You're Driving Me Crazy! escrita por liz doolittle


Capítulo 12
Capítulo 12




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Sim, concordo com você: é impossível eu conhecer todas as pessoas, afinal estima-se que já alcançamos uma população mundial de dois bilhões de habitantes.
Ainda assim, minhas palavras continuam sendo válidas, pois eu não preciso ter visto todos os sorrisos do mundo para ter certeza que o seu é o mais bonito.
Eu simplesmente sei que é verdade.
(Trecho de uma carta de Darcy Williamson para Elisabeta Benedito)

 

Elisabeta tinha certeza que era o amor, pura e simplesmente, que a encorajava a ir atrás de seus sonhos.

O amor de sua família, que acreditava tanto quanto ela no seu futuro avassalador (apesar do significado deste termo diferir entre Ofélia e os demais Benedito);

O amor por sua profissão, que a deixava grata pelas oportunidades que apareciam (inclusive a que Camilo tão bondosamente conseguiu para ela em Londres após conversar com um amigo português que trabalhava como editor em um jornal britânico e precisava de uma assistente);

O amor por Darcy, que se tornou uma das pessoas mais importantes em sua vida (seu coração se regozijava ao acreditar que o sentimento era recíproco, uma vez que as cartas que ele lhe escrevia eram apaixonantes).

E foi, portanto, o amor que não a deixou desistir da viagem, que despertava nela um tipo de insegurança que raramente sentia. Durante o trajeto entre Brasil e Londres, Elisabeta não conseguiu deixar de pensar nos aspectos incertos do que estava fazendo — cruzando o oceano sozinha, com pouco dinheiro, rumo a um país cujo idioma ela não sabia falar.

No entanto, ela sabia lidar relativamente bem com sua vulnerabilidade em relação às próprias escolhas, uma vez que estes pensamentos conflitantes se faziam presentes em sua vida mais vezes do que ela seria capaz de admitir para qualquer um, e agiu da mesma maneira de sempre: não dando voz a seus medos.

Apesar de sua positividade, algumas provações aconteceram na viagem, tal como Marie, sua companheira de cabine que insultava Elisabeta e suas origens praticamente todos os dias e não perdia uma oportunidade de provocá-la. Ela era inglesa e, apesar de falar português fluentemente, se recusava a conversar com Elisabeta, exceto para zombar dela.

Em uma ocasião, Elisabeta saiu do quarto para tomar o café da manhã, porém, ao notar que tinha se esquecido de levar suas chaves, voltou à cabine e flagrou Marie segurando uma das cartas de Darcy que estava guardada dentro da mala de Elisabeta. Quando a viu, Marie sequer mostrou-se constrangida por sua falta de modos, apenas jogou as cartas no chão e resmungou para si mesma, em inglês, que a história dos dois era um conto de fadas ridículo.

Elisabeta precisou procurar no dicionário o significado de algumas palavras para entender o que a mulher dissera.

O clima pesado que se instaurou desde então não foi nada agradável. Elisabeta passou o restante da viagem desejando que chegasse logo o dia em que ela começaria a viver tudo que havia planejado nos últimos tempos: conseguir um emprego novo num país cuja cultura sempre a apaixonou e reencontrar a única pessoa capaz de preencher cada lacuna de seu coração.

Quando o navio parou no porto e era finalmente o momento de pisar em terras inglesas, a insegurança de Elisabeta se fez presente novamente. Ela se perguntou uma e outra vez se esta viagem tinha sido boa ideia e se não deveria ter ficado no Brasil, sua zona de conforto.

E então ela se lembrou das palavras de Marie: conto de fadas ridículo.

Conto de fadas.

Elisabeta sorriu. Ela não sabia se poderia descrever sua vida como um conto de fadas, mas caso realmente fosse…

Ela não aceitaria nada menos que um final feliz.

~~~~~

 

Hoje cheguei ao Vale do Café usando uma calça. Minha mãe, após se recuperar de seu desmaio, disse que eu não deveria me vestir assim, afinal calças são para homens. Sua fala me fez pensar no baile a fantasia de Ema, quando me vesti como um cavalheiro. Lídia teve a mesma lembrança, pois ela se perguntou como teria sido caso você e eu, com trajes masculinos, tivéssemos dançado naquela noite.
Minha mãe respondeu que seria uma cena bizarra.
Eu concordo, mas acrescentaria um advérbio: perfeitamente bizarra.
Ou simplesmente perfeita.

(Trecho de uma carta de Elisabeta Benedito para Darcy Williamson)

 

Diversas semanas se passaram sem que Darcy recebesse cartas de Elisabeta. Ele sentia falta das palavras dela, mas acreditava que o motivo da repentina irregularidade na correspondência era proveniente de atrasos comuns dos correios. Ele tentou ligar diversas vezes para o Brasil, porém, como o sistema telefônico intercontinental ainda era pouco desenvolvido, não obteve sucesso.

Tudo que lhe restava era esperar e reler as cartas para sentir Elisabeta mais perto enquanto não podia vê-la — situação que ele pretendia mudar logo. Darcy planejava viajar para o Brasil novamente em algumas semanas, embora por um curto período, já que sua família, especialmente seu pai, precisava dele na Inglaterra.

O médico de Archibald explicara que seu coração vinha perdendo força e vitalidade com uma rapidez alarmante, de modo que era comum que ele se sentisse cada vez mais cansado, indisposto e com desmaios ocasionais. E Darcy, apesar de tentar ser forte por sua mãe e irmã, também se sentia desolado por ver seu pai, quem sempre fora bastante energético, tão debilitado.

— Darcy… — Archibald, que estava sentado numa cadeira do outro lado da sala-de-estar, interrompeu os pensamentos do filho. — Margareth enviou uma carta nos convidando para visitá-la.

Margareth vivia com seu esposo e sua filha sua família na Escócia e fazia anos que Darcy não a via.

— O senhor não acha que seria imprudente se submeter ao estresse de uma viagem? — Darcy perguntou.

— Mas precisamos ir. — Archibald afirmou. — Já está na hora de você gerar um herdeiro para nossa família, meu filho, e Briana seria uma ótima esposa.  

Darcy encarou o pai, surpreso.

— O que o senhor quer dizer?

— Ora, Darcy, você sabe. Você precisa se casar.

Darcy sabia onde seu pai queria chegar. Ele era consciente dos sentimentos do filho por Elisabeta. No entanto, lorde Williamson não escondia sua contrariedade a um enlace entre  um nobre inglês e uma moça desprovida de posses e influência.

— Pai, o senhor sabe que eu…

Archibald o interrompeu e aumentou o tom de sua voz e, surpreendendo Darcy ao dizer categoricamente:  

— Você não manchará o nome da família ao se casar com uma brasileira sem classe.

Darcy tentou manter a calma.

— Me perdoe, mas esta é uma decisão minha.

— Darcy, você sempre soube de suas obrigações como um Williamson. Você deve se casar com alguém da nobreza, que compreenda e partilhe de sua importância na sociedade. Alguém que saiba se comportar num eventual encontro com a família real.

— Minha mãe não possuía título algum antes de se casar com o senhor.

— A família de sua mãe pertencia a uma classe social respeitável.  

Darcy não respondeu. Ele sabia o quanto seu pai podia ser  orgulhoso e arrogante, e que era difícil convencê-lo de que suas opiniões se tornavam cada vez mais ultrapassadas à medida que a nobreza britânica ocupava um papel menos significante no mundo moderno. Ele olhou para seu pai e notou que seu rosto estava bastante rosado, e, se lembrando das palavras do médico sobre Archibald não poder se submeter a estresse, decidiu que tentaria apresentar seus argumentos em outra ocasião, pois se Archibald era intransigente, Darcy também seria neste assunto.

— Entenda de uma vez por todas: você não vai se casar com aquela brasileira. — Archibald afirmou num tom que indicava que ele tampouco pretendia continuar aquela discussão.

Neste momento, um movimento repentino na janela atraiu o olhar de Darcy e ele pôde ver que havia alguém do lado de fora olhando pela fresta. De repente, a pessoa se afastou.

Mas Darcy teve a impressão de que viu…

Elisabeta?

~~~~~

 

Eu costumava acreditar que os acontecimentos das nossas vidas são uma combinação de escolhas e do acaso. Dependendo da situação, uma dessas variáveis exercem maior influência que a outra: é uma equação imprevisível.
Porém, ultimamente tenho interpretado estas questões de uma forma um pouco diferente. Ainda acredito que nós escrevemos nossa história, mas apenas o caminho: é como se a linha de chegada já estivesse predestinada.
(Trecho de uma carta de Darcy Williamson para Elisabeta Benedito)

 

Elisabeta não devia ter ido até Pemberley sem antes avisar a Darcy que estava na Inglaterra. Ela não devia ter caminhado pela propriedade sem permissão para fazê-lo. E certamente ela não devia ter escutado uma conversa particular entre pai e filho.

Mas ela não resistiu a nada disso. Ao chegar a Inglaterra, ela passou dois dias em Londres para conseguir um quarto num hotel por um preço que ela poderia pagar e conversar com o amigo português de Camilo que lhe conseguiria um emprego como sua assistente. Ela se reuniu com ele e, junto com todo o material que já havia produzido no Brasil, entregou-lhe uma carta de recomendação que seu antigo chefe escreveu.

No mesmo dia, ele lhe respondeu que ela estava devidamente empregada. Sua felicidade era tão grande que ela nem conseguia acreditar. Havia, no entanto, uma condição de seu empregador: que ela aprendesse inglês o mais rápido possível. A princípio ela o ajudaria em funções mais triviais, mas caso quisesse crescer na empresa, precisaria saber se comunicar no idioma do país.

Após ter resolvido estas questões, ela decidiu finalmente ir a Pemberley para encontrar Darcy.

Seu objetivo era se apresentar formalmente: tocar a campainha, dizer quem era, e perguntar se Darcy se encontrava em casa. Entretanto, desde que ela passou pela entrada e seus olhos percorreram a propriedade, ela se maravilhou pela imensidão dos jardins e do lago que precedia a construção e, antes mesmo que percebesse, estava perambulando pelo lugar, parando apenas ao escutar uma voz familiar advinda de uma das janelas que ficava a poucos metros do jardim onde ela estava.

Neste momento, ela sentiu um sorriso surgir em seu rosto ao mesmo tempo em que seu coração começou a palpitar com uma força que Elisabeta julgava impossível.

Darcy.

Ela se aproximou da janela e viu-o, e então seus olhos se encheram de lágrimas. 

Céus, ela sentira tanta saudade.

Diversos segundos se passaram e foi apenas quando os dois homens aumentaram o tom de voz que ela escutou um pouco da conversa:

— Você não vai se casar com uma brasileira.

Brasileira? Seria possível que Archibald estava falando dela? Ela e Darcy nunca tinham falado em casamento, afinal, como seria possível? Eles nem mesmo namoravam!

Elisabeta ainda estava pensando nisso quando Darcy se virou em sua direção e seus olhares se cruzaram. Ela se afastou da janela rapidamente, segurou sua saia vermelha e correu com a intenção de sair de Pemberley, pois claramente aquele não era o momento propício para reencontrar Darcy, mas tinha percorrido poucos metros quando escutou sua voz.

— Elisabeta!

Ela parou e tentou se acalmar.

Darcy caminhou em sua direção até diminuir o espaço entre os dois e, por fim, ela se virou para ele.

— Eu não deveria ter escutado a conversa de vocês. — Elisabeta se explicou quando ele parou a um metro de distância.

— Tudo bem. — A expressão de Darcy indicava a surpresa que ele sentia por vê-la ali. — Meu pai insiste que eu me case com alguém da nobreza britânica.

Elisabeta assentiu e analisou os traços de Darcy. Era fácil se esquecer até mesmo do próprio nome ao fitar aqueles olhos verdes apaixonantes. Ele a olhava com carinho e o cantinho de seus lábios pareciam querer sorrir.

— Então ele está te pressionando. — Ela concluiu.

— Sim. Elisa… — Darcy olhou para baixo, constrangido. — Me perdoe pelas palavras do meu pai. Ele sabe que você e eu trocamos correspondências e é avesso à possibilidade de que eu me case com quem não seja parte da nobreza britânica. Por favor, me perdoe.

Ela apenas sorriu.

— Não precisa se desculpar. — Ela murmurou e suspirou. — Eu entendo a situação. Seu pai é bastante tradicional e deseja para você uma vida semelhante a que ele teve.

— Mas ele vai compreender com o tempo que eu desejo outras coisas.

Elisabeta arqueou as sobrancelhas, divertida.

— E o que o senhor deseja?

— Muitas coisas. — Ele sorriu. — Principalmente…

E então Darcy puxou-a para abraçá-la fortemente, tirando-a do chão e girando juntos.

Foi maravilhoso.

Foi um sonho que durou meses finalmente se tornando realidade.

Por fim, Darcy não a soltou e continuou segurando-a pela cintura ao mesmo tempo em que colou sua testa à de Elisabeta.

— Eu não sei como é possível você estar aqui.

— Já irei te contar tudo, mas... — Elisabeta suspirou. — Darcy, eu não sei o que temos. Tudo é muito incerto entre nós, e ainda assim eu simplesmente preciso fazer algo.

Elisabeta aproximou seus lábios dos dele e, após meses marcados por saudade e paixão reprimida pelos dois, eles finalmente se beijaram. E foi um momento tão especial que foi difícil interromper o contato. Quando se separaram, Darcy percorreu todo o rosto de Elisabeta com diversos beijos.

Ela gargalhou alto, revelando a felicidade que sentia, mas se repreendeu logo em seguida:

— Me desculpe, seu pai poderia ter nos escutado.

Ele acariciou o rosto dela.

— Não tem problema, eu irei te apresentar a ele.

— Não! — Ela protestou. — Não ainda, Darcy. Ele pode reagir mal ao me conhecer. Além disso, ele está delibitado devido a sua diença. 

Darcy assentiu.

— Mas daremos um jeito.

 

Darcy levou Elisabeta até o jardim e, quando já estavam sentados num banco, ela contou-lhe tudo que tinha acontecido em São Paulo e sobre sua decisão de realizar seus sonhos ao tentar se estabelecer na Inglaterra.

— Eu fui bastante impulsiva vindo para a Europa sem muitas garantias. — Elisabeta confessou. — E até agora estou um pouco insegura em relação ao que vai acontecer por aqui, mas às vezes acho que, se eu não tivesse feito isso, jamais sairia do lugar. Não colocaria em ação meus planos, meus desejos. Meus sonhos seriam apenas isso: sonhos.

Darcy segurou sua mão.

— Eu estou feliz que você tenha vindo, porque quero estar a seu lado em todas as suas conquistas, Elisa.

Neste momento, eles escutaram a voz de Archibald, que chamou Darcy pelo nome e estava saindo pela porta da casa em direção aos dois. 

— Darcy… — Elisabeta sussurrou. — Eu acho melhor não me apresentar a ele. Há pouco tempo ele estava bastante contrariado com você por minha causa, e eu não quero ser o motivo de uma discussão.  

Darcy respirou fundo. Ele temia que seu pai destratasse Elisabeta, mas não queria escondê-la.

— Com o tempo ele vai entender.

Elisabeta ponderou por um momento.

— Ele rejeita a ideia de nós dois juntos sem sequer me conhecer, não é? E se ele me conhecesse de verdade? Ou seja, não meu nome, mas quem eu sou... será que mudaria algo?

Darcy não entendeu muito bem o que ela quis dizer, mas não teve tempo de perguntar antes de seu pai estar suficientemente perto para escutá-lo.

Archibald olhou para Elisabeta da cabeça aos pés.

— Boa tarde. Darcy, quem é esta senhorita? — Ele perguntou em inglês.

— Pai, esta é…

— Vitória Boaventura. — Elisabeta o interrompeu e deu alguns passos adiante, estendendo sua mão para cumprimentar Archibald.  — E imagino que o senhor seja Lorde Williamson. É um prazer conhecê-lo.

Darcy ficou atônito. Por que Elisabeta dissera outro nome? Ela o fitou por cima por cima dos ombros e piscou um dos olhos, como se dissesse “confie em mim”.   

— É brasileira?

Elisabeta assentiu.

— Sim. Nasci no interior de São Paulo.

— E o que faz na Inglaterra? — Archibald perguntou, desconfiado.

Elisabeta não se mostrou nem um pouco intimidada pela rudeza de seu pai.

— Eu trabalhava para Darcy no Brasil. Estou hospedada em Londres e decidi fazer uma visita aos Williamson.

— Ah! — Archibald exclamou e suavizou sua expressão, como se suas preocupações tivessem desaparecido. — Qual era sua função?

— Eu era sua… secretária.

Ele assentiu.

— Imagino, então, que traga novidades acerca do funcionamento da ferrovia no Brasil. Darcy veio para cá logo após a inaguração, e infelizmente não tivemos muitas notícias das mudanças que ocorreram na região desde então.

— O Vale do Café tem prosperado bastante nos últimos meses.

Archibald assentiu, satisfeito, e disse:

— Você aceita tomar o chá da tarde conosco para contar mais sobre isso, senhorita?

Ela sorriu com sinceridade.

— Eu adoraria.

Elisabeta se aproximou mais de Archibald, que lhe ofereceu o braço para caminharem juntos até a casa.

Darcy ficou no mesmo lugar observando-os caminhar juntos e teve impressão de que Elisabeta estava certa: talvez Archibald precisava apenas conhecê-la para descobrir que havia algo especial — ou, como sua mãe dizia, imperdível — nela, e então entenderia o amor que Darcy sentia. 

 

Era ingenuidade minha acreditar que precisava percorrer o mundo inteiro para encontrar felicidade. Que nada!
Parte da minha felicidade sempre esteve (e continua) no Vale do Café.
Uma outra parte está em Pemberley neste momento, mas a descobri em São Paulo.
O restante eu encontro dentro de mim mesma.
(Trecho de uma carta de Elisabeta Benedito para Jane Benedito)


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