Todo mundo precisa de Amora escrita por Dan Livier


Capítulo 1
Capítulo 1 - O rapaz sem Amor




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O céu estava lindo o que parecia ironia para aquele dia na cidade dada às circunstâncias em que se encontrava, a população mobilizada pelo triste acontecimento parecia ter sido pega de surpresa pelo que poderia se comparar a consequências de um desastre natural, tal catástrofe afetou uma só família, a pequena linhagem dos Davis, porém comoveu todos os cidadãos de Céu azul, a mais pequena de todas cidades daquela região. O clima fresco e a claridade do sol amenizava emocionalmente a cerimônia de forma sutil e diferente do que se vê em filmes dramáticos os pingos de chuva que servem de disfarce para os convidados mais chorosos foram substituídos por raios solares e eles não desempenhavam muito bem este papel dando ênfase a cada gota de lágrima produzida fazendo-a brilhar como uma estrela antiga com pouca luminosidade, mas não passando por despercebida na abóbada celeste por um olhar criterioso, neste caso o de John Williams. O local estava exalando vida, apesar de haver corpos em estado de putrefação enterrados a pouco metros do chão  a superfície com um certo verde clorofílico e alimentada pelo processo fotossintético criava um ecossistema favorável para pequenos insetos que em menor parte faziam manobras aleatórias no ar aproveitando a falta da ventania enquanto a maioria por não possuir asas buscavam esconderijo se arrastando entre o gramado irregular periodicamente cuidado. Havia beleza em como as lápides enfileiradas propositadamente em espaços intercalados demonstravam o zelo pelos mortos, algumas mais altas que outras, feitas com materiais mais nobres, com formatos peculiares ou tendo escritas bem trabalhadas e isso se juntava em homogeneidade transformando em um lugar aconchegante. O reverendo com suas vestes tradicionais no tom escuro elevava a voz e falava palavras de conforto que vinham de passagens bíblicas comparando a vida de pessoas de alguns milênios atrás com as atuais e todos escutavam atenciosos, pois a esperança tão minuciosamente explicada aquecia bons sentimentos aos ouvintes, pois independente da religião a mutualidade e necessidade do próximo se fazia importante naquele triste momento. As crianças não compreendiam muito bem o que era tudo aquilo, mas se dispunham a ficarem caladas e quase imóveis, pois havia um senso maior de obediência naquela manhã, algo que não se via nas aulas de Artes da senhora Davis, esses mesmos alunos interrompiam alguma parte histórica da oratória com o penoso trabalho de aquietá-los para retomar atenção de todos aos fatos narrados ou separar fisicamente cada foco de briga surgindo, “elas se calaram, elas entendem minha dor”, pensava a professora refletindo o porquê de não entenderem a angústia que havia também em não ser escutada. Os colegas de trabalho de Molly Davis tinham presença em peso, talvez alguns aproveitando o dia de folga escolheram utilizar o tempo com outras tarefas, apesar de que a grande quantidade do corpo docente da Escola Municipal de Céu Azul naquele local demonstrava o grande respeito que os educadores nutriam por  ela, especialmente Lisa Francis que foi acolhida nos primeiros meses na cidade pelos Davis, sem trabalho e expulsa do lar por ter engravidado sem ter se casado, com esse tempo conseguiu se reestruturar e concluir o último período da faculdade obtendo seu primeiro emprego como professora de matemática, devia muito a amiga inclusive aos primeiros anos quando Molly abdicou do trabalho para cuidar de seu filho enquanto ela lecionava cálculos. O prefeito com todo sua dificuldade física, fruto de uma velhice obtida por uma juventude descontrolada no alcoolismo se dispôs a proferir algumas condolências dizendo o histórico da família e suas contribuições para o bem estar social pois o escritor Robert Davis criara um acervo cultural enorme além de retratar a cidade em suas obras como um lugar pacífico e intocado pelas guerras e diferenças étnica e política, da mesma forma sua esposa já vinha contribuindo com a educação infantil mediando o mundo artístico para as jovens mentes e por último a falecida Claire Davis que mal recebera seu diploma em Psicologia não pode exercitar sua desejada profissão, houve um minuto de silêncio.

Claire fora uma boa filha nas recordações de Molly, talvez fosse o amor da mãe que a transformava  em um exemplo a ser seguido ou de fato se tornara um padrão de filho ideal, nunca desobedecera a ponto de sair escondida nas noites de festas em contraponto pedia autorização dos pais a qualquer saída que tivesse retorno após as dez da noite, nunca a desonrara com má reputação entre os moradores da cidade  já que a futrica alimentava as notícias diárias de forma mais viral que a imprensa local, não era de ter relacionamentos casuais tendo a fama de ser um dos melhores partidos da cidade. Fora uma moça muito bem educada e aluna com médias elevadas, altas bastante para entrar na Faculdade Metropolitana e adquirir conhecimento para se tornar uma psicóloga renomada, nos planos da recém-formada a especialização viria pouco tempo depois de alugar seu escritório e atender seus primeiros pacientes, se manteria independente e poderia ser dona de si mesma impondo suas próprias regras, teria condições para viajar e conhecer o mundo, pessoas e culturas diferentes, seria livre. Nos últimos anos de sua graduação a comunicação com Molly se mostrou dificultada pelos prazos curtos dos projetos e trabalhos de conclusão de curso, a agenda dela era de certa forma um emaranhado de cores com diagramas que representavam o que devia ser feito ou adiado para o dia seguinte, semana ou outro espaço curto de tempo, a cor azul era para a vida pessoal, ir  ao supermercado, fazer compras ou consultar algum médico, a verde encontros ou reuniões de grupos, em vermelho era todo tipo de ação que requeria urgência, o curioso é que todos os dias a obrigação de falar ao telefone reportando seu itinerário diário a família indicado pela escrita na cor roxa sublinhada de forma tracejada era empurrada para frente. A menina também tinha maestria na escrita e por muitas vezes desejou seguir a carreira do pai que a apoiava corrigindo seus textos desde que ela começou a escrever, mas quanto mais chegava o estudo superior a paixão pela psicologia aumentava deixando de lado os romances aventurescos lidos depois de um dia nas livrarias e sua participação na comunidade virtual de EH (Escritores por Hobby), com isso o contato o velho Robert reduziu transformando a tutela intelectual por uma paternidade pouco participativa o que resultou em um laço familiar fragilizado pela visitas mecânicas nos finais de semana, contudo se a carreira da filha era o que ela escolheu sem nenhuma pressão ele estava feliz. Como uma boa cidadã Claire atuaria parcialmente no serviço social, aconselhando principalmente jovens de baixa renda com alto risco de marginalidade, consciência adquirida com sua vida na metrópole onde a desigualdade social e a diversidade de grupos estão mais definidas, algo que em Céu Azul por ter uma cultura de boa vizinhança e construída basicamente por famílias amigas ainda não sofria com problemas na segurança pública, saúde ou educação. Depois das palavras de alguns familiares que voltavam a afirmar a excelente pessoa de Claire Davis era a vez de Molly se despedir de sua amada filha.

 

— Todos estão sentindo a dor… foi uma perda muito grande para todos - dizia com a voz rouca e fraca, consequência de  horas prolongadas de choro - Mas para mim… para uma mãe a dor é imensa e nenhum de vocês conseguem sentir o que sinto agora. Foi um acidente, mas eu não consigo imaginar por que ela cometeria tal erro… - a pausa se converteu em lágrimas - Foi uma tragédia, ela não poderia… - Robert tentou consolá-la e envolvendo-a em um longo abraço.

— Minha mulher não tem a condição de continuar o enterro podemos terminar o mais rápido possível? - sugeriu o marido.

 

Todas as ações foram executadas rapidamente a partir daquele momento, pois o sofrimento de Molly acrescia a cada instante e todos por uma respeitável consideração seguia a ordem de Robert. O caixão começou a descer lentamente e os mais próximos a Claire formavam um círculo em volta na esperança de sentir a sua presença pela última vez, foi a vez do Sr. Davis cair em pranto, já não tinha forças para conter suas emoções pelo fato de que sua única filha abraçou a morte precocemente. Havia uma família que assistira todo o enterro de forma passiva e retraída que possuía dois membros apenas, os Williams.

 

— Eu não entendo o porquê de haver uma cerimônia para celebrar a morte de alguém. - disse John com uma tonalidade de voz neutra.

— Eles não estão celebrando John, estão se despedindo. – corrigiu Emily tentando esclarecer ao filho.

— Mas eu me despedi dela ontem e é válido como despedida. Ela não queria ir, mas no fim ela decidiu partir.

— Às vezes eu me entristeço pela sua incapacidade em sentir empatia. - Emily agora enxugava as lágrimas, pois via a naturalidade de seu filho tratar a situação - Vocês eram tão próximos e me parece que está fazendo da mesma forma quando a Daisy se foi, você não tem coração?

— Com a Daisy foi diferente… - o rapaz parou por um momento como se tivesse lembrado de algo importante - ela era minha irmã. A Claire era uma conhecida minha e tinha extrema curiosidade sobre a minha incapacidade do que ela dizia: amar. Ela se foi e não posso fazer nada por isso, agora não serei como estas pessoas que ficam remoendo emoções pela perda e que por profunda tristeza não conseguem viver suas vidas, depressivas e angustiadas.

— Eu não sei porque lhe trouxe aqui.

— Acho que viria da mesma forma Emily, - a senhora esboçou surpresa - De alguma maneira me sinto obrigado a vir, mesmo não entendendo o tudo isso. - falava apontando para  as pessoas que começavam uma por uma jogar um punhado de terra na cova onde o caixão já encontrara o fundo da cova.

 

Molly avistou John e Emily Williams e sentiu uma vontade enorme de conversar com o melhor amigo de sua filha. Se houvera realmente algo em que Claire gostava de retratar a sua mãe era a amizade que fizera com o aluno de Ciências da Computação durante sua graduação, ela tinha o encontrado pela sua má fama de ser frio e sem sentimentos, mas isto não a impediu de abordar o que era conhecido como “o rapaz sem amor”, pois dizia ele nunca amar ninguém inclusive sua mãe. Lentamente eles se aproximaram e a amizade estranhamente aconteceu por tamanha insistência da aluna de psicologia, Molly chegou opinar sobre o tal relacionamento sendo que não confiava na credibilidade do jovem por ter uma família totalmente conturbada, em destaque seu pai alcoólatra e agressivo, mas em rebeldia a menina teimava em manter contato com John dizendo ser objeto de estudo e que sua mente era única e precisava ser desvendada, por três meses de relutância os dois conseguiram o alvará de amigos depois de uma visita a casa da família Williams.

 

— John, Emily. Eu não sabia que viriam - disse Molly.

— Eu perguntei a ele se queria vir e ele se dispôs a me acompanhar. Por favor nós o conhecemos então não faça perguntas.

— Acho que ele responde por ele mesmo, não é John? - o garoto consentiu com a cabeça - Você era muito amigo dela?

— Andávamos juntos e ela chamava isto de amizade. - corrigiu o garoto estando com a mesma expressão facial que ela sempre vira nele, indiferente.

— Estou curiosa com algo, você a viu pela última vez? Por que as amigas dela me disse que você a levou pra casa, você fez isso?

— Sim.

— Acho bom parar por aqui. Vamos John. - Emily não gostou do caminho que a conversa estava indo.

— Ela já estava bêbada?

— Se a sua pergunta inclui um quando, ela estava bêbada desde a festa e eu me prontifiquei a levá-la para casa. - o rosto ainda continuava da mesma forma numa negra seriedade.

— É sério, é melhor… - a Srª Williams já demonstrava preocupação.

— Emily eu só quero esclarecer o que aconteceu com minha filha, será que eu não posso entender por que ela dirigiu embriagada? Me diga John por que você não a levou para casa?

— Ela me pediu para levar para minha casa então eu dirigir o carro dela até lá.

— E o que aconteceu?

— Ela tentou me beijar e eu perguntei porquê?

— Por que você fez isso? - o tom em que Molly falou foi alto suficiente para que todos voltassem a atenção para o diálogo do dois.

— Quieto John, não fala nada. Vamos sair daqui. - Emily pegara o braço esquerdo do filho mas antes que pudesse puxar a professora de Artes o segurava pelo direito assim como alunos do segundo ano disputavam um brinquedo em meio a cabo de força.

— Eu falei que não fazia sentido nos beijar por que só casal fazia isso. Então ela disse que me amava e eu respondi que não era recíproco como para o resto do mundo sendo que ela conhecia a minha condição, numa reação ela me chamou de idiota e eu respondi dizendo que a idiota era ela porque eu nunca a amaria. Ela me pediu que saísse do carro, eu falei que não deixaria dirigir bêbada, ela me empurrou e foi embora. Esta foi a última vez que a vi.

— Você é um monstro sem coração! – os olhos de Molly fumegavam ódio. - Você disse coisas horríveis para ela e por isso saiu desesperada dirigindo bêbada.

— A escolha de dirigir foi dela assim como a de beber, eu não sinto nenhuma culpa.

— Como ousa falar assim? Você não dá o mínimo trabalho de derramar uma lágrima por ela? - gritou Molly já contida pelo marido. - Sua cara me dá nojo! Você nunca está feliz ou triste, você não ama e a única pessoa que te notou está morta, eu espero que morra sozinho!

— Vamos John já chega! – Emily machucava o filho na incessante luta de levá-lo para longe da confusão.

 

O pequeno aglomerado de pessoas começaram a observar a família Williams indo embora além de discutir se o amigo da Claire deveria levar a culpa. Molly bem mais equilibrada, voltava-se ao túmulo da filha e mal continha as lágrimas que pareciam ser alimentadas pelas águas dos mares. Robert um pouco mais calmo se despedia de todos os que compareceram, já não havia mais o que ser dito, a discussão tinha acabado e todo espírito de compaixão transformado em um verdadeiro debate sobre a culpabilidade de John Williams.

 

— O que acha Rob?

— Eu não acho que o garoto tem culpa, ele é estranho.

— E de quem seria a culpa?

— Talvez minha de tê-la deixado se relacionar com o sujeito. - Robert colocou a mão no ombro de Molly e permaneceu em silêncio por minutos.

 

...

 

— Não foi bom ter ido lá. - esclareceu Emilly ao sentar no sofá da casa. - A discussão foi horrível e você devia saber quando calar.

— Eu realmente queria entender o que os sentimentos influenciam no pensamento humano, eu só disse fatos e a Srª Davis se desestabilizou emocionalmente. – John permanecia em pé na frente de uma mesa de centro com a madeira bem gasta e que por muito anos pertenceu a família.

— Eu não culpo você John, por que te conheço e te criei e desejo que ao analisar melhor o que aconteceu naquela noite não venha a se arrepender.

— Pra eu ter que arrepender teria que sentir algo, mas eu não sinto, você deveria entender Emily.

— Eu não gosto que me chame de Emily. Eu sou sua mãe - o instinto maternal floresceu na mulher - e muito menos Srª Williams.

— Você sabe muito bem que mãe é um nome dado a progenitora pelos filhos pela afeição que eles têm por ela e convenhamos eu não tenho. – ele se agachou para ver a degradação do móvel antigo pois lhe despertou recordações.

— Eu não tiro a razão da Molly te achar um monstro.

— Aprendemos a conviver com monstros assim como você aprendeu… - antes que pudesse completar a frase foi atingido por um tapa.

— Não ouse falar mais nada!

— Não falarei mais nada, e também não tenho ressentimentos por isso. - era hora de obedecer sua mãe, por que a conversa tinha partido para agressões e ele passou uma boa época de sua vida presenciando tais atos - Vou para o quarto, desço na hora do jantar. Amanhã parto para Rosefield.

 

Emily ficou sentada, relembrando o passado. Será que o seu filho era assim por tudo que passara? Será que seu marido tinha uma grande parcela da culpa? Os pensamentos mudaram de foco e pararam em Daisy, irmã mais nova do John, ela também sofrera e por não ter a particularidade do irmão não resistiu ao ambiente familiar. Depois de minutos refletindo ela compreendeu, fora muito melhor para o menino não ter nenhum sentimento do que sofrer durante a infância.


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