Minha Maldição escrita por Raposinha Marota


Capítulo 1
Curse


Notas iniciais do capítulo

Olá, caros leitores!
Agradeço de antemão pela atenção e espero que possam aproveitar a leitura como desejam.
Desejo-lhes uma boa leitura.



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Mesmo com o sol em meu rosto, não quis abrir meus olhos. O dia estava começando bem. O clima pouco frio de outono já se fazia presente, naquela hora. Os raios tímidos do sol eram a única coisa que me esquentavam ali, do alto do chalé de Ártemis. Passei a noite no telhado, novamente, vendo as estrelas e a bela lua crescente do céu e acabei caindo em um sono mais uma vez. Eu já esperava por isso. Tanto eu quanto minha mãe preferíamos dormir ou a céu aberto ou para uma bela vista noturna... Tudo consequência por ser filha da deusa da caça. 

Então, parei de sentir o sol sobre meus olhos fechados e finalmente os abri para ver o que havia acontecido. 

 

— Dormiu aqui fora de novo? 

 

Bom... arrependo-me profundamente do que fiz. 

Belos olhos esverdeados me encaravam com ternura, acompanhados de um rosto que nunca em vida conseguiria esquecer. Percy tinha os cabelos molhados hoje, deixando-os mais negros. Levantei-me rapidamente, mas permaneci ali, sem vê-lo. Ao meu lado, Kreptos sorria maldosamente, aproveitando-se da minha situação constrangedora. 

 

— Já disse que gosto de dormir aqui, Percy. Não se meta isso. 

— Só fiquei preocupado. – devido aos seu tom divertido na voz, imaginei que o mesmo se segurava para não soltar nenhum tipo de riso. Ele havia se sentado um pouco mais afastado de mim, como se quisesse respeitar meu espaço pessoal. Arrisquei olhá-lo pelos cantos dos olhos e o vi encarar o nada a sua frente. – Ainda vai se resfriar assim. 

— Eu sempre fiz isso e nunca peguei um resfriado. Obrigada pela preocupação, mas eu estou realmente bem. 

 

Ele não tentou me encarar em nenhum instante e isso me incomodou no fundo. Será que finalmente o havia afastado? Ao sentir o início de uma decepção rapidamente tratei de repreender-me com uma bela mordida em meu lábio inferior, quase fazendo uma ferida devido aos meus caninos afiados. Não... eu não me renderia agora. Eu não queria machucar ninguém... principalmente ele... 

Droga de maldição. 

 

— O café da manhã já deve estar pronto. Devemos ir antes que recebemos uma boa bronca do senhor D. 

— Eu vou tomar um banho antes. – retirei meu olhar sobre ele assim que me levantei de onde estava, tentando encontrar algo como distração para o meu olhar. Eu estava, mais uma vez, nervosa diante de sua presença. Ouvi ele se levantar e dar passos mais próximos. Prendi minha respiração devido ao nervosismo e logo senti sua mão sobre meus longos cabelos negros. 

— Só não demore muito. – ele tentou sorrir, mas eu vi que tinha dificuldade. Ele pulou para o chão e seguiu o caminho até o refeitório. 

 

Então... eles tinham se separado mesmo. 

 

— Devia estar feliz por isso. – a voz grossa de Kreptos ficava mais irritante quando tentava me provocar. – Pelo menos, eles são apenas amigos agora. 

— É feio ouvir a conversa dos outros. – repreendi o grande lobo, que ainda se mantinha onde estava, com um olhar feroz. – E não estou nem um pouco feliz. 

— Agora, ele está livre. – este continuou, divertindo-se com a situação e, principalmente, de minha expressão dura e irritada. – É sua chance. 

— Cale a boca. Eu não quero nada com ele. Faça apenas a sua obrigação, maldito. – ele ousou a rir, o que não me surpreendeu. 

— Sim, mestra... Porém a vida é curta, sabe. – ele não havia feito piada quanto a isso. Ele tinha um olhar sério e, ao mesmo tempo, triste em seu rosto. Eu não quis mais manter o contato, vendo tanto desconforto do animal. 

— Vou tomar meu banho. – falei desanimada, saindo do telhado em um só pulo. 

 

Adentrei a casa branca e vazia. O grande vitral do teto já transmitia os raios do sol. O local estava silencioso como sempre, deixando que meus pensamentos tornassem minha companhia. Encarei o altar de minha mãe ao canto do cômodo e apenas imaginei como ela estava... e como ela poderia me ajudar. Durante meu percurso ao banheiro, a voz de Kreptos não saia de minha cabeça. Ele podia ter sido um grande soldado cafajeste que recebera a punição de Ártemis após este a flagrar em um de seu banho na Antiga Grécia, porém, após anos de convivência, nós tínhamos nos tornando amigos, esquecendo que éramos apenas mestra e servo. Ele realmente se importava comigo e aquilo pesava, assim como a água sobre meus ombros. Eu sofria por ele, pelos meus amigos, pelos meus pais, pela minha irmã... Mas nunca me importei tanto como me importei com Percy. De todos, ele era o que mais queria proteger... Mesmo que fosse de mim mesma. 

Desde minha criação como uma semideusa “artificial”, Ártemis fora alertada pelas Parcas que o meu destino seria incerto e perigoso. Eu não trilhava nem o caminho dos homens, nem o caminho dos deuses... eu trilhava o caminho da inexistência. Quando a minha hora chegasse, eu teria de escolher entre aceitar minha origem e me tornar uma deusa menor ou morrer como uma jovem mortal e, simplesmente, desaparecer. Meu corpo, a cada dia que passava, ficava mais fraco e mais instável enquanto que meus poderes aumentavam devido a fragilidade que o fio que separada a divindade da mortalidade se encontrava a cada instante. Eu sabia que era só questão de dias... Meses talvez para minha morte, mas eu não havia decidido meu destino. Morta, minha alma se extinguiria e toda fonte de poder que me gerara retornaria a minha mãe; Como deusa, perderia aqueles que eu mais estimava durante anos e anos, enquanto que eu viveria imortal à serviços do Olimpo. 

E como se o destino já não fosse lastimável, a vida era também cruel. 

Eu era apenas um erro. Uma criatura que não deveria existir. Ártemis, por mais que fosse uma deusa, não era uma deusa de criação... Principalmente em criar um semideus. Nem o próprio Zeus ousou a criar um. Talvez porque soubesse dos riscos gerados com o processo. Por isso, além do fato de que meu corpo era fraco demais pela quantidade absurda de poder oculto em mim, Ártemis permitiu que uma certa “maldição” recaísse sobre mim. A deusa da caça chegou a se apaixonar apenas uma única vez. Foi por Órion, um habilidoso semideus filho de Poseidon, o grande rei dos mares. Ela estava disposta a abdicar seu voto de castidade para ficar com aquele que amava e que lhe amava de volta, contudo, sua enorme arrogância o matou. Então eu, sendo sua “filha biológica”, fui amaldiçoada a me apaixonar por um filho de Poseidon, aquele em que eu pudesse considerar verdadeiramente forte. E, no fim, isso levaria a destruição de um de nós ou ambos. Considerando meu gigantesco azar desde que “nasci”, acabei por me apaixonar por Perseu Jackson, o grande herói daquela era... 

Como eu, simplesmente, amava a minha vida. 

Mas... Pensando bem... eu me apaixonaria por ele facilmente, sendo maldição ou não. 

Não queria machucá-lo. Se isso continuasse... Se nossa “amizade” continuasse, eu só o levaria a ruína. A separação dele de Annabeth Chase já era a grande prova. O que mais eu iria causar pelo simples fato de existir? Eu não podia ficar ao lado dele mesmo que eu o amasse verdadeiramente. Ele não me amava sinceramente como ele acreditava. Era tudo obra da influência da maldição. Ele não me amaria se não fosse por isso. 

Como eu queria não tê-lo conhecido. Eu era seu tendão de Aquiles e quanto mais eu ficasse ao seu lado, mais nossos rumos se tornavam ainda mais perigosos... Se Percy continuasse comigo naquele falso amor, apenas a morte o aguardaria. 

Quando eu menos percebi, lágrimas caíram de meus olhos. Novamente, eu estava chorando, impotente diante de meu próprio destino. Estava cansada... cansada de ser um problema para ele. Permiti que meu lado mais frágil agisse novamente, tentando encontrar conforto em meio as lágrimas derramadas. Eu não queria ser forte, mas mesmo assim não permitia que meu choro se tornasse audível. 

Então, minha visão ficou turva e minhas pernas fraquejaram. Não houve como impedir o acontecimento e acabei desabando para o piso frio. Por mais que a água atingisse meu rosto e mesmo lutando para me levantar, minha consciência se perdia na escuridão e acabei por desmaiar. 

 

 

 

 

Quando abri meus olhos com pesar, pude sentir o olhar de Kreptos me consumindo de tanta seriedade. Olhei ao meu redor calmamente, notando que não estava mais no chuveiro. Eu estava deitada em meu futon no grande cômodo do chalé de Ártemis. Minha cabeça latejava ferozmente, ainda mais do que eu estava acostumada a sentir. Lembrei-me que não havia tomado minha dose diária de néctar no dia anterior. Muito menos havia consumido um pouco de ambrosia. Certamente, era devido a isso que meu corpo estava ainda pior. Suspirei derrotada quanto a isso e pensei que deveria ser mais cuidadosa para que aquele erro não se repetisse. 

 

— Isso está ficando, irritantemente, mais frequente. – Kreptos se aproximou em passos calmos, mas cuidadosos, deitando-se bem próximo da minha cabeça. Apenas voltei um pouco do meu rosto em sua direção e senti seu fofinho gélido tocar em minha bochecha sutilmente enquanto que seus olhos se mantinham fechados. – Não assuste seu guardião assim. 

— Não é como se eu quisesse. – levei uma das mãos até sua face, afagando sua cabeça como podia. Aquele pequeno ato me era doloroso, afinal, todo o meu corpo sofria pela falta de força. Porém, o sorriso que o lobo exibia devido ao toque me fez manter a carícia, mesmo com a dor. Às vezes, eu me indagava se Kreptos havia adquirido alguns gostos e atitudes inusitados devido sua longa permanência em forma animal. – Obrigada. Quanto tempo, mais ou menos, eu apaguei? 

— Meia hora, talvez. – ele respondeu gentilmente, abrindo lentamente os olhos para me encarar tristemente. – Não quero ver isso de novo. 

— Infelizmente, isso vai ficar cada vez mais frequente. – tentei rir. – Estou morrendo. 

 

Kreptos tencionou suas feições, enrijecendo os músculos em uma expressão raivosa. Ele exibia seus dentes cerrados enquanto rosnava pela verdade de minhas palavras. Claramente, não havia gosto em nada do modo como eu dissera aquilo tão calmamente. 

 

— Não fale isso com tanta naturalidade. – ele repreendeu-me contendo como podia a própria raiva. Eu apenas lhe dei um sorriso sereno, apesar de doloroso. Ele pareceu notar meu grande mau estar e se levantou. – Vou buscar néctar para você... fique aqui. 

 

Assim que ele saiu do recinto, dei um grande suspiro junto a um longo e baixo gemido. Por mais mau que eu estivesse, não era do meu feitio acatar as ordens dos outros. Por isso, eu queria sair dali, mesmo contra as ordens de Kreptos. 

Ao que me pus de pé, percebi que estava vestida devidamente. Certamente, Kreptos havia tomado sua forma humana para me acudir e me trocou no processo. Minha cabeça latejava ainda mais pelo meu esforço de estar de pé e meus músculos estavam tão fracos que era um sacrifício manter-se simplesmente ali, parada. Respirei por diversas vezes profundamente, concentrando o que podia para conseguir agir normalmente. Os primeiros passos foram extremamente difíceis de se realizarem, mas logo se tornaram mais fáceis. Saí do chalé me considerando uma vitoriosa por conseguir ter chegado até ali. Calmamente e ao meu próprio ritmo debilitado, passei a trilhar o caminho para a arena de treinos. Se tudo estivesse bem até lá, talvez eu arriscasse acertar alguns alvos com o arco. Pelo percurso, alguns campistas me encararam surpresos enquanto que outros mantinham um irritante olhar de pena sobre mim. Praguejei em grego antigo, xingando-os com os priores adjetivos possíveis e tratei logo de aumentar o ritmo dos meus passos, por mais que isso me judiasse ainda mais. Eu estava desesperada para me afastar daquelas pessoas. Não era culpas delas, porém eu não precisava que mais ninguém me mostrasse o quanto eu estava ferrada. Quando cheguei a arena, tratei logo de me dirigir para o local mais afastado, ainda sendo seguida por novos olhares tristes. Assim que peguei um arco e uma aljava cheia do arsenal disponível, notei que Frank Zhang estava ali, observando os campistas gregos treinarem. Desejei que o mesmo não tivesse me visto, porém não se realizou. Enquanto me preparava para meu treino solo, ouvi seus passos rápidos se aproximando. Encarei-o pelo canto dos olhos, vendo que o mesmo corria até mim. Apenas dei um longo e cansado suspiro e me concentrei no alvo ao longe, começando a atirar flecha após flecha. Ele não se pronunciou em primeiro momento, talvez tentando encontrar as palavras certas para aquele momento. Não dei a devida importância. Sinceramente, não queria conversar no momento. As flechas disparadas acertavam o alvo precisamente, criando o que parecia uma flor devido a quantidade de flechas juntas. Frank pareceu incomodado com o meu silêncio, pois eu conseguia sentir seu desconforto. 

 

— Mitsuki. Como vai? – apesar de educado, eu conseguia sentir a tensão em sua voz. Novamente, o encarei pelo canto dos olhos, mesmo atirando contra o alvo, vendo o sorriso forçado que o mesmo possuía. – Todos notaram que você não compareceu no café da manhã. O Dionísio ficou... bem... Irritado com a sua ausência, ameaçando ordenar que a harpias que a comessem por tal desrespeito. 

— Típico... – respondi fria e voltando a me focar no alvo. Não era como se Dionísio fosse pegar leve comigo devido a minha situação. 

— Aconteceu algo de manhã? – a julgar pelo tom de voz, Frank ficara novamente incomodado, provavelmente pela minha rudez. 

— Algumas coisas. – respondi da mesma forma que antes, porém em um tom mais cansada e dolorosa. O treino, sendo o mais simples possível, estava difícil manter. 

— Entendi... Quer aju... 

— Frank. – eu parei de atirar e o olhei verdadeiramente e seriamente. – Você sabe que não estou bem. Sabe, eu desmaiei de novo hoje de manhã e por isso perdi o café da manhã. 

 

Frank tentou me dizer algo, porém aquele olhar que ele lançava para mim me corroía. Ele rapidamente desviou o olhar em uma expressão amarga. Eu devia ter feito uma cara muito brava se perceber. Meus olhos logo transmitiram dor, tristeza e cansaço. Encarei a flecha que ainda estava ajeitada no arco e disparei com um pouco mais de força, ouvindo um ruído assim que atingiu o alvo.

 

— Sei que todos estão com pena de mim e isso está me incomodando. Também sei que não é culpa de vocês. É involuntário. Não é com você, cara. 

 

Devido ao silêncio repentino, não ousei mais olhá-lo nos olhos e voltei a contínua sequência de disparos. 

 

— Percy está muito preocupado com você, Mitsuki. – aquelas palavras me desconcertaram e hesitei em continuar tanto a conversa quanto a praticar. – Ele estava bem distraído hoje. Eu cheguei a perguntar se havia acontecido algo, mas ele evitou de me responder. – eu me mantive calada e continuei a atirar. – Soube de Annabeth. 

— Piper deve estar contando apenas pro grupo. – respondi de imediato. – Afinal, só permaneceu os três quando eu... fugi. – era vergonhoso admitir, mas eu realmente havia feito isso. 

 

No fim da tarde do dia anterior, Piper McLean e eu acabamos nos envolvendo em uma discussão entre Percy e Annabeth. Piper estava me escoltando para o chalé de Ártemis quando escutamos as vozes altas do casal. Eles estavam discutindo sobre o futuro do relacionamento deles. Todos já estavam cientes da minha maldição, após tantas desventuras que vivemos nos últimos meses. Por mais que eu nunca disse a ninguém que eu havia me apaixonado por Percy, ele mesmo já havia demonstrado isso. Por mais que eu negasse, ele não parava de se importar e de me procurar. O estopim fora alguns dias atrás quando ele acabou se confessando. Annabeth ficou arruinada com isso. Quando os dois nos encararam, pude notar a tristeza e a surpresa em seus olhos. Annabeth evitou me encarar e eu não a julguei por isso. Na verdade, havia consentido, por mais que doesse sofrer isso de uma amiga. Se eu estivesse no lugar dela, eu nunca me perdoaria. Piper tentou apaziguar a situação, com risos falsos e sorrisos forçados. Eu sabia que não era bem-vinda ali e muito menos deveria estar ali, por mais que o assunto também remetia a minha. Eu pedi desculpas, principalmente com Annabeth, e fugi. 

 

— Foi a própria Annabeth que nos contou ontem à noite junto com Percy. – novamente assustei-me, abandonando de atirar novamente e segurando firme o conjunto em mãos. 

— Como ela está? – perguntei nervosa. Estava com medo de ouvir as palavras “eu a odeio”. 

— Ela pareceu ter aceitado bem... Não sei o que você ouviu enquanto eles brigavam, mas ela disse que não te culpa, no final. – as palavras de Frank me acalmaram por um momento. – Ela só disse que vai levar um tempo pra superar e te tratar normalmente. 

— Não era pra ser assim... – rangi meus dentes com força e apontei com toda a minha força para o alvo com os olhos cheios de fúria. – É tudo minha culpa. 

— Para, Mitsuki. Não é sua culpa. 

 

Assim que disparei, o alvo atingido se quebrou com o choque da flecha e se desmontou enquanto que a mesma prosseguiu o caminho até atingir uma árvore muito mais ao longe. Frank se surpreendeu com isso e eu apenas puxei o ar com desgosto. Eu havia acabo de liberar mais poder do que podia novamente. 

Eu perdi minhas forças e a visão logo depois. Arregalei meus olhos quando notei que não conseguia respirar. Arfei em busca de ar em desespero parecia que ele não chegava aos meus pulmões. Abandonei rapidamente o arco, deixando que o mesmo caísse ao chão, levanto as mãos ao pescoço involuntariamente. Minha cabeça parecia que ia explodir devido a extrema dor. A visão turva me impossibilitava de enxergar qualquer coisa e isso vale para Frank. Ele rapidamente me segurou pelos ombros, na hora exata que minhas pernas cederam e quase fui direto ao solo batido. Frank me auxiliou a sentar sobre a terra, e manteve-me em seus braços assim que até mesmo meu tronco cedeu pela fraqueza. Uma terrível pontada atingiu meu peito, como seu meu coração estivesse sendo perfurado. Gemi pela dor insuportável e novamente tentei recuperar o ar que me faltava. A única coisa que eu conseguia discernir eram os sons de passos. Por mais que minha mente não trabalhasse como eu gostaria, eu consegui notar diversos passos em minha direção quando os gritos autoritários de Piper e Leo Valdez mandavam o que provavelmente fossem os campistas da arena se afastarem de nós. Julgando os passos, eles que continuavam a se aproximar de onde estávamos. Fechei bem meus próprios olhos, tentando me tranquilizar e, de alguma força, me concertar. Aos poucos, respirar se tornou efetivo e as dores paravam de oscilar tão intensamente. Eu sentia calor e ao mesmo tempo frio ao que o vento gélido me tocava. Ouvi o que seria Piper se ajoelhando próximo de nós e tocando minha testa suada. 

 

— Mith. Você está bem? – Piper perguntou em um tom assustada. Eu abri lentamente os olhos e agradeci aos deuses por estar enxergando novamente. Piper estava com olhos preocupados. – Quer que a gente chame o Quíron? 

— Não. – respondi calmamente. Consegui erguer meu tronco, mantendo-me sentada. – Obrigada, Frank, e desculpa. – assim que olhei para ele, pude notar o mesmo olhar de Piper. Eu retirei com dificuldade a aljava que eu carregava e larguei-a ali mesmo. – Desculpa, gente. Eu só preciso de néctar. 

— Eu vou buscar. – voluntariou Leo, mas antes que ele fosse o impedi. 

— Kreptos já deve estar chegando com ele. – assegurei, mas ele não se tranquilizou com isso. 

— Aquele monte de pelo atrevido. – Piper resmungou baixo, porém conseguimos ouvir muito bem. Ela ainda estava brava com as brincadeiras que Kreptos vivia fazendo e pelo fato de que quando o mesmo tomava sua forma humana aproveitava-se de sua nudez para envergonhar quem não estava acostumado. Por algum motivo, aquilo me divertir e me fez rir sinceramente. Mesmo a risada ter saído contida, ela pareceu aliviar a todos que ali estavam. 

 

De repente, meus olhos localizaram o lobo gigante, correndo em nossa direção, porém, não havia nada em sua boca. Eu já estava pensando em como repreendê-lo quando notei que ele não estava só. Havia uma pessoa ao seu lado que carregava um cantil... e não era quem eu gostaria de encarar agora. 

Se eu tivesse forças o suficiente para fugir, eu o faria sem ao menos hesitar. Conforme a aproximação inevitável diminuía, pude sentir meu doloroso coração bater descompensado no peito e aumentando a arritmia a cada passo dado. Não havia como correr. O que restava era mentir novamente... Atuar no meu velho show. 

 

— Mitsuki. Você devia estar descansando. – Percy estava mais alterado que o normal. Seus olhos e feições eram agressivos, não tendo sucesso em me intimidar. Ele estava extremamente irritado, o que não era comum de sua personalidade. – Vou levá-la agora mesmo para sua cama. 

— Como se tivesse algum poder sobre mim. – eu o desafiei com as minhas palavras e ele se irritou ainda mais. 

 

Tentei me levantar, porém sem sucesso até que Frank e Leo me ajudaram com isso. Agradeci mentalmente a ambos e voltei a sustentar um olhar afiado contra Percy. Não importava a nossa situação, eu tinha o meu orgulho e minha autoridade. Eu fazia jus ao nome de Ártemis. Em um motivo brusco e imprudente de minha parte, roubei-lhe o cantil que carregava, deixando que mais um gemido de dor escapasse dos meus lábios de forma muito mais audível. Rapidamente, fui tomando seu conteúdo às pressas, sentindo o néctar queimar cada célula do meu corpo. Meu corpo reagia instantaneamente a bebida e quando eu começando a sentir que entraria em combustão a qualquer instante, deixei de tomá-la. O cantil estava quase vazio e isso me arrepiou por inteira. Nenhum semi-deus havia tomado tanto néctar assim. Realmente, era só questão de tempo até que meu corpo se quebrasse. Minha respiração estava rala e pesada, sendo difícil de esconder o fato. Pelo menos, as dores haviam quase sumido e minhas forças estavam revigoradas para mais um dia. Respirei fundo para normalizar minha respiração e, em sucesso, levei o cantil contra o peito de Percy, mostrando minha força novamente. Ele ainda me fuzilava com seu olhar e tomou o cantil a contragosto, não antes de estranhar a leveza do objeto, não agradando nem um pouco o rapaz. 

 

— Ficar na cama não vai adiantar de nada em ajudar a salvar o mundo, Percy. – assim que me pronunciei, Percy desviou o rosto, tentando conter a sua raiva. Não conseguia ver bem seu rosto pois os fios negros de seu cabelo ocultavam sua face naquela posição. Eu queria que ele entendesse também que eu queria ajudar a lutar contra todo aquele caos que Setne estava causando. Estava com medo de que eu fosse forçada a lutar contra a minha própria irmã, Karen Shirayuki. – O caos é pior do que você imagina e não podemos poupar esforços. Karen está agora mesmo em missão com Carter, Hazel e Jason tentando encontrar um meio de impedir uma guerra entre as mitologias. Imagine só se os deuses egípcios, gregos e romanos deixando de aturar uns ao outros? E é isso que aquele maldito mago quer. Quer o caos para se aproveitar dele de alguma forma. Você sabe que mais tempo parado, mais desgraças acontecerão. Então... 

— Chega! – ele gritou tão de repente que todos se assustaram, principalmente eu. Eu sabia que estava bravo, mas nunca pensei em vê-lo tão enfurecido. Isso me pegou desprevenida. – Pare de criar desculpas pra não cuidar de você mesma! Pense em como as pessoas estão preocupadas e se importam com você! Pare de pensar só em você e pense só um pouquinho em nós. Estamos fazendo de tudo para te ajudar e você, simplesmente, não vê isso! Por que não colabora? 

 

O silêncio tomou conta entre nós. As palavras desnecessárias de Percy me provocaram profundamente. Apertei os punhos com todas as minhas forças e inesperadamente soquei o rosto do rapaz, fazendo-o cair no chão um pouco mais longe de onde estava. Frank tentou me segurar depois disso, mas assim que olhei diretamente para ele, o mesmo desistiu da ideia e recuou alguns passos, completamente assustado. Meu olhar estava mortífero quanto de uma besta selvagem. Se eu tivesse poder neles, eu facilmente teria assassinado alguém apenas com o meu olhar. Eu sabia como meus olhos estavam devido ao olhar aterrorizado de Kreptos lançava sobre mim. Contudo, naquele momento, nada mais importava. Percy levantou o corpo o suficiente para me encarar enquanto limpava o canto de sua boca do filete de sangue que ali escorria. Ele estava pasmo com a minha atitude. 

 

— Acredita mesmo que estou pensando apenas em mim, seu idiota?! Que tipo de pessoa você acha que eu sou?! – rosnei tão furiosa que até mesmo Kreptos deu um passo para trás, involuntariamente. – Se eu só me importasse comigo, eu deixaria que vocês fossem loucamente na busca por uma "cura"! Se eu me importasse, eu teria aceitado ser uma deusa desde o começo, ignorando qualquer tipo de afeto que recebi durante toda a minha vida! Se eu me importasse apenas comigo, eu deixaria de fugir de você! 

 

Eu não havia pensado antes de falar aquelas palavras. Eu mesma me surpreendi com o que eu havia dito. E como esperado, havia acabado de jogar fora tudo o que eu fiz para mantê-lo longe de mim. 

E o prêmio da maior burrice vai para Mitsuki Shirayuki. 

Percy ficou tão surpreso que não ousou em mexer um músculo se quer ou mesmo dizer algo. Não apenas ele, porém os outros também pareciam petrificados onde estavam. Kreptos, assim que se recuperou do choque, segurou o riso com tanta força que todos conseguiam ouvir os ruídos que o mesmo produzia. Eu apenas encarei o chão, derrotada, e sentindo que a minha muralha estava se partindo diante de todos. Mordi meu lábio inferior para que as lágrimas ainda não se manifestassem, porém era impossível. Antes que eles e, principalmente, Percy pudesse desmoronar, parti dali o mais rápido possível. Adentei o chalé de Ártemis, trancando a porta logo em seguida enquanto encostava a minha própria testa na madeira. Meu choro já não saía contido. Era alto e desesperado. Fechei meus olhos com força desejando que o tempo voltasse. Como eu havia sido idiota... Rapidamente, meu choro fora desaparecendo em questão auditivas e tornou-se meu típico choro silencioso. Virei-me de costas para a porta, apoiando-me sobre a mesma e sucumbindo até o chão. Ali, sentada contra a madeira maciça, permaneci de olhos fechados, deixando apenas que as lágrimas se libertassem. Eu havia estragado tudo novamente, desta vez, sem ter como voltar. Sentia-me a pior pessoa do mundo. 

Eu já estava desistindo de tudo. 

 

— Mitsuki. – ouvi a voz abafada de Percy do outro lado da porta e não fiquei surpresa. Na verdade, eu já esperava isso. Não me atrevi a me mover. – Está me ouvindo? 

 

Calmamente, limpei meu rosto enquanto que meu olhar se perdeu pelo recinto. Assim que eles se focaram sobre o altar da minha mãe ao fundo do local, meus pensamentos iam se organizando, porém bem lentamente. Lembrei-me de algumas ocasiões como quando minha mãe me alertou para que não me aproximasse de Percy ou mesmo da última conversa que tive com Karen sobre meu destino. Nenhuma palavra fora trocada durante aquele tempo. Minha vontade era de não respondê-lo, mas eu não tinha mais o direito de prolongar aquilo por mais tempo. Talvez fosse a hora de ser um pouco honesta com ele. 

 

— É pro seu próprio bem, Percy. – minhas palavras saíram mortas pela minha boca. Por vários momentos, hesitei. – Eu não quero ter que passar o resto da minha curta vida sabendo que destruí a vida da pessoa que... da pessoa que amo. 

 

Novamente, o silêncio habitou, sendo desejada, mas incômoda. Eu o respeitei. No fim, eu também não tinha mais nada para falar. 

 

— Eu não tenho medo de uma maldição. – apesar de abafadas, as palavras saíram em bom som, adentrando minha mente e destruindo o resto da minha fortaleza psicológica. – Sabe o quanto nós corremos os riscos de obter uma. 

— Mas devia ter medo, Percy. – eu disse segurando novamente as lágrimas que insistiam em transbordar. – Deveria se importar com a sua vida. Você ainda tem um longo caminho pela frente. Uma vida a ser vivida. Eu não vou durar muito, você sabe. – olhei minhas próprias mãos com grande pesar. – Eu vou morrer em breve, Percy. Questão de dias ou mesmo semanas. Use isso como consolo e desista de mim. Pare de me procurar. 

— Do que você está falando? Eu te amo, Mitsuki. Não posso simplesmente te deixar. 

— Não, Percy. Você não me ama de verdade. – eu sabia que estava sendo cruel e insensível, mas os olhos dele estavam cegos pela minha maldita maldição. Eu precisava tentar abri-los. – Você está sofrendo a influência da maldição. Isso não é amor. 

— Mith... Pode até ser verdade que a maldição está influenciando tudo isso, mas não tira o fato que eu te amo de verdade sem ela. – calei-me. Fiquei tão surpresa que minha mente e meu corpo não conseguiam processar direito nenhum comando involuntário meu. Estremeci fracamente e quis acreditar que não havia escutado, mas ele continuou. – Sinceramente, acha mesmo que uma maldição assim não teria, ao menos, um fundo de verdade? Pra mim, a maldição apenas me mostrou melhor o quanto o destino pode ser sacana. Porque ele nos uniu, mas teoricamente não podemos ficar juntos sem que uma tragédia nos aconteça... Abra a porta. 

 

Encarei o chão, derrotada. As lágrimas, novamente, tomavam conta de meu rosto, banhando minha pele com aquele líquido quente e salgado. Eu não sabia o motivo por atendê-lo, mas só dei conta do que eu estava fazendo quando estava de frente à porta e abrindo-a para que uma pequena fresta fosse formada. Dali, a porta fora aberta com violência e ele avançou sobre mim, fechando a porta logo em seguida. Institivamente, recuei, mas ele me tomou pelos braços e puxou-me para um abraço tão forte que esqueci de como era o simples movimento de respirar. Senti-me fraca naqueles braços quentes e carinhosos. O meu choro novamente ganhava som a medida do tempo, molhando sua blusa laranja na altura de seu ombro esquerdo. Eu lutava para não corresponder àquele contato, mas meus braços me traiam aos poucos até que se alojaram nas costas firme de Percy e eu, por fim, permiti ser fraca perante a alguém. 

Perante a Percy. 

 

— Por mais forte que seja esta maldição, você é a garota que eu sempre desejei. Mesmo amando Annabeth como eu amei... O sentimento que sinto por você é maior.  

— Percy, pelos deuses... – minha voz falhou devido ao choro. Eu tentava a todo custo ter o controle o suficiente para tentar resistir um pouco mais. – Não dificulte as coisas. Só vá embora, por favor. 

— Eu que devo dizer isso. – ele tocou meu rosto com sua mão esquerda, fazendo-me afastar o rosto o suficiente para encará-lo. Seu olhar era gentil e cheio de paixão, fazendo-me perder na bela cor verdejante de suas írises. – Eu quero ficar com você. 

— Você não pode... Eu não quero que você se machuque por minha causa. Não quero que corra riscos por mim. Eu não suportaria te perder. – desviei meu olhar em desespero, encarando o peito do mesmo antes de fechar os olhos e apoiar minha testa contra aquela área. Eu havia deixado ainda mais claro que o amava. 

— Vou fazer o possível e o impossível pra isso não acontecer. – ele riu baixinho do jeito que apenas ele era capaz de fazer. Isso deixou-me um pouco irritada, pois parecia que ele não estava dando a importância para os meus apelos, porém tudo desapareceu quando ele me forçou a encará-lo de novo. – Eu não posso morrer e deixá-la sozinha. Eu não me perdoaria se isso acontecesse. – ele começou a se aproximar mais e fiquei inerte no lugar. Senti sua respiração quente e descompassada, retirando qualquer tipo de resistência que eu poderia ter tentado criar. Perdi-me em seus olhos tão ternos como um oceano calmo. Neles, eu vi a passividade e a verdade em suas palavras. Ele não precisava dizer absolutamente mais nada. Eu já não seria capaz de fugir. – Eu quero ter forças pra te salvar. 

 

Nossos lábios se tocaram sutilmente, causando-me intensos arrepios e uma mistura insana de sentimentos contrários. Senti meu corpo não me corresponder e ficar totalmente tenso onde estava, não conseguindo nem ao menos fechar meus olhos durante aquele contado tão aguardado e tão inesperado. Percy também mantinha seus olhos abertos, como se tentassem me dizer que estava tudo bem naquele momento. Logo, inconscientemente, começamos a fechá-los e senti ele aproximando ainda mais nossos corpos, buscando o máximo de contado possível. 

Após aquilo, não havia mais como voltar atrás. Na realidade, eu não seria mais capaz de voltar. Eu não queria mais me separar dele, não agora que havia provado um simples gesto de amor. Não era o certo e eu sabia disso. Por isso, eu usaria o resto da vida para protegê-lo, impedindo a todo custo que minha maldição nos afligisse. Com ele... nossos problemas pareciam distantes e, também, muito mais fáceis de serem resolvidos.


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Notas finais do capítulo

Caros leitores de todas as idades. Gostaria que, humildemente, deixassem uma palavra a esta escritora que aqui vos escreve. Não é pedir muito um simplório comentário para dar a luz que um escritor necessita.



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