DE LAURA PARA ELISA – UMA CARTA ENTRE AMIGAS ! escrita por kicaBh


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Apenas me divertindo.
Me digam o que acharam.



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Vale do Café – início de 1915

Lady Williamson ? - Lady Williamson ? - Lady Williamson ?

Elisabeta se virou após a 3ª chamada, estava sentada na escrivaninha revisando um texto, que tanto poderia virar outro livro, após o sucesso de Orgulho e Paixão, ou então um pequeno conto que sairia num periódico. Mas ainda assim, após quase 6 anos, era estranho ser Lady Williamson. Ser esposa de Darcy não era nada estranho, era algo que ela amava muito, e tinha muitas vantagens, a maioria delas pouco a ver com dinheiro – embora o dinheiro proporcionasse coisas muito boas, afinal, ela não teria rodado o mundo não fosse a condição financeira de Darcy. Tudo isso ainda podendo levar o pequeno Thomas.

Mas a formalidade do título ainda era algo que a espantava. Não que faltasse consideração, ela tinha muito orgulho de fazer parte da família de Darcy, mesmo que Lady Margareth ou mesmo o Lord Archiebald devam se remoer em suas sepulturas até hoje por isso. A questão era mais simples, o fato de ser uma nobre não fazia diferença pra ela. No dia a dia eram ela e Darcy contra o mundo, e defendendo Thomas. O resto só tinha importância para quem não os conhecia e achavam que eles realmente ligavam para a nobreza, para jóias caras ou roupas extravagantes. Eles não ligavam para nada disso, ela e Darcy gostavam um do outro, e só isso importava.

Ela ajeitou as anáguas do vestido vermelho vibrante, que prendera na cadeira, e arrumou os cabelos num coque ajeitado, para então responder a empregada :

Dolores, não precisamos destas formalidades. Estamos no Brasil. Em Pemberley era difícil convencer os empregados, mas aqui, por favor, me chame apenas de Elisabeta. Ela respondeu para a  governanta da fazenda Ouro Verde. A velha senhora sorriu, embora indicasse que não concordaria com o pedido pela informalidade que partia dela, mas entregou uma carta e saiu da sala. Elisabeta ficou olhando ela se deslocando, com cada vez mais dificuldade. A idade de Dolores começava a preocupá-la.

Voltar ao Brasil após 5 anos tinha ótimas vantagens, além do clima ameno, o céu azul, a comida apetitosa, os amigos e a família estavam ali, a um estalar de dedos. Ela se sentia acolhida e achava uma certa graça já que quando mais jovem achava o Vale do Café o último lugar onde gostaria de passar um tempo de vida adulta. Mas isso foi antes de Darcy, de São Paulo, de Lady Margareth, e antes de entender que não há lugar melhor no mundo que a nossa casa. Aqui ela era feliz, protegida, e sem contar que ver Thomas poder correr solto pelos campos, conhecer as cachoeiras, brincar com os primos era algo para ser emoldurado.

O retorno deles ao Brasil envolveu uma questão de segurança, a guerra mundial que se alastrava na Europa chegou muito perto de Pemberley, e temendo por todos, inclusive por Ema, Darcy resolveu retornar ao Vale do Café. Apenas Ludmilla e Januário permaneceram na França, mesmo assim, Darcy os recomendou discrição e cuidado, que tempos sombrios poderiam surgir. Por sorte Paris não foi invadida. Muitas vezes ela questionou este instinto protetor excessivo de Darcy, mas desta vez ele tinha razão, e ela agradecia por isso.

Elisabeta relaxou na cadeira, aproveitando que Darcy e Thomas estavam em seus passeios diários pelo Vale, algo que os dois gostavam e ela entendeu que era um momento pai e filho. Abriu o envelope destinado a dela, onde se lia em letras garrafais : LADY WILLIAMSON. Ela deu um sorriso, já que a editora adorava aquela pompa para divulgar seus escritos. No início ela foi contra, mas Darcy achava maravilhosa a ideia do nome de sua família estar vinculado a uma escritora talentosa. E bem, um pedido de seu marido tão dedicado não teria jamais um não como resposta. Era uma destas coisas que Ema passou a vida inteira tentando mostrar a ela que tinha significado, o nome de um marido, e ela zombava da amiga dizendo que ninguém iria compra-la. Que bobagem, ela pensava agora, Darcy jamais foi dono dela. Parceiro, amigo, companheiro e apaixonado. O resto eram apenas formalidades de uma lei que tinha mais importância pra ele do que para ela.

Cara Lady Elisabeta Williamson,

Meu nome é Laura Vieira, sou professora e jornalista, do Rio de Janeiro e escrevo para dizer que li o seu livro, quer dizer, seus livros, tanto o sobre o Vale do Café, quanto Orgulho e Paixão.

Devo dizer que sua escrita me inspira, Lady Williamson, e me pergunto como uma nobre possui tamanho talento para falar de amores e histórias tão humanas.

Não me entenda mal, não a tomo por esnobe, é que minha mãe, sendo membro da nobreza brasileira, uma baronesa, não conseguia enxergar nada além de si mesma e seus desejos e caprichos. Já a Senhora conta suas memórias e aventuras como se a nobreza e a plebe apenas existissem fora de você. Como se o mundo e as sociedades fossem mesclas de pessoas diversas, ninguém sendo melhor do que ninguém.

Ler sua visão e amizades femininas é tão motivador que me parece que você não tem somente cinco irmãs, parece que todos ao lermos seu livro nos tornamos uma de suas irmãs. E em cada momento da leitura vamos nos identificando com você, ou com uma dessas mulheres que rodeiam sua vida e a enchem de amor.

E por isso escrevo a você, no intuito de dividir minha história, ou pedaços dela, com você, porque seu livro me deu essa vontade de dividir meus problemas e meus amores. Dividir a minha história. Darcy tem razão, você desperta nas pessoas um intenso desejo de liberdade, de se expressar.

Eu também tenho uma melhor amiga, Izabel, e presenteei-a com sua história. Ao ler seu livro, eu e a Izabel nos sentimos como você e Ema, dividindo seus sonhos e percebendo que nossas certezas, ao longo da vida se modificaram e nos tornaram cada vez melhores.

A sua diferença com Ema foi a origem social, a minha e da Izabel é a cor da pele. Izabel é negra, uma mulher linda, talentosa, uma dançarina maravilhosa e uma mulher muito culta, já que viveu na França durante 6 anos. E eu sou uma filha de uma ex Baronesa, branca, bem educada. Eu sonhava com a liberdade, com viver das minhas próprias conquistas e isso me identifica muito com você. Izabel sonhava com o casamento, marido, uma família tradicional. Nos conhecemos na igreja, no dia de nossos casamentos. Quer dizer, no dia em que eu me casei e o noivo dela não apareceu.

Veja você, eu me casei, Izabel se decepcionou, e nossas vidas nunca mais foram as mesmas. Mas o mais bonito deste dia foi que nasceu nossa amizade. Nunca mais nos separamos depois disso, embora até hoje pouca gente entenda como uma negra possa ser minha amiga mais preciosa.

A Izabel é casada com o Zé Maria, negro como ela, e eles são um casal que trabalha muito e cuidam dos 2 filhos. O Elias, que por incrível que possa parecer, é filho dela e do meu irmão, Albertinho. Ele foi um rapaz branco que viu uma garota negra e a seduziu. É uma história longa e complicada– talvez num outro mundo pudesse ter sido uma história de amor - mas foi apenas mais um capítulo de um homem com muitos privilégios se aproveitando de uma mulher em condição inferior.

Mas a vida gira, e após muitos desencontros, ela e o Zé Maria se reencontraram, lutaram, casaram, e agora tiveram o Miguel, um outro garoto muito sapeca, que eu batizei e por quem tenho imenso carinho. Eles são felizes e os garotos também, o Elias, filho de meu irmão, tem no Zé Maria o melhor pai que ele poderia escolher. No caso deles, ele, o Zé Maria, teve que ser um pouco como o Ernesto, e aprender a viver com a mulher fina que minha amiga se tornou. Nem sempre foi fácil, mas o amor transborda por todos os lados e coloca as pessoas contra a parede, fazendo com que elas não tenham outra opção senão escolherem-se.

Já eu sou casada com o guardião da minha paz e da minha paixão, que se chama Edgar Vieira. Fomos namorados na primeira adolescência e ele foi estudar em Portugal. Nesse tempo eu virei uma leitora voraz, pensava em ser professora, e jamais em me casar com ele. Mas não tive sua força ao recusar o pedido de casamento, o que se mostrou o maior acerto de minha vida. Conforme dividíamos o teto percebemos que não poderia haver combinação melhor, e repetindo palavras do seu livro, eu vim ao mundo para amar o Edgar. E juntos somos melhores. Não faço idéia do que ele faria se eu o recusasse, se ele faria como Darcy, insistiria, ou se ficaria feliz e retornaria a Portugal – já que ele não me amava nesta época. Mas de uma coisa tenho certeza, no momento em que eu percebesse meu equívoco teria ido de encontro a ele e pediria sua mão em casamento, como você fez.

Mas depois que nos acertamos nem tudo foram flores para mim e o Edgar, ficamos separados por seis anos, e eu fui viver sozinha, porque precisava me reencontrar como mulher e como pessoa. Eu tinha perdido o único filho que consegui gerar, enquanto ele estava resolvendo coisas da filha que ele havia descoberto em Portugal. Foram tempos difíceis para nós, mas nunca nos esquecemos. Por isso quando eu retornei ao Rio de Janeiro e nos reencontramos, tentamos novamente, meio como você e Darcy namorando sem intenção do casamento. Edgar demorou a entender o meu tempo para voltar para ele, como esposa, mas nunca duvidei que nosso final fosse junto.

Edgar tem uma filhinha linda, a Melissa, ela já tem 12 anos. Ela é filha de um antigo relacionamento dele, e até hoje, apesar de eu ser jovem e saudável, Deus não nos concedeu nossos filhos. Retomamos nosso casamento há 5 anos e eu não sei por que, não consigo gerar uma criança. Nesse quesito de minha vida, fui como sua irmã Cecilia ao adotar o bebe Mário. Só que no meu caso, Melissa já veio sendo do meu marido. É um amor muito grande, e só mesmo ele, o amor, permite que eu sinta que Melissa também é minha Embora em algumas noites solitárias me imagino tendo meu próprio bebe com o Edgar, um garotinho de olhos e cabelos claros, como ele.

Ah, sim, a mãe da Melissa, a Catarina, é uma espécie de Susana/Genésia, só que mais dissimulada, e está presa em alguma prisão europeia, de onde espero que ela nunca mais saia. Ela se amasiou com o meio irmão do Edgar e juntos são um casal perfeito para viverem de pequenos golpes em pessoas incautas.

Eu também me considero uma mulher a frente do meu tempo, e Edgar com certeza, não sei se pela educação europeia, é um homem do futuro. Foi sua visão de mundo tão aberta ao novo que nos permitiu sempre nos amar, como o seu Darcy, que admitindo ser um homem deste tempo tem no amor que sente por você a lente que o faz enxergar o futuro, como o mundo pode ser um dia. 

Edgar é advogado, já falei? Ouso dizer que o melhor advogado do Rio de Janeiro, e após romper com o pai, por não querer cuidar dos negócios da família, ele atende diversos clientes. Desde os mais abastados até o menos favorecidos que precisam de ajuda para não serem ainda mais injustiçados pela lei.

E assim, como eu, ele também escreve colunas para o jornal local.

Nossa escrita, diferente da sua, fala de denúncias e num tom mais investigativo e real do que sua literatura. Mas não menos importante, apenas diferente. Nossas colunas não contemplam a magia da vida diária , por isso, ler sua escrita é como um bálsamo para sonharmos com um mundo muito melhor, onde o respeito e o amor prevaleçam sobre o dinheiro e o interesse. Eu vivo bem, Lady Williamson, tenho uma bela casa, uma bela cama, uma bela vida, mas vejo no trabalho, nas colunas do jornal, muita miséria e diferença social. Eu sempre pensei que apenas denunciando conseguiria mudar as pessoas e o comportamento delas, mas muitas vezes me esqueci de que promover o bem também cria mudanças profundas na sociedade.

Então enquanto você escreve e inspira as pessoas a isso, eu e Edgar tentamos denunciar aqueles que insistem em fazer diferente. Insistem em fazer da vida das pessoas o pior possível, para que elas vivam cada vez melhor.

Peguei-me pensando porque escrevo com tanta realidade, e percebi que, diferente de você, Lady Williamson, eu não tive uma mãe amorosa. Quer dizer, a Baronesa até me educou bem e me deu amor, mas ao não corresponder ao que ela sonhava pra mim me tornei uma espécie de inimiga mortal dela. Até em um sanatório ela teve a capacidade de me internar, num dos momentos mais tristes de minha vida.

Diferente de você, cuja mãe apenas queria lhe oferecer um bom casamento, e mesmo nunca entendendo suas ideias te amava e respeitava, eu fui obrigada a ver minha mãe ser exilada da sociedade por cometer crimes sórdidos, inclusive contra a própria família. Queria poder dizer que como o avô da sua melhor amiga Ema, ela no final se redimiria por ter um neto negro, mas não foi assim que funcionou para nós.

Já meu pai em muito lembra o seu, embora se me permita a confissão, meu pai foi um homem sem muitas atitutes em relação aos desmandos de minha mãe. Ele pouco a enfrentou, somente quando chegamos numa situação insustentável. No entanto, no quesito amor, meu pai é de longe um dos homens mais amorosos de todo o Rio de Janeiro.

A outra metade do meu trabalho, que me realiza muito, é ser professora. Eu, a Izabel e o Edgar montamos uma Escola no Morro da Providência, um lugar onde vivem muitos negros alforriados e suas famílias. Como a maioria deles não tem emprego fixo, nem condições de manter uma criança na escola nós resolvemos doar nosso conhecimento para que as crianças cresçam com conhecimento e possam disputar um lugar melhor no mundo. É um sonho , nós sabemos, mas você, mais do que ninguém, vai entender o tamanho dos sonhos.

A nossa escola já conta com quase 30 crianças e há dias em que eu, a Isabel e minha outra amiga Sandra pensamos que ficaremos malucas, mas ao vermos o sorriso de cada criança que consegue aprender a ler, a fazer uma conta, temos a total confirmação de que estamos fazendo a coisa certa. E fazer a coisa certa é o que há de mais satisfatório na vida. Já pensou em lecionar, Lady? Tenho certeza de que as crianças do Vale do Café teriam orgulho de uma professora tão cheia de histórias pra contar. 

E este é um pedaço de mim, Lady Williamson, um pequeno pedaço para lhe dizer o quanto seu livro me tocou ao me fazer perceber que estou no caminho certo. Que busco ser uma mulher melhor do que minha mãe foi, que tento ser profissional, mesmo que muitas vezes as pessoas pensem que eu não precise disso e tento ser uma mulher a altura do marido que escolhi e me escolheu também. Somos um casal apaixonado também porque somos livres para sermos exatamente quem somos. Encontrar, nas cirandas dos afetos, um parceiro de vida é algo realmente raro, e por isso deve sempre ser enaltecido.

Digo encarecidamente que se você ainda não veio ao Rio de Janeiro, e queira vir, será um prazer mostrar minha cidade a você. Se quiser me conhecer, peço que me procure no endereço que está na frente deste envelope.

Vai ser um prazer tomar um café com você. Já que por aqui já temos alguns lugares comercializando o café 3 Mosqueteiros.

Um grande abraço, do tamanho do Vale do Café, que cabe tudo.

Laura Vieira –

Elisabeta terminou a leitura com lágrimas nos olhos. Que mulher espetacular esta Laura Vieira ! Escrevia colunas de denuncia para o jornal, era professora, casou-se com o amor de sua vida. Quanta coisa elas teriam para conversar, ver o que tinham em comum, discordar.

Que mulheres maravilhosas sua literatura alcançava. Quantas histórias diferentes ela tocava contando a sua própria trajetória de vida.

Laura vivia uma vida que ao mesmo que era semelhante a sua, no sentido de querer a independência, de lutar por ser reconhecida, era tão diferente em outros aspectos. Que café agradável elas tomariam.

Nesse momento Darcy e Thomas entraram fazendo barulho pela casa, ela podia ouvi-los dando risada e derrubando as coisas. Darcy era um homem muito grande para fazer travessuras com seu filho de 5 anos, mas ele parecia não se importar nem um pouco com isso e voltava a ser criança para satisfazer todas as vontades do pequeno Thomas. Elisabeta pensou nas palavras da carta, onde a 5 anos Laura também não conseguia gerar um filho. Ela passava pelo mesma situação, não que fosse um problema, Thomas completava a ela e Darcy. Mas ela também se pegava pensando em como seria ter uma garotinha correndo pela casa em algum momento de sua vida. Talvez uma garotinha mais alta que as colegas da mesma idade, ou quem sabe com seus cabelos e o tom dos olhos de Darcy.

Mas enquanto essa garotinha não vinha, ela ia se deliciando com seu filho Thomas e esperando o bebe de Charlote e Olegário, que nasceria em breve. Eles se casaram em Londres a 2 anos, numa cerimônia bonita, onde ela e Darcy puderam testemunhar. Mas Olegário preferiu retornar ao Brasil e agora eles moravam pertinho da Fazenda Ouro Verde, já que Olegário insiste que vivam de acordo com as posses dele.

Darcy e Thomas estavam bastante empoeirados quando invadiram a sala onde Elisabeta estava com a carta de Laura nas mãos. Ela olhou para os dois homens da sua vida achando muita graça que Darcy Williamson, um Lorde Inglês, pudesse se deixar viver dessa maneira tão informal. Ao que parece ele e o filho fizeram uma boa festa no passeio de hoje. O filho correu para abraça-la :

Mamãe, o meu pai me levou a cavalo para a cachoeira, depois vimos os cafés do Tio Camilo e por fim o Tio Brandão me levou para um passeio de moto. Mas com isso meu pai ficou quase bravo. O garoto estava agitado e sujo, marcando com as mãos toda a saia de Elisabeta. Mas ela não estava brava por isso, ela jamais seria destas mães que os filhos não podem tocar ao voltar de uma brincadeira. Seus pais nunca fizeram cerimonia quando ela ou alguma das outras Benedito voltavam sujas das brincadeiras na cachoeira. Eram sempre recebidas com abraços e beijos. Mas realmente um banho faria bem ao garoto, já que daqui a pouco o jantar seria servido.

Eu imagino que tenha sido um passeio e tanto, mas você precisa tomar um banho para que possamos jantar. Você e seu pai—  ela disse olhando pra Darcy. Ele ficava ainda mais bonito assim, o rosto bronzeado do sol do Vale, a camisa sem colete, meio aberta , e suja de poeira e suor, e por isso grudada no seu corpo. Era uma uma visão estimulante, Darcy sempre era, mas nestes momentos ela se via pega em alguma feitiço que ele jogava nela, talvez por não ter a mínima consciência do quanto aquele visual a agradava.

Se você soubesse como me sinto quando me olha desse jeito, Elisa, me acompanharia no banho – mas eu vou levar o Thomas comigo hoje. Ele sussurrou no ouvido dela enquanto pegava Thomas e o levava com ele para se limparem. E ela realmente ficou ruborizada ao perceber que ele notava que vê-lo naqueles trajes a despertava.

Mudando os rumos dos seus pensamentos, e já sabendo que pai e filho demorariam no banho , porque Thomas e Darcy faziam brincadeiras e planos juntos enquanto molhavam todo o ambiente, Elisabeta resolveu pegar papel e caneta e responder a carta de Laura. Ela se banharia depois, quando eles saíssem, assim jantariam e colocariam Thomas para dormir. E então poderiam resolver esse impasse dele perceber o quanto a afetava. Ela e Darcy realmente se divertiam juntos, quanto mais se conheciam, melhor ficavam. Uma parceria na vida e na cama.

Querida Senhora Vieira,

Começo esta carta com seu nome formal, mas sei que não vai se importar se eu a chamar de Laura simplesmente. Como eu também prefiro ser apenas Elisabeta.

Apenas não, que ser Elisabeta já é muita coisa. Mas Lady Williamson é um título que eu não faço obrigação que as pessoas se dirijam a mim. Não me entenda mal, o título me importa, porque vem do meu amado marido Darcy, mas nem ao menos nós, no dia a dia, nos tratamos assim. Somos Darcy e Elisabeta, ou Elisa, para os que assim preferem.

Sua carta muito me emocionou. Eu escrevo com o coração , e muitas vezes pessoas de vida prática e realidades difíceis não conseguem deixar que a magia e o amor entrem em suas vidas. Fiquei muito feliz por perceber que este não é o seu caso.

Eu mesma, muitas vezes, duvidei de que seria possível pautar minha vida sempre pelo lado positivo. Mas nós mulheres a frente de nosso tempo não podemos nos deixar abater, seja qual for a situação. Aqui no vale não temos ainda um Morro da Providencia, os ex-escravos ainda trabalham nos cafezais, mas em situações bem difíceis. Em São Paulo sim, eles muitas vezes disputam o trabalho com os italianos e os grandes fazendeiros acabam preferindo os europeus.

Confesso que nunca me percebi essa diferença social como você, Laura, mas a partir de hoje vou me ater mais aos empregados da ferrovia de Darcy, ou dos cafezais do Camilo, meu cunhado. Quais historias eles carregam. O negro com quem tive um contato de amiga , Januário, era um artista livre, ele mora em Paris com Ludmilla. No entanto, Dolores, empregada de Julieta, Rainha do Café, e Tenoria, que depois descobrimos ser filha do Barão de Ouro Verde, tem histórias de vida muito sofridas. Confesso que me interessei pouco pela historia delas, e talvez surja daí meu próximo livro. Quantas pessoas, assim como eu ela, eu tenho deixado passar na minha sem dar a devida atenção. Justo eu, que me julgo tão conhecedora de tudo.

Seu carta além de me abrir os olhos, também me indicou grandes possibilidades.

Interessante você falar da escola e ser professora. Aqui no Vale, o Ernesto que agora é o prefeito está ampliando a escola local. E conversou comigo sobre a possibilidade para que eu lecionasse português para as crianças. A principio fiquei receosa, já que minha mãe, ao ouvir a proposta disse que eu poderia muito mais confundir do que ajudar as crianças. A minha mãe sempre acha que eu tenho ideias amalucadas.

Mas tenho certeza de que sua escola no Morro constrói futuras mulheres de atitude, coisa que posso começar a fazer aqui no vale também. Tenho muito a contribuir, e Darcy acharia maravilhoso, tenho certeza.

Por isso, e por tanto mais, será um prazer tomar um café com você assim que for ao Rio de Janeiro, mas de qualquer forma, o Vale do Café e em especial a Fazenda Ouro Verde estão de portas abertas para recebê. Aqui temos muitos encantos, não somos uma cidade grande como São Paulo , mas temos ótima comida, lindas paisagens e pessoas encantadoras. Ah, e temos a casa de chá da Dona Agatha, cujos quitutes são de comer rezando.  

Peço sua compreensão por me despedir tão brevemente, mas quero que amanha cedo esta carta esteja no correio com destino a sua pessoa. E agora Darcy e Thomas já terminaram o banho e estão se aprontando para jantarmos. E eles passaram o dia todo fora, estou com saudades deles, e com uma fome enorme também.

Vamos ter guisado no jantar, a comida brasileira favorita de Darcy. Penso que ele quer que Thomas a aprecie tanto quanto ele. E imagino que este prato o faça lembrar de sua brasileira mãe.

Ele e Thomas juntos são a minha melhor visão de mundo. Mais bonito não há. O dia que os conhecer vai concordar comigo, tenho absoluta certeza.

Torço para que ele e o seu Edgar sejam ótimos amigos.

Um abraço fraterno,

Elisabeta Benedito ! 

ah, o aniversário do Thomas é daqui a 2 meses, sinta-se convidada a participar.


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Notas finais do capítulo

é isso...