Um Conto de Natal escrita por Brenda Armstrong, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 1
Capítulo 1




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Dezembro, 1971

 

Helena acordou com um quê de tristeza lhe apertando o peito naquela manhã chuvosa de dezembro de 1971. As coisas de fato não iam nada bem, nem particularmente em sua casa e nem no mundo mágico como um todo. Era véspera de Natal, e ela tinha todo o dormitório para si. Havia decidido ficar em Hogwarts e preparar-se melhor para os NOMs - a carreira por ela escolhida era a de medibruxa, uma das mais difíceis, e ela precisaria de notas para conseguir todas as matérias necessárias nos dois anos seguintes.

Apesar de sua motivação para ficar em Hogwarts ter sido estudar, porém, aquela sensação ruim não a deixou durante todo o tempo em que acordou, tomou banho e preparou-se para o café da manhã. Quando chegou no Salão Comunal, não se surpreendeu ao ver apenas alguns poucos estudantes espalhados, não chegando a um número total de dez. Se sentou sozinha na mesa da Corvinal e antes que conseguisse se servir de um pouco de Torta Natalina - uma receita especial dos elfos de Hogwarts que havia sido escrita há 400 anos e preparada todos os Natais sem falta desde então - foi interrompida por sua assinatura do Profeta Diário aterrissando em seu prato.

“Marcha de abortos termina em caos”, era a manchete principal. Leu a notícia atentamente enquanto finalmente servia-se de sua torta. Havia mais de um ano que lideranças entre abortos lideravam marchas que exigiam direitos - em especial de participação política e defesa da integridade, e aquela marcha em específico havia sido atacada por anti-abortos em um ataque organizado demais para ser casual. A ministra Eugenia Jenkins ainda não havia se posicionado, e Helena duvidava que o faria. Pensou em sua irmãzinha em casa - uma aborto que havia completado 12 anos em outubro e nunca visto o sol para além do jardim da família Mason, e que era considerada uma vergonha para a família, e pensou se algum dia seria possível uma mudança de atitude para com os bruxos que nascem sem magia. Filch havia acabado de entrar pela porta principal, e caminhava furiosamente na direção de McGonagall, provavelmente para lhe relatar alguma travessura que haviam aprontado. Antes que conseguisse elaborar outro pensamento sobre a questão, ouviu seu nome sendo chamado.

—Ei, Helena, quer jogar uma partida?

Harold Minchum e Levy Roberts estavam sentados na mesa da Lufa-Lufa, apenas eles em toda a extensão da mesa. Não eram as pessoas favoritas de Helena, mas esse também não seria seu dia favorito, então que mal faria uma partida para distraí-la um pouco? Dobrando seu jornal, caminhou até eles e se sentou. Jogaria contra Harold, que parecia ter ganho a última partida entre eles. Enquanto o tabuleiro de xadrez bruxo se reconstruía, Levy pegou seu jornal e folheou.

—Qual seu signo mágico, Harold?

—Isso é besteira, não acredito em signo mágico. - respondeu, cético.

Iniciaram a partida, ainda conversando.

—O meu é Volans, o que me diz que “receberei algo inesquecível”.

—Pode ser um presente de Natal. - comentou Helena

Levy riu pelo nariz - duvido muito, meu presente de Natal provavelmente será uma rosquinha surrupiada da mesa dos professores. Além disso, diz aqui que devo tomar cuidado pois posso partir o coração de alguém. - riu novamente - só se for o da pobre namorada do gostoso que estou pegando.

Helena revirou os olhos enquanto fazia sua jogada, rapidamente rebatida pela de Harold.

—O seu é Triangulum, Harold. Parece que você receberá algo que significará muito pouco, mas ao menos fará amizades interessantes nessa semana.

—Receberei outro presente de Anivernatal é claro. - comentou, desgostoso e sem querer se estender naquele assunto. - Horrível essa notícia, não é mesmo? - comentou  sobre a principal manchete, tentando mudar de assunto. Ele próprio assinava o Profeta e já havia lido mais cedo. Primeiro você tem pessoas querendo mudar o status quo das coisas, quando elas são como são… não que isso justifique essa carnificina, mas honestamente, Eugenia Jenkins tem lidado muito mal com todas essas questões em seu governo, está muito claro que não tem controle de nada que ocorre no Mundo Mágico.

Se algum dos dois houvesse olhado pra o rosto de Helena, teria notado o vinco profundo em sua testa e as sobrancelhas levemente aproximadas, como ficavam quando ela se irritava muito com algo. Desferiu o último golpe, derrotando o rei de Harold, que apoiou a cabeça entre as mãos.

—Como é possível… eu estava a uma jogada do seu Rei…

Helena sorriu, sarcástica, já se levantando para se afastar.

—Você perder é o status quo das coisas, Harold, não tente mudar.

Afinal, todo aquele café da manhã só a havia estressado mais e Helena voltou para o dormitório sem conseguir relaxar, pensando que era por causa de pessoas como Harold que o mundo não mudaria nunca para pessoas como sua irmãzinha.

 

X-X

 

Mais tarde naquele mesmo dia, Helena estava descendo as escadas para a ceia, cantarolando bem baixinho “Love Her Madly”, sua música favorita do The Doors, quando foi bruscamente interrompida por um grito vindo do corredor que levava às salas de aula. Sem pensar, correu na direção do som, e viu Anna, uma Grifinória que sempre havia considerado simpática, parada diante de uma das salas cuja porta estava entreaberta. Correu até ela, mas antes que conseguisse alcançá-la, a porta da sala em questão se abriu, e um garoto de cabelos morenos na altura dos ombros correu até ela.

Helena não conseguiu acompanhar bem a sequência de fatos que se seguiu, tendo Anna gritado algo incompreensível para o garoto e começado a chorar. Ela correu e ele tentou segurá-la, sendo atingido por um feitiço e cambaleando para trás. Agora, Helena conseguira ver seu rosto e não sabia seu nome, apesar de reconhecê-lo como um lufano que nunca faltava às partidas de Quadribol. Assim que o suposto estupefaça deixou de abalá-lo, ele correu pelo corredor na direção que Anna havia ido e Helena fez menção de seguí-los, apenas para garantir a segurança da garota. Mas uma figura à porta a fez mudar de ideia.

Era Levy, encostado na porta com um sorriso de canto no rosto que fez as bochechas de Helena avermelharem de raiva e suas sobrancelhas se juntarem.

—Parece que o horóscopo estava certo sobre o coração partido. - comentou. - E eu também. Ao menos não foi o meu.

—Está aqui então a droga do seu presente inesquecível. - Helena desferiu um soco de um só golpe que acertou bem o canto da boca de Levy, abrindo uma ferida da qual escorreu uma linha de sangue.

Quando Levy dissera aquilo no salão comunal, ela achava ter sido apenas uma piada de mal gosto do garoto, bobeira típica dos sonserinos e nada inesperada vindo dessa casa composta de víboras venenosas. Agora que descobrira ser verdade, estava furiosa. Era muito incomum que brigas entre alunos resultassem no uso de violência ao modo trouxa, havendo inúmeros feitiços que Filch ainda não conseguira adicionar na lista de feitiços bloqueados e mais inúmeros outros que nunca seriam bloqueados, pois seu uso principal não era brigas, embora pudessem ser bem adaptados para esse fim. Mas aquilo que Helena sentiu só pode ser expresso daquela forma. Ela chegou a temer que Levy fosse tentar revidar, pela forma que ele a encarava… foi quando o som de passos revelou que não era ela que ele fitava, mas Harold, que se aproximava.

—Era só o que faltava… um mini-mon pra acabar com nossa graça, nerd.

“Mini-mon”, abreviação falada de “mini-monitor”, era o termo de mau gosto usado pelos alunos (em geral os envolvidos com atividades não honrosas, na opinião de Helena) para se referir a alunos que claramente desejavam o posto de monitor, mas não o haviam conseguido, e apesar disso passavam cada um dos seus dias em Hogwarts tentando se provar um monitor. Eles denunciavam todo o tipo de atividade ilícita ou fora do regulamento que ocorria na escola, e pelo rosto lívido, era bem o que Harold estava pronto a fazer.

—Vou chamar a Professora McGonagall. - ele declarou, decidido.

—Olhe Harold, isso não é bem como pareceu, Levy fez uma coisa… realmente horrível. Ele mereceu.

—Não imaginei que logo você seria fã de justiça com as próprias mãos, Helena. - Harold respondeu usando seu melhor tom de “mini-mon” e Helena quase concordou com Levy por um momento.

 

X-X

 

Quando foi meia-noite, estavam os três amontoados na escada da torre da Grifinória, Helena e Levy arrastados para lá por Harold que não parava de falar.

—Creio que o ideal para esta situação seja terem cinco pontos retirados da Sonserina e Corvinal, porque essa é a penalidade comum para brigas que não resultam em enfermaria.

O breve sangramento de Levy havia sido contido com um papel higiênico, mas ele parecia completamente desolado.

—Olha, Harold, talvez você possa simplesmente nos deixar ir, okay? Por benevolência, é noite de Natal, a nerd aqui acha que eu já tive o que mereci…

—Eu nunca disse isso. - Helena se defendeu. - O que você fez com aquela garota… Não dou a mínima pra sua opção sexual mas isso não justifica você ter contribuído com alguém que estava traindo ela. - o tom de voz era alto, agudo, recheado de frustração.

—Você pode falar mais baixo, por favor? - Levy suspirou. Helena tinha certeza que ele faria algum comentário sarcástico sobre como “contribuído” não descrevia bem a coisa toda, mas ao invés disso ele parecia muito preocupado.

—Por que essa cara, de qualquer forma? - questionou Harold. - Até agora você estava quase se divertindo com a situação.

—Okay, eu fiz algo não muito legal… ou moralmente correto… mas vocês não precisam me expor por causa disso, okay?

Era fato que o preconceito dos bruxos com os abortos também era realidade para os homossexuais. Em Hogwarts as coisas sempre eram um pouco mais toleráveis, verdade, e as inovações sociais penetravam mais rápido, mas em especial entre os professores ainda havia muito das velhas tradições incutidas.

—Não estamos aqui pra expor ninguém, apenas para resolver esse mal entendido de vocês e punir os culpados. - falou Harold, tentando transparecer uma tranquilidade que não tinha.

—Você entende que isso implica em me expor pros professores, né? Que cuzão. - falou Levy, cheio de veneno no tom de voz.

Helena revirou os olhos. Escolhera passar o Natal em Hogwarts para evitar sua família completamente problemática, as tentativas de excluir sua irmã da mesa e os tios com comentários rudes que indiciavam apoio aos ideais puristas que emergiam na sociedade bruxa. Mas certamente não era bem aquilo que esperava, estar ali, na escada da Grifinória, com um egoísta sem o menor senso de noção, pronto a magoar e expor ao ridículo uma garota desde que tivesse aquilo que desejava, e um mini-mon tão ruim quanto o resto de seus familiares preconceituosos. Revirou os olhos para qualquer coisa que Harold tinha respondido para Levy e enfiou a cabeça entre as mãos, com um suspiro algo e incontido de clara frustração.

A noite terminou com as pontuações da Sonserina e Corvinal descendo, apenas uma dentre muitas manobras dos mini-mons que contribuíram para que a Grifinória levasse a Taça das Casas naquele ano.


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