Cada dia da minha vida escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 22
Capítulo 22 – Casa




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Capítulo 22 – Casa

— O que há, Constância? Parece que criou raízes perto dessa janela? – Martinho perguntou, apesar de saber o motivo, tentando desviar o foco da esposa de toda a preocupação que sentiam.

— Já faz quatro dias que Afonso se foi e não voltou ou mandou notícias. Ele pode estar em qualquer lugar... Já foi suficiente perder Amália – a mulher baixou a voz, tentando se impedir de chorar novamente.

— Ei, ei... – Martinho se levantou de onde estava, indo abraçar a esposa pela cintura – Ele disse que iria à floresta. A floresta é muito grande, e o cavalo também precisa parar pra descansar, certamente ele tem que parar e montar acampamento às vezes. Levamos dois dias pra ir de Montemor a Artena e o contrário sem ter pressa. Você sabe o quanto Afonso ama Amália, não vai parar até esgotar as possibilidades. A demora não garante que algo de mal lhe aconteceu. E nada garante que perdemos nossa filha. Afonso vai encontrá-la.

— Dois meses, Martinho... E numa guerra.

— Eu sei. Mas Afonso nos deu mais uma esperança, não vamos concluir nada antes de seu retorno. Ainda temos o dia inteiro, ele pode voltar hoje, e com Amália – falou tentando passar um pouco de otimismo para a esposa – Tiago e Diana já foram trabalhar, e Afonso nos deixou um neto pra cuidar, nos distrair enquanto o tempo passa. E esperar boas notícias – ele falou.

                Constância ficou em silêncio, tentando refletir sobre o ponto de vista do marido.

                - Você tem razão. Levi precisa de apoio tanto quanto nós – ela disse por fim.

                - Ele está brincando com os cavalos. Vamos lá. Educamos Amália e Tiago em casa, podemos ajuda-lo a aprender algo também.

                Martinho ficou satisfeito ao finalmente ver a esposa sorrir.

******

Afonso sorriu ao virar-se rapidamente para ver Amália e encontra-la dormindo na carroça, protegida por um dos lençóis que haviam trazido. Estava grato por o movimento da carroça não a estar incomodando, dormindo ou acordada, e pelos desmaios e enjoos não estarem mais acontecendo. Tinham feito algumas paradas ao longo do dia para descansar e comer, mas apenas pelo tempo necessário, e se ele tivesse calculado bem, estavam a alguns minutos de chegar à entrada de Montemor. A lua cheia e as estrelas brilhavam no céu, deixando a noite clara o suficiente para que ele enxergasse aonde estavam indo na falta de iluminação. Deveriam ter parado para acampar e completar a viagem no dia seguinte, mas com Virgílio procurando Amália pela floresta tal possiblidade estava totalmente fora de questão. Felizmente haviam deixado Artena bem antes do meio dia, e o cavalo aguentara bem a viagem. Afonso teria certeza de lhe dar bons dias de folga e descanso quando estivessem em casa.

De vez em quando ele ouvia lobos uivando ao longe, mas nenhum parecia preocupantemente próximo de onde estavam, e não conseguia parar de pensar na história que Amália havia lhe relatado. Como ele queria ter visto acontecer! Não tinha dúvida alguma do que ela lhe dissera, mas seria fascinante ter presenciado. E agora tinham mais uma ótima história para contar a seus filhos.

Com mais alguns metros percorridos ele pode ver a entrada da cidade e os arcos de pedra de Montemor, sorrindo aliviado por finalmente estarem em casa. Mas no mesmo instante pensou em como agora parecia um pouco estranho chamar Montemor de casa depois de ter se acostumado a sua vida em Artena, e de como isso seria difícil para toda a família de Amália. De qualquer forma, estariam todos juntos agora. Por enquanto isso já era maravilhoso.

Afonso passou pela entrada e observou as ruas vazias e escuras, sem ninguém à vista. Passando pela taverna de dona Matilda percebeu que era o único lugar da cidade onde ainda havia velas acesas dentro do estabelecimento, apesar de já estar fechado, além do castelo, onde sempre havia guardas acordados durante a madrugada.

— Afonso...?

Ele parou o cavalo ao ouvir Amália chama-lo, ainda sonolenta. Se virou para vê-la e a plebeia piscou tentando se acostumar com a pouca luminosidade.

— Onde estamos?

— Em Montemor, meu amor. Acabamos de cruzar a entrada da cidade. Quase todos já dormem. E acho que é melhor assim. Veja – ele apontou a taverna de dona Matilda – Essa é taverna de dona Matilda, uma moradora antiga da cidade que conheço desde a infância, apesar de ela ainda não ser uma pessoa velha. É um dos lugares que não tive a chance de lhe apresentar quando você veio aqui da primeira vez. Sei que não é um lugar que você costuma frequentar, mas ela é uma grande amiga, uma das poucas pessoas a quem contamos detalhes sobre seu desaparecimento e que sabemos que podemos confiar de olhos fechados. É uma pessoa muito boa, ela gostaria de conhecer você.

Amália olhou para a taverna, fechada, apesar de ainda haver luz lá dentro. De fato era um local que seu pai e Tiago gostavam muito mais de frequentar do que ela e Constância, mas ficou feliz por Afonso já lhe apresentar uma coisa boa ao chegarem no reino, quem sabe uma futura amiga. Não seria fácil chamar Montemor de casa, mesmo que fosse apenas por enquanto, e Amália apreciava que ele tentasse suavizar o processo para ela. Por fim, sorriu. Tinha um bom pressentimento sobre a mulher.

— Eu pressinto que ficarei feliz em conhece-la.

— Poderemos vir aqui quando resolvermos tudo. Agora vamos pra casa. Os próximos dias serão um pouco agitados.

— Eu imagino. Virgílio está mesmo aqui?

— Sim, mas se ele encostar um dedo em você, vai se arrepender pro resto da vida. Pensaremos nisso amanhã. Agora, vamos pra casa, encontrar nossa família – ele sorriu, satisfeito ao vê-la abrir um enorme sorriso, e fez o cavalo andar novamente.

Até o animal parecia ansioso para chegar em casa e descansar, pois de repente seu ritmo que vinha mais lento acelerou um pouco e ele pareceu mais animado e feliz. Afonso sorriu, sentindo-se em paz. Passando pela feira no centro da cidade, ela percebeu pelas barracas dispostas ali, adentraram a área onde estava a nova casa dos Giordano, algumas ruas depois da feira. Amália sentou-se, olhando em volta com curiosidade e tentando deduzir aonde exatamente estavam indo, até que pararam em frente a uma casa. Ao invés da floresta e das árvores como em Artena, havia outras casas mais próximas, e Amália se perguntou como seria ter vizinhos. Não achava que o povo de Montemor se entenderia tão bem e tão fácil com o de Artena tão rapidamente, não todos ao menos, mas talvez no futuro não fosse ruim ter mais pessoas por perto. A casa aparentava ser do mesmo tamanho da que tinham em Artena, talvez um pouco menor, com uma espécie de terraço na frente, onde ela reconheceu a carroça deles e outras coisas.

— É aqui?

— Sim.

Afonso desceu e depois a pegou no colo por cima da carroça, colocando-a com cuidado no chão. Os dois soltaram o cavalo e cuidaram dele, deixando-o junto ao outro animal que tinham num pequeno estábulo junto à casa. Então guardaram a carroça e Afonso recolheu as ferramentas e roupas que haviam trazido, em seguida se encaminhando com Amália para a porta de entrada. A casa estava fechada e escura, e por um instante os dois apenas encararam a porta, antes de olhar um para o outro.

— Como meus pais estão?

— Muito tristes, não foi só uma vez que vi sua mãe chorar. Seu pai mal fala, mas nós dois sabemos como ele também deve estar preocupado com você. Diana ainda se culpa e Tiago anda estressado. Levi também. Ele também se culpa pela morte da mãe.

Amália assentiu com tristeza.

— Quem diria que a dor da guerra seria nublada por tudo isso... Por minha causa.

— Porque você importa muito mais pra todos nós do que qualquer coisa que tenha acontecido. Quando você sumiu, parece que uma luz se apagou entre nós, Amália. Mas finalmente vai acender de novo. E nenhum de nós quer que você se culpe por isso, ou Diana. Nenhuma de vocês duas tem culpa da guerra.

Os olhos da plebeia lacrimejaram e ela sorriu. Sempre fora emocional, e talvez a gravidez estivesse intensificando isso, mas não se importava. Era bom ouvir dele o quanto era amada, por mais que ela já soubesse.

— Então vamos acendê-la já. Abra logo essa porta.

Afonso sorriu e pegou a chave num dos bolsos, destrancando a porta o mais silenciosamente possível, não querendo que fossem confundidos com ladrões no meio da noite. Os dois entraram e ele largou o que carregava no que podia enxergar do contorno da mesa e imediatamente acendeu as velas dos castiçais em volta. Amália trancou a porta por dentro e observou a casa, descobrindo que as casas dos plebeus de Montemor praticamente não tinham diferença das de Artena, isso a fez sorrir ao sentir algo familiar. Estava para questionar Afonso sobre o que deveriam fazer agora quando ouviram passos vacilantes e Levi, usando roupas de dormir, entrou na cozinha, respirando pesadamente e de olhos arregalados, deviam tê-lo assustado.

O menino respirou fundo e aos poucos sua expressão se acalmou. Ele piscou algumas vezes, parecendo finalmente acordar, então olhou espantado para Amália, depois para a gravidez evidente, depois para Afonso.

— Afonso... – ele sussurrou – Amália... – falou mais alto – Afonso! – Gritou sem pensar, se atirando nos braços do ferreiro, que riu ao segurar o menino.

Amália não conseguiu conter um sorriso com a cena, e logo percebeu que o grito de Levi acordara todos na casa, e em segundos Constância, Martinho, Tiago e Diana estavam na cozinha, todos com exatamente a mesma expressão de Levi quando os viu, todos também trajando roupas de dormir, e todos olhando para Amália. Constância perdeu o fôlego e a fala, e teria encontrado o chão se Martinho não a segurasse a levasse para se sentar numa das cadeiras da cozinha. Todos eles pareciam querer chorar, mas Diana reagiu antes de qualquer pessoa, confirmando o que Afonso dissera sobre ela se culpar por seu desaparecimento.

— Amália!! – A amiga atravessou a distância entre elas e a abraçou com força, imediatamente começando a chorar.

Amália a retribuiu, agora também perdendo a batalha para as lágrimas, especialmente quando Tiago se juntou ao abraçou e beijou seu rosto. Não sabia quanto tempo ficaram assim, mas foi bastante, e a plebeia estava tão feliz e grata por isso. Quando se afastaram, finalmente sua mãe a abraçou aos prantos. Amália fechou os olhos, a apertando firme, e sentindo o coração explodir em emoção quando seu pai abraçou as duas. E assim choraram juntos por bons minutos até todos na casa se acalmarem.

— Finalmente esse tormento acabou! – Constância falou – Muito obrigada, meu filho, obrigada! – Ela repetia abraçando Afonso – E nosso neto está vivo! Vivo, Martinho! Agora temos os dois em segurança! – Ela disse com uma alegria que Amália não via em seus olhos desde quando haviam descoberto que ela estava grávida.

Todos eles se sentaram para conversar, e olhando para Levi, Amália viu a surpresa em seus olhos por ser considerado de tal forma por Constância, depois confusão, e depois alegria. Seria difícil para ele se adaptar, mas ela queria acreditar que todos ficariam bem, queria que ele se sentisse como parte deles.

— Eu sabia que você ia trazê-la de volta – Tiago falou para Afonso – Minha irmã, essa casa não é a mesma sem você.

— Isso faz eu me sentir uma abençoada, apesar da guerra – Diana começou – Você voltou... Com sua memória, e com o bebê – falou abraçando novamente Amália, que estava sentada ao seu lado, rindo junto com ela – Espera... Você lembra do Afonso, não lembra...?

Amália respondeu encarando o ferreiro que estava sentado de seu outro lado, e já sorria para ela. Afonso se inclinou e a beijou, sem que se importassem com a presença dos outros ali ou as exclamações de alegria e comemoração.

— Agora sim! Amanhã posso ir buscar madeira pra fazer o berço. Logo vão precisar – Martinho falou, fazendo todos rirem.

— Papai, ainda temos quatro meses pela frente.

— Mas não é só um berço que precisamos improvisar. Você precisa já providenciar roupas pro nosso neto, preparar o quarto de vocês, conversar com sua mãe pra saber tudo que precisa sobre um recém-nascido, e outras coisas.

— Assim parece que quem vai ter o bebê é você – Constância comentou, levantando uma nova onda de risadas, apesar de tentarem seu melhor para serem discretos e não acordar os vizinhos.

— Amália, esse é o vestido de Perla? – Diana reconheceu.

— Sim. Nós estivemos em Artena. E me lembrei que talvez Perla ainda tivesse uma dessas roupas e a tivesse deixado em casa quando foi embora. Então fomos até lá.

— Depois que você se reestabelecer podemos ir à feira procurar roupas. Você vai precisar – Diana disse.

— É uma boa ideia – Constância concordou.

— Eu já vou providenciar o primeiro arco e flecha dele, ou dela, pra ensiná-lo assim que ele crescer.

— Tiago, ele ainda nem nasceu – Amália riu.

— Podemos e vamos conversar melhor amanhã – Constância falou – Então vocês podem nos contar onde estiveram, onde Amália esteve todo esse tempo, como a encontrou, tudo que aconteceu... Agora devem dormir e descansar. Esse bebê precisa de uma mãe saudável.

— Constância tem razão – Martinho concordou – Melhor irmos todos dormir porque assunto pra conversa não vai faltar de manhã. E já é muito tarde, Amália e o bebê precisam dormir.

— Eu dormi por um bom tempo na viagem, meu pai. Mas confesso que não dispenso finalmente poder dormir em casa com todos vocês. E tem razão, temos muita história pra contar amanhã.

Pouco tempo depois só restavam Afonso, Amalia, Levi e Constância na cozinha. O menino se mantinha quieto e tímido, não falando muito com nenhum deles ainda, mas se voltou para o casal antes de retornar a seu quarto.

— Amália...?

— Sim, Levi? – Ela sorriu para ele.

— Que bom que você tá de volta – ele sorriu timidamente.

Amália retribuiu e repousou uma mão em seu ombro, beijando os cabelos negros do menino com carinho. Eles também tinham tanto a conversar. Ela duvidava que Levi fosse aceita-la como mãe rapidamente, e nem queria que ele se sentisse pressionado, devia estar com ainda mais traumas do que todos eles.

— Boa noite – ele disse.

— Boa noite – os três adultos responderam enquanto ele seguia para seu quarto.

— Vocês dois precisam de algo antes de dormir? O quarto está pronto. Eu o arrumei todos os dias esperando vocês.

— Não, mamãe. Só vamos tomar banho e dormir. Parece que saímos de um pesadelo, e finalmente podemos descansar.

— Não hesitem em me chamar se precisarem de qualquer coisa.

— Dona Constância, a senhora também sofreu muito com tudo isso e deve descansar. Nós ficaremos bem.

— Tudo bem – ela sorriu parecendo aliviada – Então irei dormir.

— Mamãe, espere! – Amália pediu.

A plebeia segurou a mão da mãe quando ela fez menção de se retirar de volta ao quarto, levando-a até a barriga, e o olhar da mulher mais velha se encheu de expectativa até ela abrir um enorme sorriso ao sentir o movimento do bebê e ficar sem palavras, apenas conseguindo abraçar a filha e o genro novamente.

— Que esse seja o primeiro de muitos – ela falou emocionada – Graças a Deus estão em casa.

Ela se despediu dos dois e se recolheu para dormir. Amália se virou para o marido e o enlaçou pelo pescoço, trocando um beijo com ele enquanto Afonso a segurava pela cintura.

— Vamos logo, você é quem mais precisa dormir agora – Amália lhe disse.

Afonso a beijou e se ajoelhou a sua frente para beijar sua barriga, fazendo-a sorrir. Então os dois foram ao quarto buscar roupas limpas e tomaram banho sem demora, realmente querendo descansar e recuperar as forças para o dia seguinte. Amália demorou um pouco para pegar no sono, curiosa em observar o quarto, embora não fosse tão diferente do de Artena.

— Eu te amo – Afonso sussurrou, a trazendo e volta de seus devaneios.

— Eu também. E nunca mais esquecerei disso.


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