Sozinha escrita por sangre


Capítulo 1
Trancada no Banheiro


Notas iniciais do capítulo

Eu senti que precisava, mas não levem a sério demais, é só um desabafo.



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Dizem que palavras são formas; formas de materializar o que não conseguimos dizer; formas de sentimentos que não podemos explicar; formas de desabafo, de colocar para fora. Eu acredito nisso, papai. Todas as vezes que eu colocava um bilhete dentro do bolso do seu casaco, eu tinha a esperança de que você iria ler e entender tudo o que eu não conseguia te dizer em voz alta. Mas no final do dia, você voltava para casa, com os bolsos vazios e com a mesma raiva no coração. Você reclamava sobre tudo; sobre o abajur estar mais para direita do que para a esquerda; sobre seus óculos não estarem na mesa e, portanto, eu tinha os escondido; reclamava da luz acesa, do ventilador ligado, de que mamãe não saía da cama por nada. Você subia as escadas, com as botas pesadas, entrava no quarto sem se importar em chutar a porta.

Gritava com ela.

Por muitas vezes eu segurei sua mão. Eu tentava me enganar, repetia na minha cabeça que você não queria fazer aquelas coisas. Mas agora eu vejo que sim, você queria.

Você queria quando a chamava de inútil.

Quando dizia que ela era um peso na sua vida.

Quando dizia que ela transformava tudo em um inferno.

Mamãe não respondia a nada. Não respondia por medo, ou por, depois de tanto ouvir as mesmas coisas, concordar com o que você falava.

Revoltado por ser ignorado, você se voltava para mim, dizendo as mesmas coisas; me chamava de inútil; dizia que não queria que eu tivesse nascido; que me espancaria até que eu ficasse roxa e depois eu teria que dizer na escola “fui malcriada e meu pai me colocou na linha”.

Eu também não respondia a nada. Não quando você segurava tão forte nos meus ombros e gritava alto o suficiente para os vizinhos ouvirem.

E então você me batia de verdade; me empurrava, deixava a marca dos seus cinco dedos nas minhas costas e os roxos pelos meus braços.

E tudo só piorava quando a mamãe levantava da cama.

Ela me defendia e você, finalmente, arranjava um motivo para bater nela também.

Você chutava a porta do seu banheiro, me jogava para dentro dele e trancava a fechadura.

Os gritos dela, o som das suas mãos, dos seus chutes, de objetos se partindo, eu me lembro de ouvir tudo e por mais que eu gritasse e batesse na porta, você não parava nunca.

Depois vinha o silêncio.

Você tinha se cansado.

Sumia como um cachorro arrependido. Exatamente como alguém que enxerga o monstro que é.

E eu ficava no banheiro, trancada, durante toda a madrugada, pensando se minha mamãe estava morta, se ela estava sofrendo. Silêncio. Durante hora e horas.

Somente quando você não era tão cruel, eu podia ouvir o corpo dela se arrastando pelo chão, a sombra do rosto dela na fresta da porta.

Todos os dias eram assim.

E talvez seja por isso que eu odeie tanto ficar acordada durante a noite.

Porque eu volto para esses dias, para o mesmo banheiro, acuada e sabendo que não existe ninguém no mundo que se importe ou entenda o suficiente para abrir a porta.

Eu vou ficar lá dentro para sempre.

Sozinha.


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Notas finais do capítulo

Desculpe qualquer erro, eu não consegui revisar t.t



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