“...Hoje eu parei pra escutar meu coração
Que só fala de você
Desde quando eu te vi...”

Essa era a parte da música misteriosa que ele ainda se lembrava.

A única lembrança que ele tinha da garota.A garota misteriosa.Não havia parado de pensar nela nem sequer por um segundo, e essa música não saía de sua cabeça desde a primeira encarada para a menina.

Não conseguia se esquecer da cena que se fazia e se refazia do modo como conheceu-a.

Flash back on.

E lá estava ele.Dentro do ônibus que chacoalhava incansavelmente pelas ruas estreitas e cheias de pedras de uma das favelas de Curitiba.O garoto estava ansioso com o fim das aulas.Estava aguardando pelo ano inteiro para ver se conseguiria uma bolsa permanente em um dos colégios mais caros da cidade: Positivo.

Não era um desses meninos de sorrir muito.Estava cedo e por incrível que pareça o ônibus estava silencioso.Ele estava de pé, pois havia deixado seu lugar para uma velha senhora e agora segurava em um daqueles apoios que ficam no teto.

“...Nós vamos estar
Juntos mesmo quando não estamos perto
Já não importa mais o que ficou pra trás
Agora é só eu e você!
Venha e me mostre como tudo deve ser
Marco minha história mesmo sem querer
Como tudo deve ser...”

“Que música mais profunda...”-Pensou o garoto, que agora colocara os fones de ouvido e começara a escutar Metallica.

Ele não era metaleiro, na verdade, era mais um emo/gótico, porém ele adorava ouvir Metallica.

Então, uma figura começou a surgir lá do fundo do ônibus.A figura mais linda que ele já tinha visto.

Ele tirou os fones de ouvidos e começou a analisar a figura que vinha da frente para a parte de trás do ônibus.

Ela tinha longos cabelos loiros, iam praticamente até a cintura.Tinha olhos de um preto tão profundo que pareciam duas jabuticabas.A pele mais branca que já havia visto, Toda sensível.Caminhava em um ritmo bem tranquilo, era como se cada passo fosse uma parada cardíaca.Sua expressão era tranquila, porém sofrida, doída, talvez carente.Não carregava nenhuma bolsa consigo, apenas o celular que estava em sua mão e de onde provinha a música profunda.

Até que, em questão de segundos.

A menina não estava mais de pé, e sim, caída nos braços do garoto, que a segurava.Seu celular, voou em direção a janela, e fora atropelado pelo carro que vinha atrás.

O garoto olhou para o rosto da linda menina, que agora, estava desacordada.

Flash back off.

O garoto parou de pensar na garota.Encostou a cabeça na parede.

Então, assim era o amor.Acabava com você por dentro.Não deixava você se lembrar de como você era ou como ficou.A única coisa que ele sabia era que um olhar foi suficiente, para se apaixonar pela pequena boneca que vira uma única vez na vida.No ônibus.

-Seu nome?-Perguntou a moça toda vestida de branco a sua frente.

-Mário Antônio.-O garoto respondeu.Ele encarava a moça de branco a sua frente com olhos aflitos.

Onde estava?

No hospital.

Por quê?

Um passo.Uma parada cardíaca.

-Sua idade?-A enfermeira perguntou bem paciente.

-17.-O garoto respondeu impaciente.Era tão difícil assim falar logo o que a garota tinha.

-Sinto muito, mas precisamos de um maior de idade para assinar a ficha.-Disse a enfermeira paciente.

-Mais como eu vou chamar um maior se eu não sei nem o nome da garota?!-Perguntou ele, estressado mais ainda falava baixo.

-Mil desculpas senhor...

-Mil desculpas?Porque você não me deixa falar com ela?Quem sabe assim eu fico sabendo quem ela é e quem eu devo chamar.-Disse ele, sério.

-Senhor...Eu não posso te deixar fazer isso...

-Por quê?

-Pois eu preciso de um responsável...Por favor entenda...

O garoto respirou.Gritar ali não resolveria nada.Olhou com seu olhar mais sedutor para a enfermeira.Como se alguma enfermeira fosse se apaixonar por um emo/gótico...

-Por favor....Eu preciso...Pelo menos conversar com ela...-Ele insistiu.A enfermeira, ainda jovem, não se segurou.Assentiu e fez para que ele a seguisse.Ele a seguiu.

Chegando a uma porta, ela o olhou nos olhos e disse:

-Por favor se comporte.Seja paciente com a garota.

-Sim...-A enfermeira se virou para sair.-Muito obrigado!-Ele disse.A enfermeira sorriu com o canto da boca e saiu.

O garoto abriu a porta, bem tranquilo.A garota loira estava deitada como uma pequena criança.

-Oi...-Ele disse meio sem jeito.Nunca teve uma namorada, nunca fora bom com as mulheres.

A garota o encarou por um momento.Ele caminhou até seu lado e segurou sua mão.A mão mais delicada e macia que já havia segurado.O calendário marcava 23 de novembro.A menina apenas o olhou.Abriu um pequeno sorriso, não tinha forças para falar.

Ele a olhou com ternura, e ela o correspondeu.

-Você vai ficar bem.Eu sei que vai.

Ela revirou os olhos.A respiração foi ficando cada vez mais leve.Com suas últimas forças, ela pegou uma rosa branca que estava ao seu lado na cama.Entregou na mão do garoto.Deixou que as lágrimas seguissem tranquilas seu curso até o travesseiro.O garoto, que nem sequer sabia seu nome, se aproximou e selou seus lábios finos e delicados.Quase sem cor.A menina correspondeu.Correspondeu ao selo, até que sua respiração falhasse.Sua mão caiu da mão do garoto, que se afastou assustado.Foi caminhando pra trás.Até que alcançou a porta.Lá de trás veio uma voz calma e feminina, quase sem forças que dizia:

-Mari...Meu no-me.

Ele sorriu, olhou pra trás e chorou.

-Quando tudo isso acabar, eu volto pra te buscar.

A garota fez que não com a cabeça.Uma puxada de ar, outra parada cardíaca.

Agora médicos dominavam o quarto, corriam de um lado para o outro.O garoto saiu de fininho.Saiu do Hospital.

Havia uma música tocando no rádio.

“...Nós vamos estar
Juntos mesmo quando não estamos perto
Já não importa mais o que ficou pra trás
Agora é só eu e você!...”

O garoto virou incrédulo.Olhou para a porta do quarto de onde a menina estava.

Agora ele sabia o porquê daquela música ter mexido tanto com ele.

Ele saiu.Não olhou para trás.