Corri em direção à minha casa.

          Senti meus pés sendo dilacerados pelas pedras pequenas, finas e cortantes que estavam do outro lado do rio, mas esqueci completamente da dor quando vi um monte de madeira e tecido queimando, desabando sobre o solo úmido, onde antes estava minha moradia erguida firmemente. Caí de joelhos.

Cobri meu rosto.         

Aquilo não poderia estar acontecendo. Meus pais estavam naquela casa há poucos minutos...conversando, cozinhando. Olhei ao redor. Crianças corriam com suas mães, e choravam muito. O tilintar das espadas se chocando era ensurdecedor, assim como os gritos de guerra que ficavam cada vez mais altos.

—Hmmm...o que temos aqui? -olhei para cima. Um homem barbudo com dentes podres sorria pra mim. Pensamentos ruins estavam por trás daqueles olhos negros e brilhantes. Mas que pensamentos ruins seriam? Nunca saberei. Quando ele levantou sua espada acima da minha cabeça, meu pai já tinha afundado seu machado no flanco do invasor.

—Pa...Papai!- abracei meu pai com toda minha força.- Onde está a mamãe? -finalmente perguntei, ofegante.

—Defendendo a aldeia com a Nyza. Fique com a filha dela, em segurança. Em hipótese alguma vá atrás da sua mãe se conseguir encontrá-la. Você me entendeu?

Encarei meu pai. Silêncio.

—Você me entendeu??- ele perguntou mais alto e com mais raiva dessa vez.

Assenti levemente.

Saí à procura de Azura, filha da feiticeira mais famosa da região. Não demorei muito até encontrá-la nas ruínas de sua casinha, tentando recuperar os livros mais importantes, e os que ainda não tinham sido queimados. Seus óculos escorregavam um pouco sobre seu nariz por estar com o corpo ligeiramente inclinado, e mechas azuis de cabelo caíam sobre seu rosto. Mal tinha percebido minha presença, e quando finalmente se virou para mim, estendia alguns livros na minha direção dizendo “Vá, vá. Segure logo esses daqui, preciso pegar os outros!” e voltava à procurar mais livros inteiros.

Eu olhava ao redor, me perguntando como Azura tinha coragem de procurar livros que estivessem em bom estado no meio de toda aquela confusão. Tudo estava em câmera lenta. Fogo. Pessoas correndo. Cheiro de fumaça. Mais pessoas correndo. Espadas se chocando.

...mamãe!

Acompanhada por Nyza, eu a via segurando um livro enquanto corria, ela parou em meio aos destroços abruptamente e claramente estava conjurando alguma coisa. Algum feitiço junto com a mãe de Azura. As páginas dos livros se moviam rapidamente, e esferas arroxeadas de energia  se formavam ao redor de sua mão, flutuavam e eram projetadas contra os inimigos. Não...eu não poderia estar delirando. Ela era uma feiticeira também??

Lembrei da ordem de meu pai. Não posso avançar em hipótese alguma. Chegar na minha mãe seria muito arriscado, se ela me ver no meio de tudo isso, ela vai perder a concentração e…

—EVA!!!- escutei ao longe. Consegui ver os olhos da minha mãe grudados em mim e em Azura. Inúmeras flechas estavam caindo sobre nós, milhares delas. Meu nome não parecia ter sido pronunciado por ela...estava distante demais. O corpo de Nyza tinha marcas que agora percebi que brilhavam, assim como seus olhos. O que parecia ser um escudo azulado se formou ao meu redor e ao redor de Azura. E então...um clarão.

Quase pude ver três homens cercando meu pai ao longe, enquanto um deles suspendia sua cabeça no ar e sorria com escárnio. Mas a inconsciência tomou conta de mim, e eu...bom. Eu acordei alguns dias depois.