Ira escrita por Lucca


Capítulo 1
Sozinha


Notas iniciais do capítulo

Apresentando o contexto e o problema.



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7:30 PM

E ela pensou que essa noite seria perfeita para recuperar o sono perdido. Afinal, estava sozinha em casa. Nada dos barulhos de Weller na cozinha ou no banheiro. Nada das conversas casuais que ele desencadeava apenas para distraí-la... “Como se eu precisasse disso.”- pensou com ironia. E nada dos abraços e beijos inesperados e pegajosos. Sozinha ali, ela não precisava fingir ser a esposa apaixonada e compreensiva. Foi sua primeira noite de liberdade em meses. Como não sentir feliz?

Sem ele por perto, ela teria espaço para revisar e organizar cada detalhe de seu plano. Ela riu internamente. Tão tolo da parte dele deixá-la livre para isso justamente quando ela mais precisava. Mas Remi teria que confessar: a atividade consumiu bem menos tempo do que esperava. Ela inclusive revisou tudo uma segunda vez para ter certeza que nada tinha passado despercebido. De forma inesperada, o silêncio do apartamento se fez ouvir e sentir.

Foi então que ela decidiu dormir. Era o melhor a fazer. Nada além de seu plano deveria ocupar seu tempo agora, o pouco tempo que lhe restava. Muito menos se deixar enveredar por sentimentos banais como a ausência de Kurt no apartamento.

Após um banho relaxante e vários comprimidos para dor de cabeça, ela tinha certeza que dormiria assim que fechasse os olhos.

Uma estranha satisfação percorreu seu interior ao pensar que rosnaria docemente seu incômodo por ter sido despertada quando ele retornasse de seu compromisso pouco convencional. Que patético eram os pedidos de desculpa que ele elencava e aquela cara de quem se sentia totalmente culpado por tê-la incomodado!  Com certeza se formaria aquela ruga em sua testa e as sobrancelhas se arqueariam direcionando o olhar dela para o azul dos olhos deles. Aff. Tão previsível! Assim como a forma como ele procuraria se aconchegar a ela na cama apenas para vê-la se afastar como fazia toda noite. Isso era tão cansativo. Remi só gostaria de entender que tipo de droga usou enquanto era Jane para criar um hábito tão forte de dormir agarrada àquele homem. Só isso explicaria o  dela acordava assim toda manhã, aninhada nos braços dele, mesmo após ter se afastado diversas vezes durante a noite.

Ela respirou fundo. Estava acabando. Tudo aquilo estava próximo do fim. Logo, ela não precisaria mais se afastar dele nem se decepcionar consigo mesma por acordar em seus braços ou pior ainda, por se manter ali e tirar mais um cochilo. Quanto antes ela adormecesse, mais rápido o tempo passaria e sua liberdade chegaria.

1:25 AM

Remi se revirou na cama pela milésima vez. O que tinha de errado com esse colchão essa noite? Ou seria o travesseiro?

Desde que ela acordou naquele hospital e descobriu que três anos de sua vida estavam cobertos pela escuridão, suas noites nunca tinham sido exatamente relaxantes. Primeiro as dúvidas e a vontade de descobrir mais sobre o que ocorreu lhe roubavam o sono. Depois a necessidade de articular um plano capaz de reconduzir as coisas aos trilhos certos. Se não bastasse tudo isso, os pesadelos interrompiam seu sono com regularidade . Se pelo menos houvesse alguma recordação neles e não apenas as imagens borradas e o sentimento de sufocamento...

Mesmo assim, essa noite ela queria dormir. Precisava estar descansada. O dia de libertar Shepherd estava próximo e exigiria muito dela. Sem a presença irritante de Weller, ela já deveria ter adormecido.

Mas as horas passaram e o sono não vinha. Aquela maldita cama não ajudava. Porque compraram uma cama tão grande? Porque o tecido dos lençóis parecia tão frio?

Irritada, ela puxou o travesseiro dele. Acomodou-o na vertical sobre o seu e se aconchegou inalando forte a procura do cheiro de Kurt. Deprimente chegar a isso, mas repetiu a si mesma que era um mal necessário. Ela precisava dormir, só por isso aceitou fazê-lo.

Não era exatamente como tê-lo ali na cama. O cheiro dele era mais forte do que o travesseiro guardou. E também tinha o ronco, que não era alto, mas marcava a presença dele ao seu lado toda vez que ela acordava. Mesmo assim, pareceu que surtiria efeito. Ela se sentiu mais relaxada. Finalmente o sono chegaria...

Foi quando o celular tocou na mesa de cabeceira. Remi só se deu conta do quanto estava distante do sono quando se viu completamente atônita diante do nome de Kurt no visor.

— Kurt?

— Olá, Janie...

Ela demorou alguns segundos para processor a informação. Não era a voz de Kurt do outro lado da linha, era...

— Weitz? _ o cara estava bêbado? E que diabos ele estava fazendo com o celular de Weller?_ Onde está meu marido?_ ela falou e só depois processou o grau exagerado de preocupação na sua voz.

— Hei, Janie, calma... Ele está bem. E está aqui comigo. Quer dizer, não exatamente aqui do meu lado, mas está próximo. Eu peguei o celular porque ele jamais aceitaria te ligar. E quem é que sabe onde foi parar o meu celular, não é?

— O que aconteceu? Onde vocês estão? _ ela se sentia sem chão diante daquela falta de informações relevantes. Homens!

— Eu já te pedi calma, mocinha. Ele já está sendo atendido pelos médicos...

— Médicos? _ a necessidade de informações não deixou Remi processar as possibilidades horríveis que faziam seu estômago revirar _ Weitz, é melhor você me dizer logo o que aconteceu ou vai se arrepender por cada segundo que me deixou esperando!_ Remi queria estar na frente desse salafrário agora para enforcá-lo com suas próprias mãos.

— Janie, não fique brava... Agora estou entendendo porque ele se negou a te ligar. Foi só uma brincadeira de garotos... Você sabe, coisa de homens. Nem sei porque esses médicos insistem que só liberam ele com seu contato de emergências ou alguém da família. Eu disse que tenho condições de acompanhá-lo até em casa, mas a enfermeira era uma chata!

— Endereço, Weitz. Agora!

O sangue ferveu e subiu mais rápido do que um Bourbon faria. Claro que eles tinham se metido em confusão. Weitz, Weller, Reade, Rich acompanhando mais três imbecis franceses numa noite com um pouco de diversão e bebida para comemorar os novos acordos entre as agências.

A lembrança de Weller contando sobre o compromisso pouco convencional veio à sua mente de forma clara:

“_ É algo comum. E bastante casual. A gente conversa, toma uns drinks, indica alguns lugares divertidos para eles e volta pra casa. _ Kurt disse ao informá-la do compromisso após o trabalho.”

Ela devia ter desconfiado que não seria bem assim. Shepherd sempre a alertou para a falta de caráter desses homens do FBI. Então, essa era a versão de “alguns drinks” para os agentes federais? Bom pra ela aprender a não baixar a guarda ou confiar em nenhum deles, nem se esse homem um fosse Kurt Apaixonado Weller!

Enquanto dirigia até o hospital, ela talvez tenha passado por alguns sinais vermelhos. Ela tinha pressa. Precisava ver Kurt o quanto antes. Claro que não era apenas para ter certeza de seu bem estar e averiguar exatamente o quanto ele estava envolvido em tudo aqui. Na verdade, ela queria estar diante dele para poder vociferar toda a decepção que sentia por aquela noite sozinha no apartamento. Pela primeira vez, ela teria uma justificativa para agir de forma autêntica, como Remi e não Jane. A ocasião lhe permitia isso.  Ninguém desconfiaria de uma esposa apaixonada irritada com a noitada do marido.

E todos eles sentiriam sua ira.


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Notas finais do capítulo

Ficaria extremamente grata em saber o que acharam dessa história.

Obrigada pela leitura.



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