Truque do Destino escrita por Akiel


Capítulo 10
XIX - Sonhos




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Truque do Destino

 

Capítulo IX – Sonhos

 

Um interessante reino, os sonhos. Eles guardam nossos desejos, nossos anseios e nossos medos. Mas eles também guardam nossas memórias, nossas lembranças mais queridas ou mais temidas. E até mesmo aquelas que a mente julga há muito esquecidas.

(Trecho de um livro encontrado na Universidade de Oxenfurt)

 

Kaer Morhen

A chuva ainda cai sobre a fortaleza, mas o som das gotas d’água sobre a pedra é abafado pela respiração que escapa do pulmão em descompassadas arfadas, os dedos pressionados contra os lábios vermelhos em um tentativa de impedir a fuga do grito que arranha a garganta. Quase como se quisessem acompanhar o ritmo da tempestade, as lágrimas caem dos olhos dourados em rápida sucessão, marcando a face jovem e destacando as sombras do sonho que ainda assombram a mente. O eco da própria voz treme sob a pele da feiticeira, fazendo com os músculos tensionem e o coração bata com mais força, desesperado para negar a verdade que sente na lembrança do sonho. Uma única palavra, mas também a última peça, o pedaço que faltava para completar a imagem e dar sentido ao quebra-cabeça, a familiaridade sentida em um mundo que deveria ser estranho.

Mãe!

Um trovão explode no céu e reverbera no peito da jovem feiticeira. A dor sentida com a verdade recordada desperta e chama o frio, a suave aproximação da gelada tempestade sendo ignorada pela mente distraída. As pálpebras se fecham sobre as írises douradas e a tempestade que cai sobre a fortaleza dos witchers se torna uma chuva de lembranças, gotas de memórias que se encaixam como o mais simples dos quebra-cabeças. A familiaridade e a segurança sentidas na presença de Yennefer e dos witchers, a confiança facilmente invocada por Geralt, os ecos do passado sentidos na fortaleza de um sonho... Uma família perdida, um lar deixado para trás sob o peso do toque da Caçada Selvagem. O frio aumenta, envolvendo a cama e se alastrando até o chão, crescendo pelas paredes na forma de uma trepadeira que ameaça dominar todo o aposento. As lágrimas continuam a cair, cada uma sendo o eco de um dolorido bater do coração.

Não pode ser verdade...

O pensamento ecoa na mente, mas até mesmo a consciência reconhece que é um desejo vazio. A verdade pulsa em cada batida do coração, negando a chance de ser ignorada. Quase como que invocado pela tempestade, um sonho retorna, se destacando em meio a chuva de lembranças. Uma fortaleza tão parecida com Kaer Morhen e um lobo a guiar o caminho. E duas pessoas a segurarem, uma mulher usando um colar com uma estrela como pingente e um homem carregando um medalhão na forma da cabeça de um lobo no pescoço. Eles sempre estiveram presentes, os fantasmas do passado, chamando em sussurros distorcidos demais para serem compreendidos, mas agora... Agora, o passado possui uma forma, cores e vozes e não podem ser silenciadas. As írises douradas são novamente reveladas e a presença da fria tempestade é finalmente reconhecida.

Um cobertor de gelo e neve envolve o quarto da jovem feiticeira, formando intricados padrões tanto no chão quanto nas paredes, os desenhos montados no vidro da janela não impedindo que a tempestade seja vista. Mais do que o seu ódio ou a sua raiva, sua dor pode ser a morte de um mundo. As palavras, sussurradas na voz do antigo professor, ecoam na mente da feiticeira. Afastando os dedos dos lábios, Ileanna tenta respirar fundo, o ar tremendo todo o caminho até os pulmões. O movimento é repetido de novo e de novo, até que o eco do sonho comece a parar de tremer sob a pele, relaxando os músculos e acalmando o coração. Pouco a pouco, os desenhos da gelada tempestade se desfazem sob a fria brisa, como as cinzas de um sonho quebrado. Em silêncio, o frio se retrai, retornando para o domínio da feiticeira, mas a pele ainda queima sob o toque das lágrimas e o coração ainda dói sob o peso do passado lembrado.

Um estalo em meio a tempestade captura a atenção da jovem feiticeira, o eco de uma conhecida magia quebrando o abraço da fria tempestade. Zireael. O nome acompanha o reconhecimento das vozes que gritam na chuva, coloridas com felicidade e alívio. Zireael está aqui. Respirando fundo, Ileanna se levanta da cama, os passos lentos e hesitantes em direção à janela. O vidro é aberto e sob o gelado toque da chuva, os olhos dourados observam a calorosa recepção que acontece no pátio. Por um momento, o coração da feiticeira dói com mais intensidade e o frio que marca o aposento respira mais uma vez. Se tudo é verdade, qual é meu lugar aqui? A pergunta faz com que novas lágrimas nasçam no claro olhar, as unhas arranhando a pedra que emoldura a janela. Eu ainda tenho um lugar aqui? Eu quero ter? Um relâmpago ilumina o céu com a força de uma fogueira e a feiticeira dá um passo para trás, se afastando da íntima reunião, a mente nadando nas lembranças e nas dúvidas despertadas.

Alheios ao dourado olhar que os observa, os witchers recepcionam a jovem recém-chegada, mas nenhum cumprimento é mais intenso do que o apertado abraço oferecido pela feiticeira de olhos violetas. Sentir o calor de Ciri sob as mãos é como é como a quebra de um peso no peito de Yennefer, que envolve a filha nos braços com toda força, o coração batendo com toda energia, quase explodindo com a felicidade de ter Ciri de volta. Para a Andorinha, a presença e a força sentida no carinho da feiticeira formam a certeza de finalmente ter voltado para casa, o abraço sendo retribuído com a mesma força com que é oferecido. Por um momento, o olhar violeta cruza com as írises douradas do witcher que acompanha a Andorinha e, em um momento tão rápido quanto o vento da tempestade, Ciri é solta para que um beijo possa ser ofertado ao Lobo Branco.

O riso que deixa os lábios dos witchers e da Andorinha é ignorado por Geralt, que corresponde ao beijo com uma paixão que parece roubar a força da própria tempestade. Com Ciri e Ileanna de volta em Kaer Morhen e Yennefer nos braços, o Lobo Branco sente como se cada peça do mundo caísse no lugar, como se tudo estivesse como deveria estar. Não há nada que o witcher possa pensar em desejar mais do que a amada feiticeira e as filhas seguras em casa. Quando o beijo é findado e um sorriso cheio de desejo e promessas é compartilhado, Vesemir chama a atenção de todos para que retornem ao interior da fortaleza, seguros contra a tempestade. A concordância é unânime e todos seguem o caminho para o salão central, mas, por um breve momento, sob a intensa luz de um relâmpago, Geralt ergue o olhar, o cenho franzindo ao observar o modo abrupto como Ileanna se afasta da janela.

 

Skellige

São interessantes as águas que banham o arquipélago de Skellige, cada onda tremendo com uma magia escondida, um poder conhecido por poucos e que permite que o imponente Naglfar permaneça oculto sob a chuva de densa névoa. Na ponte de comando, o poderoso rei dos Aen Elle permanece observando o mundo através da neblina, um desenho roubado amassado entre os dedos cobertos pela manopla. O pálido e azul olhar é abaixado para a folha de papel, observando as negras linhas que podem ser vistas entre os amassados, a mente reconstruindo o desenho feito por um Aen Saevherne. É impossível para Eredin dizer o que o levou a carregar a imagem consigo, o caderno que a guardava esquecido em um esconderijo abandonado. Talvez tenha sido a lembrança das meninas simbolizadas nos traços da rosa e da andorinha.

Cirilla e Ileanna.

Por um momento, o rei se recorda da neve que cobre Tedd Deireadh manchada com o sangue que escapava do corpo ferido de uma feiticeira, uma trilha fácil de seguir, um corpo fraco para derrubar. Sob o pesado toque da manopla, o líder dos cavaleiros vermelhos pode sentir a facilidade com que a espada afundou no manchado tapete de neve, a lâmina cortando a face e o pescoço da Rosa de Auberon. Um fatal ferimento do qual um pulo para um desesperado portal seria incapaz de salvá-la. Os dedos desamassam o desenho roubado e o gelado olhar observa as linhas que formam o caule da bela rosa a envolver a andorinha. Um desejo ou um vislumbre do passado? O que Avallac’h poderia querer expressar com tal desenho? Não poderia ser nada ligado ao futuro uma vez que Ileanna encontrou a morte no Tempo do Fim.

Sob o espectral toque da névoa, Eredin sente o frio sussurro da desconfiança, intensificado pela memória de um pedido não explicado. Ge’els teria pedido pela unidade de Vridhiel por saber que – de alguma maneira – a Rosa escapou do toque da Morte? Por isso Faolin e Vridhiel estão nesse mundo? Esse conhecimento seria compartilhado por Avallac’h e por isso o desenho? Um desejo de ver as protegidas de Auberon juntas novamente? Sombras de raiva nascem na face do Rei da Caçada, os dedos amassando novamente a imagem roubada, o furioso toque congelando o frágil papel. No silêncio do Naglfar, o líder dos cavaleiros vermelhos se recorda do segredo guardado pelo antigo soberano. Parecia sempre haver algo no olhar de Auberon toda vez que Ileanna se tornava o assunto de uma discussão. Um segredo ao qual apenas Ge’els e Avallac’h tinham acesso. Teria esse segredo salvado Ileanna de Tedd Deireadh e a levado de volta para aquele que a ensinou os caminhos da corte? Eredin sempre soube que a lealdade do vice-rei para consigo nunca seria tão profunda e forte quanto aquela ofertada a Auberon, mas Ge’els realmente teria coragem para trai-lo?

— Andir. – Eredin chama, a voz forte e imponente ecoando como uma tempestade em meio a névoa.

Imediatamente, um jovem elfo se aproxima, o cabelo louro contrastando com a negra armadura e o acinzentado olhar. Um prateado colar com um pingente na forma de uma lágrima escarlate permanece ao redor do pescoço e captura a atenção das pálidas írises do Rei da Caçada. O mesmo formato da âncora usada pela irmã. Inis. Perdida no caos da perseguição a traição de Lara. Uma baixa e fraca risada deixa os lábios finos do soberano quando a mente percebe a ironia que o tempo revelou. Lara amava e respeitava o pai, mas foi considerada uma traidora por seus pares por escolher um humano como marido. Ileanna era completamente leal a Auberon e foi exatamente essa lealdade – a insistência em trazer justiça ao rei morto – que a fez ganhar a marca de traidora. As poderosas e amadas feiticeiras de Auberon, ambas mortas sob a imagem de traição.

Você está realmente morta, Rosa?

O pensamento acompanha o olhar que observa o navegador fazer uma curta e respeitosa reverência. O claro olhar permanece abaixado, um sinal de respeito e submissão que desperta a satisfação no coração do comandante. Por um breve momento, o pálido olhar se foca na lágrima escarlate ao redor do pescoço do soldado, mas logo é desviado para a densa névoa que envolve o Naglfar. Você não irá esconder suas intenções de mim, Ge’els. Eu não cairei como Auberon. A certeza das palavras pensadas ecoa na voz do Rei da Caçada quando a ordem é dada:

— Retorne para a capital e descubra qual tipo de problema a unidade de Vridhiel está ajudando Ge’els a enfrentar. – o frio ar de Skellige parece se cristalizar na voz do poderoso comandante – E então reporte imediatamente para mim.

— Como desejar, meu rei. – Andir responde sem hesitação, a voz firme e o braço direito sendo cruzado sobre o peito.

Chega de jogos. Caranthir e Andir irão descobrir o que planeja, Ge’els. As pálidas írises observam enquanto o navegador abre um portal de volta para Tir Ná Lia. Mesmo que a sombra da traição cubra as próprias ações do Rei da Caçada, Eredin se recusa a cair vítima desse ato. Não importa o que se passe na mente de Ge’els, o vice-rei irá entender que ninguém se atreve a tentar trair o líder dos cavaleiros vermelhos sem sofrer as consequências.

Kaer Morhen

A chuva ainda cai sobre a fortaleza, mas a força dos trovões e dos relâmpagos é incapaz de enfraquecer o sorriso nos lábios da Andorinha. Entre as velhas e desgastadas paredes, Ciri se sente em casa— uma sensação sentida apenas no interior do castelo de Cintra. Por um momento, as írises verdes observam as faces familiares, os sorrisos que são ofertados com genuína felicidade, especialmente por Geralt e Yennefer. Encontrar o witcher e a feiticeira era um objetivo há muito perseguido e, agora que foi alcançado, Ciri sente como se uma chuva de paz e segurança caísse sobre o coração. Contudo, o eco de passos se aproximando captura a atenção da Andorinha, guiando o verde olhar até a imagem de uma jovem feiticeira de olhos dourados. O reconhecimento é imediato e o sorriso nos lábios finos apenas aumenta, mesmo com a provocação que é oferecida como cumprimento:

— Você cresceu, Zireael.

As palavras de Ileanna chamam a atenção de todos os presentes, que observam, surpresos, a rapidez com que Ciri corre até a feiticeira com olhos de witcher e a abraça com força. O espanto parece ser compartilhado por aquela que é abraçada, as írises douradas mostrando um momento de hesitação diante do carinho oferecido de modo tão espontâneo. A risada de Lambert quebra a perplexidade do momento e o sorriso retorna para as faces dos witchers e da feiticeira de olhos violetas. Entretanto, o atento olhar do Lobo Branco percebe como a escuridão da tempestade parecem penetrar nas írises douradas da feiticeira, intensificando as sombras que dançam no claro olhar desde a quebra da maldição de Avallac’h. Geralt se recorda do modo abrupto que viu Ileanna se afastar da janela e a mente do poderoso witcher não consegue deixar de imaginar o que pode ter acontecido para empurrar a jovem feiticeira ainda mais para as sombras da própria mente.

Mas mesmo com os questionamentos nadando na mente, o Lobo Branco se vê incapaz de segurar o sorriso que surge nos lábios ao perceber o modo quase incerto com que Ileanna retribui o abraço de Ciri, as mãos repousando suavemente sobre a base da coluna da mais nova. Há uma genuína felicidade em Ciri ao reencontrar Ileanna – a amizade entre ambas se mostrando uma realidade que é quase impossível de acreditar. As írises douradas observam o sorriso que permanece nos lábios de Ciri quando a Andorinha se afasta apenas o suficiente para pode olhar nos olhos da mais velha. Contudo, Geralt também percebe o mudo questionamento que parece nascer no olhar de Ileanna, como se a jovem feiticeira procurasse por algo na face e no olhar da mais nova. O objeto da procura não é algo que o witcher possa imaginar ou tentar adivinhar.

— Vamos. – Vesemir chama, capturando a atenção de todos – Acredito que há muito para conversarmos.

O líder dos witchers guia o grupo para uma mesa colocada próxima a lareira, onde cada um toma um lugar. Geralt e Yennefer sentam lado a lado, com Ciri ficando ao lado da feiticeira de olhos violetas. Vesemir, Eskel e Ileanna permanecem do lado oposto, sendo que a jovem de olhos dourados acaba pegando o lugar em frente ao Lobo Branco. Lambert decide por permanecer de pé, ao lado da lareira, os braços cruzados sobre o peito e uma das pernas apoiada na parede, a sola do pé contra a pedra.

— Então, vocês encontraram alguma coisa interessante na Ilha da Neblina? – Lambert questiona com jocosidade na voz.

— Pode-se dizer que sim. – Geralt responde, o olhar baixo e a mente momentaneamente perdida nas lembranças de um passeio feito ao lado de uma poderosa aparição. Mesmo que o witcher tenha ajudado muitos espectros a alcançarem o descanso e a paz no Caminho, algo no desaparecimento de Inis ainda pesa no coração do Lobo Branco.

— Encontramos uma aparição. – Ciri completa – Ela era uma Aen Elle. – a tristeza sentida com o desfecho de um encontro tão breve escapa para a voz da Andorinha, as palavras sendo ditas em um tom de voz baixo, quase como um sussurro da tempestade.

— A Senhora da Ilha? – Ileanna questiona, surpreendendo a todos – Então, a história é real?

— Senhora da Ilha? – Eskel repete, a confusão sentida ecoando na voz.

— É uma história entre os Aen Elle, quase uma lenda. – a jovem feiticeira de olhos dourados responde – É dito que, durante a caçada a Lara e Cregennan, os aliados deles também foram caçados. Inis, uma das mais poderosas navegadoras na época e a melhor amiga de Lara, fugiu com o marido e encontrou a Ilha da Neblina. Mas aqueles que os caçavam também os encontraram e os mataram. – as írises douradas são desviadas para a Andorinha – Alguns dizem que Inis permaneceu na ilha, mesmo após a morte, esperando por uma chance de encontrar paz.

— Ela encontrou. – Geralt diz conquistando a atenção da filha – Inis está descansando em paz agora.

— Isso é bom. – Ileanna diz e o witcher percebe a sinceridade na voz da jovem feiticeira – Andir ficará feliz em saber.

— Quem é Andir? – Yennefer questiona.

— O irmão de Inis. Essa história sobre a irmã sempre o assombrou. – a resposta da jovem de olhos dourados faz com uma profunda surpresa nasça nos olhares de Geralt e Ciri – Ele também é um navegador. – uma pausa e a resposta é completada quase em um murmuro – Ele é o segundo favorito de Eredin, atrás apenas de Caranthir.

— Ele é um cavaleiro vermelho. – o Lobo Branco diz sem realmente questionar.

— Sim. E, até onde eu sei, leal a Eredin.

Um pesado silêncio cai sobre o interior da fortaleza ante a menção do Rei da Caçada. O nome é como um lembrete da ameaça representada pela Caçada Selvagem e apenas temporariamente afastada. Mas agora que Ciri está de volta a Kaer Morhen, todos sabem que é apenas uma questão de tempo até que cruzem o caminho dos cavaleiros vermelhos, ainda desejosos do poder guardado no sangue da Andorinha. Ainda assim, há satisfação nas írises verdes que procuram pelo dourado olhar de uma feiticeira.

— Eu sabia que você estava viva. – Ciri diz de modo suave, a certeza sentida pintando a voz e as palavras ditas – Eu sabia que Eredin não iria conseguir matar você.

— Ele quase conseguiu. – Ileanna responde com a sombra de um desafio na voz e um sorriso esticando levemente os lábios vermelhos.

A breve troca é observada sob um curioso silêncio, a mente de todos os presentes imaginando como irá ser a convivência entre Ciri e Ileanna, o que pode ser esperado agora que as duas estão juntas. Para Yennefer, contudo, é o contraste entre as duas jovens que captura a atenção. Não é apenas a contraposição física que captura o olhar violeta – Ciri com o cabelo acinzentado e olhos verdes, Ileanna com cabelo negro e olhos dourados –, mas também e, principalmente, o contraste de posturas. Ciri é transparente, o sorriso não abandonando os lábios e uma pura energia irradiando da própria presença da Andorinha. Ileanna, em oposto, é mais reservada, a força e a imponência presentes sendo controladas com uma habilidade nascida de uma vida de treinamento. Mas os detalhes que mais chamam a atenção são os olhos de ambas: as írises verdes de Ciri mostram toda a felicidade sentida ao retornar para casa, para as pessoas que considera como família. Já as douradas írises de Ileanna mostram um abraço ainda mais intenso das sombras, uma dolorosa escuridão que machuca o coração da poderosa feiticeira de olhos violetas.

Para Ciri, as breve palavras são um reconhecimento, o retorno para uma rotina perdida anos atrás. Sob o forte e poderoso olhar dourado, a Andorinha sente a familiar inquietação provocada pela presença de Ileanna, o mesmo desafio que parece permanentemente existir nas írises de witcher. E ainda assim, Ciri não consegue deixar de sentir o alívio por ver a sobrevivência da mais velha. Amigas. A palavra ecoa na mente com um novo significado, dando uma nova cor para as lembranças guardadas e Ciri percebe a confiança quase que instintivamente depositada em Ileanna desde Tir Ná Lia. De alguma maneira, a Andorinha sabe que não há perigo a ser encontrado na Rosa de Auberon. Do outro lado da mesa, Ileanna deixa que a mente se foque no retorno de Zireael, afastando os pensamentos de sonhos e lembranças perdidas. O crescimento de Ciri é claro para qualquer olhar que caia sobre a imagem da Andorinha, mas é outro crescimento que as írises douradas procuram, um que parece ausente da presença de Zireael. Todas as perguntas feitas anos atrás, todos os questionamentos deixados em aberto parecem ter abandonado a mente de Ciri com o tempo passado longe de Tir Ná Lia.

Você ainda não sabe o que deseja, não é mesmo, Zireael? Seu caminho, suas escolhas... Tudo permanece aberto. O pensamento ecoa na mente com o peso do cansaço de anos carregando lembranças que mais se assemelham a fantasmas, assombrando o presente com a forma do passado e despertando sonhos – memórias – que apenas confundem ainda mais a mente e o coração. Por um momento, o dourado olhar é desviado para a feiticeira mais velha, a satisfação e a felicidade sentidas com o retorno de Ciri claras no olhar violeta de Yennefer. A imagem faz apenas com as sombras envolvam ainda mais o coração em suas afiadas garras. Para mim também? O questionamento nasce quando o olhar de witcher retorna para a Andorinha. Tem um caminho que permanece aberto para mim? Um caminho para o passado que eu esqueci?

— Como encontrou Avallac’h? – o questionamento é feito para dar a mente algo concreto para se concentrar, um estrada para longe de sonhos e lembranças.

— Ele me encontrou, na verdade. – Ciri responde – Eu pulei para mundos estranhos tentando fugir da Caçada Selvagem. Avallac’h conseguiu me rastrear e me encontrar em um mundo onde tudo era feito de metal, até mesmo as pessoas tinham partes de metal em seus corpos. – a descrição faz com que breves risos deixem os lábios dos presentes – Era um mundo estranho. Mas desde então, Avallac’h me ajudou a ficar fora do caminho da Caçada. Só que eles nos encontraram quando retornamos para esse mundo.

— E, então, Eredin o amaldiçoou. – Geralt comenta.

— Sim. Eu tentei achar um modo de ajudá-lo, de quebrar a maldição, mas ele me levou para aquela ilha antes que eu pudesse encontrar qualquer coisa.

— Você ainda confia nele. – Ileanna diz, capturando a atenção das írises esverdeadas.

— E você ainda não confia nele. – Ciri responde com uma desafiante petulância colorindo a voz, a mente rápida ao reconhecer os sentimentos sentidos com relação ao Aen Saevherne expressos no descrente olhar dourado – Mesmo que ele tenha treinado você.

— Isso só mostra o quão bem ele me treinou. – Ileanna responde sem um momento de hesitação.

— Isso eu realmente fiz. – a voz de Avallac’h, alta e imponente, invade o salão sem mostrar reconhecimento pelo tópico de confiança discutido na conversa.

Imediatamente, Ciri se levanta e corre em direção ao Aen Elle, os braços envolvendo o corpo do Sábio em um abraço que expressa todo o alívio sentido ao encontrá-lo vivo. Os witchers e a feiticeira de olhos violetas observam com reservada desconfiança, ainda incertos acerca das intenções de Avallac’h para com Ciri. Em um momento, o ar no salão se transforma, se tornando mais tenso e pesado, ainda mais quando Ileanna se levanta e caminha em direção ao antigo professor. Parando a poucos passos de distância, a jovem feiticeira faz uma breve mesura – o rosto apenas inclinando levemente para frente em um sinal de cumprimento e respeito. O movimento é repetido da mesma forma e Yennefer tem a sensação de testemunhar um pouco dos modos da corte dos Aen Elle. Ao lado da poderosa feiticeira, Geralt tem a atenção focada não nos movimentos, mas nos olhares trocados. Há um seriedade que beira ao desafio nos olhos aquamarines de Avallac’h – uma que o Lobo tem quase certeza que encontra reflexo nas írises douradas de  Ileanna.

— Você está bem? – Ciri questiona, conquistando a atenção do Aen Saevherne.

— Me recuperando. – o Aen Elle responde e afasta o braço que envolvia a cintura da Andorinha – Confio que a Caçada não a encontrou na Ilha da Neblina?

— Não. – a resposta é dada por Geralt, que também se levanta da mesa, a voz tremendo com um fria ameaça que o deixa ainda mais próximo do título de Lobo Branco.

— Mas isso não significa que eles tenham parado de procurar. – Avallac’h diz sem dar atenção para a ameaça implícita na voz e na postura do witcher de cabelos brancos – E se eles encontrarem Ciri... – o olhar aquamarine é desviado de Ciri para a feiticeira de olhos dourados.

— Eles me encontrarão. – Ileanna responde com simplicidade, fazendo o Sábio assentir.

— Eredin voltará a caçar você, se souber que está viva? – há um eco de surpresa e indignação na voz de Ciri ao questionar.

— É claro. – a jovem feiticeira responde com uma sombra de resignado sarcasmo – Eredin iria adorar exibir meu coração na ponta da espada. – as palavras e o tom na qual são ditas, como a constatação de um ato, mas com um ponta de um desafio sem medo, faz com que um pequeno sorriso nasça nos lábios do Aen Saevherne. Contudo, é temor o que brota nos corações dos witchers e da feiticeira de olhos violetas – Mas eu consigo lidar com os cavaleiros vermelhos.

— Está implicando que eu não consigo? – Ciri questiona, a indignação se tornando mais clara na voz e na postura, que adquire uma instância desafiadora. Sob a pele, a Andorinha sente o toque da antiga inquietação provocada por Ileanna, principalmente diante da calma que nunca parece deixar a mais velha.

— Você cresceu, Zireael. Mas nem tanto. – a feiticeira de olhos dourados responde com simplicidade, as írises claras ainda procurando por um algum sinal de que a Andorinha deixou o antigo jeito de lutar – violência pura apenas para a sobrevivência – para trás, mas não encontrando nenhum – Você precisa treinar.

Você precisa crescer. Você precisa decidir o que quer. O pensamento ecoa na mente da jovem feiticeira junto com o peso das lembranças de um rei, de uma tarefa mais constatada do que propriamente dada. E, emaranhado a tudo isso, um desejo de saber. Saber o que Ciri deseja se tornar, que caminho deseja seguir, que lugar deseja tomar. Mas você não sabe, não é mesmo, Zireael? Como eu não sei mais qual é meu lugar nesse mundo.

— Ela está certa, Zireael. – Avallac’h diz – Você precisa de treinamento.

— Eu consegui lidar com os cavaleiros que encontramos no nosso caminho. – Ciri rebate, mas as írises esverdeadas não deixam as írises douradas da mais velha, mesmo que as palavras sejam dirigidas para Avallac’h – Você me treinou durante nossa fuga.

— E isso prova que você pode lidar com a Caçada? Com Eredin? – Ileanna questiona, o tom de voz não se alterando, embora o olhar atento possa ver as sombras de raiva nas írises da Andorinha.

— Eredin quase matou você.

— Você pode garantir que ele não faria o mesmo com você?

Por um longo momento, a Rosa e a Andorinha permanecem com os olhares presos uma na outra. Alimentada pela raiva sentida com a falta de confiança demonstrada pelas palavras da mais velha, a inquietação se intensifica e queima no sangue de Ciri, fortalecendo um desejo de provar— provar que é capaz de lidar com os cavaleiros vermelhos, que é forte o suficiente para lutar, que não está abaixo da Rosa de Auberon. E essa tempestade de sentimentos e desejos é clara para os olhos dourados de Ileanna. A jovem feiticeira pode ler a Andorinha tão facilmente quanto anos atrás, vendo o mesmo poder, a mesma força sem direção ou objetivo – nada além de escapar, de sobreviver. Ainda não existe uma razão para lutar mais complexa, que fale sobre o que Ciri deseja alcançar e se tornar. Ciri ainda foge da sombra e da memória de Lara.

Nesse ponto, todos se encontram de pé, observando a intensa discussão. Há um pequeno e suave sorriso nos lábios de  Avallac’h, as írises aquamarines observando as duas jovens com o reconhecimento de uma dinâmica há muito não observada. Mesmo depois de todos esses anos, Ileanna permanece como um desafio para Cirilla, um objetivo a ser alcançado. E, por um segundo, o Aen Saevherne não consegue deixar de questionar se era isso que Auberon desejava ao colocar Ciri e Ileanna juntas – usar a feiticeira de olhos dourados como um farol para guiar a Andorinha até o controle total de seu poder. Até ambas se tornarem poderosas o suficiente para destruir um mundo ou o Caminho dos Mundos. Há uma cautela nos olhares dos witchers, misturada com o temor do início de uma luta entre as jovens. Mas nas írises do Lobo Branco também há curiosidade e questionamento acerca da relação entre Ciri e Ileanna, que se mostra muito mais intensa e complexa que o witcher imaginava. No olhar violeta de Yennefer há reconhecimento. Nas filhas, a feiticeira vê um eco da relação tida com Tissaia. A mais velha guiando a mais nova, tentando mostrar um caminho a ser seguido. Yennefer apenas questiona qual caminho Ileanna tenta mostrar para Ciri.

— O que você quer que eu faça? – a Andorinha questiona, quebrando o tenso silêncio – Encontre um cavaleiro da Caçada Selvagem para provar que posso me cuidar em uma luta?

— Isso não é necessário. – Ileanna responde com calma – Eu fui parte da Caçada Selvagem. Lute comigo.

As palavras da jovem feiticeira surpreendem a todos os presentes, que veem o temor sentido se consolidar na realidade. Contudo, o desafio proposto parece apenas aumentar o sorriso nos lábios no Sábio Aen Elle.

— O quê? – Ciri questiona, procurando por algum sinal de brincadeira nas írises douradas.

— Eu era uma comandante entre os cavaleiros vermelhos. – a jovem feiticeira responde, a voz permanecendo no mesmo tom de calma seriedade – Lute comigo. Caso se saia bem, eu admito que está pronta para enfrentar a Caçada. Caso contrário, você aceita o treinamento.

— Eu aceito. – Ciri responde, se recusando a recuar do desafio.

Há sons de protestos entre os witchers, mas nenhum parece alcançar a Rosa e a Andorinha. Ileanna ergue a mão, os dedos seguindo o contorno do rosto de Ciri em meio aos fios acinzentados e parando sobre o queixo fino. Há um mudo questionamento nas írises douradas, um que Ciri não consegue ler, mas que deixa o olhar da mais velha muito similar àquele visto nas írises da cor de chumbo derretido do antigo rei dos Aen Elle. Toda a tensão parece se dissolver como que por um sopro da chuva e a calma penetra as paredes da fortaleza. E é essa inesperada serenidade que cala os protestos, os tensos olhares observando a naturalidade com que Ciri se deixa ser tocada, a confiança expressa nas írises verdes e o carinho demonstrado no toque suave que segura e sustenta e no sorriso suave que nasce nos lábios vermelhos de Ileanna. Para todos, apenas uma certeza permanece: há muito mais na conexão entre Ciri e Ileanna que os olhos podem ver.

Floresta ao redor de Kaer Morhen

As gotas d’água caem com suavidade sobre as árvores, a chuva perdendo a força e se transformando em uma fraca garoa que acompanha a caminhada de dois rapazes encapuzados em meio às densas árvores. Os passos sobre a grama molhada são suaves, não perturbando o silêncio da floresta. O olhar azul se mantém focado no caminho escondido em meio as sombras trazidas pela tempestade, os dedos protegidos pela manopla firmemente fechados contra o cajado e a mente atenta ao eco da magia conhecida. Mas um pequena parte da atenção do navegador permanece presa a imagem do comandante, Faolin conseguindo ler com facilidade o olhar e a postura de Vridhiel graças à anos de lutas e amizade compartilhada. Não é segredo para o soldado os sentimentos que o amigo nutre pela feiticeira que perseguem – por mais que Vridhiel tenha tentado esconder. E Faolin não consegue deixar de imaginar o que o outro soldado irá fazer quando reencontrar a Rosa de Auberon.

O navegador se recorda da rapidez com que uma proposta foi aceita, uma escolha que os levou para o vice-rei e não para Eredin e para um jogo que ambos ainda não conseguiram decifrar. Mas Faolin também se lembra da surpresa sentida ao encontrar Ileanna nesse mundo, viva e imponente como sempre. Um encontro que despertou uma lealdade e um respeito há muito adormecidos, pois o navegador nunca acreditou na traição da Rosa, tendo sido testemunha da lealdade dada ao antigo rei. Mas agora, seguindo o traço deixado pela magia de Ileanna, Faolin questiona a decisão feita. Não que Eredin fosse uma opção melhor, uma vez que a reação do rei seria ordenar imediatamente a caçada e a morte da Rosa de Auberon. As intenções do vice-rei, por sua vez, poderiam ser diferentes? Ou esse jogo seria apenas um adiamento para o mesmo final? As írises azuis são brevemente desviadas para o companheiro. Mesmo que os sentimentos para com Ileanna sejam diferentes, Faolin também não deseja a morte da Rosa de Auberon.

— Estamos perto. – o navegador diz, ganhando um breve assentimento como resposta.

Para Vridhiel, cada passo encontra eco no próprio coração, que bate ansiosamente no peito. No coração do soldado, há o desejo de encontrar Ileanna mais uma vez, mas também uma inquietação com relação as ordens dadas por Ge’els e o destino que elas podem guardar para a Rosa de Auberon. Por um momento, a mente do comandante se concentra no peso da espada carregada nas costas e os pensamentos se voltam para a possibilidade de a lâmina ser ordenada a ser colocada contra a feiticeira de olhos dourados. Lealdade e dever brigam dentro de Vridhiel, o puxando para a responsabilidade para com o rei – vice-rei— e os sentimentos guardados para com a Rosa. Esses sempre foram sentimentos insensatos. O pensamento ecoa na mente do comandante, as írises verdes sendo erguidas para o acinzentado céu, as sombras da tempestade não tendo a oportunidade de se dispersarem sob o toque da garoa. Quando o objetivo for alcançado e Ileanna encontrada, o que irá acontecer? Quando Ge’els souber, ordenará a caça, a morte da Rosa como Eredin definitivamente o faria?

Vridhiel se recorda do encontro tido em uma ilha desse mundo, de uma escolha dada, mas que não precisou de muita ponderação para ser decidida. Contar ao rei sobre a Rosa em nenhum momento se consolidou como um possível caminho, a certeza da decisão a ser tomada por Eredin impedindo que essa rota fosse tomada. Mas agora, seguindo os ecos deixados por Ileanna, o soldado não consegue deixar de questionar se os caminhos não seriam, na verdade, o mesmo. Um olhar para o companheiro revela que a mente de Faolin questiona o mesmo – muitos anos de amizade e de batalhas travadas lado a lado fizeram com que comandante e navegador pudessem se comunicar apenas com olhares. E mesmo que Vridhiel não possa afirmar por Faolin, apenas sobre si mesmo, o comandante sabe que, não importa a situação ou a ordem dada, ele não será capaz de levantar a espada contra Ileanna.

Kaer Morhen

O vento desfaz a garoa em um úmido e frio sussurro que arrepia a pele ao esfriá-la, mas que se torna impotente diante da força com que o coração bate, a tensão e o temor dançando em cada batida dentro dos witchers e da feiticeira de olhos violetas. Há uma calma curiosidade nas írises aquamarines de Avallac’h, que, como os outros, caminha até o pátio da fortaleza, o olhar observando o silencioso desafio que pesa entre Ciri e Ileanna. Com passos lentos que tentam esconder a fraqueza ainda sentida, o Aen Saevherne se aproxima do Lobo Branco, o atento olhar aquamarine se desviando por um momento para as mãos do witcher, intensamente fechadas em uma clara demonstração da ansiedade sentida. O Aen Elle segue o caminho tomado pelas írises douradas, vendo Vesemir acabando de ajudar Ciri a se preparar para o combate, a leve armadura sendo colocada como proteção extra para a Andorinha.

— Observe, Geralt, mas não tema. – Avallac’h diz, as palavras conquistando a atenção do Lobo Branco – Ferimentos são esperados em qualquer treinamento, como você bem sabe.

— Isso não é um treinamento, é um desafio. – o witcher responde, a voz rouca e dura, pesada com a confusão e a inquietação sentidas ao ser obrigado a assistir as filhas duelarem.

— Não. – o Aen Saevherne diz com a mesma calma – Isso é um teste. – percebendo a incompreensão presente no dourado olhar, Avallac’h continua – Observe, Geralt. E talvez você veja o segredo que Auberon manteve de Eredin, o simples detalhe que fez Ciri e Ileanna são valiosas para nós.

— Você sabia. – raiva sangra nas palavras do witcher, que se volta completamente para o Aen Elle. Contudo, nenhum músculo se move sob a pele de Avallac’h, mesmo diante da clara ameaça presente na postura de Geralt.

— É claro. – as írises aquamarines não fogem do incendiado olhar dourado, a mente rápida ao reconhecer a quem o witcher se refere – Fui eu quem a apresentou para o rei.

Antes que o Lobo Branco possa responder, um toque suave sobre o braço rouba a atenção das írises douradas e cala as palavras. Do lado oposto ao witcher, Yennefer permanece quieta e imponente, o olhar violeta pedindo silenciosamente que uma luta ou discussão não seja iniciada. Assentindo lentamente, Geralt dá as costas para o Aen Saevherne, a mão direita repousando sobre a base da coluna da feiticeira em um toque que tenta acalmar ao mesmo tenta em que procura por apoio para se firmar. As palavras de Avallac’h ecoam na mente do witcher enquanto o claro olhar procura pelas filhas, observando enquanto cada uma se coloca de um lado do pátio. Há um suave e petulante sorriso nos lábios de Ciri, mas o Lobo percebe quando o sorriso fraqueja, o olhar logo se voltando para Ileanna. O witcher encontra a filha mais velha envolta por uma densa e negra névoa que se materializa como uma armadura ao redor do corpo da jovem feiticeira. Todos os presentes reconhecem a armadura da Caçada Selvagem.

— Pronta, Zireael? – Ileanna questiona, a espada brilhando fracamente na mão.

— Pronta. – Ciri responde, a seriedade apagando os traços de petulância e dando lugar às cores da concentração na face jovem e nas írises verdes.

Ileanna assente e, um segundo depois, um alto estalo ecoa pelo pátio de Kaer Morhen, as espadas da Rosa e da Andorinha colidindo com força, a energia resultante fazendo com que os observadores deem um inconsciente passo para trás.

Trilha para Kaer Morhen

— Você sentiu isso? – Vridhiel questiona parando no meio do caminho, o verde olhar se voltando para a fortaleza escondida entre as árvores.

— Foi ela. – Faolin responde, os dedos aumentado a força com que seguram o cajado, cujo cristal começa a pulsar com uma fraca luz azulada – É a magia dela.

— Temos que alcançá-la. – o comandante diz, o coração acelerando no peito.

Compreendendo a urgência e a importância da ordem, Faolin oferece a mão direita para o companheiro. Um momento é necessário para que Vridhiel entenda a oferta que é feita pelo navegador, a mente se recordando do mesmo movimento, o início do feitiço para mantê-los ocultos daqueles que pretendem observar. Respirando fundo, o comandante aceita a mão estendida e não demora para que sinta a familiar energia de Faolin, a magia do navegador os envolvendo em um suave abraço – um feitiço que, mesmo útil para missões como essa, não os oculta totalmente, se desfazendo ante a magia de outro feiticeiro. Ainda assim, Vridhiel é pego de surpresa quando o toque do companheiro muda, soltando os dedos para agarrar o braço protegido pela armadura. Apenas um, dois segundos se passam, mas o comandante reconhece o rápido deslocamento, a habilidade sendo compartilhada entre os melhores cavaleiros vermelhos.

Írises verdes observam o novo ambiente, logo percebendo que Faolin os levou para as ameias da fortaleza. Sentindo o toque do navegador o puxando, Vridhiel segue até a borda da ameia, o olhar sendo abaixo para o pátio, onde as figuras que duelam são imediatamente reconhecidas. A cada encontro das lâminas, o eco das energias nascidas dos poderes de Ileanna e Cirilla estala no ar, arrepiando a pele mesmo sob a pesada armadura. Os olhares verde e azul também reconhecem o Aen Elle que permanece em meio aos witchers, mas a atenção é focada em acompanhar os movimentos feitos pelas combatentes, reconhecendo o estilo de luta da Rosa de Auberon, as sombras dos ensinamentos de Eredin – da própria maneira de lutar do rei – podem ser vistas nos golpes de Ileanna. Contudo, a mente de Vridhiel não consegue impedir que as lembranças sejam despertadas e atraiam os pensamentos para batalhas travadas em uma época diferente, em diferentes mundos. O habilidoso comandante se recorda de ver os mesmos movimentos assistidos agora no campo de batalha, a brilhante espada cortando os inimigos com uma fria agilidade. E, mais uma vez, Vridhiel deseja que o caminho escolhido não leve para a morte da Rosa de Auberon.

Distraídos, Vridhiel e Faolin falham em perceber a fina e esverdeada serpente que se encontra enrolada em meio às pedras esquecidas na parte quebrada das ameias. Os olhos do pequeno animal parecem roubar a cor do céu acinzentado, como se estivessem enevoados com a própria garoa. A serpente permanece imóvel, silenciosamente observando a luta que acontece no pátio, mas a poucos metros da fortaleza, um cavaleiro vermelho se encontra escondido sob a copa de uma alta e antiga árvore, a mão esquerda erguida e aberta, segurando uma pequena orbe de luz acinzentada que reflete tudo que é visto pela diminuta serpente. A mão direita segura o pesado cajado, o cristal pulsando como um coração bombeando magia. Sob a máscara, o olhar azul acompanha o embate com familiaridade, a mente confirmando a suspeita tida. Você está viva, Ileanna. Você escapou. Por um momento, Caranthir permite que a mente retorne para um mundo congelado e um feiticeira sangrando e se arrastando no tapete de neve. O navegador se permite admirar a força de vontade necessária para sobreviver aos ferimentos exibidos pela feiticeira naquele dia, mas uma mudança na perspectiva exibida na orbe de luz rouba a atenção do cavaleiro vermelho. Avallac’h. A imagem do antigo professor faz com que uma raiva há muito adormecida desperte nas veias do navegador, queimando o sangue e fazendo com que os dedos intensifiquem a força com que seguram o cajado. Contudo, um pensamento faz com que um pequeno sorriso nasça nos lábios escondidos sob a máscara.

Você escapou de Eredin, mas não de Avallac’h, não é mesmo, Rosa de Auberon?

 

Kaer Morhen

A fina garoa não faz nada para dissipar o calor que nasce a cada golpe trocado, a cada toque das lâminas no carregado ar que domina o pátio da fortaleza. Sob a pele, Ciri sente os músculos queimando com o esforço, o sangue pulsando com o desejo de vencer, de superar o adversário. Ao reposicionar a espada nas mãos, a Andorinha sente o sabor da adrenalina e o peso que o combate coloca sobre o ar que tenta atingir os pulmões, a respiração deixando os lábios em pequenos e rápidos goles. Contudo, um suave e satisfeito sorriso estica os lábios finos, as atentas írises verdes observando a defensiva postura assumida por Ileanna. A mente relembra e classifica os movimentos realizados pela feiticeira, analisando as estratégias por trás dos golpes, mas ainda assim, o contentamento nascimento da uma boa luta colore os pensamentos da Andorinha. Ainda mais quando o claro olhar encontra um sorriso similar nos lábios vermelhos da jovem com olhos de witcher.

Fazia muito tempo que eu não lutava assim. O pensamento ecoa na mente da feiticeira acompanhado de lembranças de treinos feitos sob a luz da lua desse mundo, com a mesma pessoa que a tirou dos braços da Morte e a levou para a segurança. A alegria de uma boa luta é um sabor que há muito Ileanna não sentia, mas as írises douradas são capazes de observá-lo na postura e no sorriso de Zireael. A fina garoa cai sobre o pátio, um breve interlúdio em um desafio feito como caminho para um teste, para uma busca iniciada anos atrás. Os movimentos e os golpes mostram o quanto a Andorinha cresceu, mas as írises verdes ainda falham em mostrar as respostas buscadas pela feiticeira. Eu tentei te mostrar, mas você ainda não vê. A espada é arrumada sob o toque e outro golpe é oferecido, retomando o combate. Zireael é rápida ao desviar, mas a velocidade utilizada é controlada e Ileanna consegue redefinir o movimento em outro golpe, as lâminas se encontrando em um elétrico estalar.

Por longos segundos, as espadas permanecem juntas sob o tenso silêncio dos espectadores e os concentrados olhares da Rosa e da Andorinha. Eu quero terminar isso. O pensamento ecoa na mente com a mesma força com que os dedos da feiticeira seguram o cabo da espada. Eu quero terminar essa última missão dada a mim por meu rei. Eu quero ser seu farol, mas você tem que ver, Zireael. A azulada luz que envolve as runas desenhadas na lâmina se intensifica e Ciri tem apenas um breve momento antes que a energia exploda e a empurre para trás, o brilho permanecendo quase como uma nova proteção na lâmina segurada por Ileanna. Pouco a pouco, o ar no pátio se torna mais frio, como se um congelante sussurro se espalhe por entre as árvores e as pedras, despertando a sensação de familiaridade na Andorinha. Eu senti isso antes. O pensamento desperta a lembrança de uma conversa em um jardim escondido e de um tempestade sentida sob o toque de uma feiticeira. Respirando fundo, Ciri fortalece a própria posição, o olhar atento ao próximo movimento de Ileanna e o coração batendo forte no peito.

Sob o pesado e tenso silêncio, as írises aquamarines observam a fina camada de gelo que começa a abraçar o amplo pátio, o primeiro sinal da invocação da Geada Branca, a tempestade guardada no sangue de Ileanna. Entretanto, o Aen Saevherne sabe que a antiga aluna não irá mostrar o verdadeiro poder, todo o combate até agora sendo nada mais do que uma simples demonstração das habilidades aprendidas com Eredin – a Rosa ainda não mostrou o poder que possui, a força para a destruição. E em cada golpe trocado, em cada ataque e desvio, Avallac’h pode ler claramente a intenção de Ileanna, a tentativa de mostrar a Ciri o próprio poder, de desafiar a Andorinha a entrar em contato com a herança de Lara. O desejo e a visão de Auberon. O pensamento fortalece o pequeno sorriso nos lábios finos, a mente recordando das palavras do antigo rei, a certeza de que, juntas, Ciri e Ileanna poderiam incendiar o Caminho dos Mundos. Uma certeza que, depois de treinar a ambas, o Aen Saevherne não pode negar.

Cansada de esperar, a Andorinha utiliza a própria habilidade e se desloca para as costas da feiticeira. Contudo, Ileanna é mais rápida, virando o corpo a tempo de bloquear o golpe com a própria espada, o toque seguro o suficiente para permitir que a lâmina seja movida na horizontal e atinja Ciri com uma pesada energia azulada, a jogando para trás.

— Você deveria ter aprendido que esse truque não é uma vantagem contra os cavaleiros vermelhos, Zireael. – há provocação na voz da feiticeira de olhos dourados, mas a diversão deixa rapidamente o claro olhar quando o eco do fechamento de um portal é sentido, as írises de witcher procurando o olhar de Avallac’h e encontrando o mesmo reconhecimento.

Caranthir.

Arredores de Kaer Morhen

Os dedos protegidos pela manopla são fechados, dissipando a imagem mostrada e colocando um fim a distante observação – nas distantes ameias, uma pequena serpente se desfaz sob o sopro do vento. O poderoso navegador reconhece que o objetivo da missão foi alcançado e, portanto, não há mais nenhum motivo para permanecer. A suspeita tida também foi confirmada. Ileanna está viva e era o rastro da feiticeira que Vridhiel e Faolin seguiam sob a ordem de Ge’els. Por um momento, Caranthir imagina qual será o próximo passo de Eredin, uma vez que o vice-rei parece estar envolvido em um jogo que se aproxima demais de traição. Sob a pesada máscara, írises azuis se voltam para a antiga fortaleza, os pensamentos retornando para anos atrás, quando um novo rei foi coroado. A própria ascensão de Eredin foi sombreada pelas suspeitas de traição, mas nenhuma voz foi manifestada – não que alguma tenha tido a oportunidade. Ainda assim, o cavaleiro vermelho não consegue deixar de questionar como a balança de poder irá ficar agora com Ileanna e, aparentemente, Ge’els no lado oposto a Eredin.

E Avallac’h.

A lembrança do antigo professor ainda é amarga na mente e no coração do navegador, a imagem da própria natureza se mantendo manchada pelo conhecimento do que foi feito para alcançá-la. Talvez o Aen Saevherne não deva ser contado com Ge’els e Ileanna, uma vez que Avallac’h sempre agiu de acordo com os próprios interesses e objetivos enquanto mantinha uma máscara de leal obediência a Auberon. E, agora, Avallac’h tem o que sempre desejou – o que procurou através de Caranthir e Ileanna – a última lembrança de Lara, a última gota de sangue da Gaivota a pulsar em todos os mundos. Uma tola obsessão. O pensamento acompanha o pulsar do cristal preso na ponta do cajado, a energia invocando um portal de volta para o Naglfar. Deixe que o rei lide com o jogo – o que o navegador não desejaq é se tornar novamente uma peça nas mãos do antigo professor.

O portal se fecha após a passagem de Caranthir com um baixo estalo, mas a energia que se dispersa viaja longe o suficiente para atingir o pátio da fortaleza e alcançar os sentidos de outro navegador. Com um toque sobre o braço do comandante, Faolin indica que devem se afastar. Assentindo em concordância ao pedido do companheiro, Vridhiel lança um último olhar para o pátio, onde o combate parece ter terminado, e segue o navegador para longe da fortaleza. Ambos reaparecem a alguns metros de Kaer Morhen, as írises verdes buscando pelo olhar azul do outro cavaleiro vermelho. Há um alerta quase febril no claro olhar que é o suficiente para fazer o comandante compreender que há algo de errado.

— Caranthir esteve aqui. – Faolin diz.

Aqui?— Vridhiel questiona compreendendo a seriedade presente no olhar do amigo – Ele esteve ou ele está aqui?

— Eu acredito que o eco que senti foi a partida dele. – o navegador responde – Acho que ele estava nos seguindo.

— E nós não percebemos?! – raiva e frustração colorem as palavras do comandante.

— Caranthir é o melhor entre os navegadores, o mais poderoso de nós. – Faolin explica – E por isso acredito que o que senti foi uma partida. Ele não tinha nada a perder deixando ser percebido partindo, retornando para o rei.

— Ele sabe sobre Ileanna e Zireael. Onde elas estão. – compreensão começa a nascer nas írises verdes, acalmando as chamas da raiva – E, com isso, Eredin também irá saber.

— Devemos retornar para a capital?

— Sim. O vice-rei irá querer saber sobre isso. – Vridhiel diz – Mas vamos nos afastar um pouco mais. Se você sentiu Caranthir, Ileanna e Avallac’h também devem ter sentido. É melhor que não nos deixemos ser percebidos também.

Faolin assente, concordando com as palavras do comandante e começando a caminhada para longe da fortaleza. E, embora o silêncio acompanhe os cavaleiros vermelhos, Vridhiel não consegue deixar de imaginar quanto tempo demorará até que o rei venha caçar a Rosa e a Andorinha e o pensamento somente aumenta o peso no coração do comandante.

Kaer Morhen

O dourado olhar retorna para a Andorinha, notando como as írises verdes parecem ter percebido o rápido olhar que foi trocado com o Aen Saevherne. O tempo está acabando. O pensamento faz com que um discreto suspiro escape por entre os lábios vermelhos e a espada seja cravada no chão, a azulada luz sendo apagada em um rápido tremular. Com passos lentos e calculados, a jovem feiticeira se aproxima de Ciri, que observa em silenciosa cautela. Há uma busca nas írises de witcher que é familiar para a Andorinha, o mesmo olhar de anos atrás e que ainda tem o poder de fazer o coração de Ciri bater como se estivesse preso em um abraço de inquietação. O que você quer de mim? Não há medo na mente da Andorinha, só uma ansiosa curiosidade que faz com que a espada seja abaixada e a aproximação permitida.

— Diga-me, Zireael... – Ileanna começa e há algo na voz da jovem feiticeira que faz com que um arrepio de reconhecimento corra pela pele da Andorinha – Você me teme?

As palavras ecoam na mente de Ciri com a memória da última vez em que foram ditas. Aos outros presentes, a pergunta causa estranhamento e surpresa, a intenção por trás do questionamento não sendo completamente compreendida. O verde olhar da Andorinha cai para a mão que é oferecida, a feiticeira com olhos de witcher parando a apenas alguns passos de distância. O movimento também é um reflexo daquele feito anos atrás, um convite para confiar e para uma tempestade assustadoramente irresistível. Olhando nas írises douradas da mais velha, Ciri caminha até Ileanna, a mão sendo erguida e colocada sobre a da feiticeira, o coração batendo cada vez mais depressa em um misto de temor e curiosidade.

— Eu não entendo você. – a Andorinha repete a mesma resposta de antes.

O ar no pátio se torna ainda mais frio, o gelo sobre as pedras se fortalecendo. A mudança na atmosfera captura a atenção das írises aquamarines, que observam a conversa com intensa curiosidade. A conexão entre Ciri e Ileanna sempre esteve clara, mas o quão profunda e forte era não era algo que a antiga aluna permitia que o Aen Saevherne percebesse. Mas agora, somente um cego seria incapaz de ver o claro convite no poder da Rosa, um sussurro que repousa na brisa e chama pela Andorinha, como um farol atraindo um navio perdido. A única questão que permanece é para onde Ileanna pretende guiar Ciri. Seria para um simples encontro com o próprio poder? Ou para a trilha que levará para a destruição entre os mundos? Enquanto a mente do Aen Elle questiona, írises douradas e violetas observam a calma conversa com intenso interesse. Geralt percebe que há algo mais nas palavras trocadas, como o reconhecimento de um segredo conhecido somente pelas filhas, mas o witcher não consegue encontrar nenhuma pista para a revelação desse segredo. Yennefer, por outro lado, percebe o mesmo que Avallac’h, o próprio poder da feiticeira se manifestando diante do convite que o poder de Ileanna faz para Ciri. Mas a poderosa feiticeira não consegue deixar de sentir uma inquieta incerteza acerca do caminho para o qual esse convite pode levar as filhas. 

— Você cresceu, Zireael. – Ileanna diz entrelaçando os dedos aos da mais nova. Sob o toque da feiticeira, Ciri volta a sentir a mesma fria tempestade que parece chamar uma parte de si que nem mesmo a Andorinha consegue localizar – Mas mesmo que seu jeito de lutar não se limite mais a um puro e violento instinto de sobrevivência, ainda não é o suficiente. – há algo na voz da feiticeira de olhos dourados que Ciri não consegue nomear, algo que se assemelha muito a uma súplica— A Caçada virá e sobrevivência não será motivo suficiente para lutar e vencer.

— O que você quer de mim? – a pergunta deixa os lábios da Andorinha na forma de um sussurro.

— Uma resposta. – Ileanna responde sem hesitação – Mas é uma resposta que você tem que dar primeiro e principalmente para si mesma. Você tem que decidir, descobrir, quem você é e quem você quer se tornar, Zireael. Que caminho você deseja construir com seu sangue e seu poder. Pelo que você irá lutar. – com a mão livre, a jovem feiticeira afasta alguns fios acinzentados de perto das írises da cor de esmeraldas – Há muito mais em você do que é capaz de perceber, Zireael. – a feiticeira dá um passo à frente, os lábios vermelhos quase tocando a orelha da Andorinha – Não tema o poder que está guardado no seu sangue. É seu e só irá te machucar se você permitir.

Quando Ileanna se afasta, as írises verdes buscam o dourado olhar, encontrando a mesma curiosa paciência vista anos atrás. Cada palavra dita pela jovem feiticeira serviu somente para aumentar a inquietação com que o coração da Andorinha bate, a mente procurando por uma resposta, mas – como antes – não encontrando. Os lábios vermelhos da mais velha se esticam em um calmo sorriso, os dedos soltando a mão de Ciri e, com isso, quebrando o sussurro da tempestade. O frio parece se retrair, se escondendo nas sombras e silenciando o convite que parecia existir no próprio poder de Ileanna. Por um breve momento, o instinto da Andorinha é o de voltar a segurar a mão da mais velha e reencontrar a segurança que sempre foi encontrada na presença de Ileanna. Mas algo nos olhos dourados paralisa Ciri, uma sombra que parece reafirmar a necessidade de a Andorinha decidir.

— Eu senti o poder de Caranthir. – o olhar dourado da feiticeira é desviado para os outros presentes, sendo, por um momento, focado em Avallac’h – Acredito que logo a Caçada virá.

As palavras da jovem feiticeira deixam todos em alerta. Percebendo a gravidade da situação e a falta de preparo da fortaleza para aguentar um ataque dos cavaleiros vermelhos, Vesemir chama os witchers para começarem a preparar as defesas para o combate. Contudo, antes que possa seguir a ordem, Geralt é parado por um firme toque no braço. Ao se virar, o witcher encontra o intenso olhar violeta de Yennefer. A poderosa feiticeira apenas faz um leve movimento com a cabeça, indicando a Andorinha que permanece imóvel no pátio. O mudo pedido é imediatamente compreendido, mas o reflexo encontrado no leve manear de cabeça de Avallac’h serve apenas para reacender as chamas no sangue do witcher.

Tir Ná Lia

Os rápidos passos dos cavaleiros vermelhos ecoam no vazio corredor, a urgência que motiva a intensa caminhada estando clara na tensa postura dos soldados. Olhos verdes observam o caminho tomado com uma atenção praticamente automática, a mente reconhecendo a trilha a ser seguida e guiando o corpo quase por instinto, libertando os pensamentos para se focarem no que foi visto e descoberto no mundo dos Aen Seidhe. A presença de Caranthir indicou uma ameaça não apenas para a Rosa e a Andorinha, mas também para o comandante e o navegador, se a suspeita de Faolin estiver certa. A única punição que o rei aceita para traição é a morte. Mas não é a punição que Vridhiel teme, pois a morte nunca foi um medo que um cavaleiro vermelho pudesse se dar ao luxo de ter, e sim o quão complicado o jogo irá ficar e até que ponto o comandante conseguirá se manter leal ao próprio mundo. Respirando fundo, Vridhiel vira para outro corredor, seguindo reto até a sala do vice-rei. Contudo, os cavaleiros vermelhos param bruscamente assim que percebem que Ge’els não se encontra sozinho.

— Vridhiel. Faolin. – o vice-rei dos Aen Elle diz ao notar a presença dos soldados no batente da porta aberta, os olhos cor de mel mantendo uma calma seriedade – Vocês retornaram em um bom momento. Andir acabou de chegar e estava questionando sobre a missão que passei para vocês.

Os citados cavaleiros trocam um rápido olhar, incertos sobre como responder. As írises verdes se voltam para o recém-chegado e Andir faz uma rápida mesura, o braço direito cruzado sobre o peito. Vridhiel e Faolin repetem o movimento, mostrando respeito ao companheiro. O olhar do comandante se volta discretamente para o vice-rei, mas não há nada na postura de Ge’els que indique alguma preocupação com a situação em que se encontram.

— Estou correto em assumir que cumpriram o que ordenei? – o vice-rei questiona, os braços sendo cruzados nas costas e o pesado olhar caindo sobre os soldados.

— Sim, meu senhor. – Vridhiel responde, assumindo a postura esperada de um comandante da Caçada Selvagem, a voz não mostrando nenhuma hesitação ou incerteza.

— Com a condição que requeri para que retornassem? – enquanto pergunta, Ge’els caminha até a alta janela do aposento, as írises da cor de mel observando o céu estrelado.

— Sim. – o comandante responde, reconhecendo a condição mencionada como o encontro entre Ileanna e Cirilla.

— Meu senhor? – Andir questiona, não compreendendo aonde o vice-rei pretende chegar com essa linha de inquisição que não parece responder nada diretamente.

Ignorando o chamado, Ge’els toca o aveludado pano deixado sobre o baixo armário que se encontra encostado à janela, o avermelhado tecido escondendo uma rosa de gelo. A chegada de Andir foi uma surpresa para o vice-rei, mas um ato que deixou clara a intenção e as suspeitas de Eredin. Nunca um para sutilezas. Mas o retorno de Vridhiel e Faolin também confirmou as desconfianças sentidas com relação ao destino da Rosa e da Andorinha – não importa o quão distante o tempo as deixe, o Destino continua a entrelaçar os caminhos de Ileanna e Cirilla, levando-as para a trilha prevista por Auberon. E se Eredin se tornou desconfiado o suficiente para enviar Andir para a capital, também teria colocado um cavaleiro para encontrar Vridhiel e Faolin para confirmar a possível resposta com que o navegador possa retornar? Um rápido olhar para as írises verdes do comandante, tensas com um aviso que pede para ser dito, confirma a hipótese. Então, Eredin também saberá a localização da Andorinha e, mais do que isso, que Ileanna sobreviveu a luta em Tedd Deireadh. Contudo, outro detalhe invade a mente do vice-rei. Estando com Zireael, Ileanna estará entre os witchers também. Será que essa convivência irá despertar lembranças de uma vida esquecida? Se sim, o que a Rosa irá fazer? Com um pequeno sorriso nos lábios, Ge’els volta cruzar os braços nas costas, as írises cor de mel retornando para o céu estrelado.

Tantas variáveis, tantas possibilidades. Deixemos o jogo começar.

Kaer Morhen

A chuva afasta o úmido toque da fortaleza, deixando apenas o frio e as sombras do céu acinzentado. E as antigas paredes de pedra guardam em seu interior, quase como um segredo, o som de witchers preparando o lar para a batalha que se aproxima. Ocultas em aposentos particulares, feiticeiras se perdem em estratégias próprias, em pensamentos que assombram a mente e as lembranças. E nos degraus da entrada da fortaleza, uma Andorinha permanece sentada ao lado de um Lobo Branco, as írises verdes observando as poças d’água deixadas pela chuva e os pensamentos se voltando para um duelo recém-travado e palavras que ecoaram perguntas feitas anos atrás, mas que ainda inquietam o poderoso coração. Geralt compartilha do silêncio mantido por Ciri como consequência de se encontrar preso na indecisão de como começar a conversar, o que dizer para acalmar a clara tempestade que cai na mente da filha. Contudo, o witcher é salvo pela própria Andorinha, que quebra a quietude com um pesado sussurro:

— Eu queria saber o que ela quer de mim.

— Ileanna? – o Lobo Branco questiona, grato por ter uma pista de por onde seguir – Pensando sobre o que ela disse para você?

— Ela repetiu. – Ciri responde, o claro olhar se voltando para o witcher e, encontrando a confusão causada pela resposta, a Andorinha explica – Anos atrás, em Tir Ná Lia, ela disse quase o mesmo para mim. Ela perguntou o que eu queria, quem eu queria me tornar.

— O que você respondeu?

— Nada. – a palavra deixa os lábios finos com o peso de todas as lembranças guardadas do mundo dos Aen Elle – Eu só não queria... Não quero me tornar Lara.

— É isso o que você acha que Ileanna quer? – o witcher questiona compreendendo a posição de Ciri, mas também sentindo a confusão invocada pelas palavras da feiticeira – Acha que ela quer que você se torne Lara?

— Eu não sei, Geralt. – Ciri responde e uma fraca risada escapa da Andorinha – Eu não a entendo. Mas eu me sinto segura com ela. Eu sei que ela não me machucaria ou me forçaria, mas o que ela me diz, o que questiona, me faz sentir inquieta, como se eu tivesse a resposta que ela busca, mas não conseguisse encontrar.

Por um longo momento, o Lobo e a Andorinha permitem que o silêncio retorne. Sob o toque da quietude, a mente do witcher relembra o combate visto, as palavras ditas ecoando em uma tentativa de achar uma razão por trás, algo que possa ser oferecido como conforto. É então que Geralt se recorda não do que foi dito por Ileanna, mas por Avallac’h. Isso é um teste. O olhar dourado cai sobre o perfil de Ciri, que volta a observar as poças d’água e, pouco a pouco, as peças parecem começar a se encaixarem. O desafio, as palavras, tudo foi um teste. Um teste para saber o que Ciri deseja, onde Ciri se posiciona com relação a Caçada Selvagem, ao sangue de Lara... Tudo. Foi uma tentativa para fazer Ciri refletir sobre si mesma e responder as perguntas que parecem ser tão importantes para Ileanna: Quem Ciri deseja se tornar e que caminho deseja seguir. Mas Geralt não consegue ver por que essas perguntas possuem tanta importância para a filha mais velha.

— Ciri... – o witcher começar, conquistando a atenção do verde olhar – Ninguém pode te dizer quem você deve ser. Isso é algo que somente você pode decidir.

— Mesmo se eu sou marcada pelo sangue de alguém tão poderoso e importante quanto Lara Dorren? – Ciri rebate, uma sombra de ressentimento cobrindo as palavras.

— Nós não podemos controlar o que carregamos no nosso sangue. – Geralt responde, a lembrança de uma feiticeira mantida nas sombras despertando na mente, assim como o desejo sentido naquela noite de poder tê-la visto sob a luz do dia – O que nós podemos fazer é decidir o que fazer com o carregamos, com o poder que é herdado através do sangue. Você tem o sangue de Lara Dorren, mas isso não significa que seja ou que deva se tornar ela. O poder que você tem é seu e só você pode decidir o que fazer com ele e, mais do que isso, decidir quem você é.

As palavras deixam os lábios do Lobo Branco fortes e carregadas com certeza, com uma convicção que ecoa na mente e no coração da Andorinha, acalmando dúvidas e incertezas e afastando o fantasma da inquietação, fazendo com que uma nova confiança nasça, fortalecendo desejos que ainda não foram reconhecidos. Sorrindo, Ciri pula no witcher, os braços envolvendo e abraçando Geralt com força. O carinho é imediatamente retribuído, a mesma intensidade sendo colocada no toque do Lobo que envolve e abraça a filha. O silêncio que segue é mais leve e vazio de insegurança, se diferenciando da quietude que domina o quarto de uma feiticeira, írises douradas presas na janela fechada e a mente perdida nas próprias lembranças.

Você tem que decidir, descobrir, quem você é e quem você quer se tornar, Zireael. As palavras ecoam na mente de Ileanna, a intenção por trás delas clara e segura no coração da feiticeira. Descobrir se a Andorinha já encontrou as próprias respostas e assim poder terminar a última missão deixada em aberto, ser o farol para o sangue de Auberon, guiar a herdeira de Lara para o próprio destino. Entretanto, a jovem de olhos dourados percebe que as palavras se tornaram uma inconsciente armadilha. Encurralada pelas minhas próprias palavras. O pensamento faz com que uma baixa e amarga risada escape por entre os lábios vermelhos, a mente reconhecendo o caminho que deve ser seguido, mesmo que o coração insista em tentar fugir. Eu tenho que decidir também. Ecos de um sonho se entrelaçam aos pensamentos, uma única palavra se tornando mais forte e, agora, sem mais nada para se concentrar ou fugir, impossível de escapar.

Mãe!

Em um pulo, a feiticeira deixa a cama, mas um passo é tudo que é dado em direção à saída do quarto, o corpo paralisando como que tomando por um feitiço. É isso o que eu quero? A pergunta parece ecoar em cada forte batida do coração. Recuperar o que perdi, mas nunca lembrei? Saber se ainda possuo um lugar nesse mundo? O dourado olhar é abaixado para o chão, a mente sendo tomada por lembranças recentes, distantes e ao mesmo tempo próximas de um sonho. A familiaridade de uma fortaleza. A segurança encontrada na presença de um witcher e no toque de uma feiticeira. Os dedos da feiticeira são levados para o medalhão carregado ao redor do pescoço, o toque seguindo as linhas da cabeça do lobo, mas a mente desenhando a imagem de uma brilhante estrela. Eu não posso fugir. O passado irá sempre seguir, assombrar. A jovem feiticeira sentiu a verdade disso nas lembranças da vida em meio ao Aen Elle que nunca deixam a mente, as sombras da Caçada e da morte de um rei acompanhando cada passo nesse mundo. E se tudo isso é uma tentativa de colocar um término a uma última missão e a uma vida deixada para trás, então esse passado também precisa ser confrontado. Por mais que a imagem de intensos olhos violetas assuste mais do que a perspectiva de enfrentar os cavaleiros vermelhos.

O próximo passo em direção à porta é dado com um pouco mais de certeza, cada centímetro ultrapassado fortalecendo a convicção sentida, reafirmando a decisão tomada, mas também acelerando ainda mais o coração. O caminho tomado, em direção a torre habitada pela feiticeira de olhos violetas, é feito em silêncio, a mente retornando para o sonho e encontrando um eco em cada cômodo cruzado. No amplo salão, Ileanna encontra as vozes que gritavam para que corresse, vozes agora reconhecidas como pertencentes a Lambert e Eskel. E, embora os passos levem a jovem feiticeira em direção a torre, a trilha seguida revela as sombras de feitiços feitos no pátio para impedir um cavaleiro vermelho e o peso de um toque que aprisionava e puxava. No meio da escadaria, quando a voz de Yennefer já pode ser ouvida, o som quase faz os passos tropeçarem e a certeza falhar. Respirando fundo e sentido o sussurro da gelada tempestade sob a pele, a feiticeira de olhos dourados sobe os últimos degraus, o claro olhar logo encontrando a feiticeira buscada conversando a imagem de uma desconhecida.

— Obrigada, Triss. – as últimas palavras são as únicas a serem registradas pela mente da jovem de olhos dourados, a imagem da desconhecida desaparecendo e as írises violetas se voltando para a recém-chegada – Ileanna. – um suave sorriso nasce nos lábios da poderosa feiticeira.

— Senhora Yennefer. – a mais nova diz em cumprimento, o tratamento deixando um gosto estranho na boca – Estou atrapalhando?

— Não. Está tudo bem? – as írises violetas observam a face da jovem feiticeira com atenta curiosidade, notando as sombras que parecem mais intensas nas írises de witcher.

— Eu queria falar com você. – a resposta é acompanhada por passos lentos em direção a mais velha, o coração batendo acelerado no peito e quase implorando para fugir.

— Sobre?

— Sonhos.

— Sonhos? – Yennefer repete, intrigada com a resposta.

Segundos se passam em silêncio e o olhar violeta se torna ainda mais curioso. A feiticeira percebe que há algo diferente na filha, uma hesitação até então ausente da postura sempre forte e decidida. Sob a pesada quietude, Yennefer consegue ver como as írises douradas tremem levemente, denunciando uma incerteza que afasta Ileanna da imagem da poderosa navegadora da Caçada Selvagem e a aproxima da figura de uma jovem feiticeira perdida e ferida. A percepção é como uma agulhada no coração de Yennefer, que cruza a distância ainda existente em poucos passos, o atento olhar notando como a aproximação parece somente intensificar os tremores do dourado olhar. Por um momento, mãe e filha se olham em silêncio, as palavras presas na garganta com correntes de dúvida e medo.

— Desde que era pequena, eu tenho sonhos estranhos. – Ileanna diz em um tom de voz apenas um pouco mais alto do que um sussurro, quebrando a quietude, mas sem fugir da força das írises violetas – Eu sonho com uma batalha, com vozes gritando, me dizendo para fugir. Mas os sonhos nunca foram nítidos o suficiente para que eu pudesse reconhecer alguma parte ou voz.

As palavras da jovem feiticeira são como um alerta para Yennefer, um sinal de que a suspeita tida estava certa, que Ileanna se lembra de tudo, mas ao mesmo tempo, a incerteza presente em meio as sombras do olhar dourado impede que a poderosa feiticeira sinta a satisfação que a confirmação poderia trazer. O medo e a dúvida existentes nos olhos da filha – tão parecidos com os de Geralt – envolvem o coração da feiticeira em um impiedoso aperto, machucando e fazendo nascer o desejo de envolver Ileanna em um forte abraço. Contudo, Yennefer permanece imóvel, o olhar preso às írises sombreadas e as palavras aprisionadas na garganta.

— Mas isso mudou quando eu vim para esse mundo. – a jovem feiticeira continua, a voz perdendo um pouco da firmeza sempre mostrada – Meus sonhos começaram a ficar cada vez mais nítidos e até mesmo assumindo outras formas. E, nessa fortaleza, eles parecem ter conseguido toda força que precisavam. – um leve tremor domina as últimas palavras e encontra reflexo na leve tremular das írises violetas, os corações das feiticeiras batendo com uma força que ameaça explodi-los – Em meus sonhos, eu corro pelos corredores dessa fortaleza, tropeçando e escorrendo na neve trazida por cavaleiros de armaduras negras. – a cada palavra, o tremor na voz de Ileanna se torna mais forte, as írises douradas brilhando com as lágrimas que nascem e encontram companhia naquelas que dão ainda mais brilho às írises violetas de Yennefer – Em meu sonho, eu corro até o pátio e um cavaleiro me pega pela cintura, ele tenta me levar, mas então... – um soluço e as lágrimas caem livremente pelo rosto jovem, dando força para o nó que parece querer sufocar as palavras da feiticeira com olhos de witcher – Uma mulher aparece e tenta me proteger. – sem pensar, Yennefer ergue a mão, segurando o rosto da filha o suficiente para que as testas possam encostar, os olhos de ambas se fechando com força, mas ainda falhando em impedir a queda das lágrimas – Eu não consigo ver o rosto dela, mas posso ver o colar que ela usa. Uma estrela. E eu grito para ela, eu chamo por ela... – os olhos dourados voltam a se abrir, encontrando as intensas e brilhantes írises violetas – Eu chamo por você... Mãe...

A última palavra é a quebra de todas as barreiras. Yennefer envolve a filha em um abraço que é imediatamente retribuído. Em um momento, a feiticeira de olhos violetas sente o peso de dezesseis anos de separação se desfazer e todo o mundo se resumir ao som dos soluços de Ileanna, ao toque que a agarra com toda força e as lágrimas que molham o longo cabelo negro. Respirando fundo em meio as próprias lágrimas, Yennefer deixa que a atenção se foque no calor que emana da filha, na sensação dos dedos entrelaçados no escuro cabelo, uma das mãos repousando sobre a nuca da jovem de olhos dourados. O coração da poderosa feiticeira dói sob a força com que bate, a felicidade do retorno da filha sendo finalmente concretizado fortalecendo as lágrimas que ainda caem do claro olhar.

— Minha pequena... – as palavras deixam os lábios de Yennefer sem controle e parecem apenas intensificar o choro da feiticeira de olhos dourados.

Para Ileanna, dói. Como um machucado que nunca foi percebido, mas que agora se cicatriza com fogo. A jovem feiticeira segura a mais velha com toda força, a segurança sempre sentida na presença de Yennefer ganhando poder e fazendo com que Ileanna deseje nunca deixar o abraço que a envolve com tanta firmeza e carinho. Minutos se passam sem que mais nenhuma palavra seja dita e é apenas quando o som de passos se aproximando pela escada é ouvido que a atenção das írises violetas é desviada da jovem nos braços.

— Yen? – Geralt chama com cuidado, não entendendo o que está acontecendo.

Por um momento, Yennefer sente a tensão que domina o corpo de Ileanna, mas logo a jovem feiticeira volta a relaxar, as írises douradas procurando pelo recém-chegado. O olhar do witcher se mantém inquieto, passando de uma feiticeira para outra tentando entender o que aconteceu para que as faces de ambas estejam tão marcadas pelas lágrimas. Yennefer beija o cabelo negro da filha, sentindo, mais do que ouvindo, a trêmula respiração que deixa os lábios vermelhos e incentivando o chamado que percebe que Ileanna quer fazer. As írises douradas da feiticeira buscam o olhar da mesma cor, encontrando no forte olhar do witcher o apoio necessário para sussurrar:

Pai?

A palavra quase desfaz o poderoso Lobo Branco, que busca no olhar de Yennefer a confirmação de que ouviu certo. Quando a feiticeira de olhos violetas assente, um sorriso nos lábios finos, o olhar do witcher retorna para a filha, encontrando uma fraca sombra de dúvida nas írises douradas. Decidido a não deixar que essa sombra se fortaleça, Geralt quase tropeça nos próprios pés ao correr para abraçar Yennefer e Ileanna. Contra o peito coberto pela armadura, o Lobo sente os tremores que correm pelo corpo da filha a cada respirar e soluço. Contra o pescoço, o sorriso cada vez mais forte de Yennefer. E, por um momento quase infinito, tudo parece certo no mundo.


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Notas finais do capítulo

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