Sorria escrita por AnneFanfic


Capítulo 1
Capítulo 1




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Bamberg, Baviera - Outono de 2018

 

O sol estava se pondo no horizonte lançando seus últimos e fracos raios de luz sobre a cidade através das escuras nuvens que cobriam o céu e as pessoas nas ruas iam ficando cada vez mais raras de ser ver, enquanto a noite começava a encobrir os edifícios. O frio logo chegaria ao seu ápice e obrigaria todos a se manterem trancados dentro de suas casas, talvez no aconchego de entes queridos junto aos cobertores e a um bom aquecedor. Esse era um clima propício para se assistir um bom filme regado a muito chocolate quente, mas nem isso era motivo suficiente para fazer com que Dylan levantasse da mesa em que estava e fosse embora. Ele passou as últimas duas horas ali, revisando o novo projeto fotográfico que tinha em mente para a próxima semana e também observando o movimento de pessoas na rua através da vidraça. Ali estava ele, agora com a cabeça apoiada na vidraça, olhando num ponto fixo da mesa sem perceber o tempo passar.

O fluxo de pessoas no Kaffee & Kuchen¹, estabelecimento que frequentava todos os dias depois das 19 horas, diminuía a cada instante dando indício de que suas portas em breve seriam fechadas. Mas ele permaneceu imóvel, com a mesma expressão vazia no olhar, enquanto brincava com o açucareiro que segurava entre os dedos e sua mente vagava pelos mais diversos pensamentos.

Dylan Engler, um cantor de sucesso, estava em meio ao público, mas não temia ser reconhecido como antigamente, pois o brilho que provinha da fama tinha se apagado. Fifteen Falls não mais existia. A lembrança da banda, que até meia década atrás fizera tanto sucesso agora estava restrita apenas às mentes das mulheres que naquela época eram adolescentes apaixonadas. E os que o reconheciam já não faziam tanto caso de sua presença. Apenas um autógrafo, uma foto de recordação, umas poucas palavras e nada mais. Logo voltavam para suas vidas cotidianas.

Durante os anos em que Fifteen Falls brilhou a fama deu tudo o que poderia dar: prestígio, reconhecimento internacional, fama descomunal, sucesso, muito dinheiro, mulheres e “amigos”. Mas também tirou tudo o que podia tirar, aquilo que é a essência da vida: a tranquilidade de ser mais um entre a multidão, a privacidade, os amigos verdadeiros, uma família unida aproveitando juntos cada momento que a vida lhe apresentava de melhor, amor sincero e desinteressado...

Dylan nunca pode confiar plenamente nas pessoas que conhecia. A desconfiança que tinha de que elas se aproximavam apenas por interesse o impedia de criar novos laços de sincera amizade. Nunca soube o que era amar verdadeiramente e ser amado sinceramente por uma mulher, o que mais desejava, pois as garotas que conhecia estavam mais interessadas na fama dele e no que poderiam ganhar com isso. E há anos não sabia o que era compartilhar seus segredos, temores e ansiedade com alguém de confiança, porque a fama cobrara alto seu preço: a vida de seu irmão.

Não raro, à noite, tinha seu sono perturbado pelas últimas cenas daquela noite, quando, ao seu lado, via os últimos minutos de vida de seu irmão gêmeo. Vivenciar tudo aquilo, de ter fãs obcecadas demais, loucas, perseguindo-os naquela noite tenebrosa em plena rodovia, em alta velocidade, e ser testemunha ocular do momento em que um carro atingiu em cheio o automóvel onde estavam, do lado onde seu irmão estava, era um pesadelo real que somente na sua própria morte seria esquecido.

Quase sete anos sem ter seu irmão para apoiá-lo em suas investidas, aconselhá-lo ou mesmo criticá-lo lhe causava uma grande angústia no peito e uma solidão que nada nem ninguém conseguia curar. O elo que tinha com ele, apesar das diferenças, era muito forte, e nessa questão o sr. tempo era-lhe um carrasco, pois a cada dia que passava a saudade e a dor pela perda de seu irmão esmagava seu coração todas as vezes que via seu reflexo espelhado em algum lugar, e ter reavivada a imagem que ficara gravada em sua mente: seu irmão inerte, ensanguentado, com os olhos sem vida focados em sua direção, pouco antes de ficar inconsciente dentro do carro capotado e quase irreconhecível.

E depois de muito pensar em toda a sua vida e por vezes se arrepender de ter escolhido aquele caminho, chegou à conclusão de que muitas coisas das quais tinha e vivera já não tinham sentido. Antes ser famoso e ter sua banda no top 10 das mais ouvidas era o grande objetivo da sua vida. Desde criança tivera esse sonho e aos quinze anos se viu no caminho de realizá-lo. E foi o sucesso precoce aos quinze anos que inspirou o nome da banda, juntamente com o curioso fato de todos os integrantes fazerem aniversário no outono. Fifteen Falls, “Quinze Outonos”.

Mas ali, olhando para trás, todo o caminho que percorreu e aonde chegou, daria tudo para voltar no tempo. A fama e o sucesso que tanto lutou para conseguir, principalmente nos primeiros meses de luto, lhe eram um peso esmagador, tirando seu sossego e minguando o resquício de paz que ao menos pensava ter. Por vezes a depressão o assolou terrivelmente a ponto de tentar por fim à própria vida, mas as poucas pessoas que ainda restavam no seu círculo de amigos o impediram. Estava cansado, enojado da vida que levava e decidiu pôr fim a tudo aquilo. Uma decisão talvez precipitada, mas estava determinado. Para o mundo seria mais uma banda de sucesso se desintegrando, mas para ele seria o começo de uma nova vida.

E foi buscando um refúgio na vida simples longe da agitação que outrora vivia que se mudou de Berlim para Bamberg, uma cidade pacata da Baviera, ao sul da Alemanha onde, com seus pouco mais de setenta mil habitantes, sentia-se, finalmente, apenas mais um.

Os anos foram passando e com isso decidiu optar por um visual mais discreto, já que não queria chamar mais a atenção como antes. As tatuagens e piercings ainda permaneciam, mas as roupas características e caras de uma banda de rock deram lugar a roupas mais cotidianas, que caíam perfeitamente para a sua nova realidade. Uma vida tranquila onde, após os primeiros meses da novidade na cidade, podia sair na rua e andar serenamente em meio às pessoas, já acostumados com sua presença.

Naquele momento em particular, sentado à mesa no Kaffee & Kuchen, estava usando o conjunto de roupas mais barato que já teve em seu guarda-roupa desde que tinha ficado famoso: calças jeans escura, um par de tênis preto, blusa de lã azul marinho e um moletom. Estava compenetrado em seus pensamentos, traçando um novo roteiro pela cidade onde poderia encontrar belos lugares para concluir a sessão de fotos da sua cliente, quando um garçom se aproximou e entregou-lhe um bilhete.

Saindo do devaneio, a princípio pensou que ele fosse lhe chamar a atenção, pedindo que se retirasse para que o estabelecimento pudesse ser fechado, mas ficou surpreso ao receber dele um pedaço de papel dobrado ao meio, sem qualquer identificação.

O que é isso? perguntou, dando-se conta da estupidez que tinha dito e emendando: Quem entregou?

E o garçom dando de ombros respondeu-lhe:

Um rapazinho disse que uma moça disse que era pra ele entregar pra mim e eu para você.

Dylan franziu o cenho.

Uma moça? indagou, mais para si mesmo do que dirigindo a pergunta para o homem ao seu lado, enquanto pensava em quem seria essa pessoa.

Talvez uma adolescente que o reconhecera, mas tinha lá suas dúvidas de que alguma adolescente ainda fosse fã de uma banda extinta há cinco anos quando tantas outras faziam sucesso na atualidade.

Agradeceu ao garçom e assim que o rapaz se afastou ele desdobrou o papel e encarou-o por alguns segundos.

“Sorria”, estava escrito com uma caligrafia tremida.

Quem teria feito aquilo e qual a sua intenção, ele não sabia, mas não tinha gostado nenhum pouco. Não sabia por que, mas aquilo tinha lhe soado como uma ofensa e a irritação que lentamente brotou em seu ser se intensificou principalmente ao olhar pela vidraça e ver um rapazinho escondido atrás de uma árvore, olhando em sua direção. Este, ao ver que Dylan o pegara no flagra, saiu correndo pela estrada, saindo do campo de visão de Dylan. E Dylan, deixando o papel amassado sobre a mesa num ímpeto de fúria, saiu do estabelecimento a passos firmes atrás do garoto para tirar satisfações. Mas já era tarde, o perdera de vista. Permaneceu parado na porta olhando para a rua iluminada pelos postes enquanto questionava-se quanto ao que tinha acabado de acontecer.

Nas noites que se seguiram, para sua surpresa, lá estavam os mesmos bilhetinhos dobrados contendo a mesma mensagem escrita acompanhando sua xícara de café preto. No começo achou que aquilo era só uma brincadeira de criança, um trote, e que logo passaria, mas tal situação repetindo-se por várias e várias noites seguidas ao invés de fazer com que ele sorrisse fazia com que se irritasse e amassasse-os com indignação, principalmente por ler sempre a mesma mensagem:

“Sorria.”

O que era aquilo, afinal? Quem estava fazendo aquilo? E por quê?

Ainda nos primeiros dias, esperando ver outra coisa escrita, ele se dava ao trabalho de lê-los, mas após certo tempo passou a ignorar os tão insistentes papeis, que permaneciam intactos sobre a mesa, embora passasse a prestar mais atenção às pessoas na rua através da vidraça na tentativa de encontrar alguém o observando. Tudo, porém, permanecia tão normal quanto semanas antes de tudo aquilo começar.

Diga para o garoto dizer para a garota que eu não quero mais receber esses papeis, seja ela quem for e a intenção dela. disse Dylan, dirigindo-se ao garçom numa quarta-feira ao anoitecer, depois de receber seu décimo sétimo bilhete.

Não tinha tido um dia bom e chegar ao estabelecimento e ser recebido com um café quente e um insistente sorria escrito com caneta de glitter rosa pink fez tudo ficar ainda pior do que já estava. Não iria mais tolerar aquilo e usaria todos os meios que pudesse para encontrar a garota e tirar satisfações.

A não ser que ela queira a policia atrás dela é bom ela parar. Já estou perdendo a paciência com isso e na hora que eu pegar ela e explodir de raiva eu vou fazê-la engolir cada pedaço de papel pelo nariz. soltando o ar dos pulmões pesadamente, fixou o olhar para o chão atrás do balcão enquanto apoiava-se sobre o mesmo com o cotovelo e mil pensamentos e indagações vinham à sua mente. Melhor: Diga para o menino dizer para ela que eu quero vê-la. Diga para ela vir aqui amanhã sem falta.

Afastou-se do balcão e voltou à sua mesa após a confirmação do garçom assombrado diante daquela atitude. E a cada passo que Dylan dava sua mente inundava-se de planos maldosos, dos quais pelo menos um ele gostaria de realizar contra ela, por toda a irritação causada. Não sabia qual seria sua reação imediata ao vê-la, mas sabia que se seu primeiro sentimento fosse raiva aquilo não terminaria bem.

Na noite seguinte, para sua completa frustração, lá estava o mesmo bilhete. Abriu, esperando encontrar algo diferente já que a autora dele não tinha aparecido, mas mais uma vez um “sorria”, escrito com letras coloridas enfeitava o pedacinho de papel, fazendo-o sentir-se frustrado e ainda mais irritado. Levantou-se rapidamente e se dirigiu até o balcão, onde um garçom o esperava, de olhos arregalados e assustados. Dylan tirou a carteira do bolso e de dentro dela tirou duas notas de cem euros. Colocou-as sobre o balcão com força e olhou para o rapaz.

Siga o garoto e faça-o dizer quem é essa garota, o nome dela, onde ela mora, veja em que lugar eles se encontram pra ela dar esses malditos bilhetes pra ele, qualquer coisa! Porque eu mesmo vou atrás dela.

O rapaz olhou para o dinheiro sobre o balcão e novamente para Dylan, abrindo a boca para falar, mas foi interrompido.

E faça-me um favor:- continuou Dylan, já mais calmo. Se ela insistir em trazer essas porcarias, simplesmente jogue-as no lixo. Não se dê o trabalho de levar isso até a mesa porque eu não quero mais ver isso na minha frente.- fez uma pausa para observar o semblante trepidante do garçom e concluiu: E me desculpe todas essas explosões de raiva e toda a saliva que com certeza deve sair da minha boca quando eu desconto em você toda a minha irritação.

Deixando sua consciência mais tranquila, o rapaz aceitou o pedido de desculpas. E após pagar a conta Dylan saiu do estabelecimento.

Longas e cansativas semanas se passaram, logo se transformando em meses, sem que ele recebesse alguma notícia ou bilhetinho em sua mesa. Isso era uma perturbação a menos, mas lá no fundo ele tinha a curiosidade de saber quem estava por trás de tudo aquilo. Quem seria essa garota? O que ela queria com tudo aquilo? Por que estava se dando o trabalho de enviar aqueles bilhetes todos os dias, há meses? E por que não dava nenhum sinal de vida?

 Essas eram algumas das muitas perguntas para a qual ele não tinha uma resposta satisfatória.

Do garçom tudo o que conseguiu foram os duzentos euros de volta já que, segundo ele, o garoto não sabia responder a nenhuma das perguntas feitas. Tudo o que ele tinha que fazer era entregar o bilhete ao garçom sempre no mesmo horário, ao custo de um euro, e diante de uma busca sem resultado Dylan mesmo assim insistiu para que o rapaz ficasse com o dinheiro, mas este recusou.

Agora nada tinha a fazer além de esquecer-se de tudo aquilo e concentrar-se no seu trabalho.

 

 


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Notas finais do capítulo

¹Café e bolo.



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