Ernestina estava muito satisfeita com tudo o que acontecia nos últimos dias e se sentia literalmente nas nuvens. Era aquele momento antes de ir dormir, encostou a cabeça no travesseiro e se afundou em seus pensamentos. Fazia um mês que Chico a pediu em namoro. Começou a se lembrar com carinho dos momentos antes de o romance começar. De quando se comunicavam por cartas, do nervosismo que sentia por não saber qual seria a aceitação do outro. Mas principalmente de toda a ajuda que a Cíntia lhe deu, escrevendo as cartas de amor, já que ela nunca conseguia ter boas idéias e colocar no papel tudo o que queria dizer.

 – Como sou agradecida a essa mulher! – pensava Ernestina.

Mesmo que o Chico tivesse descoberto tudo um tempo depois e ficado bastante chateado por ter se sentido enganado, por saber que aquelas lindas palavras tão românticas de grande sensibilidade na realidade não eram suas, ele a perdoou e praticamente deletou isso de sua mente, pois estava apaixonado demais por ela para ficar se preocupando com bobagens.

Aquele momento de expectativa antes de começarem a namorar foi bom, embora muitas vezes também angustiante. Pois, muitas vezes, mergulhada em pensamentos de complexos de inferioridade, Ernestina ficava se remoendo, preocupada em não ser boa o suficiente para deixar o Chico louco, como Cíntia lhe dizia que ela deveria fazer assim que o ele lhe deu o tão esperado sim pessoalmente. Ela nunca se considerou uma mulher bonita e atraente, embora fosse muito divertida, tivesse olhos grandes e expressivos e um cabelo de deixar muitas mulheres loucas de inveja. Considerava-se burra, desajeitada, sem criatividade (tanto que apelou para a Cíntia e aos livros que ensinam a escrever cartas de amor), e os comentários aleatórios dos outros confirmando isso a deixavam realmente mal. Pois sabia que não era bem uma brincadeira. Ela tinha consciência disso.  Mas no momento isso não importava mais. Seu amor por Chico era maior do que tudo, nada a tirava do sério agora.

Estava tudo tão perfeito...inclusive porque a dona Carmen não estava sabendo do romance deles ainda. E nem deveria saber. Ernestina tinha muito medo que a dona Carmen descobrisse tudo e, achando ruim, pelo fato de ambiente de trabalho não ser um local adequado para paqueras e namoricos, ainda mais se tratando de um ambiente onde vivem crianças, demitisse os dois. Apesar de o orfanato inteiro saber dos dois, e a Cíntia ter sido a primeira pessoa a ficar sabendo como forma de gratidão por ter ajudado tudo a acontecer, a notícia ainda não havia chegado aos ouvidos de seu patrão e sua irmã bruxa.

Mas aí veio um outro pensamento que a fez rir sozinha naquele momento...Dr. Luís Santarelli, o dentista bonitão! Ela o conheceu pouco antes de começar a namorar o Chico. Se lembrou da primeira vez que o viu, quando abriu a porta do orfanato para ele e da visão impactante que teve. Que homem charmoso era aquele! Alto, elegante, olhos azuis, de fala um pouco tímida e nervosa. Foi paixão a primeira vista! Não conseguiu se segurar, já foi trocando uma idéia com ele enquanto as meninas se arrumavam para descer (embora ela tivesse a impressão de que algumas já estavam arrumadas, mas espionando os dois do alto da escada).

No dia seguinte, ele apareceu no orfanato antes de ir para o seu consultório para convidar ela para sair mais tarde, e foi quando ela realizou o sonho de ir para a cama com ele. E foram inúmeras vezes!

— Aquele homem, realmente, o que era aquilo! Tirei todas as minhas teias de aranha com ele, hahaha, em momento algum ele riu de mim, mas aquele romance não teria futuro, afinal de contas eu acho que ele tinha uma namorada, mas não importa, até que foi bem divertido!

Ernestina tinha essa desconfiança porque em uma das idas do dentista ao orfanato, para fazer a inspeção nos dentes da Ana, a Pata e a Cris pegaram a maleta dele às escondidas para mostrar para a Ana, que estava com muito medo, que não havia nada demais ali dentro, e a Bia descobriu umas fotos nas quais ele estava passeando de mãos dadas com uma moça. Bia mostrou as fotos para Ernestina, mas Ernestina nunca soube quem era a moça de fato, até porque o Dr. Santarelli nunca havia tocado no assunto de ser comprometido, mas ela estava tendo momentos felizes demais com ele para querer saber, então nem fez questão de averiguar isso.

Mas o tempo passou e aos poucos eles se afastaram. Com a história das cartas e o Chico se declarando para ela, o Dr. Santarelli aos poucos foi esquecido e então era um assunto encerrado. E tudo isso aconteceu faz apenas um mês! Não sabia o que era sexo a quase nove anos.

Ernestina adormeceu. Não sonhou com nada. Mas bem que gostaria de ter sonhado com um dos dois.

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Eram cinco horas da manhã quando Ernestina acordou. Estava com uma fome desesperadora. Pulou da cama e foi se arrumar. Terminou tudo, mas ainda sim era muito cedo. O cheiro de café lá na cozinha estava muito convidativo. E de alguma coisa doce também. Mas como as meninas só acordam as seis e quinze, ela tinha que esperar, afinal de contas o Chico ainda não havia terminado seus afazeres na cozinha.

— Droga! Parece que estou com um buraco no estômago, chega até a doer!

Pegou umas revistas para passar o tempo até que deu seis e dez. Não quis saber, foi até o quarto das meninas com seu apito para acordá-las:

 -PRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRIIIIIIIIIIIIIIIII!!!! VAMOS CAMBADAAA, ACORDEM, O DIA ESTÁ LINDO!!!!

Cris: - Ain Ernestina! Você me acordou no meio de um sonho tão bom...

Ernestina: - E daí? Vamos, levantem todas, e vão se arrumando logo, porque hoje, cof cof! Nossa! Cof cof...Ai que nojo!

Ernestina começou a tossir violentamente, quase vomitando.

Mili: - Ernestina o que houve? Você está bem?

Ernestina: - Sim sim, está tudo bem, mas nossa! Ai esse cheiro! De quarto fechado com um monte de boca de gente que acabou de acordar cof cof...esse cheiro de valão podre está me dando vontade de vomitar!

Ernestina sentiu um grande mal estar e saiu correndo do quarto em direção ao banheiro. As meninas não paravam de rir. Chegando lá, a vontade havia passado.

— Nossa que coisa! O que o Chico anda dando para essas meninas comerem...o cheiro estava mais podre do que de costume...ugh!

Ernestina tampava o nariz desesperada, quase vomitando só de se lembrar do cheiro.

— Na próxima madrugada, vou abrir bem as janelas do quarto sem elas saberem, para poder ventilar porque está demais! Bom, vou descendo para o café, estou morta de fome desde que acordei...acho que eu estava, porque só de lembrar daquele bafo todo...Ai! cof cof cof.

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Já na cozinha, as meninas iam chegando em fileira, com a Ernestina vindo atrás, já recuperada do mal estar.  Ao ver todas juntas, Chico já vinha cumprimentando:

— Bom dia meninas! Hoje fiz algo que eu sei que vocês vão amar!

Ana: - Mas a gente sempre ama tudo o que você faz!

Chico: - Ah eu sei, mas isso aqui eu não faço a um bom tempo, e sei que quando tem sempre acaba logo!

Mili: - Pudim de pão!

Mili estava muito contente ao ver o lindo doce no centro da mesa.

Chico: - Mas eu conheço uma pessoa que parece que não curte muito, não é!

Chico comentou olhando na direção da Ernestina.

Ernestina: - Acho meio enjoadinho. Não fede nem cheira, por mim...

Ernestina disse dando de ombros. A princípio torceu um pouco o nariz, pois ela nunca foi muito fã de pudim de pão. Mas aquele estava com uma aparência bem convidativa. Fora que o cheiro doce que ela sentiu mais cedo com certeza era dele. E o cheiro estava realmente muito atrativo. Serviu-se do café, pegou um prato e colocou nele um pedaço generoso do pudim.

Cris: - É...milagres acontecem!

Mili: - Nossa, o que deu em você ein Ernestina? Você sempre ignorou pudim de pão.

Ernestina: - Ué, não posso mudar de opinião, ou dar uma chance? Mas a aparência dele está ótima!

Bia: - Ela está querendo te agradar de todo jeito, o que não se faz por amor ein Chico!

Chico: - Mas não tem necessidade, eu a amo do jeitinho que ela é, sempre muito sincera.

Disse Chico, chegando por trás de Ernestina, passando-lhe as mãos nos ombros e dando-lhe um beijo na cabeça. Ernestina sorriu de leve.

Ernestina: - Chico, você sabe que eu não preciso fazer isso! Mas realmente o pudim está tão bonito e o gosto, maravilhoso! Você mudou alguma coisa na receita? Não é possível, ele está muito bom! 

Chico: - Eu não mudei nada, você sabe o quanto eu sou metódico e presto atenção no que eu faço, sigo o passo a passo certinho, nem mudei marca de ingrediente, está exatamente como eu sempre fiz!

As meninas já haviam terminado o café da manhã.

Chico: - Bom, já está na hora de levar as meninas para a escola. Vamos para a Kombi meninas?

Todas Juntas: - VAMOS!!!!!!

Chico: - Fico muito feliz que tenha apreciado o meu pudim de pão, meu amor! Até daqui a pouco!

Ernestina: - Até mais!

Chico saiu da cozinha com as meninas e Ernestina continuava a devorar vorazmente o pudim de pão. Quando se tocou, ela havia comido ele quase todo. Realmente a fome era tanta que até algo que ela nunca gostou a satisfez, e muito! Mas por algum motivo a aparência daquele pudim chamou a sua atenção de uma maneira como ela nunca havia experimentado com alguma comida antes. Parecia até um imã a atraindo intensamente.

— É, estou namorando o homem certo! Agora vou para os meus afazeres!

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Na sala, antes de saírem para a escola, as meninas não paravam de comentar o quanto estavam ansiosas para a hora da volta.

Tati: - A Clarita prometeu para a gente que nos ensinaria a coreografia da música nova do Ricky Martin hoje à tarde!

Ana: - Eu a ouvi comentar isso com alguém! Vai ser o máximo! Não vejo a hora de chegar logo da escola!

Pata: - Ela falou que almoçaria com a gente hoje, o dia hoje vai prometer!

Bia: - Isso se a Ernestina não comer toda a nossa comida antes né! Ô Chico, você e a Ernestina andaram fazendo alguma coisa além de darem uns beijinhos???

Chico explodiu, furioso com a pergunta da Bia: -ISSO É COISA QUE SE COMENTA MENINA???

Bia ficou muito assustada e chocada com a reação dele. Não estava nem acreditando. As meninas todas se entreolharam, igualmente chocadas. Elas nunca o viram assim. Mas como Bia sempre foi muito orgulhosa e não queria demonstrar que estava horrorizada, mandou:

— Sei não, ela tem andando muito enjoadinha por esses dias, reclamou do nosso hálito hoje quando ela nunca fez isso, reclamou do perfume da Vivi ontem...outro dia estava amuada lá no jardim e está comendo além da conta!

Chico gelou na hora. Por um momento sentiu o coração ir à boca e voltar. Se estivesse se olhando no espelho, se veria mais branco do que papel. – mas não será possível – pensou – Mas se for isso mesmo, como que pode acontecer tão fácil, ela nem é tão nova.

Chico logo se recuperou do susto, pois poderia ser outra coisa:

— hahaha Bia, você deve ter se enganado, vai ver ela está na TPM! Algumas mulheres ficam assim, um dia vocês irão ver que isso realmente acontece!

Chico se justificou, sorrindo e amenizando o tom de voz, tentando recuperar o clima que estava bom até ele se estressar.

Vivi: - Pode até ser Chico, mas ela sempre foi muito cuidadosa em relação a se entupir de doces, e sempre comeu bem menos do que a gente, eu até queria tentar ser como ela!

Bia cochichou para Mili: - Sei...TPM que não virá tão cedo...ele não quer admitir que vai ser papai, isso sim!

Mili: - Tomara que seja isso viu, imagina, até que seria bem legal!

Tati: Verdade, tomara! Vamos começar a pensar em um nome bem legal para ele ou ela!

Ana: - Vamos sim! Estou muito feliz com tanta notícia boa!

As meninas saíram cochichando e rindo em direção à Kombi do Chico.

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Enquanto isso, Ernestina se dirigia para o quartinho de limpeza para pegar uns produtos.

— Hoje é dia de limpar o banheiro bem caprichado, vou acabar com aqueles fungos malditos que insistem em voltar!

Pegou a vassoura, um pano dobrado em um canto, colocou os produtos de limpeza em um cesto e foi para o banheiro. Chegando lá, colocou o cesto no chão e pegou um desinfetante que tinha cheiro de tutti frutti, e aquilo lhe deu uma certa repulsa, então deixou o desinfetante em um canto: - Pelo visto meu estômago ainda está ruim. – pensou, lembrando que quase havia vomitado mais cedo. Ela deu uma olhada no espelho:

— Nossa, meu cabelo está uma bagunça! As meninas nem me avisaram disso e devem ter ficado rindo de mim às escondidas!

Ernestina foi rapidamente para o quarto pegar uma escova para ajeitar o cabelo. Chegando ao quarto, viu a escova em cima de uma mesinha, e bem ao lado da escova tinha um calendário. Acontece que Ernestina tinha andado tão atarefada que se esqueceu de verificar uma coisinha faz um bom tempo nele, algo sagrado todo mês:

— Caramba! – Disse, levando as mãos à boca, - Já estava quase me esquecendo disso! Está para chegar, e se eu ficar toda cagada na frente das meninas, já era, virarei piada por um bom tempo!

Olhou o calendário, pegou, contou os dias e quase caiu para trás. Sua menstruação estava quase três semanas atrasada. Daí se lembrou das aventuras com o Dr. Santarelli antes de começar a namorar o Chico e como próprio Chico também. A preocupação bateu:

— Peraí...então isso quer dizer que...essa não...essa não...sempre veio certinha...ai eu não acredito!...eu devo ter contado errado! Isso! Contei errado...com certeza, contei errado....calma Ernestina...calma que você está muito nervosa...se continuar assim, vai contar errado outra vez!

Sem acreditar no que estava vendo, contou os dias outra vez. Recontou duas, três vezes, e de fato não estava enganada. Três semanas de atraso...sem acreditar, Ernestina encostou na parede, sentou e deitou a cabeça nos joelhos. Lágrimas começaram a escorrer de seus olhos.

— Ai meu Deus, acho que estou grávida! Acho não, tenho certeza! Se a dona Carmen descobrir...ela não vai gostar nada...e vai me demitir! E o Chico vai ser demitido também! E o pior é se isso nem for com ele! Aí a injustiça será muito pior! E agora o que eu faço? Eu não quero perder o Chico! Se não for filho dele então, já era!

Pensamentos muito ruins invadiram a mente de Ernestina. O chão parecia se abrir debaixo de seus pés. O pior de tudo é não saber quem é o pai da criança.