Estilhaçado escrita por Nanquim


Capítulo 1
Estilhaçado




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“Ele parece... Quebrado.”.

A frase chamou sua atenção. Tonks imediatamente ergueu a cabeça, olhando para Molly Weasley do outro lado da mesa, falando em voz baixa com Arthur e Moody.

— Quem? – perguntou, antes que pudesse se deter, mesmo que soubesse a resposta. Todos a olharam, parecendo um pouco confusos. Molly parecia prestes a lhe dizer para não ouvir a conversa alheia, mas decidiu que não. Em vez disso, a ruiva apenas balançou a cabeça.

— Bem, quem você acha? Remus. – Molly soou bastante melancólica ao dizer essas palavras – Ele de fato parece ter atingido o fundo do poço dessa vez.

— Bem, é claro. – Shacklebolt falou pela primeira vez desde que chegou. Sua voz estava um pouco baixa demais, como se falar fosse difícil. – Ele já perdeu James e Lily. E Peter. E Sirius, uma vez antes. Agora, ele o perdeu de novo. Remus não tem nenhuma família viva; Sirius era a coisa mais próxima que ele tinha de uma. Agora, não há mais ninguém.

— Tem a gente. – Tonks disse, em um rompante – Ele ainda tem a gente. Quer dizer, eu sei que é difícil, mas nós realmente... Não importamos?

— Para um coração partido, querida – sua mãe disse, gentil –, ninguém importa.

Ela se calou pelo resto da reunião. No fim, se ergueu e foi uma das primeiras a sair, dizendo aos pais que queria checar em uma amiga muggle antes de ir para casa. Eles sabiam da verdade, é claro, mas não disseram nada além do usual “tome cuidado, não demore, nós te amamos”.

Ele morava em um pequeno apartamento no terceiro andar de um prédio que estava quase caindo aos pedaços. Não havia qualquer tipo de segurança, e ela entrou tão facilmente que teve certeza de que o prédio havia sido invadido tantas vezes que as pessoas haviam desistido de trancar as portas. A metamorfomaga caminhou até a porta marcada como a 37 e bateu gentilmente.

A porta se abriu sem produzir um único ruído. Um arrepio percorreu sua espinha quando ela entrou, pisando no chão de madeira, e imediatamente sentiu cheiro de álcool.

O lugar estava, é claro, impecável. Sem nem um único grão de poeira no chão ou mancha na parede. Perfeitamente organizado – exceto pela mesa da sala de estar, que estava coberta de livros e cadernos e canetas e lápis era claramente seu lugar de trabalho. Tão dele que ela não pôde evitar de sorrir. Entretanto, não havia nem sinal de qualquer pessoa que fosse.   

Caminhou mais alguns passos apartamento adentro, fechando e trancando a porta às suas costas, e olhou em volta. A porta do quarto estava fechada, mas ela tinha certeza de que o cômodo não estava vazio.

Dito e feito; havia uma garrafa de cerveja pela metade na escrivaninha e um Remus Lupin deitado na cama, encarando o teto tão cegamente que ela quase pensou que ele estava bêbado. Mas conhecia-o melhor que isso. Ainda sem anunciar sua presença, concentrou-se e mudou.

— Moony?

Tonks finalmente bateu na porta, fazendo-o sentar-se, parecendo assustado. Então, ele sorriu tristemente. Parado no umbral estava um muito bonito, inseguro e estranhamente vestido Sirius Black. Ele parecia um pouco fora de lugar, tão nervoso que não poderia ser de fato ele. E, de fato, não podia ser: Sirius Orion Black estava morto, e não havia sentido em tentar e negar isso agora.

— Olá, Tonks. – sussurrou, sentindo-se fraco – Obrigado por tentar.

Seus ombros caíram, fazendo-a parecer derrotada.

— O que me entregou?

O lobisomem encolheu os ombros.

— Você não é impossivelmente cheia de si como ele. – ele soou tão amargo que só podia ser uma piada – Além disso, ele está morto.

— Eu meio que esperava que você achasse que estava sonhando. – ela confessou

— Eu não tenho sonhado há um longo tempo, Dora. E, se sonhasse, tenho bastante certeza de que não seria um sonho tão bom assim.

Ela encarou os próprios sapatos, um pouco apertados agora, e suas roupas, totalmente inadequadas para seu personagem.

— Quer que eu mude de volta?

Ele não respondeu logo. Ao invés disso, os olhos calorosos e cor de chocolate estudarem seu rosto um pouco mais, devorando cada milímetro, cada fio de barba, cada relance dos olhos cinzas que ele havia perdido tão recente e dolorosamente.

— Seria egoísta responder que não.

— Você tem todo o direito de ser egoísta, Remus. Você tem.

De novo, ele levou algum tempo para responder. Mas, quando finalmente o fez, sua voz saiu tão quebradiça e desesperada quanto a de Harry naquela tarde.

— Por favor, não... Não o tire de mim de novo.

Seu peito queimou cruelmente, mas ela ignorou a dor em seu coração e caminhou até ele, sentando-se na beirada da cama e encarando seus olhos lindos e machucados.

— Não vou.

Os olhos dele estavam vermelhos e molhados demais. Ele tinha profundas olheiras e sua pele estava tão terrivelmente pálida que parecia uma noite de lua cheia. Ela podia finalmente ver as rugas ao redor de seus olhos e em outros pontos de seu rosto, assim como os fios brancos. A percepção a deixou ainda mais triste: aquele homem tinha 35 anos; não era muito mais velho do que ela, mas ainda assim, parecia com um velho recém-saído de uma guerra e prestes a entrar em outra.

“Quebrado”, Molly havia dito.

Ele a encarou por um longo tempo, mas não se moveu. Apenas admirou seus cabelos, sua barba e seus olhos. Ele parecia faminto por algo – uma faísca, ela sabia. Uma faísca de loucura, de travessura. Uma faísca que apenas Sirius tinha, e que agora estava perdida para sempre. Uma faísca que ela não podia transfigurar para si.

— Estou aqui. – sussurrou, segurando sua mão, quando ele subitamente olhou para a cerveja poucos metros à distância – Estou aqui, Moony, e não vou a lugar algum.

Não sabia se havia dito isso apenas para que ele soubesse que não estava sozinho ou se para fingir que Sirius estava realmente vivo, mas não importava. O lobisomem olhou-a por mais um segundo e então, faz algo que confirmou-lhe que a meia cerveja não fora a única coisa que ele tomara, porque ele não estava sóbrio.

Ele a beijou.

“Quebrado”, Molly havia dito. Ela tinha que discordar.

Remus John Lupin estava estilhaçado.

Correspondeu tão naturalmente que quase se assustou. Seus lábios eram macios e calorosos, e sua língua procurava a dela desesperadamente em uma dança doce que ela não podia se recusar a seguir. Ele não a tocou, mas ela sabia que ele estava apenas desesperado. Perguntou-se se tinha o gosto de Sirius, também; talvez sim, uma vez que Remus gemeu timidamente.

Não demorou muito, entretanto, para ele se afastar. Ela tentou esconder o desapontamento quando ele a encarou com um pouco de medo em seu olhar. Ele não parecia saber o que fazer a seguir, então ela decidiu agir ela mesma. Muito lentamente, tocou seu peito, sentindo seu coração acelerar-se sob seus dedos.

— Estou aqui, Moony.

Eram lágrimas que rolavam por suas bochechas?

— Não deveria estar.

Ele saiu da cama e passou pela porta. Ela ouviu-o sair do apartamento e chegar às escadas – então, seus passos desapareceram na distância. Tonks sabia que era uma péssima ideia sair às ruas àquela hora da noite, mas não podia evitar. Remus precisava andar e clarear a mente. Precisava de um tempo sozinho. Ela fora um pouco longe demais ao ir até lá, e um quilômetro inteiro ao se transformar em Sirius. Corresponder àquele beijo, entretanto, ela não sabia se havia sido um erro ou a única coisa que ela havia feito certo.

“Para um coração partido, querida, ninguém é importante”, sua mãe dissera. Estava certa? Havia sido um crime se mudar para a única pessoa que importava para Remus naquele momento? Fora errado corresponder ao beijo de um amante abandonado? Ela era um monstro por beijá-lo quando ele estava beijando Sirius?

Olhou para o próprio corpo, subitamente sentindo-se tola e ridícula naquele personagem. Transformou-se de volta, sentindo seu corpo mudar para seu estado normal mais rápido do que nunca. Ela odiava tanto assim ser Sirius? Ou ela odiava usá-lo para beijar Remus?

Por que ela correspondera ao beijo, de qualquer forma? Era loucura. Estúpido. Terrível... Terrível? Não, não, seu coração ainda estava acelerado, sua língua ainda sentia a dele. Seu gosto demorava-se em sua boca. Além disso...

Ela pegou sua varinha, olhando-a com dúvida. Então, sacudiu-a e murmurou:

Expecto patronum.

Um lobo pulou de sua ponta e correu pelo cômodo antes de desaparecer diante da janela.

“Ele está estilhaçado”, sua consciência lhe avisou, inutilmente.

— Eu não me importo. – ela respondeu em voz alta, ainda encarando o ponto onde seu patrono havia desaparecido – Eu vou consertá-lo.


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Notas finais do capítulo

Eu amo Remus e Tonks, de verdade. Mas não posso ignorar o fato de que - pelo menos para mim - Remus amava Sirius antes, mais do que tudo. E perder um amor desse jeito...
Bem, eu fiz isso porque eu precisava encontrar um jeito de me convencer de como ele conseguiu passar de um para o outro, porque... Bom, porque eu não conseguiria.
De qualquer jeito, podem me xingar ou elogiar nos comentários, eu deixo XD
~Y



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