Truque do Destino escrita por Akiel


Capítulo 8
Interlúdio - A Rosa e a Andorinha




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Truque do Destino

 

Interlúdio – A Rosa e a Andorinha

 

Anos atrás

As estrelas brilham intensamente no céu, cada pulsar de luz parecendo o sussurro de uma canção de ninar para as almas adormecidas. Entretanto, no jardim do Palácio da Lua, uma jovem permanece desperta. Sentada no metálico balanço e seguindo o distraído movimento das correntes, Ciri mantém o olhar focado no horizonte além das fronteiras dos Aen Elle, onde os unicórnios correm livremente como uma constante ameaça para os elfos. As lembranças do amigo feito entre os unicórnios dançam na mente da Andorinha misturadas às memórias adquiridas na corte do Rei dos Amieiros – a constante e intrigante presença de Avallac’h, a distante e ao mesmo tempo firme postura de Auberon e o forte e curioso olhar de uma feiticeira com olhos de witcher.

Ileanna permanece como um enigma para Ciri. Uma feiticeira sequestrada, mas que se ajoelha e jura lealdade ao homem que a tirou do mundo no qual nasceu. Uma humana que conquistou o respeito de guardas e soldados elfos, que comanda e é comandada. A Andorinha se recorda do orgulho na voz da jovem feiticeira ao falar sobre o que se tornou, como superou o próprio destino e as expectativas do rei. Mas Ciri também se lembra das palavras de Avallac’h, de como tudo que Ileanna fez – cada escolha e passo – foi pensado tendo Auberon como referência, os desejos do soberano. É óbvia a intensidade da lealdade da feiticeira de olhos dourados para com o Rei dos Amieiros, mas também é uma inquietante interrogação para Ciri, uma que envolve a própria existência de Ileanna.

Um truque do destino. A definição ecoa na mente da jovem de olhos verdes, despertando lembranças antigas, de encontros aparentemente desconexos, mas improváveis demais para que sua recorrência fosse apenas coincidência. Sob o calmo olhar das estrelas, a Andorinha sente o coração doer com a vontade de ver Geralt e Yennefer novamente, de retornar para o mundo de origem, de ficar o mais longe possível da lembrança e da história de Lara Dorren. O som de passos sobre a grama tiram Ciri dos próprios pensamentos, guiando as írises da cor de esmeraldas até a recém-chegada. Como se invocada, Ileanna se aproxima do balanço em um lento e firme caminhar, um calmo sorriso esticando os lábios vermelhos.

— Se escondendo, Zireael? – a feiticeira questiona com leve divertimento na voz.

— Existe algum lugar que eu possa me esconder nesse mundo? – a voz da Andorinha vibra com má contida petulância, conquistando uma baixa risada por parte da feiticeira.

— Talvez. – Ileanna responde com simplicidade, conquistando a curiosidade das írises verdes. Sem elaborar a resposta dada, a jovem feiticeira se senta na grama ao lado da mais nova, o olhar dourado sendo dirigido por um momento para o horizonte dominado pelas sombras da noite – O que você deseja, Zireael?

Longos segundos se passam em silêncio, a pergunta feita ecoando na mente de Ciri junto com a lembrança de uma conversa sob a luz do sol, em que uma questão familiar foi colocada. O que você deseja ser, Zireael? E da mesma forma que naquele momento, a Andorinha se encontra incapaz de responder. Os olhos claros permanecem focados no perfil da mais velha e Ciri sente um afiado golpe no peito quando as írises douradas retribuem o olhar. Há paciência e um genuíno interesse nos olhos de Ileanna que embaraça a mais nova. A Andorinha sente como se a feiticeira com olhos de witcher a estivesse guiando por um tortuoso caminho até uma resposta que deve ser encontrada, mas que a falha em a descobrir acaba apenas por frustrar Ciri.

— O que você realmente quer saber? – a Andorinha questiona com a impaciência vibrando na voz e fazendo com que o sorriso nos lábios vermelhos da feiticeira aumente.

— Eu quero saber o que você deseja, Zireael. – Ileanna responde em um tom de voz calmo e suave – Se você quer se tornar mais do que a razão para estar aqui, mais do que o último receptáculo do sangue de Lara Dorren.

— Você já me perguntou isso.

— E você não respondeu. – a feiticeira replica com rapidez – Então, eu pergunto novamente: O que você deseja, Zireael?

O silêncio volta a dominar o jardim e o coração da Andorinha parece acelerar a cada segundo passado sem som, os dedos segurando nas correntes do balanço até a pele perder a cor. O olhar dourado não fraqueja nem é desviado, permanecendo firme e insistente, parecendo procurar pela resposta pedida nos olhos verdes. Na mente de Ciri, uma busca acontece, pelas palavras que possam responder à questão feita pela mais velha e à inquietação que nasce e treme no coração da Andorinha diante da pergunta de Ileanna. Contudo, é o desejo sentido antes da chegada da feiticeira que permanece, a vontade de retornar para o próprio mundo e ver Yennefer e Geralt uma vez mais. Com a voz estrangulada na garganta, Ciri tenta responder, as palavras se tornando um baixo e quase inaudível sussurro:

— Eu quero voltar para casa. – as írises verdes brilham sob as estrelas, as lágrimas queimando o claro olhar, mas o coração é teimoso demais para permitir que elas sejam derramadas – Eu não sou Lara. – raiva e ressentimento colorem a voz da Andorinha, que se torna mais alta e firme – Eu não sou ela.

— Não, você não é. – Ileanna concorda de modo quase distraído. O eco de um pensamento escondido na serena voz da feiticeira faz com que a surpresa e a curiosidade nasçam nas írises verdes. Devagar, a jovem com olhos de witcher ergue a mão direita, as pontas dos dedos tocando a face da mais nova e se entrelaçando em alguns fios prateados. Há algo no olhar dourado, uma sombra que dança sob as estrelas e mostra que os pensamentos se encontram inquietos na mente da jovem feiticeira. A Andorinha reconhece o disfarce da sombra, o tendo visto diversas vezes nas írises aquamarines de Avallac’h. Nesse momento, Ileanna mostra o mesmo olhar que o Aen Saevherne: distante, mas pensativo; distraído, mas ainda assim focado. Observando o sombreado olhar da mais velha, Ciri pode ver que Ileanna realmente foi aluna de Avallac’h, tendo mais do que feitiços aprendidos permanecido na bela feiticeira de olhos dourados.

— Venha comigo. – Ileanna pede, a sombra fraquejando e permitindo que o intenso e focado interesse retorne para os olhos da feiticeira – Há um lugar que eu quero mostrar a você.

Sem dizer mais nenhuma palavra, Ileanna afasta o toque da face da mais nova e se coloca de pé, os lábios vermelhos esticados em um sorriso que é, ao mesmo tempo, um convite e um desafio. Sentindo o coração bater mais rápido com a curiosidade despertada com a invitação, Ciri se retira do balanço e oferece um leve aceno da cabeça, uma muda resposta de aceitamento. Parecendo satisfeita, Ileanna começa a andar, guiando o caminho para fora do jardim. A Andorinha segue os passos da mais velha, as írises verdes observando a face novamente pensativa e a mente imaginando o que pode estar entrelaçado aos pensamentos da feiticeira de olhos dourados, o que pode ser forte o suficiente – ou sério o suficiente – para abalar e nublar a constantemente confiante postura de Ileanna.

Os passos da jovem feiticeira são firmes ao guiarem o caminho para fora do jardim, a mente e o corpo acostumados a seguirem pelos estreitos e escuros corredores escondidos sob os arcos a conectarem as diferentes partes do palácio. A dona dos olhos dourados sente o peso do olhar da mais nova, a atenção da Andorinha vibrando com uma inquieta curiosidade. Contudo, Ileanna não permite que a mente se concentre em Cirilla, os pensamentos sendo atraídos para uma memória recente e para as palavras de um rei. Tente e veja, minha rosa. Independentemente de eu recuperar o que desejo de Zireael, o poder que ela carrega pode destruir um mundo. Se você não estiver lá para congelar as chamas. Por um momento, as írises de witcher são dirigidas para a lua cheia que brilha entre as estrelas, o coração parecendo querer imitar o pulsar brilhante que toca uma silenciosa melodia no céu.

Nós somos tão complementares assim, Zireael? O frio da tempestade em mim e o fogo do sangue de Lara em você. Pelos nossos sangues, nosso caminho é o da destruição. Mas esse não é o meu desejo. Qual é o seu, Andorinha? Você pode ao menos perceber a decisão que terá que tomar? Um baixo e discreto suspiro escapa por entre os lábios da jovem feiticeira, sendo rapidamente substituído por um sorriso quando um antigo portão de ferro é alcançado, as barras de metal sendo fracamente iluminadas pela lua e revelando as madressilvas que encontraram lar na desgastada entrada. Ainda sorrindo, Ileanna toca a fechadura, uma oscilante luz azulada escapando dos dedos da feiticeira e fazendo com que o suave clique da fechadura sendo destrancada seja ouvido.

— Que lugar é esse? – Ciri questiona se aproximando da entrada, a voz colorida com a curiosidade sentida.

— Meu lugar favorito nesse mundo. – Ileanna responde enquanto empurra o portão, a mão livre chamando a Andorinha para acompanhá-la.

Um jardim banhado em luz e sombras é a visão que cumprimenta Cirilla quando o primeiro passo é dado. O curioso e verde olhar acompanha as heras que se entrelaçam pelo jardim, cobrindo as paredes em um cobertor que parece querer alcançar a suave luz da lua que o ilumina. No chão, envolvendo os pés e o contorno dos bancos de pedra e até mesmo se emaranhando entre as heras, há o branco do jasmim dos poetas, como pequenas estrelas em um mar de verde que reflete a beleza do firmamento. No meio do pequeno e escondido jardim, há uma fonte, a estátua de uma jovem elfa tendo sido esculpida no centro, com pequenas gotas, como lágrimas, caindo dos dedos que parecem chamar pelas flores que a rodeiam. Seguindo os contornos da bela elfa, o olhar da Andorinha encontra uma senhora cuidando das heras e jasmins que decoram a base da fonte, os dedos enrugados habilidosos ao lidarem com as teimosas plantas. A atenção de Ciri captura o olhar da senhora, as írises azuis brilhando com serenidade e os lábios se esticando em um calmo sorriso. Um sorriso que revela a natureza humana da senhora.

— Senhorita Ileanna. – a senhora diz fazendo uma curta mesura que é copiada pela feiticeira citada – O que a traz até aqui tão tarde?

— Marianne. – Ileanna responde e Ciri sente o suave toque da surpresa ao perceber o carinho que colore a voz da mais velha – Eu trouxe uma convidada para o jardim. – com as palavras da feiticeira, o olhar da senhora recai sobre a Andorinha e, mesmo não sabendo exatamente por que, Ciri dá um passo para mais perto de Ileanna, as írises azuis de Marianne despertando a inquietação no peito da jovem de olhos esmeralda – Você poderia garantir que nós não seremos perturbadas?

— É claro, senhorita. – Marianne responde com um leve aceno da cabeça – Estarei em meus aposentos, se precisarem de mim.

Com uma última mesura e um sorriso para as mais novas, Marianne se afasta da fonte, seguindo para uma porta escondida sob o toque das heras e desaparecendo como um fantasma sob as sombras do jardim. Os passos da calma senhora são acompanhados pelo atento olhar da Andorinha e, quando a porta se fecha, as írises verdes são voltadas para a jovem feiticeira, o olhar da mais nova brilhando com inquieta e desconfiada curiosidade. O olhar dourado reconhece as emoções presentes e as perguntas silenciadas no olhar de esmeralda, mas nenhuma palavra deixa os lábios vermelhos, que apenas se esticam em um sorriso pintado com divertimento.

— Quem era aquela mulher? – Ciri questiona sentindo o coração batendo como um pássaro preso no peito, a inquietação causada pelo olhar azul ainda queimando no sangue – Que lugar é esse?

— Marianne. – Ileanna responde se aproximando da fonte, os olhos de witcher observando a estátua esculpida no centro – Ela tem sido uma leal serva do rei por muitas décadas.

— Uma serva ou uma escrava? – Cirilla rebate, o desconforto sentido na presença da velha serva se transformando em veneno na voz.

— Uma serva. – a feiticeira responde sem se abalar ou desviar o olhar da imóvel elfa – Como todos nós.

A calma resposta é como um frio choque para a mais nova, que se pega deixando o silêncio reinar enquanto o verde olhar observa a distraída feiticeira. Uma serva como você? Tirada do próprio mundo e forçada a servir? Sem pensar, Ciri dá um passo em direção à fonte, a atenção ainda completamente focada na imagem de Ileanna. Não, você não foi forçada. Você foi conquistada. Sua lealdade é dada por vontade própria. Mas por quê? Por causa do modo como eles conquistaram você ou por que você realmente se importa com Auberon, com esse mundo?

— Tantos pensamentos... – a voz de Ileanna tira Ciri das próprias reflexões, a Andorinha piscando como se tivesse sido despertada de um sonho – Seus olhos são honestos demais, Zireael. Eles refletem a sua mente.

— Você fala como se isso fosse um defeito. – Ciri responde tentando disfarçar o susto sentido ao perceber que se tornou o foco do olhar dourado.

— Em certas situações, pode ser perigoso. – Ileanna diz, as írises de witcher brilhando sob a lua – Às vezes, você não pode revelar todas as suas cartas. Eu pensei que, passando tanto tempo com Avallac’h, você já tinha aprendido isso.

— O que isso quer dizer?

— Você acha que eu sou perigosa, Zireael? – a jovem feiticeira questiona, surpreendendo a mais nova, que não responde, mas sente o eco de uma resposta afirmativa sussurrar na mente – Avallac’h é mais. Não é uma questão de poder, mas de silêncio. Não há como saber exatamente o que se passa na mente dele, o que ele planeja ou qual o verdadeiro objetivo por trás das ações que toma. – há uma sombra de raiva e ressentimento na voz de Ileanna, um eco que Ciri não consegue determinar a origem. Na mente da feiticeira de olhos dourados, há o sussurro de antigas conversas, de desconfianças compartilhadas entre aulas e longe dos ouvidos do professor.

— Ele treinou você. – Ciri diz tentando entender as bordas afiadas que envolvem as palavras de Ileanna.

— Exatamente. – a feiticeira concorda – Eu o conheço melhor do que a maioria.

Por um longo momento, o silêncio reina no jardim. O olhar dourado da jovem feiticeira retorna para estátua da bela elfa, os dedos tocando a mão estendida e as gotas que caem lentamente. O olhar da Andorinha acompanha o movimento com um silencioso questionamento, a mente borbulhando com perguntas sobre Avallac’h, Marianne, o jardim e a própria Ileanna. Ciri tem a impressão de que quanto maior o tempo que passa com a mais velha, maior é o enigma que a feiticeira se torna. Respirando fundo, Cirilla se aproxima da estátua e da jovem com olhos de witcher, mas antes que qualquer pergunta possa ser feita, Ileanna quebra o pesado silêncio com uma simples questão:

— Você sabe quem ela é, Zireael?

Com a indagação, as írises esmeraldas são desviadas para a elfa esculpida no centro da fonte. O olhar da Andorinha segue os contornos da beleza imortalizada em pedra, as linhas ressaltando a delicadeza com que a mão é erguida em direção às flores quase como um convite ou uma súplica, o longo cabelo eternamente soprado pelo vento e revelando as pontudas orelhas e a face jovem e altiva, o olhar distante como se tentasse alcançar um sonho. Há algo familiar na imagem da bela elfa, mas Ciri não consegue identificar o quê. É um formigamento sob a pele, um eco de uma memória esquecida, de uma história há muito contada.

— Eu não sei. – a Andorinha responde, o olhar focado na expressão cheia de triste esperança desenhada na face da bela elfa, e fazendo com que o sorriso nos lábios vermelhos da feiticeira se intensifique.

 - Essa é Lara Dorren aep Shiadhal.

O nome é como um golpe para Ciri, tão forte e certeiro que a jovem de olhos verdes dá um passo para trás, o olhar ainda fixado na imagem da famosa elfa. A familiaridade é, então, compreendida pela Andorinha. A bela elfa é aquela com quem Cirilla divide sangue e poder e o motivo pelo qual foi trazida para esse mundo, a razão que faz com que Auberon a chame toda noite. Tudo que conecta Ciri aos Aen Elle é por causa de Lara. As írises de esmeraldas são desviadas da estátua para a feiticeira que permanece parada ao lado da fonte, o calmo e paciente olhar observando e esperando a resposta da Andorinha. Lara é a conexão de Ciri, mas o que conecta Ileanna aos Aen Elle? Qual é realmente a origem da lealdade da jovem feiticeira?

— Eu acredito que você saiba quem ela era. – a feiticeira de olhos dourados diz – A filha de Auberon e a prometida de Avallac’h...

— Por que me trouxe aqui? – Cirilla questiona de modo brusco, interrompendo o discurso da mais velha. Toda inquietação, todas as perguntas e dúvidas queimam no sangue da jovem de cabelos acinzentados, envolvendo o nome de Lara Dorren em um violento abraço e fazendo os músculos tremerem sob a pele.

Ileanna não responde de imediato e a seriedade que subitamente domina o olhar e a postura da jovem com olhos de witcher faz com que a dúvida queime com mais intensidade no coração da Andorinha, misturada a um medo frio que derrama gelo sobre a espinha. Medo de que a mais velha revele exatamente o quão perigosa é realmente. Contudo, a aproximação de Ileanna revela uma calma que não ameaça, apenas questiona. O toque que segue as linhas da face da mais nova é como uma busca, assim como o olhar que não foge das írises de esmeralda, pensativo e paciente. Por um momento, Ciri se sente completamente desprotegida e à mercê da vontade da feiticeira. Mas ao mesmo tempo, o coração bate com a vontade de ser igual a mais velha. Forte, imponente, confiante, com um poder que faz a pele formigar e parece sussurrar como uma distante tempestade.

— Esse é o lugar em que me sinto mais segura nesse mundo. – Ileanna responde sem afastar o toque ou o olhar – Eu o encontrei há muito tempo atrás, quando ainda era criança, e Marianne sempre me ajudou a tê-lo apenas para mim. Somente eu posso abrir o portão pelo qual passamos, qualquer outro tem que passar pelos aposentos de Marianne para chegar aqui. – os dedos da feiticeira se enrolam de modo distraído nos fios acinzentados – E eu a trouxe aqui, Zireael, para me ajudar a decidir.

— Decidir o quê? – sem pensar, Ciri ergue a mão e deixa que os dedos repousem sobre o punho da mais velha.

— Se eu vou ajudá-la ou não. – Ileanna responde com simplicidade e sem hesitação. Se nossos poderes realmente se complementam, se eu sou realmente um farol para você, para o sangue em você. Os pensamentos permanecem presos no silêncio, mas as sombras que provocam no olhar dourado são percebidas pelas írises de esmeralda, fazendo com que a Andorinha imagine o que mais pode existir por trás das palavras da feiticeira – Eu preciso saber, Zireael, o que você deseja alcançar, o que você quer se tornar.

Diga-me o que deseja, pois eu não a ajudarei a destruir.

Por longos segundos, a Rosa e a Andorinha permanecem em silêncio, os olhares conectados, incapazes de se desentrelaçarem. As írises de esmeralda são as primeiras a sucumbir sob o peso do silêncio, se tornando frenéticas no desespero de encontrar alguma resposta nos olhos dourados. Ciri sente o coração batendo forte no peito, tão forte que parece estar a apenas algumas batidas de quebrar a caixa torácica e escapar para longe. Longe dos Aen Elle, dos unicórnios e de feiticeiras com olhos de witcher. De volta para o próprio mundo, para um witcher e uma feiticeira que se tornaram sinônimos de lar. A Andorinha sente o toque de Ileanna sob os olhos e só então se dá conta das lágrimas que caem sem som ou consentimento, sendo secas sob o suave toque da feiticeira.

— Eu já disse. Eu quero voltar para casa. – Cirilla diz em um sussurro, o olhar ainda preso ao da mais velha e a voz sendo a cada segundo mais marcada pela raiva, pela frustração e pelo choro – Para minha família. Não sou Lara!

Não, você não é. O pensamento acompanha o toque sobre o rosto da mais nova, o deslizar dos dedos acompanhando o caminho das lágrimas que ainda são derramadas. E você não se importa com ela. Você ainda não está pronta para lidar com o poder que ela deixou em você. Zireael, você não está pronta para responder minhas perguntas, nem mesmo para si mesma. Você ainda tem muito para crescer antes que realmente possa se tornar a Senhora do Tempo e do Espaço, a Herdeira de Lara Dorren. Os dedos que antes apenas repousavam sobre o punho da feiticeira se fecham com força sobre a pele, mas não colocam um fim ao carinho oferecido por Ileanna. Mas talvez... Talvez eu possa tentar e ser seu farol, oferecer uma direção, uma luz para você.

— Diga-me, Zireael... – a feiticeira de olhos dourados começa – Você me teme?

A surpresa causada pela pergunta é clara no olhar de esmeralda e, por um momento, Ciri não sabe o que responder. O poder em Ileanna é claro, assim como o perigo que a feiticeira pode se tornar. Entretanto, mesmo que o medo tenha sido sentido em um momento passado, não é uma constante. Pelo contrário, há segurança na presença de Ileanna, uma certeza de proteção que a Andorinha não consegue explicar. Mas também há muitas perguntas, muitas dúvidas a atormentar a mente e inquietar o pensamento.

— Eu não entendo você. – Ciri responde fazendo com que um sorriso nasça nos lábios da mais velha.

— Confie em mim. Apenas por um momento. – a jovem feiticeira pede, os dedos se entrelaçando aos da mais nova por um momento – Confie em mim e não tema.

Cirilla assente lentamente e, ainda sorrindo, Ileanna rearranja a mão que segura de modo que a palma da Andorinha fique contra a palma da mão da feiticeira. Com as mãos juntas e sem desviar o olhar das írises de esmeralda, a feiticeira com olhos de witcher deixa que próprio poder flua, o sussurro da Geada Branca se espalhando pelo jardim e se entrelaçando às heras e jasmins. Pouco a pouco, a temperatura começa a cair, a água da fonte se cristalizando em gelo e o verde tapete ganhando pequenos pontos de neve a decorá-lo junto com a brancura dos jasmins dos poetas. Ciri sente cada mudança no jardim, cada pulsar do poder de Ileanna, causar um eco em si, distante, mas ainda presente, como o bater de outro coração. O sangue borbulha, os músculos tremem e a pele formiga com um desejo que não é compreendido, uma vontade de alcançar o poder que dança e chama, que convida a pulsar também, a se espalhar e dominar, a se deixar levar pelo caminho que conecta todos os mundos, todos os tempos, tudo. O desejo é tão forte que faz o peito doer e a respiração se prender no caminho para a liberdade.

Confusa e assustada, Ciri dá alguns passos para trás, a mão se afastando do toque de Ileanna e acalmando a vontade que queimava tão intensamente no coração. As írises de esmeralda procuram pelos olhos dourados e os encontram brilhando com paciência e compreensão. A Andorinha tenta falar, questionar, mas nenhum som deixa os lábios, a mente ainda tremendo com a força do desejo e do poder sentido. Lentamente, o frio se desfaz, libertando a água e o verde e, ainda sorrindo, Ileanna se aproxima da jovem de cabelo acinzentado, os dedos tocando o rosto e prendendo o olhar verde às írises douradas.

— Eu disse para não temer, Zireael. – a feiticeira diz em um tom de voz calmo e suave – Não tema o poder ou o sangue em você. São parte de você. Não se ressinta de Lara, aceite a herança que ela oferece a você. Ainda há tanto para você crescer, Cirilla. – surpresa nasce nas írises de esmeralda quando Ciri percebe o uso do nome por Ileanna – Eu posso ver parte do seu desejo nos seus olhos e eles traem suas palavras. Você quer voltar para casa, mas você também deseja o que eu tenho: meu poder, minha força, o respeito e a confiança que me são dados por aqueles ao meu redor. É isso que deseja ter, Zireael? Então cresça. Cresça e não tema a dor que vem com o crescimento, a recepcione e aprenda com ela. Treine e sangre, lute e caia. Domine seu sangue e seu destino e talvez se torne capaz de responder a mais importante das questões: Quem você deseja se tornar, Zireael?

 


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Notas finais do capítulo

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