O que eu não te digo escrita por Lillac


Capítulo 7
Líder de torcida.


Notas iniciais do capítulo

Quem é vivo sempre aparece né? Perdão pela demora, e eu espero que gostem^^



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Sob todas as perspectivas, Annabeth Chase possuía uma característica inegável, inexpugnável e insuportável: uma mescla de arrogância e inteligência que apenas alguém extremamente seguro de si poderia ter, tamborilando nas pontas dos dedos, como se ela estivesse sempre segurando duas enormes agulhas, tracejando preguiçosamente os fios da sua vida, movendo com cautela cada peça de um enorme tabuleiro de forma que nenhum se interpusesse entre seus objetivos e aqueles tempestuosos olhos cor de mercúrio.

E, no entanto, talvez o ás da questão – a carta que faltava no baralho ou o prefácio arrancado do livro, como bem preferisse – era o fato de que ela não era tão segura assim. Sentiu os ombros ficarem tensos e a respiração presa na garganta por um milésimo de segundo quando Jason surgiu do ar ao seu lado, perguntando se ela não queria alguma coisa. Era o tipo de reação que você esperaria de alguém nervoso, incerto e inconstante. Alguém cujos medos rodopiavam em torno da possibilidade do desconhecido, do inesperado, do imprevisível. Se o fez, todavia, foi de forma tão minimalista e controlada que o garoto não notou. Jason apenas empurrou os óculos para o topo do nariz e disse que ela poderia chamar se precisasse de algo.

Não encontrava Percy em lugar nenhum. O que não poderia ser grande surpresa. Por mais que se conhecessem há tanto tempo, família era família, e, até onde seus documentos iam, Annabeth ainda era uma Chase. Não uma Jackson-Grace-di-Ângelo-Levesque-e-céus-quantos-sobrenomes-essa-família-tinha? Era comum que longínquas amizades fossem por vezes confundidas com um laço familiar, mas, se assim fosse, Leo e Piper seriam irmãos... e ninguém chegaria a essa conclusão por si próprio. Não com a forma como Afrodite o fixava toda vez que ele aparecia por------------------------------.

[Clac-clac-clac. As letras foram engolidas pela tela do computador quando ela as apagou.

Você está escrevendo do ponto de vista dela, Piper lembrou-se.

Annabeth não sabe nem quem sua mãe é].

 

...-quantos-sobrenomes-essa-família-tinha? Passavam tanto tempo juntos, que por vezes Annabeth se perguntava se Percy não sentia falta dos seus outros amigos da escola.

Parecia-lhe que não haviam nenhum ali, embora Jason e ele houvessem ido para os mesmos institutos, e, pelos cantos dos cômodos, pudesse ver um ou dois rostos desconhecido, mas que tratava o aniversariante com uma familiaridade peculiar. Seus olhos vasculhavam cada presente como se fosse capaz de abrir-lhe os crânios, e, com uma só mão, puxar seus fios de pensamentos para os ler sobre uma xícara de café fumegante em uma tarde chuvosa. Toda vez que Annabeth Chase olhava demais para alguém, um pincel era arrastado sobre a tela, tinta à óleo pintando a cena perfeita de um filme noir, momentos antes da bela e carismática protagonista descobrir o grande plano do vilão mafioso.

Ela ficou por um momento junto à sacada, com uma moça de cabelos espetados pretos, conversando baixinho. E foi então que alguém assoprou no saxofone metafórico, o vinil arranhou-se na vitrola e a fita do filme rebobinou: seus encontraram os da autora, e ela tremeu. Não por medo, longe disso, mas porque encontrava-se incapaz de crer que suas intenções seriam arruinadas tão rapidamente. Esperava ao menos alguns cinco doce minutos de esperanças infrutíferas.

— Você está sozinha? — foi a pergunta do milhão. — Achei que Reyna estivesse com você.

E como deveria a narradora deveria responder? Parecia-lhe estranhamente cruel e irônico que as coisas se desenrolassem desse modo, mas, de fato, o universo possuía uma forma brincalhona e caótica de mexer com as coisas. Possivelmente, o melhor a se fazer seria abandonar essa farsa de uma vez e deixa-la para a posterioridade. Talvez devesse tentar com Frank, ou com Mitchell – ou literalmente qualquer pessoa um pouco mais fácil de ler do que ela. Mas as palavras de Reyna ecoaram em seus ouvidos. Um desafio, então?

Um desafio, então.

Deslizou da pele de escritora para a de observadora, e, na voz mais monótona que conseguiu, como se não estivesse prestes a usar a garota sentada à sua frente como objeto de estudo, disse:

— Ela fui buscar bebidas.

— Hm — Annabeth não pareceu convencida, mas ela nunca parecia. Ali estava o quê de ambiguidade que todos admiravam, mas temiam. Não era como se alguém precisasse da aprovação de Annabeth para seguir sua vida, mas ela falava e se portava de uma forma que dava a impressão do contrário. — O que está achando da festa?

A conversa que seguiu-se não poderia ter sido mais vazia. Não apenas pelo assunto frívolo, mas porque era possível visualizar o tédio no semblante da garota, a forma como os olhos a fixavam de uma forma superficial, seus pensamentos voando para qualquer outro lugar. Mas qual? Para onde iam os questionamentos, as palavras céleres e os contradizeres de uma cabeça como aquela?

Certamente não para Piper. Mas não incomodou-se. Observar a garota distraída era uma grande fonte de detalhes. Notou a forma como Annabeth movia os músculos do maxilar enquanto pensava, a forma como a ponta esquerda da boca curvava-se para baixo quando ficava frustrada. Uma pequena parte de si fez uma nota mental para lembrar-se disso da próxima vez que fosse escrever sobre alguém pensativo....

A garota mais velha agora observava um pequena disputa com copos de bebida e bolinhas de ping-pong que tomava proporções no salão principal. Seu olhar suavizou quando viu Nico divertindo-se com um garoto de cabelos loiros bagunçados, mas voltou a ficar incerto quando um rapaz alto de cabelo cor de areia acertou o copo mais distante, marcando a maior pontuação, e comemorou audivelmente.

Olhos semicerrados, jugular trancada, e um leve tremer na mão que ela tinha apoiada na curva do outro braço. Os olhos da narradora viajaram pela postura de Annabeth, anotando cada novo pedaço de informação. Notou a forma tensa como ela apertava os calcanhares no saltinho, como sua respiração acelerou, mesmo que quase imperceptivelmente.

Também ficou sem ar. Era atingida por uma espécie de epifania, ou quase. Percebeu que, se não estivesse tão profundamente observando os movimentos de Annabeth, tudo isso teria passado percebido. Apenas o que teria visto seria uma garota distraída olhando para os amigos distraindo-se. Annabeth piscou três vezes, rapidamente, como se estivesse tirando a si mesmo de um transe. Foi tão sutil e suave que poderia parecer apenas que ela estava tirando um floco de poeira dos cílios, mas a forma como franziu o nariz denunciava-lhe.

— Está tudo bem? — questionou.

— O que você quer dizer? — respondeu ela, com outra pergunta, e outro sorrisinho.

A narradora titubeou. Não eram necessariamente amigas, eram? E Annabeth Chase parecia ser a última pessoa do mundo que gostaria de ter alguém revirando seus pensamentos através da linguagem corporal. Se dissesse alguma coisa, era muito provável que a garota se sentiria invadida e recuasse. Seu coração bateu duas vezes, forte, e nervoso, antes de responder:

— Só quis dizer que geralmente as pessoas ficam bem babacas quando bebem demais. É o caso com os seus amigos também?

Annabeth a avaliou de cima abaixo, então disse:

— Aqueles ali não são meus amigos — apontou levemente para a mesa de ping-pong. — Não mais, pelo menos.

Piper assentiu. Conseguia ouvir a forma como a voz de Annabeth soava mais áspera, mais pesada e mais contida. Não foi difícil de concluir que ela estava escondendo alguma coisa. Voltou a olhá-la com atenção. Já não olhava para a mesa dos participantes, mas seus ombros ainda estavam tensos, e seus olhos, um pouco focados demais no rosto da narradora para que essa não imediatamente adivinhasse que Annabeth estava evitando olhar para os lados.

— Eu já voltou — disse, e partiu.

De onde estava, observou a garota caminhar confiantemente até a mesa. Ou ao menos, confiantemente no exterior, se o leve tremelique nos passos fosse uma indicação de nervosismo, e a velocidade um pouco exagerada com a qual avançava – não necessariamente uma corrida, mas longe de uma simples passeata.

Alcançou o garoto dos cabelos cor de areia e segurou-o pelo pulso. Seu rosto era estranhamente familiar, mas havia qualquer coisa ali, um quê estranho, que impedia a narradora de saber exatamente quem era. Enquanto falava, os olhos de Annabeth viajaram de um canto ao outro do salão, como se procurasse por algo – alguém.

Percy?

Fosse quem fosse, não apareceu, e os dois discutiram baixinho por um momento. O garoto estava de costas para ela, mas conseguia ver a forma como as sobrancelhas de Annabeth franziam-se, quando suplicante, e sua boca movia-se mais rápido do que quando estava discutindo com o namorado. A mão que ela tinha no pulso do garoto foi ficando mais forte, até que sua unhas fincaram-se na pele e ele pestanejou.

Alguém os viu. Mas Annabeth reagiu mais rápido, deslizando os dedos do pulso para a mão, e os dois sumiram pela porta que dava para sacada, e, agora, Annabeth já não escondia o nervosismo no andar. Seguiu a silhueta com o olhar, procurando pelo par, e encontrou-os ainda discutindo atrás de um vaso de...

— Ei.

Piper quase saltou para fora da pele. Reyna tinha voltado para o lado dela, trazendo uma latinha de chá gelado. A garota a observava com um olhar curioso enquanto abria a embalagem.

— Você gosta desse, né? Vi na sua geladeira naquele dia — contou. — Como vai a “observação”?

— Ia bem, até você aparecer — brincou, pegando a lata. — Estou com dor de cabeça.

— Você quer ir para casa?

— Não — negou. — É só que... a Annabeth é difícil.

— O eufemismo do século — Reyna riu. — Mas e aí, descobriu algo?

— Bem... — Piper tomou um gole. — Annabeth cerra o maxilar quando está pensando, o que explica o porquê dela parecer sempre tão assustadora. Ela anda mais rápido quando está nervosa, e seus olhos ficam maiores quando está assustada.

— Assustada?

— Talvez não seja o melhor termo — admitiu — mas não sei de que outra forma descrever aquilo.

Reyna seguiu para onde Piper estava apontando. Os dois não haviam morrido um passo sequer, e também não havia nenhum sinal de violência iminente, mas era, ao menos para ela, óbvio quão desconfortável Annabeth estava. Começou a notar que, toda vez que a garota falava, seus joelhos se dobravam um pouco no começo da sentença...

— É melhor você não se meter nisso — Reyna avisou, mas não soava ríspido nem ameaçador. Apenas um conselho genuíno. — Vai ficar com ainda mais dor de cabeça. Por falar nisso, vem aqui.

Antes que soubesse o que estava acontecendo, Reyna tomou sua mão na dela e as duas subiram pelas escadas de ébano que davam para o andar superior. Pensou ouvir Bianca gritando “vai que é sua Piper!” mas preferiu ignorar.

— Onde nós estamos indo? — sussurrou, desesperada.

— Quarto do Jason.

Os olhos de Piper quase saltaram das órbitas, e, subitamente, o chá gelado em seu estomago parecia bem mais quente. Entraram pela terceira porta de um corredor, e Reyna deixou-a entreaberta. Era um cômodo limpo e organizado, preenchido de bandeirolas, cartazes e pôsteres de jogadores de basquete, bem como pequenas estatuetas de personagem de desenho e uma particularmente fofa almofada de Pou. Pendura da acima da cabeceira da cama de casal havia uma medalha simplória, com a fita já desgastada.

1º LUGAR do interescolar, 2014.

— O que você está fazendo?

— Procurando um remédio. Jason sempre tem por aqui... — disse Reyna, que já estava remexendo as coisas do garoto.

Uma peça de roupa que escapava do armário nítida e minimalistamente organizado chamou sua atenção, muito porque era rosa berrante. Aproximou-se como quem não quer nada, mas a garota notou seus movimentos pelo canto do olho.

— Isso é um uniforme de líder de torcida — explicou.

Piper pegou a peça nas mãos. Era uma saia-shorts, toda rosa e aparentemente muito usada. Voltou a olhar para a garota, confusa.

— É minha — respondeu a outra. — Era, quero dizer.

Piper juntou dois mais dois na cabeça e soltou a peça no chão, nervosa. Gostaria de ter pensado em algo melhor, mas o que saiu da sua boca foi:

— Vocês são PRIMOS.

— O que? — Reyna virou-se em um só ímpeto. Então, viu a expressão de Piper e desatou a rir. — Não- não, deuses, não. Jason dá aulas de graça para o time de basquete mirim da nossa antiga escola. Pedi para que ele levasse de volta, porque esse anos eles querem fazer uma versão “retro” os uniformes das líderes de torcida. É só para o alfaiate usar de modelo.

— Ah. — A boca de Piper parecia seca. — Ah, sim.

Reyna jogou uma bolinha de papel nela.

— Você é horrível.

— Ei — Piper riu. — Foi você que me arrastou para um quarto no meio de uma festa — contrapôs — e olha que nem estamos fazendo nada.

— Talvez devêssemos — a resposta a pegou tão de surpresa que Piper não conseguiu responder, então Reyna continuou — aqui! Vamos lá embaixo pegar água agora. A menos que você já queira ir para casa?

— Calma aí — Piper ergueu as mãos. — Que papo é esse de líder de torcida? Eu achei que você fosse a Senhora Artes Marciais, Boxing e Levantamento de peso.

— Nem só de alto impacto viverá a mulher — Reyna riu. — Além do mais, você pensa que ser líder de torcida é fácil? Eu argumento que é mais difícil do que ser parte dos times.

— Disso eu não tenho dúvidas. Mas como foi que você entrou em uma saia plissada rosa e tomou gosto pelos pompons?

— Você realmente focou nessa saia, hein. Tudo bem, senta aí — Reyna tomou um lugar na ponta da cama de Jason e gesticulou para Piper fizesse o mesmo — no ensino médio eu era.... bem, eu era muito afim de um dos garotos do time de basquete.

— Quem? — os olhos de Piper cintilavam.

— Ninguém — Reyna a empurrou no ombro, rindo. — E eu não podia pedir pro Jason me apresentar, porque ele estava naquela vibe super protetora. E, hã... — ela umedeceu os lábios, parecendo querer ri de novo, mas controlou-se. — Sabe o que eu disse pra Bianca sobre nunca ter brigado com a Annabeth?

— Hum?

— Não é inteiramente verdade. Ela era a garota mais inteligente da escola, mas também era uma babaca enorme. E eu vou parar por aqui, porque isso já faz quatro anos, todos nós mudamos muito e ela é minha melhor amiga — juntou as mãos no colo — mas, no primeiro ano, tudo o que eu queria era fazer ela provar um gostinho de derrota, por uma vez na vida. Então eu decidi que, se uma líder de torcida, a espécie que ela mais odiava no mundo, tirasse o primeiro lugar dela, Annabeth arrancaria os cabelos de ódio. Então, útil ao agradável, não?

— E ela arrancou?

— Como você pode ver, todos aqueles cachos ainda estão perfeitamente no lugar, então, não. Mas foi bem perto. Eu passei o ano todo quase sem falar com ninguém, nem mesmo o Nico. Ele ficou TÃO irritando comigo que deletou minha conta do WOW — Reyna limpou a garganta — não que eu jogasse. Enfim. Estava tão focada em passar da Annabeth e conseguir ficar com aquele garoto que eu, não sei, me perdi. Em algum momento parou de ser sobre realização pessoal e tornou-se só vingança. E eu nem sabia sobre o quê, especificamente. Estava acontecendo alguma coisa na vida pessoal da Annabeth, também, porque nem ela estava mais tão dedicada aos estudos, mas eu não conseguia ver isso.

“Enfim, faltando alguns dias para a colocação final do ano, Nico e Bianca me pediram para cuidar da Hazel. Ela tinha pegado um resfriado pesado, justamente no dia em que haviam marcado para desligar os aparelhos da mãe deles... a família toda estava um caco, e eu nem poderia estar com eles no hospital. Foi só então que eu notei o quão merda eu estava sendo como família. Eu queria pedir desculpas para o Nico, mas eu sabia que não era o momento então. Então eu passei a madrugada toda trocando as compressas na testa da Hazel e aferindo a temperatura dela...” Reyna pareceu pensar se deveria contar o seguinte ou não, mas por fim, continuou: “Foi quando a Annabeth bateu na porta deles. A verdade é que ela estava, de fato, lidando com problemas muito maiores do que a nossa competiçãozinha. Naquela noite, nós conversamos sobre muitas coisas... e quatro meses depois ela fez a péssima decisão de namorar meu irmão”.

— Ei! — Piper riu, cutucando-a com a ponta da bota. — Seja bacana.

— Eu tento! Bem, é isso. Eu não me arrependo de ter sido uma líder de torcida, apenas dos motivos. Mas eu bem que gostava dessa saia. Me deixava com uma bunda maior.

Piper rolou os olhos. Ela pegou a cartela de remédios, apesar de nem estar mais sentindo tanta dor, e desceu as escadas, quando enfim lembrou-se:

— Ué, e o garoto?

Reyna deu um risinho.

— Que garoto?

Annabeth a encontrou de novo tomando chá no balcão da cozinha, conversando sobre alguma coisa com Reyna. Parecia cansada, com os olhos já meio fechados, e a forma como apoiava o braço na alça da bolsa deixava claro que não queria mais fazer esforços. Apoiou-se ao lado da cunhada e suspirou:

— Detesto festas.

A narradora encostou a latinha fria entre as sobrancelhas dela.

— Somos duas. Quer um gole?

Por um segundo, pareceu-lhe que ela queria recusar, mas, por fim, deu de ombros, e aceitou, sorvendo avidamente e quase esvaziando o conteúdo. Reyna e Piper trocaram um olhar, antes de despontarem rindo.

— Mais baixo... — a garota gemeu, incomodada.

— Já está de ressaca?

— Só se ressaca mudou de nome — resmungou. — Quem convidou o Luke?

— O dono da festa — Reyna respondeu — você não deveria ter ido falar com ele.

— Não enche — disse, mas não havia agressividade em sua voz. — E Piper?

— Hum?

Annabeth tomou a latinha a agora vazia das mãos dela, e usou-a para levantar o queixo de Piper até que estivesse olhando-a nos olhos. A mais nova engoliu em seco.

— Dá próxima vez que for analisar alguém, faça isso mais discretamente — disse. — Me senti como um sapo sendo dissecado.

— Você notou?!

— Não se sinta mal — Annabeth abaixou a mão. — Teria passado despercebido por qualquer outra pessoa. Mas ninguém engana à mim.

Piper voltou a olhar para Reyna.

— Agora eu entendi. Ela pode ser babaca mesmo.

— EI! Eu deixei você me usar para... seja lá o que você está planejando. Seja mais legal.

— Sim, mas agora não adianta de nada — Piper desolou-se, apoiando a cabeça na mão. — Você estava fingindo.

— No começo, sim — admitiu. — Mas a primeira regra sobre aprender a ler pessoas é que ninguém consegue fingir tudo 100% do tempo. Sempre vai haver um quê de verdade mesmo nas mentiras mais infames. E, ainda que não, movimentos involuntários, como os músculos da face e modulação vocal são quase impossíveis de mascarar. Você só precisa aprender a ler entrelinhas. Boa sorte — e, virando-se para Reyna: — rola uma carona?

 

Sob todas as perspectivas, Annabeth Chase possuía uma característica inegável, inexpugnável e insuportável: uma mescla de arrogância e inteligência que apenas alguém extremamente seguro de si poderia ter, e, no entanto, enquanto caminhava na direção da amiga, arrastando os pés no salão, transpirava a insegurança no âmago do seu ser. Fez uma infrutífera tentava de conversação, mas seus olhos, sempre tão aguçados, continuavam sendo atraídos pela comoção que ela tentava a todo custo ignorar. Sentia os dentes doendo quando cerrava a jugular, perdida em pensamentos, a respiração acelerado sem que ela notasse, e, dando por si, já caminhava para onde o garoto alto comemorava, cada passo há um centímetro de um desequilibrar falso, os joelhos tremendo durante a jornada. Quando desapareceram por trás de um vaso de plantas, perdeu a fagulha de controle que ainda tinha, e os olhos revelavam a aflição que sentia, tomando formatos suplicantes, quase assustados. Sentia-se involuntariamente abaixando-se toda vez que começava uma sentença, como se estivesse pedindo desculpas pelo que estava dizendo, embora isso fosse o contrário do que queria...

 

 — O maxilar! — Sally riu. — Eu sempre acho que a coitada da Annabeth vai ter que usar dentaduras quando ficar mais velha por causa disso.

— Ela parece não perceber — Piper concordou.

— Todos nós temos pequenos tiques quando estamos pensando — disse, distraída arrumando as notas da garota — você morde a bochecha esquerda e olha para cima por um segundo e meio.

Piper engasgou com o ar.

— Eu o que?

— Peça para alguém te gravar e você vai perceber — Sally juntou os papeis de um amontoado e bateu-os na mesa para organizar — gosto de como os seus manuscritos são. Manuscritos bagunçados são um sinal de que você tem muitos pensamentos.

Piper conseguiu responder um “obrigada”, envergonhada.

— De toda forma, fico feliz que você tenha tomado a decisão de fazer esse desafio por conta própria. Nossa aula de observação só seria daqui há duas semanas. De novo, gosto de como você pensa.

— Aula de observação?

— Pessoas — Sally bateu com a caneta da mesa — são a coisa mais difícil de escrever. A maioria de nós baseia nossos personagens em outros personagens, o que resulta em um infinito ciclo de repetição de arquétipos pré-determinados. As pessoas são mais complexas do que personagens, por melhor escritos que forem. Por isso é importante aprender a observar para poder aprender a escrever. Pessoas são imprevisíveis, possuem sentimentos e fazem pequenos milhares de decisões dentro das suas cabeças a cada segundo. Você precisa aprender a enxergar isso no dia-a-dia — ela tomou fôlego, e então continuou: — mas começar com a Annabeth foi corajoso. Eu aprovo. Posso perguntar outra coisa?

— Claro.

— Lá na festa, você sumiu por um momento. Foi quando a Annabeth e o Luke estavam discutindo. Aconteceu alguma coisa mais interessante? E não é digno de ser escrito aqui?

Piper pensou no pequeno momento com Reyna no quarto de Jason, as conversas sobre o ensino médio e sobre descobrir ainda mais um novo lado da garota, e ponderou.

— Não sei quanto ao “mais interessante”, mas eu não me arrependo de ter sumido. E quanto à se vale a pena ou não... eu acho que, se algum dia, escrever algo sobre, vai ser muito mais do que dois parágrafos de um manuscrito.

Sally sorriu.

— Muito bem — ela já estava guardando as coisas nas pastas quando mencionou: — além do mais, a Reyna vai competir nesse fim de semana.

Piper ficou em silêncio esperando que ela continuasse. Gostaria de congratular a garota quando ela ganhasse, mas não sabia muito bem onde a Sra. Jackson queria chegar com aquilo.

— E...?

— E... — ela riu. — Que eu estou convidando. Percy pode te buscar às sete?

Oh. Piper pensou. Eu estou sendo convidada.

— Sra. Jackson, eu acho que a Reyna—

— Foi a Reyna quem pediu — interrompeu-a. — Ela pediu para o Percy, mas eu tenho certeza que aquele meu filho já esqueceu — e, como se Piper já não estivesse surtando o suficiente, continuou: — Reyna convidou você.

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, comentários são sempre apreciados! Até a próxima^^



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