Sabrina vai até minha casa depois que ligo avisando o que havia acontecido com Jungkook. Ela chega em poucos minutos, acompanhada de Jimin. Mesmo estando bravo por ela ter mentido sobre a saúde da minha mãe, eu não sabia com quem mais eu poderia contar nessa situação.

— Vamos chamar a polícia! — ela exclama.

— Não podemos, Tales é filho do prefeito então ele tem influências nessa cidade também.

— Mas o Kook pode estar em perigo! — continua a garota.

— Devem ter informantes desse doido pela cidade toda, já viu a turma com quem ele anda hoje em dia? Se pedirmos ajuda pode ser que ele corra ainda mais perigo. — rebate o loiro.

— Chega! Eu não preciso que vocês fiquem discutindo em um momento como esse, eu já estou mal o suficiente... — digo depois de um tempo vendo os dois retrucando um com o outro.

— Me desculpe Bruno, você deve estar desesperado. — diz a ruiva com um tom de voz abalado.

— Você só sabe se desculpar... Mentiu pra mim! A pessoa que eu mais confiava era você sabia? Desde aquele dia que nos encontramos quando crianças, meu caminho é ligado ao seu... Eu só quero que ela melhore logo, e que Jungkook volte pra mim. — subo correndo as escadas e me tranco no quarto. Estava abalado e não conseguia pensar em mais nada.

Escuto Sabrina e Jimin conversando um pouco, antes da ruiva subir até o segundo andar e encostar-se contra a porta do meu quarto. Ela respira fundo e fica ali parada sem dizer nada por alguns minutos.

— Bruno, podemos conversar? O tempo está correndo e se quisermos achar Jungkook você precisa me ouvir.

— Como ela está? — pergunto repentinamente.

— Em estado grave, não vou mais mentir pra você. — diz logo em seguida.

— Eu não sei mais o que fazer Sabrina. — exclamo.  

— Agora você vai fazer o que sempre fez em um momento desse Bruno, desde a nossa promessa... Vai se levantar dai e agir, sem ficar se fazendo de vítima.

— Eu o perdi, e sinto que estou próximo de perder ela também.

— Acha mesmo que eles gostariam de te ver assim? Jungkook ou até mesmo sua mãe?

Nesse momento eu me levanto e destranco a porta do meu quarto, sentia que precisava dela ao meu lado, a ruiva senta em minha cama e olha diretamente nos meus olhos. Ela era a única opção que tinha nesse momento.

— Eu tenho que te contar uma coisa... — digo em súbito.

— Você tem sentimento pelo Kook, não é isso? — essa pergunta normalmente me faria gelar na hora, mas eu estava tão abalado que nem isso me afetou.

— Desde quando você sabe? — pergunto.

— Eu te disse que descobriria quem você beijou naquela maldita festa! Depois foi só ligar o quebra-cabeça. Jungkook te afeta de um jeito diferente das outras pessoas, foi fácil ver isso vendo do lado de fora. Você dava os mais verdadeiros sorrisos quando estava do lado dele, e não suportava a dor que sentia quando brigavam. Isso é algo natural para o coração que já escolheu a quem amar.

— Me desculpe. — digo repentinamente.

— Pelo que? — pergunta confusa.

— Por ser assim, por escolher um garoto para amar...  

— Bruno, acha mesmo que isso é algo para se desculpar? Que é algo de errado? Somos amigos desde que me conheço por gente, sei dos seus sentimentos por ele a muito tempo e isso não fez nossa amizade mudar, nunca vai fazer. Eu só quero te ver feliz, quero ver o meu mais novo irmão com um sorriso no rosto, estando com a pessoa que ele verdadeiramente ama.

— No começo eu achava que...

— Que seus sentimentos eram voltados para mim? — diz como se pudesse ler minha mente. — Eu também... Uma época achei que gostava de você, mas veja bem Bruno, olha como somos um com o outro. Nós mesmos nos tratamos como irmão, e agora somos de verdade, está até no papel. — essa revelação foi uma das coisas mais impactantes da minha vida, então ela também gostou de mim em algum momento de nossas vidas...

— Eu ainda não sei como aceitar meus sentimentos por ele. É tudo tão incerto. Tenho medo dos julgamentos, medo de que isso o afete de alguma maneira. E tem o fato dele ser de outro país...

— Não pense Bruno! não deve se forçar em nada, ou mudar por alguém achar isso errado. Vai aos poucos, deixe o tempo ditar as coisas.

As palavras da ruiva sempre me ajudavam a recuperar as energias. Desde nossa infância, ter ela ao meu lado sempre me fez conseguir continuar. Foi então que nesse momento absorvi tudo e percebi que talvez nosso caminho tivesse sido predestinado desde o começo... Ela perdeu a sua mãe, o meu pai me abandonou. Somos a força um do outro, talvez não fosse nosso destino ser mais do que melhores amigos, mais do que irmãos de sangue diferente.

— Obrigado, Sabrina! — digo a abraçando. a

— Me desculpe por mentir, Bruno! — ela retribui meu abraço.

No final das contas eu sabia que tudo que ela e seu pai haviam feito era para me proteger, eles nunca teriam a intenção de me magoar. Talvez essa nova família que veio tão de repente, fosse um presente da minha mãe, para que não me sentisse do modo como estava me sentindo.

— Mas o que iremos fazer Bruno? Não quero nem pensar o que aquele canalha do Tales deve estar fazendo para Jungkook. Temos que tomar uma decisão o quanto antes.

— Lembra das coisas da minha infância que eu te contei? Que Tales era meu único amigo e sempre brincávamos juntos?

— Sim, claro que eu me lembro, mas o que isso tem haver?

— O lugar Sabrina. Sempre íamos para lá aos finais de semana para ficar imaginando histórias como toda a criança gosta de fazer...

— O galpão! — ela saca rapidamente o que queria dizer.

— Sim... Eu tenho absoluta certeza que ele o levou para lá, e que isso é um desafio para mim. Agora temos que correr, tenho que salvar aquele que eu amo.

— Você vai aceitar minha ajuda?

— Para todo o sempre, irmãzinha. — finalmente consigo sorrir outra vez.

Jimin liga seu carro rapidamente, mal lembro-me de trancar a casa e pegar minhas coisas, tudo que queria era chegar logo lá e salvar o Jungkook das mãos daquele psicopata. A partir desse momento eu finalmente caio na real, eu não precisava mais de alguém como o Tales na minha vida. Antes eu era um garotinho indefeso que precisava de sua ajuda para não apanhar dos valentões na escola, mas agora eu já havia desabrochado e só dependia de mim mesmo.

— X —

Logo chegamos ao galpão abandonado — que ficava quase fora dos limites da cidade — e ainda estava do mesmo jeito desde a ultima vez que o vi, a muitos anos atrás. Ainda mantinha as ferrugens em cima da tintura azulada que descascava aos poucos e alguns buracos por onde a luz entrava e iluminava o lado de dentro. Os vidros mantinham as partes quebradas das pedras que nós jogávamos quando crianças. O portão estava aberto e nesse momento minha teoria de que eles estavam ali se confirmou.

Nos três descemos do veículo em súbito. Corremos para dentro e lá estava ele, Jungkook se encontrava amarrado em uma cadeira velha de madeira, todo sujo de sangue que escorria pelo seu corpo, desde a cabeça até os pés, e sua roupa estava completamente rasgada. Seus olhos estavam murchos e mal conseguia os manter abertos, tudo isso causado pela dor daqueles machucados.

— Eu já estava ficando indignado com a demora, meu caro amigo Bruno! — exclama uma voz que surge em meio a sombra no fim do galpão. — Se eu batesse mais nele, poderia matá-lo, ainda bem que apareceu e vejo que trouxe companhia. — ele segurava firme em um bastão de basebol com suas mãos, provavelmente era com aquilo que havia espancado o moreno.

— Tales, eu nunca vou te perdoar. Como ainda tem coragem de me chamar de amigo? — sentia nojo ao ver seu rosto.

— E você, hein? Como pode deixar esse filho da puta aqui beijar a minha garota? Grande amigão Bruno!

— Para começar foi ela que o beijou, e em segundo lugar, Lisa nem estava mais com você! Por favor abre o olho de uma vez, estou pedido numa boa. — tentava manter a calma, qualquer descuido Jungkook poderia pagar as consequências.

— Tales, para com isso, pensa em tudo que você e Bruno já passaram juntos, vocês eram melhores amigos e sempre se ajudavam. Jungkook é importante pra ele agora. — Sabrina tentava me ajudar a dialogar.

— Cala a boca seu vagabunda! — ele bufava.

—  Por favor, solte ele Tales... Solte ele. — eu implorava.

— Quero ver você ajoelhar-se diante de mim e pedir isso com clemência em seus olhos.

— Certo, eu faço! Só não o machuque mais. — eu obedeço o que ele havia me pedido.

— Por que esse bosta é tão importante pra você? Por acaso o ama? — ele ri com sarcasmo.

— Sim! É exatamente isso, eu o amo. — confesso.

— Seu baitola, de certa maneira eu já desconfiava isso. Do nada você começa a defender esse asiático com unhas e dentes, como se fosse sua esposa.

Nesse exato momento, Jimin aproveita a distração dele e se abaixa pegando uma pedra que estava no chão e começa a se aproximar de Tales aos poucos.  

— Pode me chamar do que quiser, pode me pedir o que quiser, só o solte por favor. — insisto em distraí-lo, para que o loiro pudesse agir.

— Eu não me interesso por você meu amigo, afinal quem beijou Lisa foi ele. Quem merece morrer é ele! — seu olhar era assustador.

Jimin finalmente consegue chegar perto de Tales e o acerta com a pedra que havia pego segundos antes bem em sua cabeça, graças a distração que eu havia feito com nossa conversa. O valentão cai no chão desacordado.

Rapidamente nós três desamarramos Jungkook que mal conseguia se manter acordado. Quando tiro a faixa que cobria sua boca, ele me lança um sorriso, em meio a dor que sentia, mesmo quem não conseguisse nem se mover direito, o moreno insiste em ficar olhando para mim. Eu não consigo expressar o quão doloroso foi vê-lo sofrendo daquele jeito, ver os seus machucados doía mais em mim do que nele. Tudo isso era minha culpa... Talvez se tivesse aceitado antes meus sentimentos, nada disso tivesse acontecido.

— Como você me achou? — pergunta o moreno tentando ficar de pé graças a ajuda de Jimin.

— Jungkook, eu vou te achar em qualquer lugar que você esteja! Guarde sempre essas minhas palavras. E por favor, me perdoe... Me perdoe por deixar tudo isso acontecer.

— Isso não é sua culpa. Eu... Eu estou feliz, que tenha vindo me salvar. — ele sorri, mas estava nervoso demais para que retribuísse.

Nesse momento escutamos um barulho estranho, um que até então só havia ouvido em filmes e jogos de ação. Nossos olhares de repente são voltados para a direção de onde ele vinha.

— Eu não vou deixar esse miserável sair vivo daqui! — grita Tales, que havia se levantado sem que percebêssemos.

O barulho vinha da arma que ele segurava com força e apontava para a direção do moreno. Provavelmente ele havia a pegado da terceira gaveta da escrivaninha no quarto de seu pai. Quando crianças, eu adorava explorar sua nova casa, e um dia eu me encontrei diante dessa mesma arma, que seu pai escondia caso alguém invadisse sua casa, afinal era o prefeito da cidade e muitas pessoas o odiavam por simplesmente existir.

— Tales, por favor abaixe isso. — a ruiva implora desesperada.

— Morra!

O barulho do disparo me deixa completamente atordoado, apenas um enorme zumbido me rondava de todos os lados. Vejo Sabrina correndo rápido para perto de mim, e também um sorriso horripilante vindo de Tales antes que ele fugisse do galpão ainda com a cabeça sangrando. Aquele maldito! Depois de tudo ainda corre para escapar.

— BRUNOOOO! — o grito da ruiva sempre me deixava feliz, mas desta vez não era como os outros, a entonação havia sido completamente diferente do que eu era acostumado.

Olho para baixo de repente. Vejo uma poça de sangue se formando aos poucos, minhas mãos tremiam de medo e minhas pernas estavam bambas. Meu corpo mais uma vez havia se movimentado sem que eu percebesse, e pulado na frente de Jungkook. Viro-me para o moreno que olhava sem reação para mim, e então a sinto escorrendo... No final das contas eu não consegui manter a promessa que havia feito a Sabrina anos atrás. Eu sorri para que ele não se preocupasse comigo e a lágrima simplesmente caiu.

Aquele sangue, na verdade era meu...