Lembranças escrita por Lyse Darcy


Capítulo 1
Capítulo 1 Capítulo Único




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Deitada olhando o teto pensava em tudo que vivera até ali, perto da lâmpada observava uma teia de aranha que voava ao balanço de um ventilador que tirava as suas madeixas do lugar, ela afastou os fios de seu rosto e teve uma sensação de que queria ter vivido muito mais do que sua lembrança lhe alcançava.

Respirava suavemente nesse momento porque algumas horas atrás estava em uma terrível crise asmática isso lhe acometia desde a tenra idade, quando o pulmão se recusava a receber o ar e se fechava obstinadamente, e seu pai de um modo cuidadoso lhe preparava uma nebulização, pois sabia o quanto isso era penoso, porque também sofria do mesmo mal.

Um leve sorriso brotou em seus lábios ao recordar de uma lembrança que embora era de um momento de doença, todavia lhe despertou o sentimento de pertencimento que seu progenitor lhe dispensava ao preparar com carinho o medicamento em noites frias e escuras.

E se lembrou que era nesses momentos solitários que seus amigos imaginários vinham lhe fazer companhia. Agora mais velha deitada ali se recordou de uma companheira de aventuras pueris que há muito estava esquecida no mais profundo de suas memórias. E que agora despontou de um modo vivo e intenso em sua cabeça.

E a garota sentiu uma necessidade de trazer ela de volta a vida através das palavras. Assim seria recordada de modo carinhoso. Precisava fazer essa homenagem.

Tentou montar o primeiro momento em que ela surgiu em sua vida, quando trocaram suas primeiras palavras e, um vazio retumbou em seu cérebro. Meneou a cabeça em uma leve melancolia, então lhe veio à mente um pensamento primitivo.

Os dias de chuva a deixava feliz, parecia estranho e foi um dia assim que se lembrou, de uma tarde chuvosa enquanto brincava com um carrinho de seu irmão, aliás ela gostava mais de brincar com tais objetos do que com suas bonecas, que sempre ficavam em sua cama como num painel, apenas para serem vistas e admiradas.

O céu estava cinzento e um friozinho agradável percorria seu corpo, o cheiro de limpeza em sua casa invadia suas narinas, quando em sua frente se materializou uma garota de olhar vivo que a fitava de modo curioso.

Ela a olhou de modo confuso, e olhou a sua volta e percebeu que ninguém a enxergava, sua mãe estava em pé recostada a pia preparando a refeição da noite, mais a frente sua irmã sentada em frente do rádio para gravar as músicas que mais lhe apetecia, seu irmão brincava mais acuado, foi assim que soube que aquela criatura se materializou apenas para ela.

— Quem é você? Qual é o seu nome? – Perguntava com curiosidade.

E a garota apenas a fitava de volta. De modo que a menina desistiu de se comunicar e voltou para a sua brincadeira que estava muito mais interessante. Quando uma voz invadiu seus ouvidos.

— Que brincadeira é essa, que você está fazendo?

— Brincando de “papelzinha”. – Falou naturalmente como se a outra a entendesse.

— “Papelzinha”? O que é isso? – Fazia uma leve careta

— Bom eu te explicarei se você me disser qual é o seu nome.

A entidade queria guardar mais mistério em relação ao seu nome, mas a curiosidade em saber que brincadeira era aquela se adiantou e se apresentou.

— Meu nome é Kah. – Sorriu sincera.

— Prazer Kah. Agora deixa eu cumprir minha parte nesse acordo. – Soou solene. E prosseguiu. – Essa brincadeira é muito simples. Você pega algumas revistas antigas e recorta as pessoas que estão nela. Crianças, mulheres e homens. Mais tem que cortar bem certinho. E depois você dá nome a eles e forma famílias e amigos que convivem vão à escola, ao trabalho e aonde mais queiram.

A amiga imaginária ouvia tudo aquilo atentamente e aprendendo as regras do divertimento da humana. E novamente inquiriu.

— Então por que você está com esse carrinho?

— Ah isso é muito simples. – Sorriu. – É o carro da família Costa. – Apontou para as imagens que estavam em cima do brinquedo.

Kah devolveu o sorriso e entendeu a natureza daquele jogo tão simples que consistia em viver várias vidas possíveis num curto momento de brincadeira, e percebeu que a imaginação da garota humana era tão fértil e que foi essa força que a materializou. Sentiu a energia pura e sincera da menina e assim brincaram a tarde inteira. Sem se cansarem.

(...)                                                          

A jovem perdida em seus pensamentos foi pega de surpresa ao brotar uma lágrima em sua face, não era de tristeza, mas de saudades daquela garotinha que ela foi um dia, e sorriu ao se dar conta que ela não vivera pouco. Vivera muitas vidas possíveis em sua larga imaginação. E agradeceu a seus amigos imaginários por todo o companheirismo e aventuras que viveram.

Então se levantou e foi até o notebook escrever sobre sua querida amiga imaginária Kah.  


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