On The Street escrita por sabrinavilanova


Capítulo 2
Parte Dois - Walking Away




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Pés na estrada e fones no ouvido, transmitindo uma música conhecida de uma cantora americana. Sentia todo o corpo queimar, a boca aberta sugava todo o ar que conseguia, havia percorrido uma distância bem maior do que costumava. Andou até a máquina de bebidas, depositando lá uma moeda em troca da garrafa de água mineral, que foi levada sem rodeios até os lábios secos de Kakeru. Sem pensar duas vezes, sentou em um dos bancos mais próximos, esticando as pernas e encostando-se na parede metade branca, metade azul-piscina com várias manchas do que parecia ser mofo espalhadas pela superfície lisa.

Estava concentrado na letra da música, interpretando os versos com um pouco de dificuldade por estarem em uma língua estrangeira. Tinha que admitir, a música era muito boa, sentia uma leve semelhança com as coisas pelas quais estava passando no momento. É, ele estava vivendo uma música, mas quem poderia perseguir? Não tinha ninguém para fazê-lo. Nem tudo era uma história de ninar, afinal.

O volume estava tão alto que não percebeu os passos apressados da pessoa que o procurava. Kiyose sentou no banco ao mesmo tempo que Kurahara deu um pulo com o susto. Ele tentava recuperar o fôlego, puxando e soltando o ar de forma rápida, e, pegando a garrafa da mão de Kakeru, tomou alguns goles de água, enquanto observava-o do canto do olho. Os cabelos negros estavam mais bagunçados que o normal, mas não estavam jogados para trás. A expressão séria, que saia poucas vezes do rosto, ainda estava ali, enquanto o peito subia e descia, uma demonstração pura do cansaço pela corrida.  

― Como me achou aqui? ― falou Kakeru, quebrando o silêncio.

― Segui a rota de sempre.

― Veio correndo?

― Queria, mas vim de bicicleta mesmo ― explicou, apontando para o veículo jogado um pouco antes de onde estavam. ― Talvez eu nem devesse ter vindo.

― É, talvez. ― Kiyose deu um suspiro e passou a massagear o joelho com uma cicatriz extensa. Havia forçado de novo, o que não era nada bom. Esperou um pouco a dor passar, até que levantou para alongar o corpo e virou-se, olhando diretamente para os olhos de Kurahara. Eles eram tão azuis… Mais um suspiro.

― Eu já disse que você é bonito? ― começou, com a frase mais aleatória que poderia ter usado para puxar assunto no momento.

― Já. E eu já disse que não me importo com o que você acha ― respondeu, aborrecido, levando os dedos longos aos cadarços dos tênis e amarrando-os rapidamente. Ele estava inquieto.

― Okay, senhor “não me importo com opiniões alheias". O que veio fazer tão longe?

― Ahn, correr, espairecer, passear, observar, andar, correr? Qualquer um se adequa ao meu objetivo.

― Então, não tinha um objetivo.

― Parece que não.  

― Certo.

― O que?

― O que “o que"?

― Certo o que, caramba?

― Ah, só foi uma confirmação-barra-conformação, sabe? ― Secou o suor que escorria de um lado do rosto e sentou mais uma vez. A conversa não sairia tão cedo se continuassem naquele vai-e-vem. ― Você sabe que não pode continuar me evitando para sempre, não sabe?

― Não estou te evitando.

― Verdade, você não está tentando me evitar, está fugindo. ― Suspirou, mascando o chiclete imaginário que queria ter na boca. ― Kakeru, você não acha que precisamos conversar, sabe, sobre tudo?

― Não.

― Ah, vamos, pare. Nós sabemos bem que Kurahara Kakeru não é tão mal-humorado como todos pensam que é ― cantarolou, levantando a mão para secar uma gota de suor que dançava pelo rosto do moreno, o qual desviou ao notar o movimento. ― O que está escutando? ― Mudou de assunto, tentando não parecer incomodado com aquilo.

― Uma música que Sakaki-kun indicou.

― Posso ouvir contigo? ― Kakeru deu de ombros, oferecendo um dos fones para que o outro pudesse escutar. ― Beyoncé, hm. Conheço essa música, ficou bem famosa há algum tempo.

― Conhece?

Uhum, tinha um amigo que gostava da cantora e vivia cantando por aí.

―Ah. ― Deixou sair entre os lábios, em sinal de compreensão. ― A letra…

― Hm? O que tem a letra?

― Ela é muito boa. ― Haiji sorriu, ele estava tentando puxar assunto?

― Apesar de ser uma música de romance clichê, bom, sim, ela é muito boa ― concordou. ― E eu gosto da voz dos cantores. Admito que prefiro alguns covers acústicos por aí, mas quem sou eu para falar mal da grande Beyoncé?

― Existem versões melhores que essa?

― Sim, se quiser, posso te enviar.

― Certo.

― Mas, sabe, para isso você tem que desbloquear meu número ― sussurrou, com um bico se formando nos lábios.

― Ah, claro ― soltou, um tanto envergonhado. ― Eu não…

― Tudo bem, você está fugindo de mim e achou que me bloquear fosse a melhor forma de fazê-lo.

― Eu não estou fugindo ― falou, a expressão serena de antes se desfez, dando espaço para uma careta emburrada e até um pouco fofa do ponto de vista de Kiyose.

― Tem razão, você não está mais ― corrigiu. ― Não está mais fugindo, antes estava. Mas, Kakeru-kun ― falou num tom um pouco mais grave. ― Você, mais de que qualquer um, deveria saber que eu não desisto tão fácil.

― Haiji-san, pare.

― Com o que?

― Eu sei o que está fazendo, pare.

― Kurahara, você é a pessoa mais difícil de lidar que eu conheço ― resmungou ao colocar a cabeça sobre a palma da mão, com os cotovelos apoiados nas duas pernas.

― Se está reclamando, pode ir embora.

Ele sorriu.

― De jeito nenhum.

 

→→→

 

Os fones ainda estavam nos ouvidos quando saíram daquele lugar, não haviam chegado ao assunto principal de toda aquela conversa. Haiji arrastava sua bicicleta e olhava duas ou três de esguelha para o lado, tentando notar alguma passagem para tirar aquela carranca da cara do jovem ao seu lado. O repertório tinha mudado, em vez de pop, eles tinham passado para o rock, Kiyose fez questão de apresentar suas bandas favoritas ao redor do mundo.

Naquele momento, andavam ao som de uma banda famosa, as primeiras reações de Kurahara foram as melhores, principalmente quando chegaram àquela música. Na verdade, demorou até pouco mais da metade da música para que Kakeru esboçasse alguma reação.

― Que música é essa? ― perguntou com uma expressão um tanto surpresa. ― De quem é? E por que eu gostei dela?

Kiyose sorriu, ele estava curioso e falando, aquilo era um progresso, não era?  

― Uma das faixas do The Wall, que é, tipo, o melhor álbum do Pink Floyd ― falou, entusiasmado. ― Essa faixa que a gente escutando é a minha favorita. Isso é bem clichê, na verdade. Acho que metade da população mundial prefere ela.

― Não acho que seja clichê ― rebateu. ― Quer dizer, a música é boa, de verdade. Tipo, as críticas são ótimas, a sonoridade é ótima, a letra é ótima. Bom, pelo menos, até onde escutei. Acho que ela pode ser minha favorita também...

― Você deveria escutar mais músicas deles antes de falar algo como isso. ― Viu Kurahara arquear as sobrancelhas e deixou que um bico se formasse nos lábios finos, inflando as bochechas em pura emburração. ― Eu tenho o álbum se você quiser escutar, sabe, de uma forma mais tradicional.

― Não precisa ― contrapôs. ― E, ei, você ainda não disse o nome da música.

― Ah, a música. ― Riu. ― Na verdade é uma espécie de “trilogia” de músicas com o mesmo nome. Essa é a segunda parte, sabe?

― Você está enrolando. Qual o nome?

― Okay, okay, senhor apressado. O nome é Another Brick The Wall, essa parte é ótima, escute as outras duas. Na verdade, escute o álbum inteiro, não, todas as músicas da banda.

― Anotado. ― Olhou para os lados, antes de atravessar a rua e olhar para Kiyose com ares um pouco mais leves. ― Eu vou por ali. ― Apontou para a direita.

― Certo, certo, acho que a gente se separa aqui, não é?

― Sim.

― Então, é isso. ― Sorriu. ― A gente se vê.

― É, a gente se vê ― disse, sem o mínimo de entusiasmo. ― Ahn, Haiji-san ― chamou, depois de alguns passos.

― Hm?

― Podemos conversar ― sussurrou.

― Quando?

― Hoje à tarde está bom para você?

― Hoje à tarde? ― hesitou. ― Ah, claro, sim, claro, hoje à tarde.

― Tudo bem, então, às três? ― Assentiu. ― Certo, então, às três naquele café de antes.

― Certo, certo.

― Nos vemos mais tarde, Kiyose-san.

― É, até logo, Kakeru.

 


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