O Conto de Farsas escrita por Gabriel Campos


Capítulo 4
As decepções


Notas iniciais do capítulo

Recomendo ouvir a música
"Overjoyed - Bastille"
Link: https://www.youtube.com/watch?v=fK3fVJtFTh0



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/770611/chapter/4

Quando saiu o resultado do vestibular no final daquele ano, Marcelo se sentiu o rapaz mais decepcionado do mundo. Em frente ao velho computador de sua casa tão humilde quanto, sua mão direita tremia ao tocar o mouse. Ele não queria acreditar. Não seria um calouro de Engenharia Civil da federal. Não naquele ano.

Marcelo dos Santos sempre estudou em escola pública; filho de uma empregada doméstica e de um pedreiro, sempre foi interessado nos estudos e, sabendo que a educação pública de seu país não era o suficiente para conseguir competir com os alunos dos melhores colégios particulares e cursinhos de todo o Brasil, resolveu correr atrás do prejuízo sozinho.

Virava noites e noites revirando livros, vasculhando a internet em busca de toda a informação relevante e segura possível; realizava simulados e, qual fosse o resultado, exigia muito de si. Marcelo era o seu próprio treinador, com sua própria voz berrando em sua mente que ele mesmo não estava bom o suficiente. Ele sabia, no fundo de sua alma, que se quisesse ser um Engenheiro Civil, deveria dar muito mais do que o melhor de si.

E foi assim até o final do ano de 2011. Marcelo ganhara uma bolsa de estudos em um dos melhores cursinhos de Fortaleza, que divulgava aos sete ventos que mais aprovava nos maiores cursos das melhores Universidades Federais de todo o país. Calculara que, se seus pais juntassem os seus salários durante seis meses, mal conseguiriam pagar uma mensalidade daquele cursinho pré-vestibular; Marcelo se considerava um rapaz sortudo até então.

— Marcelo, você tem apenas dezenove anos. Tem toda uma vida pela frente. – Consolava o seu pai.

— Não, pai – Cerrou as mãos em punho, sentado em frente ao computador. Seus olhos estavam vermelhos, profundos, incrédulos. O rapaz tinha ódio de si mesmo. – Eu tive tudo nas mãos, e não fui bom o suficiente.

— As coisas não funcionam assim. Não se pode ter tudo na vida. É preciso saber perder e usar essas decepções para se tornar mais forte. Você precisa se conformar e seguir em frente.

Marcelo se pôs de pé e, olhando nos olhos do pai, viu as marcas que o sol fazia ao maltratar seu rosto durante toda a sua vida como pedreiro. Viu as mãos calejadas de seu progenitor se aproximarem de seus ombros. Sentiu um toque acalentador. Sua respiração tornou-se mais lenta e, enfim as primeiras lágrimas desceram de seu rosto.

— Eu só queria dar uma vida melhor para o senhor e para a mamãe. – Confessou o rapaz, soluçando. – Eu só queria ser o motivo de orgulho pra vocês.

— Você já é o nosso orgulho. Estaremos com você sempre. Em todas as decisões.

Marcelo abraçou o pai e ali naquele quarto se sentiu novamente com oito anos de idade. Ele não queria mais ter que crescer; não queria ter responsabilidades de um homem adulto. Mas era necessário. Um dia seus pais precisariam dele, e ele queria devolver tudo o que foi feito por ele, era questão de honra.

Marcelo continuaria exigindo muito de si mesmo. Era apenas questão de tempo.

Ver aquela maldita medalha de ouro pendurada com destaque junto a outras medalhas na parede de seu quarto, para Patrícia Barreto, era como uma punhalada em seu coração.  O brilho reluzente do ouro fazia com que ela recordasse do pior dia de sua vida.

Aquele objeto foi motivo de alegria para muitos brasileiros, mas nunca seria motivo de alegria para Patrícia. Ganhei essa medalha por pena, pensava ela.

Sentada diante da escrivaninha de madeira de seu belo quarto, o maior desafio para a moça, naquele momento, era aprender a escrever pelo menos o seu nome com a mão esquerda.

A letra saía trêmula. Percebeu que o papel estava molhado: eram suas lágrimas. Já haviam se passado três meses desde o incidente, mas Patrícia sabia que, nem em um milhão de anos, teria sua vida de volta.

Era impossível desviar a atenção do grande espelho que havia em seu closet. Se antes Patrícia Barreto tinha um grande afinco com sua beleza física, naquele momento o espelho era o seu pior pesadelo.

Encarando seus próprios olhos no reflexo, vestindo apenas uma camisola branca de seda, imunda, a ex-campeã de hipismo sentia repulsa pelo seu corpo mutilado.

Tinha ódio de Deus. Tinha ódio da vida.

Lembrou-se de quando se viu a primeira vez no espelho, ainda no México, após amputar o braço e o antebraço direito. Lembrou-se das palavras do pai e do médico, que diziam que tudo iria ficar tudo bem, mas que não poderia, nunca mais, voltar a competir como antes. Recordou-se do dia em que recebera a prótese. A mesma estava abandonada, em cima da tão confortável cama de casal.

Patrícia Barreto tinha todo o dinheiro do mundo; mas nada compraria sua vida de volta.

Com dificuldades, soluçando, tomou a prótese para si. Ainda não havia se acostumado em usar o braço esquerdo. Voltou-se para diante do espelho e tentou colocar a prótese. Sua face exalava desprezo por si mesma, por tudo o que estava sendo obrigada a passar.

Em um ato de fúria, Patrícia destruiu o grande espelho de seu quarto usando a sua prótese.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Conto de Farsas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.