Butterfly escrita por LadySu


Capítulo 3
Não confie em borboletas


Notas iniciais do capítulo

Acho que tô me empolgando um pouco no número de palavras :v
Ah, e caso esteja gostando da historinha ~ ou não ~ sinta-se à vontade para me dizer sua opnião nos comentários ♡
Sem mais delongas, boa leitura!



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~ De volta para os dias atuais... 

  

Aquele parecia apenas mais um dia normal de aulas naquele colégio imponente de pintura cor-de-tijolo. E de fato seria... se não fosse por alguns pequenos detalhes. 

Por exemplo, adentraremos agora na quadra de esportes, no meio de uma aula improvisada de Educação Física. Improvisada porque no horário oficial agora seria aula de Química para aquela turma de terceiro ano médio. Acontece que o professor dessa matéria se sentira indisposto e trocara o horário com a professora de Educação Física que, apesar de contrariada, concordara. Sabia que o colega era demasiado sensível, e estava bastante abalado com os acontecimentos daquela semana... ele tinha a mesma expressão distante e melancólica que ela notara em alguns de seus alunos do segundo ano, turma da aluna que se fora. E por isso, apesar de sua fama de "carrasca", a severa professora resolveu ceder pelo menos daquela vez. 

Um outro detalhe é que, se você reparar bem, haviam muito poucos alunos correndo por ali atrás da bola de futebol — quase ninguém esteve a fim de ir para o colégio já quase no fim da semana. E se você for do tipo de pessoa capaz de captar a energia de um espaço, sentiria que o clima, apesar de descontraído, ainda estava bem longe de ser leve como há algumas semanas atrás. Em todos lugares parecia ser possível sentir a presença fria da morte. Ela não abandonara aquele lugar desde que, dois dias atrás, havia sido realizada uma pequena cerimônia em respeito à aluna que se fora. Nessa mesma cerimônia foi que o diretor comunicou o adiamento das provas, os dois dias de luto da instituição e liberou os alunos do restante das aulas do dia. 

Ah, e por favor, queira perdoar os meninos que vibraram por dentro com o adiamento das provas, apesar de não ser lá por um motivo tão agradável. Ben e Gusta não eram lá os mais estudiosos da classe, e esses dias a mais de "folga" era tudo o que precisavam para pelo menos tentar não levar bomba em todas as matérias. 

Por falar neles, lá estavam os amigos sentados nas arquibancadas, Gusta com o celular na mão, Ben com um livro aberto sobre as pernas enquanto tentava estudar. Nem pergunte de que matéria era — ele próprio nem se lembrava mais. Ia apenas lendo, sem entender nada, apenas para não dizer que não tinha pelo menos tentado. Já o bronzeado sabia muito bem o que estava fazendo: provocando uma guerra de figurinhas num grupo do celular. Vez ou outra dava uma risada sozinho, se agitando todo, levando uma mão à boca. Voltava, mandava outra, recebia um monte, ria mais ainda. Só após alguns minutos foi que, enfim, percebeu de canto de olho o silêncio do amigo ao lado. 

— cara, o que você tá fazendo? — perguntou então, sem tirar os olhos do celular. 

— lendo. 

— lendo? — Gusta sorriu de canto debochadamente — que coisa mais pré-histórica! 

Ben até que tentou mas não conseguiu disfarçar um mini sorriso ao constatar mentalmente que, ironicamente, na pré-história ninguém sabia ler. 

Gustavo então deixou um pouco o celular de lado e observou o amigo voltar a se concentrar, mas, inquieto como era, não conseguiu deixá-lo sossegado por muito tempo. Num gesto rápido tomou o livro das mãos dele, ergueu-o um pouco no ar e apontou-o com a mão livre como fizera Hamlet naquela emblemática cena com o crânio. 

— que tipo de tablet é este? — brincou, citando um meme da internet. O amigo riu e deu-lhe um tapa atrás da cabeça, alcançando o livro de volta num instante. — ei! 

— se quer saber, engraçadão, você deveria fazer o mesmo. — aconselhou o mais velho, sorrindo com sua habitual ironia enquanto procurava a página certa novamente. — temos prova semana que vem, e eu duvido que as respostas certas vão simplesmente brotar magicamente na sua cabeça. 

— ou talvez eu possa apenas pedir cola pra alguma garota nerd lá da sala. 

— é, ou talvez isso. 

Enquanto o mais alto voltava sua atenção novamente para o celular, o jovem ao seu lado tentava pela milésima vez entender o que estava lendo. Falava de Newton... Ok, era Física. Uma das responsáveis por ele ter repetido o ano passado, quando agora já devia ter terminado a escola e estar iniciando numa faculdade qualquer, mesmo que não tivesse a menor ideia de que curso queria fazer. Ele só sabia que era péssimo em exatas. 

— sabe, é uma pena que a Andréa não tenha vindo hoje. — Gustavo falou de repente, despertando o amigo dos próprios pensamentos. Ao perceber que Ben não sabia de quem ele estava falando, explicou. — Andréa, negra, cabelo cacheado, umas curvas surreais... 

— ah, mano. — o outro torceu os lábios. — claro que ela não ia vir. Você mesmo disse que ela era muito amiga da menina que morreu. 

— bom, por isso mesmo. — o garoto exibiu um sorriso sugestivo. — eu podia tentar consolar ela, sabe...? 

— tá legal, isso foi bem idiota. 

— ei, não leve tão a sério; estou só brincando. Pra descontrair. — deu uma cotovelada divertida no amigo, que por sua vez quase acreditou que tinha acabado de deslocar o ombro. — cadê seu senso de humor, Benzinho? 

— enfiei no cu. 

O outro riu. 

— você fica muito chato quando está tentando não repetir de ano. 

De fato, ele ficava mesmo. Mas ficava ainda mais chato quando atrapalhavam o que ele estava fazendo. E mais chato ainda quando não conseguia se livrar daquele maldito bloqueio de criatividade. Agora junte tudo isso no liquidificador: era como ele estava se sentindo agora. 

Ben, apesar de toda aquela "delicadeza" evidente, tinha alma de artista. Era do tipo que se acalmava quando corria o lápis no papel, e não conseguir fazer isso já há tanto tempo estava acabando com os seus nervos. Agora então, mais do que nunca, sabia que nunca mais iria sair dessa situação — tudo o que ele queria desenhar era aquela borboleta. Aquela maldita borboleta amarela. Ela grudara na sua cabeça de modo que não queria mais sair, não importava o quanto ele tentara afastá-la com imagens de outras no Google. Suas asas douradas, sua pintura tão incomum... ele não sabia explicar o porquê, mas aquela frágil criaturinha o provocara um efeito muito intenso. Talvez fosse esse o seu maior defeito, até: ser muito intenso. Estaria levando aquela história meio a sério demais, afinal, apesar de tudo, aquilo era só um inseto. O que demais teria um inseto? 

Pegou-se rabiscando sem perceber no canto do livro de Física, e pelos garranchos de duas asinhas percebeu que tentara desenhar sua borboletinha de memória de novo, e de novo sem sucesso. Que droga, já estava ficando obcecado com isso! 

— por falar nisso, não pense que esqueci que você me prometeu ir na minha festa. — Gusta voltou a falar, dessa vez fazendo o outro esboçar uma careta de desgosto que não foi despercebida. — nem adianta fazer essa cara, você pode estar chato como for, mas ainda é o meu maninho e maninhos não deixam de ir nas festas de aniversário dos seus maninhos. E nem de levar o presente também. 

— você se aproveitou que eu estava distraído e não percebi com o que estava concordando. 

— verdade, mas concordou. Agora já era. 

— mas eu não gosto de festas... 

— já era. — repetiu. 

— tem sempre bebidas, muitas luzes, música muito alta... 

— já era. 

— e depois de cinco minutos você já está se agarrando com uma garota qualquer. 

— não seja por isso, eu arrumo uma pra você. 

Ben limitou-se em apenas esboçar uma careta irônica. A verdade é que, bom, ele se envergonhava um pouco em admitir que não via a menor graça em trocar alguns beijos com uma completa desconhecida sem nenhum motivo aparente. E isso parecia ser algum tipo de heresia entre os homens quando se é um cara solteiro de dezoito anos. 

— então você vai. — o bronzeado concluiu, exibindo um sorriso faceiro. — o que acha da Fran? Loirinha, bonitinha, quietinha, deve fazer o seu tipo. Eu te arrumo com ela rapidinho. 

— Gustavo... 

Estava prestes a discutir novamente a sua preferência por não ir, quando notou, por sobre os ombros largos do amigo, uma pequena criaturinha voando erroneamente em direção à porta de saída do ginásio, que estava aberta. Ben imediatamente calou a boca, sentindo o peito se encher de uma estranha sensação de ansiedade. Podia até estar sem os seus óculos para enxergar bem de longe, mas naquele momento não teve dúvidas: era ela. Aquela maldita — e maravilhosa — borboletinha. 

Ele ergueu-se de repente, assustando um pouco o garoto ao seu lado. Não podia deixá-la escapar! 

— eu... — ele murmurou, recolhendo depressa a mochila onde jogou o livro de física às pressas. - eu tenho que ir.

— ir? Mas pra onde? 

Não respondeu; mal fechou a bolsa, Ben saiu em disparada para a porta, tentando alcançar a borboletinha que já quase sumia da sua vista. Parou já do lado de fora, alerta, procurando-a por todos os lados. Viu-a seguindo pela direita, inacreditavelmente mais distante ainda, apesar de ser um bichinho que não é lá tão rápido assim. Porém, o moreno não se importou — voltou a correr pelo campus, seguindo-a até a entrada do prédio da escola, onde, ao virar no primeiro corredor, viu-a novamente voando ainda mais longe. Parecia que ele nunca conseguiria alcançá-la, mas não se importava. Estava alucinado, precisava daquela borboleta mais que tudo naquele momento!

Seguiu-a, sem se importar com o cansaço, até parecer que enfim conseguiria encurralá-la no corredor da biblioteca desativada. Não tinha saída a partir dali, a não ser que abrissem a porta, o que a borboletinha com certeza não faria. Foi assim que, já sentindo o gostinho da vitória, o garoto virou no último corredor e encarou a passagem sem saída. 

— Ahá!! — gritou, erguendo os braços como se fosse impedir um ser humano de sair correndo. 

Foi só então que percebeu que não havia nada ali além da porta acinzentada da biblioteca. Nem sinal da borboleta. 

Ben piscou sem reação imediata, confuso e totalmente pego se surpresa. Soltou a respiração, num muxoxo decepcionado. Só agora sentiu o impacto da corrida, que seu corpo sedentário não era tão apto a encarar. Inclinou-se sobre os joelhos, recuperando o fôlego, esperando o coração parar de palpitar como um louco antes que tivesse um enfarte. Por fim, jogou-se contra a porta fechada da biblioteca, onde deixou-se escorregar na madeira até cair sentado no chão. 

Soltou um suspiro... mas que droga fora aquela? Ele tinha certeza que tinha visto aquela borboleta virar naquele corredor, tinha certeza, estava quase, quase a alcançando. Onde ela tinha ido parar? Não podia simplesmente ter evaporado no ar. Não, a não ser que ele estivesse vendo coisas. Estava? 

O jovem respirou então, completamente recuperado. Ergueu-se. Precisava sair dali antes que o vissem pelas câmeras, aquele era local proibido aos estudantes. Jogou a mochila nas costas e estava prestes a ir embora conformado com a peça que própria imaginação teria lhe pregado, quando ouviu um som meio abafado, mas bem ali perto. Parecia quase... um choro. Olhou ao redor, surpreso, procurando quem estaria chorando logo ali, afinal estava claramente sozinho naquele corredor escuro. Foi então que percebeu que o som parecia vir por trás da porta, de dentro biblioteca, que sabia estar desativada já desde o ano passado. 

Certo, agora sim estava começando a ficar assustado. 

— tem alguém aí? — arriscou perguntar, apesar da voz um tanto trêmula. Droga, Ben, engrossa essa voz! 

Não ouviu resposta; no entanto o som ainda persistia. Apesar do medo, a curiosidade falou mais alto e o garoto logo chegou à maçaneta, torcendo mentalmente para a porta estar trancada. Sua mão girou nela, e a tranca cedeu. Engolindo em seco, ele sentiu a porta abrir-se com sua atitude. 

O lugar estava de fato precisando de uma reforma, conforme denunciavam todas aquelas teias de aranha e móveis quebrados repletos de pó. A luz do sol vinda de algumas janelas ajudava a tornar a sala mais clara — e foi graças a isso que ele avistou bem à sua frente, encostada à parede empoeirada, a figura encolhida de uma garota que abraçava os joelhos cobertos pela saia do vestido. Seu rosto sumia entre os braços, e os cabelos negros escorriam-lhe pelas costas e cotovelos. Porém, o mais importante era o que o tinha levado até ali: ela chorava. Chorava muito. 

— ahn... — Ben murmurou, sem jeito, porém aliviado: era só uma garota completamente normal, não era nenhuma assombração. Mas, mesmo assim, ele era péssimo com pessoas chorando. Nunca sabia como reagir. — tá... tá tudo bem? 

Foi obviamente uma pergunta idiota, mas a única em que ele conseguiu pensar. Ela, por sua vez, negou com o rosto ainda enterrado nos joelhos, fungando. 

— eu pareço estar bem?! — resmungou a jovem, a voz embargada pelas lágrimas. — porque não, não estou nada bem. Eu não sei o que está acontecendo comigo, ou com as pessoas, ou com todo mundo... está tudo tão confuso... 

— bom... — ele desviou o olhar, mais envergonhado ainda. Só faltava agora ter que ouvir um desabafo! Não levava o menor jeito para isso. — não acho que ficar chorando nesse lugar bizarro vá ajudar em alguma coisa. 

— você não entende! — ela gritou furiosa, erguendo o rosto para a parede do outro lado da sala. Ben viu seu perfil e, por um instante, achou-o estranhamente familiar. — não estou falando de algo normal. Eu tentei procurar ajuda, tentei muito, tentei por dias, mas ninguém me ouvia, ninguém parecia sequer notar a minha presença... não sei se isso é um sonho, um pesadelo, ou se de repente todo mundo inventou de me pregar uma peça, de fingir não me ver. Se for isso, por favor, peça pra pararem! Estou ficando com medo! 

— ei, não é verdade. Acho que faço parte do todo mundo. E, bom, que eu saiba ninguém combinou de fingir nada... veja, eu estou te vendo. 

— ah, tá... — ela sorriu ironicamente entre as lágrimas, querendo voltar a baixar a cabeça. De repente, como se só então se desse conta do que acabara de ouvir e do que estava acontecendo, seus olhos arregalaram-se. Ela finalmente encarou-o, perplexa. — espera... você disse que está me vendo?

Ben ia responder que sim, mas pegou-se completamente sem reação ao finalmente reconhecer o rosto assustado que se voltara para ele. Ele sabia que reconheceria em qualquer lugar aqueles cabelos escorridos, os olhinhos pequenos, a franja negra sobre a testa de pele marrom... era ela. A garota da fotografia. A garota por quem realizaram uma cerimônia na escola em ocasião de sua morte. 

Ele sentiu as pernas falharem e por um minuto pensou que iria desmaiar, mas nem isso conseguiu fazer. Estava completamente paralisado, olhando naqueles olhos arregalados que o fitavam, mudo de terror. De repente, porém, sentiu uma mão sobre seu ombro que o fez olhar para trás de lentamente, quase que em modo automático, esperando o susto final que enfim o mataria do coração. 

— posso saber o que o senhor está fazendo aqui, Benjamim? — certo, era o coordenador. E não parecia nada feliz. 

— eu... ela... eu... eu só... 

O rapaz olhou de volta para o interior da biblioteca empoeirada, buscando a jovem que chorava. Ele sentiu todo o sangue sumir das suas veias ao notar que não havia ninguém ali. 

— vamos, venha comigo. — o mais velho tocou em suas costas, severo. — teremos uma conversinha na sala da direção.


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