Orquídea Vermelha escrita por Mrs Jones, QueenOfVampires


Capítulo 5
Well, After All, You Think Alike.


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Retornamos com mais um capítulo e estamos muito felizes pela participação de vocês. Agradecemos imensamente a todos.
Boa leitura e até a próxima!



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Naquela mesma noite, logo após o jantar, a tripulação tinha seu merecido descanso após um dia inteiro retirando a metralha do navio antes de começarem a recuperação do Queen Ann’s Revenge. E Barba Negra, Sr. Smee e Cornélia estavam no escritório que ficava no topo da torre circular. O local era iluminado por inúmeros lampiões pendurados pelas paredes de pedras escuras, tinha janelas enormes por onde entrava a pouca luz do luar que contrastava com o tom infernal do interior, composto por tapetes vermelhos e mobiliário de madeira escura, além da lareira acesa.

A filha do capitão estava sentada em uma das poltronas de couro, na verdade estava largada na poltrona, girando um globo terrestre que ficava ao seu lado com a ponta dos dedos tediosamente. Sr. Smee amontoava mapas, tanto marítimos e terrestres quanto astronômicos, pela mesa principal, onde Barba Negra se encontrava sentado atrás, parecendo bem concentrado em seu trabalho.

— Já que o Sr. Smee conseguiu dividir os cargos devidamente entre a tripulação para o conserto do meu precioso navio, já podemos planejar os próximos destinos… - ele falou, sem tirar os olhos das rotas que já foram usadas antes - Connie?

— Depende de quantos dias passaremos aqui, quanto suprimentos ainda restarão e, mais importante, se o navio vai aguentar outro combate tão cedo. - ela se arrumou na poltrona - Eu andei olhando o estrago, não sei se temos o suficiente para deixá-lo do mesmo jeito, pai.

O capitão suspirou e olhou para o Segundo Imediato, que assentiu confirmando a informação de Cornélia.

— Temo que será necessário evitarmos rotas hostis, capitão… Pegar os caminhos mais longos e escolher pequenos vilarejos que forneçam materiais para a restauração do navio. - Smee coçou a cabeça, parecendo nervoso - E acho que perderemos, no mínimo, uma semana aqui.

— O quê? - Cornélia arregalou os olhos - Por quê?

— Perdemos muitos homens, Connie. - Barba falou como se fosse óbvio - Os que restaram estão debilitados...

— Coloque o padre e o cozinheiro para trabalhar também! - ela o interrompeu erguendo o tom - Estão por aí com os pés para o ar, só enchendo o rabo de comida enquanto os outros trabalham!

— Cornélia! - tanto Smee quanto Barba a repreenderam.

— Qual a sua cisma com o padre? - o capitão questionou.

— Meu problema é que eu teria o matado! Mas os seus marujos ficaram falando na minha cabeça, eu comecei a me sentir culpada e trouxe esse fardo que não serve de nada! Nós vamos nos livrar dele na primeira parada, entenderam?

— Quem diria que um dia você demonstraria misericórdia por um homem? - Sr Smee a provocou.

— E, sem surpresa alguma, já me arrependi.

Cornélia levantou-se e foi até a mesa de seu pai, puxando o mapa que ele consultava sem a menor cerimônia, o que fez o segundo imediato rir, principalmente da cara de tacho do capitão.

— Pai, podemos ir para Ilhota de Burterre… - ela franziu o cenho e esticou o mapa na mesa, apontando a pequena ilha com três rotas demarcadas - Podemos usar a rota mais longa, ninguém a usa. O senhor tem bons contatos para venda e troca de mercadorias lá, além de que sempre há homens sem futuro que podemos adicionar à tripulação.

— É uma ótima ideia, na verdade. - o capitão assentiu - Smee, prepare tudo pois vamos rumo ao leste assim que possível e, por favor, chame o jovem Killian aqui.

— Sim, senhor! - Smee começou a recolher os mapas rapidamente.

— Qual o sentido de chamar o maneta aqui? - Cornélia questionou, tentando manter a paciência.

— Quero a opinião dele, claro. É muito esperto, pode ter alguma ideia melhor…

— MELHOR?!

E assim como diversas vezes antes, o capitão se arrependeu de sua escolha de palavras diante da filha. Ele tentou recorrer ao apoio de Smee, mas o mesmo já tinha escapado da sala.

— Eu não quis dizer melhor que a sua… É só que…

— ENTÃO ACHA QUE AQUELE ANIMAL SABE NAVEGAR MELHOR DO QUE EU? - ela bateu na mesa com tamanha força que a mesma tremeu, derrubando algumas coisas no chão - QUE CONHECE AS ROTAS MELHOR DO QUE EU?

— Cornélia, abaixe esse tom agora mesmo. - o capitão ficou de pé, como se isso fosse intimidar a filha de alguma forma.

— Você coloca um homem dentro do navio para me desafiar, começa a me diminuir diante dele, me oferecendo como uma prostituta qualquer em troca de navios e riquezas, isso eu aceito… Mas alegar que ele possa sequer fazer metade do que eu faço é demais.

E então a ruiva deu as costas ao capitão e saiu marchando em direção à porta. Nesse momento, Killian entrou animado, mas ao dar de cara com ele, Cornélia acertou um soco direto em seu rosto, o fazendo cair no chão devido à surpresa, e bateu a porta ao sair.

— MAS O QUE FOI QUE EU FIZ AGORA? - o homem indagou, segurando a própria mandíbula enquanto se levantava.

— Céus! - Barba se apressou em ir auxiliar o projeto de futuro genro - A culpa foi minha, jovem! Escolhi mal as palavras e, bom, acabei deixando minha filha um pouco irritada.

— Um pouco? - Killian levantou-se, encarando o capitão descrente enquanto sentia a lateral direita de seu rosto começar a latejar - Acho que ela deslocou meu queixo!

— Não seja exagerado, pelo menos metade da minha tripulação já recebeu um soco de Cornélia e sobreviveu, você vai ficar bem. - o capitão sorriu para ele.

— Hum - fez o rapaz, massageando o maxilar conforme caminhava em direção ao Capitão - O senhor queria me ver…

— Sim, sim! Sente-se, meu jovem. Ah, aí não! É a poltrona de Cornélia, ela saberia que foi usada por outra pessoa pela marca no assento.

Killian arqueou uma sobrancelha, pulando para o sofá ao lado. Passou a encarar Barba Negra, que enrolava o bigode com um dedo, enquanto martelava a mesa com a outra mão.

— Bem, meu caro, achei prudente consultar a vossa opinião. Fato que perturbou Cornélia, como pode constatar. Veja bem, ela não suporta que um homem opine depois de ela própria verbalizar seus pensamentos...

— Hum, Lady Cornélia tem mesmo um gênio forte…

— ...em todo caso, o chamei aqui porque duas cabeças pensam melhor do que uma e, apesar de concordar com a minha filha, não quero me arriscar a seguir a afobação daquela cabecinha teimosa. O caso é que o incidente com o navio e a perda de marujos nos deixa com uma semana de desvantagem. Não temos em mãos todo o material necessário ao reparo e, somado a isso, a minha mercadoria só resistirá o suficiente por mais uns quatro ou cinco dias. Enfim, que tipo de estratégia a vossa senhoria tem para me sugerir?

O cozinheiro fitou o Capitão com a expressão de quem foi acertado por um atum na cara (e preferia isso ao soco de Cornélia).

— Ahn, desculpe, senhor… Agradeço a confiança que deposita em mim, mas devo lembrá-lo de que sou um reles cozinheiro e não um Imediato, de modo que não vejo razão para que a minha opinião seja consultada - e, vendo a expressão decepcionada ( e exigente até) do Capitão, tratou de acrescentar - No entanto, já que o senhor faz questão, eu diria para irmos à Ilhota de Burterre. E usemos a rota mais longa, ninguém a usa…

Barba Negra sorriu com satisfação ao ver o rapaz apontar no mapa o desenho da ilha, tal qual fizera Cornélia.

— … acredito que haverá por lá bons contatos para venda e troca de mercadoria e, eventualmente, homens sem nenhuma perspectiva de futuro, que possamos agregar à tripulação.

— Per-fei-to! - exclamou Barba, estalando a língua - Não fosse a falta de Floyd, eu o faria Imediato.

— Tenho certeza de que Cornélia me atiraria aos tubarões diante de tal ato, Capitão.

— Bobagem! Ela se acostumaria...

Killian acreditava que o capitão às vezes parecia perder a noção da realidade, tal como a filha só que de uma maneira diferente. Por fim ele só assentiu e permaneceu calado. Barba o ofereceu alguma bebida, mas ele recusou, lembrando-se que da última vez que bebeu em companhia do capitão fora sequestrado.

O cozinheiro deixou o capitão em seu escritório e desceu para o andar onde os quartos principais ficavam, ele passou pela porta de Cornélia e parou para encará-la, se perguntando o que estava fazendo com a própria vida e qual o objetivo daquilo tudo. Convencido que as respostas não cairiam do céu, ele se recolheu em seus aposentos e foi dormir.

Ao primeiro raiar de sol, Cornélia saltou da cama com invejável disposição. Vestindo-se em questão de segundos, lançou-se porta afora e, sem nenhuma cerimônia, esmurrou porta a porta, berrando para que os adormecidos se aprontassem para o início de mais um dia de trabalho. Lady Elisa, que apesar de acostumada a amanhecer com as galinhas, detestava a brutalidade de Cornélia, revirou os olhos; enquanto isso, em seus recém-adquiridos aposentos, Killian Jones acordou com o susto da pancada abafada em sua porta.

— MOVA SEU TRASEIRO! CAFÉ DA MANHÃ! JÁ! - berrou a moça, com a entonação de um demônio enfezado.

O cozinheiro escancarou a porta segundos depois, bem a tempo de ver a ruiva à distância, direcionando-se ao andar inferior.  Enfiou-se nas calças, calçando as botas apressadamente em seguida. Alcançou a cozinha bem a tempo de topar com a moça, que gritou com ele e se afastou ordenando para que aprontasse o desjejum.

Naquela manhã, a Primeira Imediata tomara a frente do pai, convocando uma reunião geral com os marujos. Reunidos à mesa, lambuzavam os dedos com a carne de porco do dia anterior, enquanto esperavam as ordens do dia. Sentado à cabeceira com Connie tomando o assento à sua direita, Barba Negra aguardava o cozinheiro. Cornélia virava mais um grande gole de rum, de modo a manter-se paciente ante a demora do rapaz. Quando, por fim, Killian deu as honras de sua presença, o Capitão lhe ofereceu o assento à sua esquerda - para horror de Cornélia, que ficou cara a cara com o odiado pretendente.

— Bem, meus caros, agora que estão todos presentes, devo anunciar a pauta da semana - começou Barba Negra, repetindo aquilo que tanto o cozinheiro quanto a filha haviam lhe dito sobre a Ilhota de Burterre - ...e, assim sendo, considero que a sugestão feita por ambos Killian e Cornélia é a decisão mais acertada. Alguém se opõe?

E, é claro, mesmo os marujos mais teimosos seriam incapazes de se opor à Cornélia, de modo que se limitaram a silenciar, aceitando a imposição que lhes era feita. Torcendo o nariz, Connie fitava o cozinheiro em ar de irritação. O suficiente para que o mesmo a encarasse de volta, com expressão interrogativa.

— O que eu fiz agora? - perguntou com um suspiro.

— Foi para isso que consultou a opinião desse ser desprezível, Capitão? - a ruiva se dirigiu ao pai, ignorando Killian - Para que ele lhe repetisse a mesma sugestão? Como se um cozinheiro estivesse a cargo de tomar decisões…

— Ora, no fim das contas, vocês pensam parecido! - o capitão anunciou cheio de orgulho.

Tanto Cornélia quanto Killian o encararam como se o velho fosse completamente biruta.

— Cansei… - a ruiva levantou empurrando a cadeira bruscamente para trás e largando o garfo na mesa - Eu vou começar o trabalho e se eu não vir pelo menos metade de vocês naquele navio em cinco minutos, eu mesma venho aqui para arrastá-los… E GARANTO QUE NÃO VAI SER NEM UM POUCO DIVERTIDO!

Todos observaram Cornélia sair em um completo silêncio, quando ela passou pela porta, os marujos começaram a enfiar a comida goela abaixo, o próprio Smee virou o prato na boca e engoliu sem sequer mastigar. Barba Negra voltou a sentar-se com um suspiro frustrado, balançando a cabeça negativamente e continuando sua refeição sem qualquer animação.

— Hum… O dia não poderia começar sem um xilique da Cornélia, não é mesmo? - Lady Elisa falou sorrindo, tentando acalmar os ânimos - De qualquer forma, capitão, como posso ser útil hoje?

— Oh, minha querida, não precisa fazer nada. - Barba lhe lançou um olhar carinhoso - Pode se concentrar nos… Seja lá o que a senhorita faz para passar o tempo, tricô, não sei.

— Obrigada… - o sorriso de Elisa sumiu por um segundo, ela odiava o fato de ser tão inútil, além do fato de que ficaria entediada rapidamente.

Lá fora, Cornélia avaliava as condições das palmeiras que se estendiam pela praia. Com um grupo de marujos em seus calcanhares, ordenava em quais troncos eles deviam atar as cordas para estabilizar o navio.

— Toda essa perda de tempo por palmeiras, quando já devíamos estar trabalhando no maldito navio - resmungou um dos marujos, um membro mais novo da tripulação. A Primeira Imediata, que mesmo à distância era provida de uma boa audição, virou-se no mesmo momento, enfiando um dedo na cara do dito marujo.

— Pois então não é de seu conhecimento que uma embarcação com essas proporções necessita de sustento? - ela se virou para os outros marujos, que encolheram e encararam os próprios pés - Lembram-se daquele caso que ouvimos um marujo contar? Um navio que não foi devidamente sustentado e tombou sobre um cozinheiro desavisado? Tiveram de amputar as pernas do homem, por descuido e estupidez!

Os homens estremeceram e Cornélia sorriu em satisfação. Bem estava pensando que seria bastante proveitoso se aquele cozinheiro também se acidentasse de um jeito horrível, de modo a ser descartado pelo Capitão. Percebendo o sorriso demoníaco da ruiva, um tripulante timidamente ousou perguntar se aquilo era tudo.

— Por hora, sim. Tratem de amarrar direito, se esse navio tombar eu os farei erguê-lo com os próprios braços!

— S-sim, senhorita!

— Smee, supervisione-os! Vou atrás do palhaço de batina.  

Pisando duro, Cornélia marchou de volta à torre. Só agora dera pela falta do padre que, pensando bem, também não estivera à mesa do café. Pensou que o homem estivesse a ser inútil em companhia de Lady Elisa, mas, por intuição, achou mais óbvio que ainda estivesse adormecido. Encontrou-o, todavia, ajoelhado ao pé da cama, murmurando de olhos fechados.

— Ah, mas que bonito! - se afetou, assustando o padre - Orando aos céus enquanto o restante labuta!

— ...e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, amém! - concluiu o homem, calmamente, fazendo o sinal da cruz ao erguer-se - Orar é a minha ocupação, como a senhorita bem deve saber. Nós, instrumentos de fé, oramos três vezes ao dia, a começar pela primeira hora da manhã.

— Pois pode muito bem servir à fé enquanto nos serve! Vá logo à praia, Smee irá instruí-lo. Pode ser útil no transporte de carga, já que parece frouxo demais para serviços braçais. E não me force a me arrepender mais do que já me arrependi por permitir um peso morto entre a tripulação.

Ela então lhe deu as costas, encaminhando-se à cozinha, queria ver se algum preguiçoso estava fazendo corpo mole pela torre, porém, só encontrou Killian temperando uma carne e Lady Elisa parecendo um amontoado de tecidos sentada com seu enorme vestido num banquinho enquanto descascava batatas.

— Mas o que está fazendo aqui, Elisa? - questionou colocando uma mão na cintura.

— Ajudando o Killian com o almoço. - ela respondeu prontamente.

— Mas era só o que me faltava! Não satisfeito em viver nas mordomias, nem o seu papel de cozinheiro consegue interpretar? Por que não pede logo para que segurem em sua única mão para mexer o cald…

— CHEGA! - Killian esbravejou se voltando para ela. Cornélia se calou de surpresa, mas logo que estava se preparando para rebater, ele prosseguiu - Eu não pedi ajuda alguma! Essa moça que ficou me importunando até que eu a desse uma tarefa! Passei boa parte da minha vida fazendo tudo com uma mão só, qualquer coisa que uma pessoa normal faz, eu sou capaz também… Então, senhorita, por que não volta ao seu lugar e vai dar ordens àqueles pobres homens, já que é o que sabe fazer de melhor?

— Como ousa… - ela avançou na direção dele com o dedo erguido.

— Como ouso o quê? - Killian revirou os olhos - Dizer a verdade?

— Como ousa sugerir que minha única ocupação aqui é dar ordens? Você não sabe nada a meu respeito! E por isso não tem direito algum de pressupor algo sobre a minha vida!

— Digo o mesmo. - ele falou em tom baixo, dando fim à discussão.

Cornélia o encarou por alguns segundos, respirando pesadamente tentando conter sua fúria, quando percebeu que não seria capaz de se acalmar até quebrar alguma coisa, saiu marchando e batendo a porta com tanta força que chegou a lascar algumas partes da madeira. Killian voltou ao que estava fazendo com um pouco mais de violência que o necessário, descontando a raiva enquanto jogava temperos na carne.

— Senhor Jones? - Lady Elisa o chamou depois de alguns segundos de um silêncio sufocante.

— O que é?

— Só para que saiba, eu não vim ajudar porque achei que você era incapaz de se virar sozinho… Eu realmente precisava de algo para fazer pois sou a verdadeira inútil do navio.

Killian a olhou surpreso, ela continuava descascando batatas como se tivesse feito um simples comentário sobre o clima, cantarolando alguma canção, parecendo tão plena quanto um navio na marola.

— Er… Tudo bem. - ele respondeu sem jeito, não sabia o que dizer naquela situação - E não precisa me chamar de senhor, pode ser só Killian.

— Ótimo, Killian! - ela sorriu abertamente para ele - Ah e não ligue para a fúria de Cornélia, ela não gosta de ser desafiada… Mas cá entre nós, ela respeita os que fazem isso, então, talvez passe a ganhar um pouco de simpatia da parte dela.

— Certo… - e o cozinheiro suspirou, considerando improvável que um dia fosse obter de Cornélia algo que sequer fosse próximo de simpatia.

Pelos dias que se seguiram, a restauração do navio era demanda de maior necessidade entre a tripulação de Barba Negra. Supervisionados quase vinte e quatro horas por dia por Cornélia, os marujos se revezavam no serviço de carpintaria e transporte de matéria-prima. Parte dos buracos no casco foram remendados com madeira proveniente das árvores da ilha, enquanto que Lady Elisa, enfim, fez um serviço primoroso costurando os rasgos nas velas. Barba Negra, preocupado com a estética, cogitava prudente adquirir novos tecidos de modo a produzir velas novas, ainda que os remendos nas antigas fossem quase imperceptíveis.

— Como se não tivéssemos gastos suficientes - reclamara Cornélia, ante as queixas infundadas do pai - O senhor devia estar preocupado com a reforma do mastro. Conseguir a madeira adequada nos custará uma fortuna.

— Exatamente, Capitão - Smee reforçara a posição da Imediata - Acredito que, no momento, as velas são o menor de nossos problemas.

— Ora, mas vocês não entendem! - exclamara ele, em excessivo drama - Como é que o grande Barba Negra será levado a sério com as velas em trapos? Elisa, minha querida, não estou me desfazendo do seu trabalho, mas convenhamos que velas remendadas não passam boa impressão…

Enfim, agora estando mais próximo do que fora antes da batalha, o Queen Ann’s Revenge retomou seu posto sobre o mar revolto. Ainda que faltando um mastro, se exibia com pompa. Retomaram a normalidade, abastecendo os porões com a carga saqueada que seria comercializada em Burterre. Com um humor melancólico, Killian Jones se despediu dos aposentos que ocupara na torre naqueles dias. Agora, de volta ao navio,  dormiria como qualquer um dos outros subalternos: dependurado numa rede.

Já em alto mar, foram agraciados pelo vento. Cortaram a distância até a Ilhota de Burterre na metade do tempo calculado por Barba Negra. Este se preocupava com a formação de nuvens acima: o navio acabara de se recuperar de um estrago, não estava ainda pronto para enfrentar uma tempestade.

Lady Elisa se recolhera à sua cabine, mas deixara a porta aberta. Orava em companhia do padre, que bem dissera que a tormenta que estava por vir era castigo divino. Cornélia, como esperava-se, não via a hora de livrar-se do irritante homem de fé. E o Capitão, como bem sabia, imaginava a dor de cabeça que teria com a filha tão logo chegassem a seu destino. Fazia já alguns dias que a ruiva não se deitava com ninguém, de modo que Killian, que até o momento não fora bem-sucedido em sua conquista, teria de ser ágil.

— Não sei por que tanta lentidão, meu Deus! Será que eu cometi um equívoco, Smee? - Barba Negra, com a mão apoiada no queixo, lamuriava com Sr. Smee o andamento da relação de Killian e Cornélia

— Convenhamos, Capitão, o Killian não é páreo para a teimosia de Cornélia, de modo que levará tempo para domá-la.

— Sei, sei! Mas a partir do momento que alcançarmos Burterre, o que vai ser? Jones jogado às traças e a minha pessoa mais perto da condição de avô…

— Cornélia não é assim tão descuidada, Capitão. Em todo caso, o jovem Jones devia mesmo se apressar. Não me surpreenderia se Cornélia se deitasse com metade dos habitantes da ilha apenas para provocá-lo.

— Bata nessa boca, Smee! - o Capitão fez careta. Killian ia passando pelo convés nesse momento e Barba fez gesto para que se aproximasse - Venha cá, meu caro! Preciso falar-lhe algo extremamente sério!

— Pois não, senhor?

— Meu jovem, você não está pensando com carinho na possibilidade de oferecer-se a Cornélia? Fazer usufruto do corpo dela, digo, para ser o mais sincero possível.

— Senhor?! - o cozinheiro abriu a boca em choque, pensando em como é que um pai poderia ofertar a filha de maneira tão casual, como quem está acostumado a tal ato - Creio que não o compreendi completamente…

— Ah, mas compreendeu sim, meu querido. Veja bem, Cornélia haverá de se deitar com alguém pelas próximas horas e esse alguém bem conviria de ser a sua pessoa.

Jones riu, um misto de escárnio e descrença.

— Senhor, ela só se prestaria a tal ato se estivesse cega ou enfeitiçada…

— Pois nem que eu lhe fure os dois olhos! - exclamou Barba, atraindo metade das atenções para si - Smee, e se eu oferecesse meu coração sombrio a uma mandingueira? Bem que ela poderia nos prover uma poção ou algo específico que fizesse Cornélia cair de amores pelo jovem Killian...

— POIS PREFIRO APUNHALAR MEU CORAÇÃO COM UMA FACA! - bradou Cornélia com estrondo, fazendo os três homens saltarem de susto ao mesmo tempo - Posso saber que história é essa?! Que espécie de tolice os senhores estão pensando?

— Er… Esqueci minha panela no fogo, com licença! - o cozinheiro bem tentou fugir da saia justa, mas a ruiva foi mais ágil em puxar a espada.

— Fique bem onde está. - ela disse pausadamente entredentes - O senhor se intitula um pai, mas tem deixado muito a desejar. Como pode chegar ao ponto de compactuar contra mim?

— Cornélia, minha filha, são tempos desesperados! Eu, sinceramente, não gostaria que você decaísse em desgraça como a minha tia-avó Morgana, que morreu velha e solteirona em um convento cristão. Eu estava justamente dizendo ao Killian que as portas de seus aposentos estão sempre abertas…

— COMO OUSA?!

— … de forma que eu não me oporia se ambos quisessem pausar o trabalho de modo a tirar o atraso…

— TIRAR O ATRASO? - Cornélia agora estava gritando esganiçada - QUEM VOCÊ PENSA QUE É?

Killian permanecia calado e parado na frente da lâmina de Cornélia, com as mãos erguidas em rendição apenas movendo os olhos da ruiva para o capitão.

— Minha filha, veja bem…

— POIS BEM! - ela o interrompeu - O senhor quer que eu tire o atraso? Farei isso! FAREI ISSO COM TODO E QUALQUER HOMEM QUE PASSAR NA MINHA FRENTE ESTA NOITE! ATÉ SE FOR UM DOS MENDIGOS LAMACENTOS, EU SÓ VOLTO PARA ESSE NAVIO DEPOIS QUE TIVER USADO TODOS OS HOMENS DE BURTERRE!

Lady Elisa assistia a cena completamente chocada, com as mãos cobrindo a boca. A seu lado, o padre se benzeu e a conduziu gentilmente de volta ao ambiente acolhedor de seus aposentos, onde, acreditava, ela estaria minimamente protegida das influências maléficas do navio. Quanto a Cornélia, esta embainhou a espada, berrando para que todos se concentrassem em cuidar de suas próprias vidas.

— Ah, Smee… - suspirou Barba Negra, deprimido - Às vezes eu queria ter sido como a tia-avó Morgana…

— Velho e solteirão?

— Não, recluso em um convento cristão…

Cornélia estava de volta à sua cabine, terminando de se armar para descer na Ilhota de Burterre, quando ouviu uma batida tímida em sua porta. Acreditando ser Lady Elisa, ela anunciou que entrasse. Quando ouviu a porta se fechar novamente, ela se virou e se deparou com Killian olhando ao redor, completamente surpreso com o ambiente.

— Ora, mas será possível? - com uma velocidade espetacular, ela pegou uma de suas facas em cima da penteadeira e lançou contra o homem, que ainda mais rápido conseguiu desviar antes de ser atingido no ombro.

— Qual o seu problema? Eu só vim conversar! - ele ralhou.

— Você é a última pessoa que eu quero ver! Definitivamente não quero conversar! Saia daqui agora ou eu mesma o colocarei para fora em pedaços!

— Eu não tenho medo de você, Cornélia. - ele cruzou os braços - Não duvido que seja capaz de fazer o que promete, mas, não é da minha natureza sair correndo toda vez que sou ameaçado… Então eu só sairei daqui em pedaços ou depois de dizer o que penso.

Surpresa pela postura do cozinheiro, a Primeira Imediata imitou o gesto dele e se recostou em sua penteadeira, acenando com a cabeça para que ele prosseguisse.

— Bom, eu não estou me sentindo confortável com toda essa situação… Seu pai é pirado e eu não concordo com o que ele acabou de fazer, mas, claramente, ele só quer o melhor para a senhorita.

— E o melhor para mim seria você? - questionou com desprezo.

— É bem óbvio que não. Mas é o que ele pensa. Não estou dizendo para começarmos a fingir que nos suportamos, mas acho que um bom começo para que o capitão pare de ficar no seu pé é não sair dormindo com toda uma ilha. Isso não vai trazer nada além de uma doença venérea para a senhorita.

— E desde quando se importa comigo?

— Não me importo. - Killian respondeu prontamente - Mas estou cansado de ser espancado e ameaçado a cada passo que dou dentro deste navio… E como não tenho a opção de ir embora, só me resta tentar agradá-la para que no mínimo eu fique em paz aqui.

E ao dizer isso, ele abriu a porta da cabine e saiu sem ao menos esperar por uma resposta da ruiva.

Cornélia fez menção de segui-lo e confrontá-lo. Questionar quem ele pensava que era para falar com ela daquele jeito, mas qual seria o sentido? Ela vivia sempre na defensiva se tratando de homens que acabava esquecendo como reagir à alguém que não falava a atacando. Nem ao menos lembrava a última vez que se dirigiram a ela para uma conversa polida. Pela primeira vez, a jovem ficou completamente sem saber o que fazer ou falar, então amaldiçoou Killian mentalmente por deixá-la confusa.


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Notas finais do capítulo

É isso! Esperamos saber as vossas opiniões sobre esse casal que está dando o que falar.
Beijos e até a próxima!



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