Meu Diário Secreto escrita por BlackG


Capítulo 3
Capítulo 3: O maldito drink azul




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Já estava no quinto copo de refrigerante e definitivamente não aguentava mais receber cantadas do tipo "E aí gatinha, posso pegar uma bebida pra você?" ou "Por que tá sozinha aí no canto, princesa? Não quer dançar comigo?".

Sarah vinha até mim a cada vinte minutos insistir para que eu dançasse de maneira sensual com ela, na tentativa de chamar a atenção do dono da festa. Depois de tanto negar seus convites, ela fez uma cara de poucos amigos e disse que eu poderia muito bem passar o restante da noite sozinha.

Se fosse qualquer outro dia eu iria atrás dela para me desculpar, e teria até dançado como ela queria, mas a tristeza que eu sentia era maior que a vontade de fazer isso. Por mais que eu tentasse me forçar a me divertir e interagir com as pessoas da festa, todos os sentimentos em conflito dentro de mim não me permitiam fazer qualquer outra coisa que não fosse pensar o que eu tinha feito para merecer a sequência desastrosa de acontecimentos dos últimos anos.

Na minha cabeça, pessoas adultas não agiam como meus pais estavam agindo. Um homem responsável nunca largaria sua família de uma hora para outra para começar uma vida totalmente nova do outro lado do país. Uma mulher responsável não teria sido emocionalmente fraca ao ponto de parar de se importar com a sua filha e se entregar totalmente ao álcool. Os dois estavam agindo como adolescentes imaturos enquanto eu, a verdadeira adolescente da história, deveria ser sensata o suficiente para lidar com a situação. E eu já estava cansada de fazer esse papel.

Peguei o celular na bolsa e me surpreendi com um SMS.

JC: Curtindo a festa?

CS: Bem que eu gostaria.

JC: Aconteceu alguma coisa?

CS: Não tô me sentindo muito bem.

JC: Posso fazer algo pra ajudar?

CS: Infelizmente não :(

JC: Não quer nem conversar sobre?

CS: Ainda não consigo, mas obrigada mesmo assim. Além do mais, vai curtir a festa! Vou dar uma chance ao momento e tentar curtir também.

JC: Você é quem sabe, mas pode me chamar a qualquer momento, ok? ;)

CS: Ok!

Me levantei e fui em direção à mesa de bebidas pensando em pegar mais um refrigerante. Um garoto loiro e alto também estava lá, mas servindo uma das muitas bebidas alcoólicas coloridas disponíveis.

—E aí, beleza? - ele perguntou, sorrindo simpático. - Quer uma bebida?

As palavras "eu não bebo, obrigada" já estavam na ponta da minha língua, mas algo me impediu de dizer. Eu realmente precisava de algo que me fizesse esquecer todas as merdas que me atormentavam, mesmo que fosse por uma única noite. Não faria mal dar uma de adolescente normal por algumas horas. No dia seguinte eu poderia acordar, mesmo que de ressaca, e voltar a ser a jovem sensata que meus pais me obrigavam a ser.

—Eu vou aceitar sim. A vermelha, por favor. - respondi, sorrindo também.

Ele me entregou o copo cheio e disse:

—Estou curtindo no jardim com um grupo de amigos, quer se juntar a nós?

—Eu adoraria. - respondi após dar o primeiro gole.

Não sei dizer quanto tempo havia se passado. Talvez tenha sido uns seis copos do drink vermelho depois. Garrie - descobri ser o nome do garoto loiro - não parava de flertar comigo e o álcool que corria pelo meu corpo me deixava corajosa o suficiente para retribuir suas investidas. Nós dançávamos ao som de uma música pop qualquer, e eu sentia o ritmo vibrante me mover. Minhas pernas e braços formigavam e eu sorria involuntariamente. Uma animação que não sentia há anos tomou conta do meu ser, e a única coisa que importava naquele momento era seguir as batidas e sorrir de volta para Garrie.

Ele se aproximou, colando seu corpo ao meu e encostando os lábios em minha orelha, fazendo com que eu arrepiasse instantaneamente.

—Quer dar uma volta? - ele sussurrou. - O Davidson e eu somos bem amigos, posso usar o quarto dele se precisar.

O rapaz sorriu malicioso e eu entendi o que ele queria dizer. Mesmo bêbada, ainda me restava alguma consciência e eu respondi:

—Não sei se é uma boa ideia, sabe?! Eu não tenho muita experiência nessas coisas, se é que me entende.

—É virgem? - perguntou, ainda sorrindo.

Assenti com a cabeça e ele sorriu mais ainda.

—Quer mais um drink?

—Com certeza! - respondi, animada com a música que se iniciava.

Garrie buscou uma bebida azul desta vez, e eu a bebi em poucos goles para evitar de derramar enquanto dançava. Algumas músicas depois eu já havia perdido toda a noção do mundo ao meu redor. De repente, eu não estava mais no jardim dançando com os amigos do garoto, mas no meio da sala de mãos dadas com ele. Depois disso, já estávamos nas escadas aos beijos. A próxima lembrança era de Garrie tirando meu vestido, deixando-me somente com a calcinha e o sutiã, enquanto eu tentava afastá-lo. De repente um garoto de cabelos negros, que caíam em cima de seu rosto branco, puxava Garrie e lhe dava um soco. Algum tempo depois o garoto perguntava se eu estava bem, mas estava confusa demais para conseguir pronunciar qualquer palavra. Eu jurava que podia ouvir meu coração batendo, e por mais que tentasse me concentrar no que acontecia, se passava um segundo e eu esquecia o que estava pensando. Ele me vestiu e me fez beber água.

—Você está me ouvindo? Tá tudo bem? - ele perguntou, encarando-me com seus olhos verdes.

Ainda sem conseguir falar, dei o meu máximo para assentir com a cabeça.

Encarei minhas mãos e percebi que eu conseguia sentir tudo, cada nervo do meu corpo estava em êxtase. Era uma sensação totalmente nova e ao mesmo tempo assustadora. Em algum lugar dentro de mim, eu tinha consciência do que estava acontecendo, mas não conseguia me concentrar o suficiente para sair daquele ciclo de distrações.

—Fique quietinha aqui, ok? - ele colocou as mãos em meu rosto, olhando fixamente para meus olhos. - Você vai ficar bem, confia em mim. Aquele idiota não vai voltar aqui mais.

Assenti novamente e me deitei. O desenho do forro no teto do quarto parecia mais interessante que qualquer outra coisa no mundo. Meu olho parecia focar nos detalhes em gesso e embaçar tudo o que estava em volta. Sentia a presença do garoto ao meu lado com um objeto iluminado nas mãos, mas minha visão não processava bem o que era. Aos poucos minhas pálpebras foram se fechando, até que a escuridão tomou conta.

 

 

Abri os olhos e me arrependi, pois eles arderam instantaneamente com tamanha claridade. Pisquei algumas vezes até conseguir mantê-los abertos. Olhei ao redor e reconheci os pôsteres de bandas colados nas paredes e as estantes de livros. A janela do quarto de Sarah estava aberta, deixando uma brisa leve percorrer o cômodo. Olhei para os lados a procura de minha amiga, mas eu estava sozinha. Me sentei e, novamente, me arrependi da ação. Minha cabeça latejava como se a música da noite anterior ainda estivesse tocando dentro dela. Limpei os olhos, amarrei os cabelos em um rabo de cavalo e bebi um copo d'água que estava no criado. Forcei-me a lembrar dos acontecimentos da festa e de como diabos fui parar na cama de Sarah, que até onde eu me lembrava, estava muito brava comigo. Alguns flashs de memória vieram e fizeram a minha cabeça doer mil vezes mais do que antes, mas foram inúteis para que eu conseguisse responder todas as perguntas que estavam em minha mente.

A porta se abriu e Sarah entrou com uma bandeja de café da manhã.

—Você acordou! - ela exclamou. - Tá tudo bem?

Sua expressão exibia preocupação e receio.

—Eu não sei. - respondi, sincera. - Acho que sim, mas...

—Não se lembra de nada? - perguntou.

—Não. O que aconteceu? Como eu vim parar aqui? Por que caralhos eu não consigo me lembrar de nada?

—Calma, uma coisa de cada vez. Aqui, pegue uma torrada e beba um pouco desse suco.

Ela me entregou os alimentos e bebi primeiro o suco, percebendo que minha boca estava muito seca e minha sede era insaciável.

—Você não se lembra de nada mesmo? - ela perguntou, colocando a mão em cima da minha.

—Tenho alguns flashs de memória, mas nada concreto. Não consigo me lembrar.

—Olha, amiga, vou contar a sequência dos fatos de acordo com a minha perspectiva, tá? - assenti e ela prosseguiu. - Eu estava na sala, dançando com o Davidson e uns amigos dele, quando vi você passando de mãos dadas com o Garrie Wilson do time de futebol.

—Do Garrie eu me lembro. - a interrompi por um momento. - Estávamos flertando.

—Sim. - Sarah continuou. - Vocês passaram pela sala de mãos dadas e eu fiquei surpresa, porque além de achar que você não estava pra diversão, acreditava que tinha ido embora há tempos. Então vocês subiram as escadas e ele começou a te beijar. Até pensei "é isso aí, garota!".

—Então nós chegamos a ficar? - perguntei, confusa.

—Mais ou menos. Vocês entraram para um quarto e fecharam a porta. Algum tempo depois um garoto entrou e jogou o Garrie para fora, deu alguns bons socos na cara dele. O jogador saiu correndo com vergonha da surra em público e foi embora. De repente meu telefone começou a tocar e era você, mas quando atendi uma voz masculina que falava. Era o garoto que bateu no Garrie, e ele estava ligando pra saber se eu ainda tava na festa e poderia ir até você.

—Meu Deus, Sarah... - comentei, incrédula.

—Quando cheguei no quarto, você...

—Eu o quê?

—Bem, você já estava vestida porque o garoto te vestiu. Mas por algum motivo ele saiu assim que cheguei, tanto é que nem consegui ver o rosto e muito menos agradecê-lo por me chamar. - ela suspirou, triste. - Enfim, você estava muito, mas muito drogada mesmo. Acho que o Garrie colocou alguma coisa na sua bebida, não sei, mas pelo contexto dá pra concluir que ele pretendia te forçar a fazer sexo, ou te convencer a fazer, uma vez que você não respondia muito bem pelas suas ações. Eu te trouxe pra casa e disse aos meus pais que tinha bebido muito e passado mal, por isso precisava dormir aqui. Acho que isso é tudo.

Meu cérebro não conseguia processar todas as informações que Sarah tinha acabado dar. A remota possibilidade de Garrie ter me tocado, visto minha pele nua e ter ao menos pensado em fazer sexo comigo me deu ânsia de vômito. Arrepiei-me e abracei meu corpo, tentando entender tudo o que havia acontecido. Minha memória ainda me deixava na mão, o que culminava num enorme sentimento de frustração.

—Eu preciso...acho que preciso ir embora. - falei de repente.

—Tem certeza? - Sarah perguntou. - Você pode ficar se quiser, não precisa absorver tudo isso sozinha, estou aqui pra te ajudar.

—Não, eu... - Meus pensamentos estavam tão confusos que elaborar frases era um grande desafio. - Eu preciso ficar sozinha. Mas obrigada por tudo.

Sarah assentiu com a cabeça e me chamou um táxi. Durante todo o trajeto para casa eu tentava decifrar como me sentia em relação a tudo o que havia acontecido e, apesar de sentir vontade de chorar, um vazio se instalou em meu peito e impediu qualquer reação de tristeza ou raiva.

Ao chegar fui direto para o quarto, sem verificar se minha mãe estava em casa. Não conseguiria olhar para ela. Tranquei a porta e encarei o cômodo. A tranquilidade de estar em meu refúgio foi o suficiente para que as primeiras lágrimas dessem sinal. O choro que se seguiu permaneceu por horas, até que a percepção do tempo parou de fazer sentido e tudo o que havia era a escuridão do sono.


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