Capítulo 2 – Você me fez amar a chuva

                - Nada te atinge? Nada?

                Amália riu quando ele a ergueu e girou com ela debaixo da chuva, a beijando em seguida. E a plebeia estaria feliz se o tempo congelasse para sempre naquele momento. Os trovões gritaram no céu e eles pararam o beijo, olhando para cima. Afonso a colocou no chão e trocaram um sorriso, se beijando uma última vez antes de continuarem a caminhada que havia se transformado no passeio mais divertido e memorável da vida dos dois. Pararam embaixo de uma árvore quando a chuva ficou ainda mais forte. Afonso se apoiou no tronco e a abraçou pelas costas. Amália repousou a mão sobre uma das dele.

                - Já andou na chuva antes? – Ele perguntou.

                - Já. Algumas vezes por vontade própria, em outras foi de repente como hoje. E você?

                - Já. Mas já faz muito tempo da última vez. Especialmente depois que a chuva se tornou escassa em Montemor.

                - Eu sinto muito... Espero que isso se resolva logo.

                Afonso beijou seu rosto, e Amália se virou para ele.

                - Quando chover em Montemor, podíamos repetir o passeio – ele disse sorrindo.

                - Vai ser um prazer – a plebeia respondeu antes de beijá-lo.

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                Aquele dia era um dos que Afonso queria repetir com ela, os dois queriam caminhar na chuva outra vez quando voltasse a chover em Montemor. Mas tudo agora estava tão longe, arrancado dele como se todo o mundo tramasse para sua infelicidade.  Ao mesmo tempo ele tinha tanta sorte. Amália havia escapado por muito pouco de perder o bebê ou embarcar em uma gravidez de risco no momento do acidente. Diana conseguiu segurá-la e evitar a pior parte do impacto, embora tivesse caído junto e se machucado um pouco. Afonso e o restante da família já tinham lhe agradecido mil vezes. Mas as memórias se foram, Amália tinha batido a cabeça durante a queda do telhado. Ela não teve ferimentos, mas suas memórias se foram.

                Nem o brilho intenso das estrelas naquela noite podia confortá-lo. Ela deveria estar ali bem ao seu lado, deitada em seu ombro, falando sobre o quanto as estrelas são misteriosas e bonitas, falando sobre o filho deles e o quanto estavam felizes. Ela tinha ido passear com Virgílio aquela tarde, ainda pensava ser noiva dele. Fora um dos dias mais dolorosos da vida de Afonso. Como ele ia impedir? Amália estava irredutível, e até agressiva com ele. Mesmo toda sua família lhe alertando sobre como Virgílio era de má índole, ela ignorou, como se estivesse enfeitiçada.

Ao menos ela estava bem com o bebê. Apesar do susto de saber que estava grávida de alguém de quem não se lembrava, ela queria proteger o bebê, tinha mentido para Virgílio, dito que o perdera. Talvez isso fosse um bom sinal, em algum lugar do coração ela sabia que havia algo errado em tudo isso. Agora ela estava chorando. Afonso sabia porque a janela do quarto deles, bem atrás dele, estava aberta, e podia ouvir parte do que ela e Constância conversavam. E só Deus sabia o quanto ele queria correr para dentro e abraçá-la até ela se acalmar em seu abraço. Sentiu suas próprias lágrimas rolarem por seu rosto e olhou para o lado, unindo todas as suas forças para não ir até Amália. Ele precisava sair de perto daquela janela. Olhando para o céu mais uma vez, viu uma estrela cair como no dia em que os dois sentaram e conversaram observando a noite, pouco tempo depois de se conhecerem. Ele não sabia se as estrelas podiam realmente realizar desejos, mas tudo que queria era Amália de volta, bem, e ao seu lado. Levantou-se e seguiu para longe da janela, indo deitar-se por alguns minutos na carroça para afastar as lágrimas antes de entrar para dormir, dessa vez sozinho.

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— Afonso...

Ele abriu os olhos quando o sussurro chegou a seus ouvidos, e sentou-se.

— Vamos entrar, meu filho. É muito frio e desconfortável dormir aqui fora – Constância lhe disse repousando a mão em seu braço.

Ele tinha certeza que ela podia perceber que ele havia chorado, mas a mulher não comentou nada a respeito. Desceu de onde estava e parou na frente dela.

— Como Amália está?

— Inconsolável. Confusa.

— Por favor, não me esconda nada.

A mais velha pareceu pensar por algum tempo, e tornou a falar.

— Continua pensando que é noiva de Virgílio, mas sente que há algo errado. E está irritada por não conseguir se lembrar porque.

— E nosso filho?

— Ela não entende porque está grávida, e parece que às vezes nem acredita. Afinal não é evidente ainda. Mas mentiu pro Virgílio, disse que perdeu o bebê.

— Prudente. Não se sabe o que ele seria capaz de fazer.

— É o que ela pensou. Disse que teve um mau pressentimento, e mentiu sem pensar. Ela ainda quer esse filho, apesar de não se lembrar de nada.

— Mesmo sem memória ela ainda protege quem ama – ele sorriu.

— Apesar de Amália ser independente, ousada e até teimosa, sempre achei que ela seria uma grande mãe pros meus netos, e vejo que não me enganei.

— Com uma mãe que a ama tanto e a criou tão bem não podia ser diferente.

Constância sorriu.

— Nada que façamos garante que nossos filhos serão como nós, mas tentamos sempre o melhor que podemos. Nós vamos resolver isso, Afonso. De maneira alguma permitiremos que Virgílio chegue perto de nosso neto, ou faça algo a ele ou a qualquer um de nós, incluindo você.

Constância afagou seu cabelo e o puxou para um abraço.

— Tudo vai ficar bem – ela disse.

Afonso beijou o rosto de sua sogra e os dois se afastaram com um sorriso, então caminharam para dentro da casa. Tiago e Martinho já estavam em seus quartos.

— Tiago vinha chamá-lo, mas eu queria falar com você, então o mandei dormir. Amália está dormindo e não vai acordar tão cedo depois de toda a energia que gastou. Venha vê-la – a mulher disse baixinho.

O ex-príncipe ficou receoso de entrar no quarto. Amália poderia ter outro surto de raiva ao vê-lo, mas Constância estava certa. A jovem dormia profundamente, as poucas velas acesas iluminavam seu rosto e faziam o cabelo ruivo brilhar. Afonso sentou cautelosamente ao lado dela.

— Me chame se ela acordar.

Afonso pegou a mão da sogra e beijou no mais profundo agradecimento.

— Muito obrigado, Constância.

— Ela não podia estar em melhores mãos que as suas.

Os dois trocaram um sorriso antes dela se retirar para o próprio quarto. Afonso estendeu a mão para afagar o cabelo longo da esposa. Seu coração apertou ao vê-la sem aliança. Amália tinha tirado mais cedo, e ele havia guardado. E lutaria para devolver a ela o mais rápido possível.

— Eu juro que eu vou trazer você de volta.

Sua mão deslizou para a barriga da ruiva, e agradeceu mentalmente aos céus por seu filho estar seguro, ao menos por enquanto. Se inclinou para beijar a testa de Amália.

— Eu te amo – sussurrou ainda próximo ao rosto dela.

Só saiu do quarto quando de fato não podia mais ficar acordado. Ainda precisaria trabalhar na manhã seguinte. Quando levantou ouviu a chuva começar a bater na janela, agora fechada. E ele deveria agora estar abraçado com ela, feliz com o som reconfortante da chuva, se estivesse acordado para ouvir. Como sua avó, Afonso gostava de sentar em algum lugar e só ouvir o som a chuva cair de vez em quando, ou observá-la através de alguma janela. Mas Amália o fizera amar a chuva. Depois daquele dia ele pensou que todos os dias de chuva em sua vida poderiam ser felizes. Mas o destino não negocia com ninguém.