Harry Potter e a Princesa Ravenclaw escrita por V Giacobbo


Capítulo 5
Capítulo 3 - Iniciado (Parte 2)




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Capítulo 3 – Iniciado (Parte 2)

- Potter... Potter... Acorda Potter!

Harry sentou-se, a respiração muito descompassada e profunda. Todo o corpo dele estava molhado de suor e tremia de frio. Ele encarou Andrea por um único segundo antes de erguer a mão e tocar a cicatriz que ardia.

- Qual o problema Potter? – perguntou a vampira.

- Entrei na mente de Voldemort enquanto dormia. – respondeu o garoto, a voz baixa e dolorida – É a segunda vez essa semana.

Aos poucos a dor na cicatriz apaziguou e Harry começou a respirar tranquilamente, os olhos fechados e a mão ainda na testa.

- O que você viu? – questionou Andrea, curiosa.

O garoto abriu os olhos e fitou a vampira, que retornara à sua esteira coberta pelo próprio manto. Conforme ele se lembrava, ele relatou.

Seu sonho iniciara enquanto Voldemort se concentrava para retirar o frasco de poção rejuvenescedora do subsolo da casa. Voldemort havia se concentrado em sua energia maligna, em uma extensão dela, como se parte de si mesmo estivesse enterrado abaixo do casebre.

Harry sentiu receio, antes de descobrir o que era o conteúdo desejado, que Voldemort buscasse o anel de seu antepassado, o mesmo anel que transformara em horcruxe e que Dumbledore havia destruído no ano anterior.

Conforme Voldemort explicava aos seus subordinados o que era aquilo em sua mão, Harry vira a verdade através das palavras. Ele sentiu tanto prazer quanto Voldemort, o que o outro planejava era uma punição perfeita para Snape. Houve um momento, enquanto Voldemort ainda falava, que imagens das horcruxes se materializaram na mente dele, o diário, o anel escondido ali mesmo naquele casebre, o medalhão. As imagens que viriam aparecer foram quebradas pela pergunta de Snape.

Mais uma vez Harry teve raiva do ex-professor, que eliminara talvez a única chance que ele teria para descobrir todas as horcruxes de Voldemort. Descobrir a sexta e a sétima que Dumbledore desconhecia.

Descobrir que Snape ficaria tão jovem quanto ele o surpreendeu. Provavelmente sua aparência seria tão modificada que ninguém conseguiria reconhecê-lo, dificultando a ação dos aurores e de qualquer outro que viesse a persegui-lo.

Enquanto Snape se preparava para injetar a poção, Voldemort e, consequentemente, Harry sentiram um prazer delirante. Harry só foi compreender amplamente a causa daquele sentimento quando Snape caiu de joelhos e começou a gritar e se contorcer. Ele estava sofrendo como nunca antes e isto concedeu à Harry ainda mais alegria e prazer, ainda mais vontade de permanecer na mente de Voldemort.

Em um momento de lucidez, Harry tentou imaginar porque Voldemort estava fazendo aquilo com seu seguidor mais fiel, o homem que liquidara Dumbledore. O prazer de Voldemort era algo completamente incompreensível para o garoto. Cada movimento brusco, cada berro de dor, cada sinal de que Snape estava sofrendo era como deleite para Voldemort. Sem conseguir entender os sentimentos de Voldemort, Harry se entregou à mente e aos mesmo sentimentos do outro, deliciando-se com o sofrimento do homem que tanto odiava.

Quando os gritos e a dor pararam, Voldemort se ergueu e analisou a nova face de seu servo. Harry sentiu a surpresa de seu inimigo como se fosse sua. Snape estava incrivelmente mais novo, como Voldemort prometera. Seu rosto era juvenil e, apesar da expressão de dor e do suor brilhando em sua pele, possuía traços firmes que lhe davam um ar aristocrático.

Depois que Snape saiu, Voldemort encarou as velas, revivendo as imagens que acabara de presenciar, os gritos e o prazer em ouvi-los. Então ele começou a rir, rir dentro de si mesmo e para si, sem que seu corpo ou expressão revelassem isto. Ele permaneceu frio e parado, mas ardia em prazer por dentro.

- Foi por isso que te acordei. – disse Andrea – Você estava rindo insanamente, não parecia você mesmo.

- Obrigado. – Harry sorriu para a vampira – Já estava na hora de eu sair de lá. Acho que mais um pouco e ele me notava.

Andrea assentiu e guiou os olhos para a fogueira, que estava perto do fim. As chamas estavam fracas e a madeira já queimada ardia em algumas partes devido à brasa.

- É melhor você se secar com algum feitiço ou vai ficar resfriado. – aconselhou ela, pegando um graveto e atiçando o fogo.

Harry consentiu e, com um movimento rápido da varinha, secou seu suor e limpou-se o máximo que podia.

 - Ainda vou precisar de um banho. – disse ele.

- Não se preocupe. É costume aqui em Shangri-la tomarmos um ótimo banho purificador antes de entrarmos no templo do Mestre. – retrucou a vampira não muito concentrada no que dizia.

- Você não vai me dizer quem é esse Mestre, não é? – perguntou Harry, sério.

Andrea o encarou com seriedade.

- Sempre que você entrar na mente de Lorde Voldemort, eu devo permitir? – perguntou ela.

Harry ficou desconcertado. Nunca havia pensado naquilo. Ele encarou as brasas e as fracas chamas. Desde que Voldemort retornara, suas visitas à mente dele não foram muito prazerosas ou benéficas. Porém, as últimas visitas lhe permitiram obter informações únicas. Ele era o único além de Voldemort e Draco Malfoy que conheciam a atual aparência de Snape.

Era ariscado continuar aquela empreitada. Harry retornou sua atenção para a vampira. Talvez fosse muito mais arriscado seguir uma vampira, entregar-lhe sua vida e destino. O garoto deu um largo sorriso, Voldemort não era tão ruim assim.

- Deve permitir. – respondeu ele, por fim – Acorde-me caso eu saia do controle. Se eu não agir ou me expressar como eu mesmo, se eu me tornar outra pessoa, acorde-me imediatamente.

Andrea concordou com um maneio da cabeça e deu um sorriso orgulhoso.

- Está assumindo os riscos Potter. Você analisou a situação antes de decidir, meu parabéns. Talvez, veja bem – apenas talvez, essa sua escolha foi a escolha certa a se fazer. – disse a vampira, a voz profunda e serena.

Harry deu um sorriso de agradecimento embora todo o seu corpo estivesse arrepiado. Ele se deitou e respirou fundo antes de fechar os olhos.

- Durma. – ordenou Andrea – Em poucas horas você, definitivamente, entrará no Reino de Shambhala.

=.=.=

Harry abriu os olhos. Ele conseguia ver a bola que o sol formava no teto da tenda. Ao se sentar, o garoto percebeu que estava sozinho. Andrea não estava sentada em sua esteira de bambo e seu manto havia desaparecido.

“Para onde será...” – Harry iniciou o pensamento enquanto se colocava de pé.

- Finalmente. – disse Andrea, entrando pela abertura do tecido e assustando o garoto.

- Onde você...

- Apresse-se. – ordenou a vampira, cortando-o – Yo Ba está aqui e nós temos permissão para descer.

- Ok. – concordou Harry, movendo-se o mais rápido que podia.

Ele pegou a varinha e encolheu a mochila, guardando-a no bolso do sobretudo. Ao virar-se para pegar o manto, Andrea já o segurava, deixando-o pronto para que o garoto o vestisse.

- Obrigado. – agradeceu ele.

- Cala a boca e vem logo! – ralhou a vampira, saindo da tenta em um piscada de olhos.

Harry girou os olhos enquanto terminava de vestir o manto. Ao sair da tenta, a luz do sol refletida pela neve à sua volta ofuscou seus olhos, obrigando-o à fechá-los e erguer o braço esquerdo para tentar protegê-los.

- Ande logo, Potter! – ordenou Andrea, sua voz mais distante do que Harry esperava.

Demorou alguns segundos para que os olhos de Harry se adaptassem à iluminação excessiva. Quando pôde enxergar corretamente, viu Andrea e Yo Ba, que usava um bastão como bengala, descendo a montanha, vários metros afastados.

O garoto correu ao encontro do monge e da vampira, que caminhavam em silêncio. Ao alcançá-los, Harry permaneceu em silêncio, seguindo o exemplo deles. Depois de recuperar o compasso da respiração, ele permitiu a si mesmo uma boa olhada no vale à sua frente.

O verde da floresta estava ainda mais vivo e radiante. O som distante das inúmeras cachoeiras criava uma sinfonia única, harmoniosa e serena. Conforme o pé da montanha se aproximava, a neve começou a rarear e o solo rochoso passou a surgir.

Eles entraram na floresta assim que a neve se dissolveu por completo. As árvores eram de troncos grossos e muito marrons, apenas ao lado delas Harry teve a exata noção de quão altas eram e passou a estipular suas idades. Entre as imensas árvores havia várias outras, menores, cheias de flores ou frutos, enchendo todo espaço com seus aromas variados.

Enquanto caminhavam o garoto sentiu algo diferente de tudo o que sentira nos últimos dias, nas últimas semanas. Ele respirou fundo e soltou o ar muito devagar, sentindo todos os seus músculos relaxarem. Algo, porém, impediu-o de aproveitar ainda mais aquela sensação. Andrea havia contraído seus músculos e bufado ao seu lado.

- O que foi? – perguntou Harry em voz muito baixa.

A vampira resmungou algo que o garoto não compreendeu. Outro som chamou a atenção de Harry. Seus olhos voaram para a nuca de Yo Ba, que os guiava à poucos metros de distância.

“Ele riu ou foi impressão minha?” – pensou o moreno, confuso.

Uma olhada para o semblante de Andrea, contudo, o fez ter certeza de que não fora impressão.

Eles caminharam por mais algum tempo em silêncio. Por mais que Harry olhasse em volta e se regozijasse pelo ambiente, aquela sensação não retornou. Ele sentia como se houvesse uma barreira em torno dele, uma bolha de vidro que não permitia que nada entrasse e o tocasse.

Depois de algum tempo, a floresta abriu-se do lado direito revelando uma pequena plantação de arroz. Monges com vestes mais simples que as de Yo Ba trabalhavam na lavoura e entre eles haviam também pessoas sem vestes ou características de monges. Harry olhou nas faces dessas pessoas enquanto passavam pela estrada que cortava a plantação.

“Civis... pessoas comuns, iluminadas.” – concluiu o garoto com espanto.

A floresta continuava idêntica do lado esquerdo da estranha e voltava a fechar-se de ambos os lados na estrada a alguns metros de distância. Antes de reentrar na mata, Yo Ba parou e saiu do caminho, aproximando-se de um monge que carregava um cesto de palha nas costas. O monge, ao ver o primeiro se aproximar, desceu o cesto das costas e juntou as mãos, reverenciando-se em seguida. Yo Ba tocou o ombro do monge, que se ergueu.

Andrea e Harry permaneceram parados na estrada, aguardando. Enquanto isto, o garoto permitiu-se dar uma olhava mais crítica à sua volta, no ambiente novo dentro da bela floresta. A plantação era como as típicas plantações chinesas que ele vira em filmes trouxas. Havia vários níveis, que subiam de acordo com o relevo do solo, que se preparava para erguer-se em uma montanha não muito distante.

Todas aquelas pessoas, monges e civis, trabalhavam com movimentos lentos e suaves. Apesar do trabalho duro que realizavam, Harry não conseguiu ver em seus rostos sinais de fadiga ou sequer suor em suas roupas. Pelo contrário, seus rostos eram calmos e sorrisos brincavam em seus lábios ocasionalmente. Todos trabalhavam em silêncio, mesmo os que trabalhavam juntos não trocavam palavras. Era o silêncio da paz, da compreensão sem necessitar de palavras.

Perceber isto fez Harry conseguir furar a bola de vidro que o envolvia. O cheiro e a sensação da umidade excessiva no ar foram as primeiras coisas que ele assimilou. Em seguida os sons dos instrumentos que os lavradores utilizavam, batidas e ceifadas suaves e harmoniosas.

“Até mesmo isto é ritmado, melodioso como música!” – pensou o garoto confuso e maravilhado.

- É belo, não é? – disse uma voz rouca e calma no ouvido de Harry.

O moreno deu um pulo de susto, virando-se para o dono da voz e não encontrando ninguém. Não havia ninguém ali exceto ele, Andrea e Yo Ba com o monge à poucos metros de distância.

- O que foi? – perguntou a vampira, a voz rude e baixa.

Harry balançou a cabeça e esfregou os olhos com as mãos, dando mais uma boa olhada à sua volta e não encontrando nenhuma diferença.

- Potter?! – chamou Andrea, impaciente.

- Não foi nada. – respondeu ele, tão firme em sua resposta que convencera a si mesmo.

Porém, quando os olhos verdes saíram da imagem da vampira e fixaram-se em Yo Ba, os olhos azuis escuros o encaravam profundamente. Harry sentiu-se analisado novamente, sua mente e alma expostos sob o olhar do monge. Mais rápido que um relâmpago foi um sorriso nos lábios do monge, um sorriso que de tão rápido que surgira e desaparecera fez Harry duvidar de sua existência.

Yo Ba fez uma reverencia com a cabeça para o monge que conversava, recebendo uma reverencia longa e formal, e retornou para a estrada. Ele fez sinal com a mão, apontando para a continuação do caminho, o semblante sério como antes.

Eles retomaram a caminhada. Antes de reentrar na floresta, Harry lançou um último olhar para a plantação às suas costas. Sua cabeça retornou para a frente no mesmo instante, seu semblante duro como gelo pelo choque do que vira.

Todas as pessoas da plantação, monges e civis, haviam parado seus afazeres e se virado para eles. Todos, sem uma única exceção, reverenciavam-se profundamente.

=.=.=

O templo principal era gigantesco.

A floresta se abrira de repente em um planalto com gramado vivo e tão brilhante quanto às folhas das árvores da mata. Apenas a alguns metros da saída da floresta estavam os primeiros degraus que conduziam ao templo.

Yo Ba virou-se para Andrea com um sorriso enigmático nos lábios, mas Harry viu o brilho de alegria em seus olhos. O monge estendeu o braço para a direita do templo. Andrea apenas virou-se e seguiu na direção que ele sinalizara. Quando ela desapareceu na mata, percorrendo uma estrada mais estreita do que a que eles haviam usado, Yo Ba virou-se para Harry, sério como antes e sem o brilho de alegria nos olhos.

- Por aqui. – disse o monge, estendendo o braço para a escadaria.

Pela primeira vez Harry prestou atenção na voz do monge. Ela era suave, pausada e melodiosa, aparentava estar conectada com todo o Reino de Shambhala, harmoniosa e leve como tudo o que Harry vira até aquele momento.

Yo Ba virou-se e começou o caminho até a lateral das escadarias, enquanto o seguia, Harry lançou seu olhar para o ponto onde Andrea havia retornado à floresta.

- Por que Andrea seguiu outro caminho? – perguntou ele.

- Dejanira é uma vampira, sua purificação é ainda mais profunda que a que aplicaremos em você. – respondeu o monge, sua voz perfeitamente serena.

Na parede lateral das escadarias havia uma porta simples, por onde Yo Ba entrou. Enquanto seguia o monge, Harry teve a impressão de ouvir um grito de dor ecoando pela floresta. Contudo, ele não pôde verificar o que era. A porta já estava fechada às suas costas e tudo o que ele via era uma imensidão branca.

=.=.=

O salão principal era imenso. A arquitetura era ao mesmo tempo grandiosa e singela, detalhada e simples. Ao contrário da maioria dos templos, aquele não possuía suas paredes tingidas de vermelho, mas de azul escuro, como o céu noturno do próprio Reino de Shambhala. Detalhes dourados e prateados salpicavam a parede e o teto, este pintado do mais puro branco. O chão era revestido de pedra, um mármore muito cinza e brilhante, que refletia tudo à sua volta. Os pilares que sustentavam o teto muito elevado eram circulares e grossos, pintados e entalhados como as paredes laterais.

Havia muitos monges ali, todos vestindo vestes brancas e cinzas. Alguns andavam devagar e com movimentos suaves; outros formavam pequenos grupos e pareciam conversar; a maioria, porém, estava sentada em pequenos tapetes dourados, as pernas cruzadas e as mãos unidas, os olhos fechados e seus semblantes muito tranquilos. Eles meditavam.

Harry viu tudo isto assim que entrou pela porta principal. Ele vestia calça e camisa brancas, um tecido fino verde escuro o envolvia, como as roupas dos monges, cruzando seu peito e circulando sua cintura. Seus pés estavam descalços, mas isto não lhe causou desconforto ao pisar na pedra gelada. Harry sorria por dentro, uma paz e alegria que não sentia desde muito antes da morte de Dumbledore.

Andrea estava ao lado dele, um longo vestido branco e de mangas compridas cobria seu belo corpo e um tecido vermelho a envolvia da mesma maneira que ao garoto. Em seus pés havia sapatilhas de tecido branco, cujas faixas de pano cruzavam em seu tornozelo.

À frente dos dois seguia Yo Ba, os trajes de monge agora expostos pela retirada de seu manto branco. Suas vestes eram como as dos demais monges ali presentes, mas a faixa que o envolvia era única em todo o salão, dourada e reluzente como o sol.

Os três caminhavam com passos calmos, passando por pilares e monges, que os seguiam com o olhar por alguns segundos e depois retomavam suas atividades. Ao chegarem no fundo do salão, Yo Ba fez sinal para que parassem. Andrea imediatamente fez uma longa reverencia e permaneceu nela. Harry olhou para sua companheira e se ajoelhou sobre um dos joelhos e inclinou a cabeça.

O monge seguiu em frente, subindo uma pequena escadaria que conduzia ao Mestre. Assim que completou sua subida, ele ajoelhou-se e inclinou todo o corpo para a frente, tocando o tapete com a testa. Yo Ba ergueu-se quando sentiu uma mão quente tocar sua cabeça.

- Eles estão aqui. – disse o monge em voz muito baixa.

O Mestre apenas assentiu com um sorriso. Os dois viraram-se para a escadaria e desceram-na.

- Andrea Dejanira. – disse o Mestre ao parar na frente da vampira, os braços abertos e um sorriso delicado nos lábios.

A mulher ergueu-se com um largo sorriso nos lábios, iluminando seu belo rosto.

Harry, ainda ajoelhado e com a cabeça inclinada, arregalou os olhos, surpreso.

- Mestre. – falou a vampira, sua voz muito suave e sem qualquer resquício de ira ou frieza.

- O vermelho, não é? – perguntou o Mestre, tocando a ponta do tecido da mulher, sua voz triste.

O sorriso de Andrea alterou-se, por um único segundo, voltando a ser aquele frio e cruel de sempre.

- Serei sempre assim, Mestre. Eu não sou humana, não posso alterar-me tão profundamente. – respondeu a vampira, o tom idêntico ao anterior, a expressão tão suave quanto.

O Mestre assentiu com a cabeça, compreensivo.

- Aguardei o seu retorno com muita esperança de que você mudasse ao menos um pouco. – admitiu ele, a voz tornando-se ainda mais rouca pelo tom mais baixo.

Andrea balançou a cabeça com um sorriso divertido.

- Admita Mestre, o senhor não ficou tão ansioso para me ver, mas para quem eu traria aqui. – disse ela, o tom um pouco ousado.

O Mestre encarou-a com o semblante sério e calmo. Por fim, ele deu um sorriso e se virou para Harry, que permanecia ajoelhado e com a cabeça inclinada, os olhos arregalados e a mente acelerada.

- Erga-se, meu jovem. – orientou o Mestre, a voz rouca e calma.

Harry obedeceu e fitou o homem à sua frente, o homem que havia dito coisas em seu ouvido na plantação de arroz. O Mestre, tal como os outros monges que ele vira, era careca, embora fosse possível distinguir a diferença entre ele e os outros. Yo Ba, por exemplo, parecia ser naturalmente calvo, enquanto o Mestre possuía características de corte recente nos cabelos. Seu rosto era de traços fortes e até rudes, se não houvesse sua expressão serena e carinhosa. Os olhos eram negros como uma noite sem fim, apesar de existir o brilho misterioso das estrelas.

- Interessante, muito interessante. – disse o Mestre, os olhos fixos na faixa que contornava o corpo do garoto.

- Desculpe-me, senhor, mas o que é interessante? – perguntou Harry.

O Mestre virou-se para Yo Ba, que permanecia parado ao lado de Andrea. Ele perguntou algo para o monge naquela língua que Harry não conhecia, o monge deu um sorriso largo e respondeu, seu tom não agradou o garoto. O Mestre concordou com a cabeça, um sorriso sutil em seus lábios.

- Venham, vamos tomar um chá. – disse ele, virando-se para a escadaria e subindo-a.

Os outros o seguiram. A plataforma que as escadas formavam, era recoberta por um grande tapete todo decorado com o desenho de uma floresta de um verde tão brilhante quanto o da própria floresta do reino, cheia de animais selvagens e fios dourados e prateados faziam desenhos nas bordas do tapete. Sobre ele existiam algumas almofadas brancas e douradas, além de uma mesinha pequena e muito baixa, que sustentava um bule de chá e quatro pequenas tigelas de barro cozido.

O Mestre sentou-se sobre o tapete, ao lado da mesinha, e cruzou as pernas. Ele apontou para a sua frente e Andrea e Harry sentaram-se como ele a um metro de distancia. Yo Ba contornou-os, sentou-se ao lado do Mestre, mas um pouco para trás do mesmo, e deitou o bastão que carregava ao seu lado.

O Mestre serviu chá nas quatro tigelas e estendeu-as para os outros, guardando uma para si. Andrea e Yo Ba bebericaram do chá imediatamente, ambas as mãos sendo usadas para segurar a tigela. Harry fitou o líquido caramelo claro e aspirou fundo seu vapor. O cheiro era doce e muito suave, bastou apenas isto para relaxá-lo ainda mais. Ele bebeu o chá quente, sentindo-o queimar levemente sua garganta.

- Como foi sua jornada, Andrea? – perguntou o Mestre após recolocar sua tigela vazia sobre a mesinha.

- Tranquila, mestre. – respondeu a vampira, pousando a tigela sobre suas pernas.

- E seus objetivos?

- Inalcançados. – disse ela e, ao lançar um olhar rápido a Harry, continuou – Consegui concretizar apenas um e ainda não completamente.

O garoto retribuiu o olhar da vampira, curioso. O Mestre assentiu compreensivo e se virou para Yo Ba. Ele ordenou algo ao monge, que apenas concordou com a cabeça e lhe devolveu a tigela de barro, erguendo-se em seguida.

Ao mesmo tempo, Andrea pôs-se de pé e fez uma longa reverencia para O Mestre. Quando Harry assimilou as ações à sua volta, começou a se erguer também.

- Não, Potter. – disse-lhe a vampira, o tom um pouco mais duro – Você fica. O Mestre deseja lhe falar a sós.

O garoto concordou e voltou a se sentar.

Andrea e Yo Ba desceram as escadas e desapareceram da vista de Harry. Ele virou-se para o Mestre, que o estudava profundamente. O garoto teve a estranha sensação de ter sua alma mapeada e analisada, era um desconforto ainda maior do que o que sentira na presença de Yo Ba.

- Você sabe por que está aqui? – perguntou o Mestre, a voz rouca muito séria.

- Para aprender. – respondeu Harry, a paz que sentia salvando-o da insegurança que o rondava.

- Eu não perguntei para que, mas sim por que. – falou o Mestre mais para si próprio, suspirando decepcionado.

- Senhor! – chamou Harry, a paz regredindo um pouco pelo misto de curiosidade e raiva que passou a sentir – Eu ouvi sua voz, na plantação de arroz.

- Ah, sim. – concordou o Mestre, um largo sorriso de aprovação em seus lábios – Achei que não fosse comentar isto. De fato, eu falei contigo enquanto estava na plantação. O sentimento que te inundou aquela hora foi tão forte que chegou até mim. Eu, é claro, não deixei isto passar em branco, não desperdicei a oportunidade de ter meu primeiro contato contigo.

Harry ergueu uma sobrancelha, descrente.

- Como aconteceu? – perguntou ele.

- Pergunta interessante, jovem, muito interessante. – respondeu o Mestre, coçando o queixo – Eu falei contigo pelo vento, pelo solo, pelas pessoas que te circulavam, por toda a natureza presente naquele espaço. Compreende?

Harry fitou os olhos negros, imóvel e em silêncio. O Mestre suspirou e balançou a cabeça, desamparado.

- Com o tempo, meu jovem, você entenderá tudo isto. As tuas duvidas serão sanadas, suas perguntas respondidas e seus sentimentos compreendidos. – disse o Mestre, a voz lenta e serena.

O garoto assentiu com um leve sorriso de desculpas.

- Durante toda a minha vida eu vivi preso, mestre. – falou ele, o tom mais triste do que gostaria – Preso à uma casa e à uma família que sempre me odiaram. Preso ao medo de perder meus amigos e minha vida a cada ano que se passava. Preso à raiva que sentia, e ainda sinto, por aqueles que me menosprezavam e me humilhavam. Porém, hoje estou livre. Abandonei a casa e a família que sempre me negaram e que eu mesmo nunca quis. Não tenho mais amigos para temer perdê-los e sei que, com Andrea, não preciso temer perigo algum, a não ser o que ela própria me representa. Mas, principalmente, estou liberto da raiva. Hoje não sou mais prisioneiro dela, eu mesmo a escravizei para meus propósitos, hoje ela não é nada alem de uma arma e um meio para que eu consiga o que eu quero.

O Mestre encarou os olhos verdes de Harry, que haviam se tornado opacos. Segundos depois o brilho voltou ao esmeralda e Harry balançou a cabeça, como se tivesse saído de um transe. Ele olhou para o homem à sua frente, o semblante assustado.

- Acalme-se, meu jovem. – pediu o Mestre, erguendo uma das mãos ao ver que Harry iria falar algo – Aqui em Shambhala os nossos sentimentos e pensamentos mais profundos veem à tona. Isso faz parte do processo de purificação, expor seus segredos, seus medos, seus pensamentos e sentimentos malignos. O que você disse está dentro de seu coração, embora você mesmo não a tenha percebido antes de proferi-la.

Harry abaixou o olhar, envergonhado. O Mestre deu um largo sorriso.

- Agora a pouco você perguntou o que era interessante, não é mesmo? – perguntou o homem, a voz mais viva.

- Sim! – respondeu Harry, erguendo o olhar e fitando o semblante encorajador do outro.

- A cor da sua faixa me causou espanto e curiosidade, rapaz. – o Mestre apontou para o garoto, a sinceridade estampada em sua face.

- Por que, senhor? – perguntou Harry, curioso.

- Cada faixa tem um significado próprio. A de Yo Ba é dourada, o ouro da riqueza, não material, mas intelectual e física. Creio que você já percebeu a função do monge. – explicou o Mestre, fazendo uma pausa para que o garoto falasse.

- Ele é o guarda. – disse Harry, direto.

- Quase isso. – falou o Mestre, ainda sorrindo – Ele é o guardião de várias coisas. Ele protege a entrada do reino, os iluminados e os monges e, o mais importante de tudo, ele guarda as habilidades de luta que os outros guardiões precisam obter com total perfeição.

Harry ficou espantado, os olhos arregalados.

- Incrível. – falou ele sem conseguir refrear-se.

O Mestre concordou, sorrindo do modo como o garoto tentara impedir o elogio.

- O que é o verde? – perguntou o Harry, ansioso por mudar de assunto e por sanar sua curiosidade.

- O verde escuro. – corrigiu o Mestre – Ele é muito incomum, sabia? Tanto quanto o vermelho.

- O que é o vermelho? – a pergunta saiu muito rápida, ansiosa demais.

- Acalme-se, jovem. – pediu o Mestre, a expressão abrandando e as mãos erguidas em contensão – O vermelho é a paixão, não a comum, mas a pelo prazer próprio e sofrimento alheio. Você ficou tempo o suficiente com Andrea para notar isso, não é? – perguntou ele ao ver nos olhos do garoto a semelhança.

- Ah... é. – confirmou Harry, o rosto corando e a voz muito sem graça.

- Agora, o verde escuro. – a voz do Mestre foi mais ansiosa do que ele próprio esperava – Muito, muito raro mesmo.

Os olhos negros fixaram-se na faixa em torno de Harry, que sentiu que o homem se distanciava, sua mente viajando para algum outro lugar, alguma lembrança.

- Mestre. – chamou o garoto, o tom baixo.

O homem ergueu a cabeça e fitou os olhos verdes vivos do garoto.

- A bênção. – falou o Mestre, simplesmente.

- Bênção? – repetiu Harry, sem conseguir entender.

- A bênção da vida. – explicou o Mestre, recompondo seus modos serenos – Você foi abençoado com a vida.

O garoto assimilou aquilo e mais perguntas se formaram em sua mente.

- Por causa de minha mãe? Que deu a vida para me proteger? – questionou ele.

- Hum. – resmungou o Mestre, coçando o queixo, pensativo – É, pode ter sido por isto. – respondeu ele, por fim.

Harry ainda o encarou com ansiedade, pois sentia que aquilo não era o término da resposta e da explicação do homem. Antes, porém, que o garoto pudesse questionar, Yo Ba surgiu ao seu lado e o Mestre assentiu com um maneio da cabeça.

- Acompanhe Yo Ba, rapaz. Ele lhe mostrará seus aposentos. Veremos-nos em breve. – disse o Mestre com um sorriso caloroso.

Harry se ergueu, fez uma reverencia e acompanhou o monge, que já descia as escadas.

=.=.=

Andrea andava de um lado para o outro no pequeno quarto. Assim que a porta se abriu ela parou seu movimento e dirigiu seu olhar e sua total atenção ao garoto que a cruzava. Harry entrou, sorrindo para a vampira. Yo Ba permaneceu à porta, o olhar fixo na mulher e um sorriso muito zombeteiro nos lábios.

- Com medo, criança? – perguntou ele, risonho.

Harry virou-se para o monge, achando que o mesmo falava consigo. Antes que o garoto pudesse questionar, um rosnado baixo e fraco partiu dos lábios de Andrea.

- Cale-se. – bradou a vampira, o tom de seus olhos oscilando muito rápido entre o chocolate cremoso e um barro avermelhado, como se alguma outra tonalidade lutasse para tomar toda a sua íris.

Yo Ba lançou um olhar profundo em Harry, que sentiu o mistério e o segredo tomarem forma no aposento e sua curiosidade fazer-lhes companhia. O monge virou-se e desapareceu pelo corredor. Andando muito depressa, Andrea fechou a porta e resmungou algo que Harry não entendeu.

- Qual o problema? – perguntou ele.

- O que Ajala te falou? – retrucou a vampira, a voz dura e trêmula.

- Quem?

- O Mestre! – explicou Andrea, exaltada.

- Esse é o nome dele?! – questionou Harry, quase aos risos.

- O que ele te falou? – perguntou novamente a vampira, segurando o garoto pela gola da camiseta branca.

A risada morreu antes de se formar na garganta do moreno. Ele encarou os olhos de Andrea, agora fixos no chocolate, embora ele conseguisse ver, lá no fundo, uma batalha violenta entre dois lados da vampira que disputavam pelo controle naquele momento.

- Ele apenas me explicou algumas coisas sobre purificação e eliminação de segredos e maus pensamentos e sentimentos. – respondeu Harry – E o que significava a cor da minha faixa.

- O que ele te disse sobre a faixa? – a voz de Andrea foi muito fraca, o aperto na gola do garoto afrouxou um pouco e os olhos perderam ligeiramente o brilho.

- Que ela representa a benção da vida, que eu ganhei de minha mãe quando ela deu a vida dela para me proteger. – respondeu o garoto, a sua mente formulando a imagem da vampira desmaiando devido aos sinais que ela lhe dava.

Andrea soltou-o e se afastou, mal havia dado dois passos e desabou sobre a cama confortável que havia ali. Seus olhos ficaram fechados e sua respiração era profunda e continua.

Harry ficou encarando-a, preocupado. Demorou algum tempo para que ela se sentasse e o olhasse novamente.

- Ansioso? – perguntou ela, o tom curioso e os olhos brilhando divertidos.

- Não sei o que virá agora. – retrucou o garoto, sentando-se na cama ao lado.

- Agora você vai aprender a lutar, a controlar seus pensamentos e sentimentos, a fechar sua mente. – respondeu a vampira, o tom sério e sombrio – Você vai iniciar a jornada pela qual todos os guardiões do reino passam. Você vai se tornar um guerreiro de Shambhala.

Harry deu um largo sorriso, mas não era aquele sereno que dera ao entrar no grande salão, era sombrio e cheio de prazer. Ele se virou e avistou seu reflexo em um grande espelho que tomava toda a parede do quarto.

- Então tudo começou. – disse ele, aproximando-se do espelho, seus olhos fixos nos verdes refletidos – Snape e Draco na Irlanda, Voldemort na Inglaterra e eu aqui. Nós quatro seguiremos caminhos diferentes durante um tempo, mas eu tenho certeza que os encontrarei.

Os olhos do garoto ficaram opacos, sem vida, sem nenhuma batalha, como ocorrera à Andrea.

- Meu destino Andrea... – ele a encarou pelo reflexo – Está iniciado.


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