Companhia escrita por slytherina


Capítulo 1
Doces ou travessuras?


Notas iniciais do capítulo

Inglaterra. 31 de outubro de 1890.



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"Acordei com dor de cabeça. Sentei-me na cama e ajeitei meus espartilhos e anáguas. Precisava fazer pipi, mas não conseguia me lembrar onde era o lavabo ou onde deveria estar o penico. Olhei para a cama onde estivera dormindo. Os lençóis de cetim ainda revoltos da noite mal dormida eram amassados por um torso largo com músculos formidáveis. Um homem. Passara a noite com um homem e eu nem lembrava dele. Devia ter estado bêbada. Meu baixo ventre doía. Onde estava o maldito penico?

Havia uma porta no quarto e resolvi me aventurar. Alelúia! Usei o lavabo e molhei o rosto. Se houvesse um espelho aqui poderia ver a situação do meu rosto. Até imagino as marcas escuras sob os olhos devido o lápis escuro que usei pra contorna-los e também à sobrancelha. Deveria haver marcas vermelhas ao redor da boca, pela mancha do carmim barato, mas os lábios deveriam estar pálidos. Se bem me conheço, devo ter beijado muito aquele homem.

Passei a mão nos cabelos, tentando o meu melhor para ajeitar o ninho de passarinhos que eram os meus cabelos ao acordar. Uns grampos ainda presos em cachos me ajudariam nessa tarefa. Onde estava a minha roupa? Será que ali atrás da porta? Não. Sob a cama? Não. Talvez ao lado das roupas dele, tão bem dobradas e ajeitadas em uma cadeira. Também não. Certo! Agora tenho que lidar com a possibilidade de que estive andando seminua pelas ruas. Nem em meus piores sonhos. Eu não sou tão baixa. Posso ser prostituta, mas não sou rameira barata.

Estranho, minhas partes íntimas ainda doem. Será que esse homem foi especialmente violento? Ao menos devo ter sido bem paga. Falando nisso, onde está meu dinheiro? Não saio daqui sem meu dinheiro. Esse homem vai ter que me pagar agora."

— Ei, Senhor! Acorde! Acorde, vamos?

"Ele nem se mexeu. Talvez precise jogar água fria nele. É isso que irei fazer. Logo, logo, terá de me pagar. Esse copo dágua irá resolver."

O copo caiu no chão, e algumas gotas caíram sobre o rosto do homem. Ele acordou e passou a mão no rosto. Olhou em volta e viu o copo caído. Levantou-se e ajeitou as ceroulas. Precisava aliviar-se. Após isso lavou o rosto e procurou suas roupas. Vestiu-se e saiu. Hoje era dia de halloween. Não era mais criança, mas sabia que muita gente gostava da teatralidade da festa. "Doces e travessuras" a seus ouvidos soava como "gosto de doces antes de ser safada". Isso, a parte da safadeza era a melhor. Foi por isso que se dirigiu a uma confeitaria e comprou doces sortidos. Um saco de papel cheio dessas coisinhas que estragam os dentes. Não, ele não iria comer nada. Era tudo pras suas amiguinhas. E a noite seria longa.

Em nenhum momento, o homem percebeu a jovem de espartilhos e anágua seguindo-o. Nem ouviu a enxurrada de palavrões e xingamentos que ela lhe dirigiu. Algumas vezes pedindo dinheiro. Outras vezes depreciando sua masculinidade. Ela o acompanhou durante todo o dia e compartilhou de suas refeições, repouso, passatempos e ações.

Ao entardecer, observou atenta quando ele se sentou em uma cadeira próxima à janela e ficou observando o movimento nas ruas. Algumas crianças foram até sua porta pedir por doces. Ele foi generoso e amável, garantindo que tinha mais doces para os amiguinhos das crianças. Não demorou muito e uma menina mais comprida e encorpada bateu em sua porta. Ele a convidou para entrar.

Após a menina aceitar o convite e o homem fechar a porta, ela foi prontamente atacada. Horrorizada, a jovem de espartilhos pegou objetos pela casa e começou a atirar no agressor, sem contudo surtir muito efeito. Ela então pulou em suas costas e o engasgou com ambos os braços. Ele sentiu o aperto na garganta, mas não quis parar o que estava fazendo com a menina. Até que sentiu o cheiro. Foi isso que o fez parar. Cheiro de violetas. Um perfume barato e enjoativo que as meretrizes do cais teimavam em usar.

Ele lembrou-se que teve que banhar-se na tina após aquela noite. Tinha que tirar o cheiro acre e vagabundo daquela infeliz de seu corpo. A maldita teve o que mereceu. Ele havia enfiado a adaga bem fundo no sexo da rameira. Só assim pra fazê-la calar. Ele a ensinou direitinho. Ela era um nada. Não valia nada. Nem mesmo os shillings que cobrava. Era apenas um capacho para os homens limparem as botas.

O ar foi ficando escasso. O aperto na garganta opressivo. Talvez se ele abrisse a boca melhorasse. Foi pior. Agora, mesmo com a boca aberta, não conseguia respirar.

— Alguém … me … ajude …

Então, como se um anjo intercedesse por sua vida, alguém entrou na sala e o sacudiu. O ar foi entrando pelos pulmões de chofre, e ele deu um longo suspiro. Olhou para seu salvador, um homem grisalho com imponentes bigodes que faziam um rabicó nas pontas. Bem vestido e distinto. Atrás dele outros homems, fardados, e bem ali, escondidinha atrás do velho rico, a menininha que ainda agora tivera sob seu domínio.

— Foi ele, vovô! Foi ele que me atacou. — falou lamurienta.

— Pois muito bem. Como juiz dessa comarca eu lhe dou voz de prisão. E pode estar certo de uma coisa: a forca lhe aguarda.


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