Evie sob a produção é que os preparativos do casamento estavam avançando a todo o vapor, prontos para ocorrer dali a duas semanas.

— E agora, depois de três anos, o que tem a me dizer sobre a vida de casada?

Mal, que já estava quase fechando os olhos novamente, parou para pensar na pergunta. Não era nem de longe tão ruim quanto ela tinha imaginado. Era, na verdade, muito bom poder chamar Ben de seu e ter um papel para atestar isso. Mas depois de ter reclamado tanto anos antes da cerimônia, era difícil dar o braço a torcer e dizer que estava errada sobre aquilo também.

— É... Diferente — foi o que se permitiu dizer.

Evie segurou um sorriso, conhecendo sua amiga como apenas ela conhecia, sabia exatamente como Mal pensava e quando ela simplesmente não queria admitir alguma coisa. Voltou ao balcão com mais dezenas de retalhos de tecido nas mãos e jogou-os em cima de Mal.

— Anda, Maria Preguiça, você se ofereceu para vir me ajudar e não pra dormir em cima dos meus projetos! — ela estendeu uma prancheta para Mal. — Separe estes aqui pelas categorias listadas, por favor.

Mal bufou, e a contragosto pegou a prancheta da mão de Evie. Começou a fazer o que lhe fora pedido em meio a resmungos e xingamentos que Evie fingiu não ouvir. Estava se sentindo completamente desperta e entediada há uma hora atrás, mas agora tudo o que queria era novamente sua cama e seus travesseiros para dormir pelo resto da tarde.

— Onde tem uma caneta? — Mal perguntou, tentando se concentrar na marcação dos tecidos.

— Cômoda — Evie apontou para a grande peça de móvel na parede esquerda, repleta de gavetinhas, linhas, agulhas e pequenos objetos espalhados por ela. Aquela edícula de vidro era praticamente o local criativo de bagunça do lugar, onde tudo estava sempre parecendo que um furacão tinha passado pelo local. O furacão Evie. O segundo andar, onde Mal subira poucas vezes, era onde ficavam os quartos, sendo um deles só com máquinas de costura e onde, Mal podia apostar, estava escondido o vestido de noiva de Evie.

Subitamente uma aguda crise de curiosidade mordeu Mal. Ainda sentada, ela olhou para as escadas de maneira furtiva. Evie jamais deixaria ela ver o vestido inacabado de livre e espontânea vontade. Será que conseguiria escapulir até lá e dar uma olhada no vestido da noiva sem que a mesma percebesse? Levou menos de um segundo pra ela decidir que não custava tentar.

Animada com o pensamento da travessura, arrastou o banco para trás e pulou dele de uma vez. Péssima ideia. Toda a sua visão ficou branca e ela sentiu o chão girar sob seus pés. Por um segundo pensou que fosse desmaiar e teve que segurar na borda da mesa para não cair.

Em um segundo Evie estava do lado dela, segurando-a pelo braço.

— M! — exclamou alarmada, vendo os lábios de sua amiga sem cor e ela sem emitir resposta. — Mal!

Ainda segurando-a pelo braço, Evie puxou o banco de volta e colocou Mal sentada sobre ele. Ela ainda estava com os olhos fechados, tentando recuperar o equilíbrio. Evie pegou uma revista da mesa e começou a abaná-la, extremamente preocupada.

— Eu estou bem — ela disse após alguns segundos, respirando fundo. — Só fiquei tonta por um momento.

— Você quase me matou de susto! Fique aqui — parando de abanar, a filha da Rainha Má correu até a geladeira no outro cômodo e voltou com um copo de água em mãos. — Você está branca, e está suando!

Mal pegou o copo e bebeu tudo em um só gole, só agora dando conta de que estava morrendo de sede.

— Vou pegar mais.

— Não! Você fica sentada ai, espera — Evie pegou o copo da mão dela e foi atrás de mais agua, entregando novamente o copo a ela quando retornou. — O que foi isso? Você está bem?

— Estou — respondeu rolando os olhos. Estava cansada de ouvir todo mundo lhe perguntando aquilo desde que acordou. — Só fiquei um pouco tonta por pular do banco de uma vez.

Evie cruzou os braços, nada convencida pela resposta.

— Isso nunca aconteceu antes. Acho melhor você ir a um médico.

Mal olhou para Evie como se ela tivesse duas cabeças sobre seus ombros. Ir ao médico por causa de uma tontura à toa? Ela estava louca?

— Não foi nada, Evie. Deve ter acontecido porque eu não comi nada o dia todo.

— E por que não? — Evie franziu o cenho.

Mal hesitou em responder. Se dissesse que seu estômago também estava embrulhando desde que acordou, do jeito que era dramática era capaz de sua amiga arrastá-la pelos cabelos até o consultório mais próximo.

— Não tive fome — foi só o que disse.

No instante seguinte seu estômago roncou alto, denunciando a mentira. Mal praguejou.

— Você nunca fica doente. Isso pode ser sério! — Evie insistiu. De fato, ela nunca tinha visto Mal emitir nenhum sinal de doenças ou o que quer que fosse em toda a sua vida, graças a sua genética mágica. Se algo tinha mudado elas precisavam investigar.

— Não exagera, Evie. Foi só efeito da fome.

— Mal, nós passávamos dias sem comer na Ilha e isso nunca afetou sua energia para aprontar.

Mal fez cara de ofendida.

— Eu nunca perco a energia para aprontar! Se quiser sair agora e pichar alguma coisa, tô dentro — tentou sorrir, para provar seu argumento.

Mas é claro que não seria tão fácil assim. Evie cruzou os braços e bateu o pé.

— Não vai me convencer de que não é nada. Fadas não ficam doentes!

— Eu não estou doente! — rebateu. — E eu sou só metade fada, tá legal?

— Esse detalhe nunca te impediu de ser imune a todas as doenças da Ilha.

— Chega, Evie. Não faz tempestade em copo d’água!

Evie estreitou os olhos e encarou Mal. Com uma expressão ameaçadora, ela tirou seu celular do bolso.

— Se não me deixar te levar ao médico, eu ligo pro Ben.

A boca da filha da Malévola se abriu em um perfeito círculo, em choque.

— Você não faria isso!

— Experimenta pra ver.

A sorrateira jovem de cabelos azuis apoiou o cotovelo na mesa e o queixo na mão. Pela cara dela, era obvio que ela cumpriria sua ameaça sem nem pensar duas vezes, e a última coisa que Mal queria era Ben se alarmando por causa de nada.

Evie selecionou o contato de Ben e sacudiu a tela do aparelho na frente de Mal, para demonstrar o que ela estava prestes a fazer. Mal bufou, deixando clara sua irritação, e mirou Evie com os olhos brilhando em verde.

— Sua chantagista barata.

Evie apertou os lábios em um sorriso fechado, sabendo que tinha vencido, e não se abalou com a crítica.

— Sua teimosa — respondeu, já indo pegar sua bolsa para sair.

— Manipuladora.

— Orgulhosa — rapidamente achou suas chaves e as sacudiu para Mal. — Anda, podemos continuar trocando insultos no caminho.

{...}

Evie não deixou Mal subir novamente em sua moto. Ao invés disso, foram as duas no carro de Evie até o Walt Pavilion, o maior e principal hospital de Auradon. Mal foi amaldiçoando sua amiga por todo o caminho. Não tinha nenhuma possibilidade ela não ser notada entrando naquele lugar.

Sabendo da preocupação de sua amiga em manter a descrição, Evie entrou pelos fundos e a arrastou para dentro sob o mínimo de olhares possível. É claro que elas não tiveram que esperar nem um minuto. No instante em que os enfermeiros viram a rainha pisando no local, ela nem sequer piscou e quando deu por si já estava na sala de uma médica loira e jovem, ligeiramente nervosa e que sorria demais. Ela fez perguntas de rotina que foram respondidas por Evie, porque ela não estava nem um pouco a fim de cooperar com aquela palhaçada. Qual o sentido de ir ao médico quando não se estava doente? No final acabou pedindo um exame de sangue, que foi colhido rapidamente, e imediatamente levado para análise.

Ser a rainha tinha seu lado bom, graças a isso ela poderia sair daquele lugar mais rápido do que qualquer outra pessoa. Quando o resultado de toda aquela situação ridícula saísse e não desse em nada, ela faria Evie pagar bem caro por aquilo.

— Quer parar de resmungar? — Evie a cutucou, irritada pelos murmúrios de Mal.

As duas estavam sentadas lado a lado nas cadeiras da sala da médica, esperando os resultados. A mulher tinha saído há quase quinze minutos para buscá-los.

— Quer parar de ser chata? — respondeu na mesma moeda.

— Queria saber que bicho te mordeu hoje. Uma hora está toda contente a na outra está atirando facas.

— Eu só quero ir embora. Vir aqui foi uma perda de tempo.

— Vamos saber se foi uma perda de tempo assim que a Dra. Riley trouxer o resultado.

Evie sabia que apesar da pose de desinteressada, no fundo Mal estava nervosa também. Uma evidência disso era o modo como estava girando sua aliança no dedo sem nem perceber, desde que elas tinham entrado no carro. Ela estava em absoluta negação, mas seu subconsciente sabia que algo não estava certo.

Silenciosamente, Evie enganchou seu braço no dela e apertou sua mão. Mal a olhou sem dizer nada, mas foi suficiente.

— Majestade? — Mal quase pulou da cadeira ao se sobressaltar com a voz da médica, que tinha retornado. — O resultado confirmou minha suspeita.

Ela tinha apenas uma folha de papel na mão e, como se fosse possível, seu sorriso assustador tinha dobrado de tamanho. Ela esticou a folha para Mal, que a pegou afoita, quase rasgando o papel no processo. Passou os olhos pelas palavras o mais rápido que pôde, mas não entendeu muita coisa. Havia seu nome no topo, alguns números, siglas e palavras difíceis. Não estava nem um pouco habituada a termos médicos e sentiu sua cabeça começar a doer novamente. A única palavra que conseguiu entender foi um “Positivo” ressaltado na parte de cima, em negrito.

Positivo? O que aquilo significa? Estava mesmo doente?

— Meus parabéns, majestade — disse a médica, ainda com seu sorriso gigante assustador, achando que ela tinha entendido alguma coisa do exame.

— Pelo quê? — Mal balbuciou, confusa e com medo do que a médica estava dizendo.

— Me dá isso aqui — Evie tomou o papel das mãos da amiga, impaciente por uma resposta. Ao ler o exame, entretanto, seus olhos foram se arregalando até que não havia mais para onde as pálpebras irem. Ela cobriu a boca com a mão e olhou para Mal com os olhos marejados. — Mal...

— O quê? — Mal exigiu, já apavorada com a reação de Evie. — O que está acontecendo?!

Evie dobrou o papel lentamente e engoliu em seco. Não devia ser ela a dar aquela noticia a Mal. Mas tampouco a médica era opção melhor. E, pela cara de Mal, ela nem sequer desconfiava.

— Dra., a senhora pode nos deixar a sós, por favor? — Evie pediu.

— Mas é claro. Fiquem a vontade.

Assim que ela saiu da sala, Mal levantou da cadeira, nervosa, batendo o pé de frente para a amiga.

— Evie se você não me disser agora o que há de errado comigo eu juro que foi sancionar uma nova lei proibindo saltos altos!

Ela teria rido da ameaça se a situação fosse outra.

— Mal, sente-se, por favor.

— Não. Me diga o que está escrito ai. Agora.

Ela se levantou também, já sabendo que aquilo não seria nada bom.

— Tudo bem, mas fique calma, okay? — Evie pediu. Mal permaneceu com os braços cruzados, esperando a resposta que tinha exigido. Evie tomou fôlego antes de disparar: — Você está... Hum... — suspirou antes de dizer: — Grávida.

Por alguns segundos, nada aconteceu. Mal permaneceu imóvel, encarando Evie como se ela não tivesse dito nada. Então, lentamente, seus braços caíram ao lado do corpo e sua expressão ficou vaga.

— O que disse?

— Auradon vai ganhar seu herdeiro, afinal.

— Herdeiro? — sussurrou a filha da Malévola, finalmente se dando conta do que aquelas palavras significavam. — AH, não. Não pode ser.

Sua voz foi aumentando a cada ‘não’ proferido. O mundo pareceu subitamente sumir de debaixo dos seus pés e ela se esqueceu momentaneamente de como se respirava.

O que Evie estava dizendo? Que ela estava... Havia um... Ela nem mesmo conseguia pensar. Ela não tinha estrutura mental suficiente para pensar no que aquilo significava naquele momento. Já tinha conversado com Ben sobre aquilo, ele tinha insistido pouco tempo atrás de que queria dar esse passo, mas ela o convenceu de que não estava pronta ainda. E ele respeitou, sabe por quê? Porque ela não estava pronta ainda.

— Mal, respira! — Evie chacoalhou os ombros da amiga, percebendo que ela não se movia.

Mal forçou seus pulmões a funcionarem antes que acabasse desmaiando pela falta de ar. Aquilo tinha que ser um terrível engano. Alguém tinha trocado os exames. Ela não estava... Aquilo. Não assim, sem aviso. Sem planejamento. Ela tinha tomado tanto cuidado!

— Mal! — Evie gritou de novo.

Mal tinha recuado para trás até bater na parede e, quase que involuntariamente, apoiou-se nela e desabou no chão, sentando-se com a cabeça entre as pernas, tentando se recuperar da falta de ar e da nova tontura que tinha lhe acometido novamente.

Evie correu até ela, agachando-se também. Usando um elástico retirado sabe-se lá de onde, ela puxou os cabelos de Mal para trás e os prendeu em um rabo de cavalo, deixando o rosto da jovem livre. Foi mais fácil respirar daquele jeito.

— Mal, por favor, se acalma. Isso pode fazer mal pro...

— Não! — Mal interrompeu. — Não diz.

— Tudo bem, tudo bem! Mas se acalma ou eu ligo pro Ben.

Os olhos de Mal brilharam malignamente verdes. Ela teria batido em Evie ali mesmo se não estivesse se sentindo tão desnorteada. Perdida, ela colocou a cabeça entre as mãos e gemeu.

— Eu não tô pronta pra isso, Evie. Isso não era pra ter acontecido agora — ela levantou a cabeça e olhou para Evie como se ela fosse a culpada por seus problemas. — Era para acontecer com você primeiro! Eu estava contando com isso, pra eu poder ver alguém e aprender antes. E agora eu vou ter um filho? Não sei...

Mal se calou, as palavras presas em sua garganta. Estava tendo um ataque de pânico. Devagar, Evie se sentou ao lado dela e passou um braço ao redor de seus ombros.

— Hey, você ouviu o que disse? Você vai ter um filho.

— Você não está ajudando!

— Você só precisa se acalmar e então vai se sentir melhor.

Mal balançou a cabeça de um lado para o outro, negando a afirmação.

— Não vou. Não era pra ter sido desse jeito. Eu precisa de preparação...

— Para com isso! — Evie suspirou e, energicamente, puxou o queixo de Mal até ela levantar a cabeça. — Você é a Mal. Filha da Malévola. Filha do Hades. Rainha da Auradon. Não tem nada que você não consiga fazer. E você sabe que pode.

— Será? — questionou-se, sem acreditar muito naquilo.

— Tenho certeza. E você não tem que fazer nada sozinha, eu estou aqui. E Ben estará aqui. E Jay e Carlos. Tenho certeza de que até a Uma topa servir de babá quando precisar. Então, respira.

Mal sustentou o olhar de Evie até sentir-se mais calma. Vários minutos se passaram com as duas em silêncio, lado a lado, enquanto as batidas do coração da filha da Malévola se regularizavam. Ela puxou o ar devagar e soltou-o pela boca várias vezes e, por fim, encostou a cabeça na parede, olhando para o teto. Pensando.

— Isso está mesmo acontecendo? — sua mão pousou trêmula em sua barriga, tão de leve que foi quase como se ela nem estivesse tocando.

Evie assentiu, sorrindo.

— Sim.

— Há quanto tempo?

— Segundo o exame há... — checou a folha. — Duas semanas.

— Quê? — ela puxou o papel das mãos de Evie, tentando localizar em meio aquela confusão de palavras estranha onde dizia aquilo. — Eu deveria estar sentido tudo isso com tão pouco tempo?

— Bom, você nunca esteve doente antes então seu corpo não está acostumado a sentir coisas fora do normal — ela deixou escapar uma risadinha. — Você é mais sensível do que os outros, Mal.

Um tapa atingiu o braço de Evie, o que só a fez rir ainda mais.

Ela nunca tinha se sentido tão perdida antes. Nem quando Ben disse que a amava pela primeira vez e ela não soube responder, nem quando teve que fugir de Auradon porque não conseguia se encontrar, nem mesmo depois de voltar e lutar pelo reino, e nem no dia do seu casamento. Aquilo simplesmente superava todas suas outras batalhas. Como a garota que se divertia em roubar doces de crianças, agora teria uma?

Batidas na porta sobressaltaram as jovens no chão. A porta abriu parcialmente e a cabeça da Dra. Riley surgiu na porta.

— Majestade? Está bem?

— Ela está bem — foi Evie quem respondeu.

— O rei está aqui fora.

Mal se alarmou.

— Ben?! O que ele está fazendo aqui? Você contou a ele?

— Não, majestade — a médica respondeu. — Creio que isso é uma notícia que cabe a senhora dar a ele.

Mal sentiu que começara a gostar da doutora naquele exato momento. Evie a ajudou a se levantar, o que ela fez com muito mais cuidado daquela vez, subitamente consciente de que não estava mais sozinha em seu próprio corpo.

— Vai contar a ele? — Evie perguntou.

— Vou, mas não agora. Não fale nada, por favor — pediu.

Ela não tinha estrutura emocional o suficiente para lidar com Ben ainda. Ele já estava querendo aquilo faz tempo, ela quem sempre o despistava. E ela tinha certeza de que ele se tornaria insuportavelmente meloso e superprotetor a partir do momento em que soubesse. Não podia lidar com isso agora.

Como que por um milagre, Evie concordou com aquilo sem reclamar.

Mal quis abraça-la, quis dizer ‘obrigada’ à sua irmã por tê-la feito se recompor em um momento tão importante, aquele era mais um dos momentos importantes de sua vida do qual Evie estava do seu lado, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Droga de emoções descontroladas.

Evie, porem, entendeu o olhar e sorriu para Mal.

— Está tudo bem — Mal disse. Se para si mesma ou para quem ela agora carregava, ela não sabia.

Saíram da sala juntas, de mãos dadas, para encontrar um Benjamin desesperadamente aflito no corredor.

— Mal! — ele correu até elas assim que a porta de abriu, envolvendo sua esposa em um abraço. — Quando me falaram que você estava no hospital eu quase enlouqueci de preocupação. Você está bem, o que você tem?

— Estou bem, a Evie foi quem exagerou — foi o que ela conseguiu fazer passar pelo nó em sua garganta.

— Está mesmo? — ele perguntou novamente, passando a mão pelo rosto dela com ansiedade. — Meu coração quase parou.

Ela repousou as mãos no peito dele.

— Não, não. Eu preciso que seu coração se mantenha batendo, será que ele pode fazer isso por mim?

— É só mandar. Ele é seu.

Isso a fez sorrir de leve, mesmo através de todo o nervosismo.

— Como ficou sabendo que eu estava aqui? — perguntou.

— A secretaria do hospital me ligou.

— Fofoqueiros — ela resmungou. — Foi só um mal-estar, eu estou bem.

— E desde quando você tem mal-estar?

— Apenas me sobrecarreguei e... Esqueci de comer.

— Esqueceu de comer? — ele abriu um daqueles sorrisos tortos com covinhas que ela tanto amava. — Você é um caso perdido, Mal.

Antes que pudesse perceber, se pegou pensado que seria incrível se seu filho tivesse aquelas covinhas também. Teve que disfarçar a expressão de susto quando percebeu o que tinha passado por sua cabeça.

— Sim, eu sou. Um caso totalmente perdido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Essa foi uma das primeiras ones de todas que escrevi pra essa história, e ela acontece um pouco antes de "Cinetose", que está separada no meu perfil pois foi escrita depois dessa (embora tenha sido postada antes).

See you soon.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dear Future Husband" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.