Um garoto desses? escrita por P Capuleto


Capítulo 1
Único: Um garoto desses?




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/770093/chapter/1

E esse engarrafamento que parece não ter fim?

Pela vigésima vez, bato com a palma da mão no bolso lateral da bermuda vazia. E, pela vigésima vez, lembro-me de que não estou com meu celular. Tudo o que eu queria era um pouco de internet para passar o tempo dentro do ônibus de volta para casa depois de um dia letivo cansativo, o que é uma grande ironia do destino já que ontem mesmo insisti em emprestar o aparelho para minha mãe. O dela encontra-se no conserto e eu sei o tanto que um meio de comunicação com os clientes faria falta para os negócios enquanto ela estivesse trabalhando de casa.

De meu assento do lado esquerdo que dá para a janela, olho para a fileira de carros na pista ao lado. Vejo o cenário se mover numa velocidade crescente e sou dominado por um sentimento de empolgação: Estamos andando afinal!

Minha alegria, no entanto, dura pouco. Alguém do lado de fora fez sinal para o motorista e logo paramos para buscar o passageiro. Tento não grunhir de desgosto e fecho os olhos para calcular meu tempo de chegada contando com o engarrafamento infinito e levando em consideração todos os pontos de parada que ainda encontraríamos pelo caminho. Apoio os cotovelos nos joelhos e deixo a cabeça pesar por cima das mãos.

Cabisbaixo e entediado, nem mesmo a aceleração do ônibus me dá esperanças. Ao abrir os olhos novamente, levo um susto, pois há um par de pernas masculinas na lateral do meu campo de visão. Deve ser o novo passageiro, é claro. Mas por que tinha de sentar logo do meu lado?

Dou mais uma olhada atenta para as pernas à minha direita. Subindo das enormes panturrilhas bem definidas – impossíveis de ignorar – em direção às coxas, pude reparar na bermuda com o brasão que eu conheço muito bem já que é o mesmo que eu trago em meu próprio uniforme: o emblema da escola.

De repente, talvez pela falta do que fazer, fico tentado a descobrir se conheço ou não o garoto. A curiosidade me leva a levantar a cabeça lenta e discretamente para, com o canto do olho, espiar seu rosto: trata-se de um menino aparentemente da minha faixa etária, loiro de cabelos totalmente bagunçados e espetados assim como os meus. Seu olhar é indiferente e posso notar que está com fones de ouvido.

Como não consigo recordar de alguém assim pelos pátios do colégio, busco verificar se sua camisa é realmente parte do uniforme que eu também uso e sim, definitivamente ali está o brasão da escola mais uma vez. Rapidamente desvio o olhar para a janela para não parecer que eu estava olhando para seu peitoral e começo a refletir.

OK, um garoto que provavelmente estuda comigo acaba de pegar um ônibus em um ponto muito distante do colégio. Estaria ele matando aula? Ou será que caminhou até aqui e então percebeu que sua casa era longe demais para ir a pé?

Reparo no que estou fazendo e reviro os olhos rindo internamente. O tédio é tanto que estou interessado em deduzir sobre a vida da garoto...

Tento focar no lado de fora do veículo e nas demais filas de carros que se movem vagarosamente. Estamos todos a, talvez, 10 km por hora.

Bom, já é algum avanço...

Começo a sentir fome. Evito pensar no almoço que me aguarda em casa, mas meus esforços são frustrados quando meu estômago ruge. Imediatamente eu congelo em receio, pois é impossível que o garoto não tenha ouvido. Sinto o rosto corar de pura vergonha e procuro espiar seu reflexo. Ele não parecia abalado de seu estado desinteressado e mexia dentro de sua mochila despreocupadamente, mas a parte mais importante foi ver o reflexo dos seus fones de ouvido: meus salvadores!

Mal tive tempo de curtir meu alívio, pois o rapaz subitamente olhou em minha direção e, antes que eu pudesse desviar o olhar do reflexo, cutucou meu ombro direito. Com o corpo petrificado, viro apenas o pescoço em sua direção, fitando seus olhos vermelhos e frios pela primeira vez. Será que ele me ouviu mesmo usando os fones? Será que viu que eu o observava? Sinto um calafrio me subir à espinha e então percebo uma barra de cereais em suas mãos que estão estendidas.

Uma oferta?

Devo ter demorado demais para reagir, pois ele suspirou e largou a barrinha no meu colo antes de voltar a olhar para frente. Nesse momento, descongelo e apanho a embalagem sem tirar os olhos do loiro desconhecido. Sua mandíbula é marcada e exibe resquícios de uma barba raspada recentemente. Enquanto o observa, seu pomo de Adão subiu e desceu na garganta e então sua boca se abriu. O movimento sutil dos lábios, que por sua vez são finos, me chama a atenção. Estaria ele acompanhando silenciosamente a música que toca em seus ouvidos? Fico hipnotizado tentando decifrar seus lábios, mas forço-me a sair do transe antes que eu seja descoberto.

Sacudo a cabeça e começo a abrir o presente. Dou a primeira mordida e sinto sabor de chocolate e nozes, o que me deixa infinitamente feliz. Impulsivamente, torno a fita-lo e ele faz o mesmo.

— Obrigado. – digo sorridente.

Seus olhos estão grudados aos meus e, novamente, não demonstram emoção alguma.

— Ahn? – ele tira um dos fones.

Sinto o coração palpitar fortemente e preciso recuperar o ar.

— O-obrigado. – sussurro.

— Tá. – ele responde prontamente e volta a fitar a frente do veículo.

Ajeito-me no assento e devoro a barra de cereais em silêncio.

Inconscientemente, lembro-me de como Deku – meu melhor amigo – conheceu seu namorado em uma viagem. Eles estavam no mesmo grupo da caravana que iria para a Comic Con do ano passado. Assim que nos encontramos na semana seguinte ao evento, ele me contou a história:

"Claro que eu notei a presença dele logo que entrou no ônibus, mas não tive coragem de puxar assunto nem mesmo durante o evento. Três dias depois, quando já estávamos na estrada voltando para casa, resolvi fazer algo a respeito. Sem chance que eu deixaria um gato desses passar sem nem ao menos tentar, então arranquei uma folha vazia do meu bloquinho de autógrafos, escrevi meu nome e telefone, fui até onde ele estava sentado, entreguei o bilhete e voltei para o meu assento sem nem olhar para trás."

"Que coragem!" lembro-me de ter sentido inveja e orgulho da cara de pau de meu amigo.

"Sim, mas a melhor parte é que ele me mandou uma mensagem enquanto ainda estávamos no ônibus. E sabe o que dizia? Dizia que ele estava feliz de eu ter tido mais coragem que ele para se apresentar!"

Recordar dessa história me encheu de ansiedade. Começo a batucar o joelho com a mão que não segura a embalagem vazia e tento acalmar meus pensamentos. É claro que o menino ao meu lado não está esperando por uma investida minha... Certo?

Arrisco uma olhada de canto. Ele continua quieto, distante e agora está de braços cruzados. Nada que encoraje uma aproximação, então é óbvio que ele não quer ser perturbado. Mas esses braços me convidam a pensar em coisas que eu não deveria estar pensando...

Tento desviar os pensamentos, mas não consigo evitar lançar olhadas furtivas em sua direção. Impossível ignorar quão bonito ele é. Impossível ignorar a atração que sinto por ele. Aperto os joelhos um contra o outro para acalmar e evitar qualquer reação imprópria dentro da minha cueca.

O ônibus freia bruscamente, forçando-me a voltar para a realidade. Quanto tempo se passou desde que olhei para a janela? Olhando em volta, reconheço o bairro em que estamos e sou tomado de um pânico irracional: eu desceria em breve e nunca mais veria o loiro matador de aula.

Ou veria? Talvez se eu esperar até amanhã e tentar descobrir sua sala de aula eu o encontraria. Mas espere, e se eu o encontrar mesmo? O que vou fazer? Entrar lá e dizer "oi"? Claro que não!

O ônibus volta a se mover e meu coração acelera mais ainda. Estou ficando sem tempo!

Num gesto desesperado, abro a mochila que está aos meus pés, lanço a embalagem da barrinha para o fundo dela, busco pelo meu estojo e, sem pensar, anoto apenas o meu número de telefone num pedaço qualquer de papel que estava solto lá dentro. Tento julgar a caligrafia. Está legível?

O sinal sonoro indicando que a parada fora solicitada apita e ecoa alto na minha mente. Estamos quase no meu ponto de descida. Não há mais tempo, tenho que ir até as portas de saída.

De forma brusca, passo pelo menino e, antes de seguir meu caminho, estendo o papel em sua direção. Não olho em seus olhos hipnotizantes quando ele o segura, então aperto o passo para sair do veículo e não olho para trás.

Assim que piso na calçada sinto uma gota de suor frio descendo por minha têmpora. Apoio as mãos nos joelhos e respiro fundo algumas vezes sem acreditar no que fui capaz de fazer. A adrenalina e a vergonha me fazem rir e quase gargalhar diante da situação, mas então lembro de algo importante que me faz parar de sorrir imediatamente.

— Ai merda! – grito aos quatro ventos. Os transeuntes me observam com reprovação, mas eu não ligo. Se seus celulares estivessem com suas mães num cenário como esse, eles também ficariam nervosos.

Começo uma caminhada a passos largos até minha casa do outro lado do quarteirão. Tinha de recuperar meu telefone antes do menino mandar alguma coisa.

Quer dizer... Se ele mandar alguma coisa.

O desânimo bate fortemente diante da possível realidade de ele simplesmente ignorar meu bilhete, mas trato de espantar o pensamento negativo.

 

********** 

 

Abro a porta de casa e descalço os tênis.

— Mãe! – grito – Cheguei! Mãe!

Não recebo uma resposta, então sigo para a cozinha. Também não a encontro.

Começo a procura-la pela casa e, enquanto isso, pensamentos terríveis invadem minha mente. E se ele me reconhecer na escola? Será que achou minha atitude creepy? E se ele estiver rindo de mim nesse momento? Ou pior! E se ele tiver contado para seus amigos e todos estiverem rindo de mim nesse momento?

— Mãe! – grito mais enfaticamente, quase sem conseguir conter o desespero.

— Estou na lavanderia, Kirishima! – ouço-a responder e vou voando ao seu encontro no subsolo.

— Mãe, preciso do meu celular. Agora.

— Que isso, jovem. Pra que tanta gritaria lá em cima? Me ajuda a colocar esses lençóis na secadora.

Respiro fundo, mas faço o meu melhor para não assustar minha mãe, então ajudo com a roupa úmida fingindo ter todo o tempo do mundo.

— Agora pode dizer onde ele está, por favor? – peço.

— Tudo bem, tudo bem. Minha nossa... – ela ri e tira o aparelho do bolso de trás de seu moletom – Aqui.

Agradeço e subo correndo as escadas. Só olho para a tela em minhas mãos quando já estou na segurança do meu quarto, mas para quebra total de expectativa, não há nenhuma notificação. Antes de meu coração se quebrar em mil pedaços, vejo que não estou conectada à internet. Ligo o wifi e aguardo.

Aperto os dedos em volta do aparelho quando ele apita milhares de vezes. Algumas notificações não são importantes, mas passando pelo aplicativo de mensagens vejo um número desconhecido. A foto é de um homem de sunga na praia, mas ele está distante demais para que eu possa identificar quem é. Mesmo assim, me encho de esperanças e clico na conversa recém-criada.

Nem consigo ler a mensagem, pois uma segunda acaba de chegar na mesma conversa.

— Socorro. – sussurro pra mim mesmo.

"Que merda de letra difícil de ler" era o que dizia a primeira mensagem. Não soube o que sentir sobre essas palavras, mas a segunda fez meu coração parar na boca:

"Vc é gay?"

Sento-me na cama e enfio o travesseiro na cara como se para sumir para sempre. Como não pensei nisso antes? Que droga, nem todo mundo faz parte do Vale, Kirishima!

— Maldito seja meu círculo de amizades! – lamento – É tanto viado e tanta sapa que esqueço completamente da existência de héteros nesse mundo...

Já me sentindo derrotado, digito e envio um tímido "Sim".

Não recebo uma resposta nos segundos que procedem, então deixo o corpo cair na cama.

Por um momento sinto que vou chorar, o que seria patético. Não posso chorar por alguém que nem conheço. Como posso sofrer por um relacionamento que nem existiu?

Enquanto estou ocupado sentindo pena de mim mesmo, ouço uma terceira mensagem chegar. Sem nenhum ânimo, abro o aplicativo novamente esperando encontrar uma piada de mau gosto ou um "adeus", mas pra minha surpresa trata-se de uma foto.

Permito o download da imagem e então...

— Eita.

Pisco algumas vezes. Eu definitivamente não esperava por isso.

Mais uma mensagem chega, mas encontro dificuldade para desviar os olhos da foto. A única coisa que se passa na minha cabeça é como estou aliviado de não ter sido minha mãe a receber essas mensagens.

Finalmente leio a próxima mensagem:

"Sou Bakugo. Prazer."

Não respondo. Preciso de ajuda numa situação como essa, então procuro pelo nome de meu amigo na agenda de contatos. Ele não demora a atender.

Fala, Kirishima. – ele me cumprimenta com voz de sono.

— Deku, eu dei meu número pra um garoto no ônibus e ele me mandou uma foto do pau!

Quê?!

Expliquei a história.

— O que eu devo fazer?

Bom... Eu achei meio rude. Quer dizer, ele nem tinha se apresentado. Você não vai querer sair com um homem que manda... — ele engasgou - ...Nudes não solicitados, não é?

Reflito sobre a questão. Com que tipo de garoto eu quero sair? Eu sempre sonhei com uma pessoa educada e amorosa. Bakugo pareceu bastante impaciente no ônibus, se eu parar para analisar friamente. Todo o seu rosto parecia irritado.

Hm... Seu rosto.

Recordo de sua face bruta, sua mandíbula forte, os lábios se movendo junto com a melodia que só ele escutava. E seus olhos... Sim, ele tinha um olhar frio, mas extremamente cativante. Penso também na primeira visão que tive: as pernas. Meu deus, que panturrilhas enormes!

Kirishima?

— Hm? – quase esqueci de que estava ao telefone.

Me responde, cara. Você não quer um garoto desses, não é?

Volto a fantasiar com os poucos minutos que passamos juntos naquele ônibus e logo encerro a ligação com Deku sem nem responder. Vou direto para o aplicativo de mensagens, entro na conversa que está no topo, digito meu nome e envio. Seria rude não me apresentar também.

A resposta vem logo em seguida:

"Cabelo irado, aliás."

Mordo os lábios em excitação.

"Foto irada, aliás." Repondo.

 "Tem mais de onde veio essa." Anuncia.

Se eu quero um garoto desses, Deku? Sim. Com certeza é o que eu mais quero.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada pela leitura. Espero vê-los mais vezes!
Lembrem-se de marcar a fanfic como finalizada na lista de vcs. Se não quiserem perde-la pra sempre, basta favoritar!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um garoto desses?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.