O que eu não te digo escrita por Lillac


Capítulo 5
Algumas palavras bonitas


Notas iniciais do capítulo

espero que gostem!



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— Isso é invasão de propriedade

As palavras deixaram a boca de Piper antes que ela pudesse compreender o que estava dizendo. E, honestamente, se fosse qualquer outra pessoa do outro lado das portas duplas de magno da mansão McLean, ela teria dito o mesmo. Não a leve mal, Piper tentava ser uma boa pessoa, gentil e educada, e quebrar com o estereótipo de garota rica e maldosa, e com certeza não se irritaria com nenhum dos funcionários por deixar aquilo acontecer. Mas também não era de se esperar que ela estivesse exatamente de bom humor ao ser acordada em pleno nascer do sol.

— Você quer dizer isso de novo? — Percy questionou, arqueando uma sobrancelha.

De pé, com a luz do sol fraca fazendo uma aureola em torno do seu cabelo preto, Percy parecia quase fora de lugar, ainda mais considerando que do pescoço para baixo ele vestia uma camisa verde-limão e shorts cáquis. As três células de Piper que haviam herdado o gene estilista e superficial de Afrodite se espremeram em repreensão. E, no entanto, por mais atraente que o garoto estivesse, de uma forma controversa, ele nem se comparava à visão ao lado dele. Reyna tinha as mãos na cintura, bermuda legging preta que ia apenas até os joelhos, e uma regata roxa sem detalhes, o cabelo na trança usual, e Piper teve a sensação de que aquele era o estado natural da garota: como ela gostava de ser vista, e como ela deveria ser. Mais para a direita, os irmãos di Ângelo acenaram com um sinal de paz e amor cômico, acompanhados por uma garota mais baixa de pele negra que Piper ainda não conhecia, mas poderia adivinhar que muito em breve se tornaria um nome constante na sua vida.

Antes que ela pudesse dizer algo para se retratar, porém (ou ao menos decidir se queria retirar o que havia dito), Mitchell surgiu atrás dela, com a voz ainda amassada de sono:

— Pipes? Quem é?

As sobrancelhas de Reyna se franziram quase imperceptivelmente, mas Bianca abriu um sorriso de quem tinha muita besteira para falar. Piper não precisava daquilo para saber exatamente como aquela cena parecia.

— Reyna, Percy e todas as ramificações da família Jackson — ela apresentou. — Lembra? É a escritora de quem eu vivo falando.

— Hm — Mitchell murmurou distraído. Ele ainda estava esfregando um olho, vestido apenas em calções cor de rosa e uma blusa branca larga, o cabelo castanho em um vendaval. — Prazer, desconhecidos.

— Prazer, desconhecido — Percy respondeu — aliás, nem todas as ramificações. Jason e Thalia estão ocupados. E você é?

— Mitchell.

— Namorado? — o outro rapaz questionou, olhando dele para Piper.

Ela reprimiu um grunhido.

— Irmão — disse, empurrando Mitchell de volta para dentro da casa. De certa forma, ela ficou surpresa que Percy não houvera tido reação, além de um breve olhar de alívio para a irmã. Afinal, ele e Reyna eram parecidos o suficiente para serem confundidos com irmãos biológicos. Talvez houvessem muitos casos na família deles de irmãos que não eram necessariamente parecidos... como na dela. Mas Piper não pensaria naquilo àquela hora da manhã. — Entrem, eu estou me sentindo péssima deixando vocês aí fora. Mitchell, vai se trocar.

Ele bocejou em resposta. Mas Reyna disse logo em seguida:

— Não estamos aqui para conversar. Viemos para correr.

— Na mansão? — Piper torceu a boca. Estava tentando se fazer de boba, embora soubesse exatamente do que aquilo se tratava.

— No parque aqui perto — Nico ignorou seu sarcasmo. — Mas eu não recusaria um café da manhã. Principalmente de alguém que tem um chef particular.

— O chef particular não trabalha de manhã — ela informou — mas eu devo ter alguma coisa na geladeira — ela girou sobre os calcanhares e recalcou as pantufas. O grupinho a seguiu para dentro.

Nenhum deles pareceu muito impressionado pelo interior da mansão, o que não surpreendeu Piper. Sally Jackson podia ser uma mulher humilde e moderna, mas ela podia dizer pelas roupas e atitudes dos di Ângelo que aquele não era o caso deles. Piper não podia julgá-los: crescer com Afrodite lhe paparicando a cada passo também não houvera feito dela a mais centrada das pessoas, até alguns anos atrás e a fatídica amizade com um certo Leonardo Valdez.

Mitchell voltou a descer as enormes escadas de vidro, dessa vez com uma calça de moletom cinzento e uma camisa de botões de marca que estava apenas um pouco amassada demais.

— Esse é meu irmão, Mitchell — Piper sentiu-se na obrigação de ser uma boa anfitriã. — Ele está passando a semana aqui porque a mãe dele está viajando a negócios.

Percy sentou-se no banco alto da cozinha.

— A mãe de vocês?

— A mãe dele — corrigiu — a nossa mãe está viajando a negócios também, Em Milão, eu acho? Mas ela sempre está. Geralmente o meu pai “toma conta” dos enteados quando os pais deles não podem. De verdade, eles ficam comigo e com os outros funcionários, mas... — ela parou-se no meio da sentença, percebendo o quanto de informação pessoal ela estava jogando neles. — Mas enfim.

— A Pipes gosta de ser a irmãzona responsável — Mitchell riu, abrindo a geladeira. — Bem, menos com a Drew.

A garganta de Piper fechou com a menção da irmã, mas ela tentou não transparecer. Eles não precisavam ouvir aquela história. Felizmente, ele completou:

— Mas não importa, porque ela está em intercâmbio na Suíça e morando com outra irmã nossa, então elas não precisam se ver — falar de Silena sempre deixava Piper nostálgica, mas agora que revê-la significava, inevitavelmente, rever Drew também, ela transbordava de sentimentos conflitantes.

— Bem — Percy limpou a garganta — eu me chamo Percy, e essa é minha irmã — ele continuou pelas apresentações, e Piper se afastou para buscar comida, só voltando a prestar atenção quando ele chegou na última garota: — ... Hazel.

— Desculpa, eu não peguei o final.

— Hazel — a própria garota disse, em uma voz fofa, mas incrivelmente cheia de energia — irmã mais nova deles.

Os olhos de Piper foram de Nico e Bianca, quase a imagem idêntica um do outro, e então para Hazel. E de volta para eles. Realmente, ela deveria ser a última pessoa no mundo a ficar surpresa com aquele tipo de coisa. E ainda assim. Para o bem de todos, Piper era muito boa em se recuperar de choques, e ela rapidamente estendeu uma mão para a menina, que apertou amigavelmente.

— OK, mas não comam muito — Reyna avisou — não quero ninguém vomitando.

— E eu não quero correr — ela tentou não choramingar. Olhar direto para Reyna ainda a deixava meio nervosa, mas ela tentou esconder o sentimento com o seu melhor olhar pidão — eu realmente preciso?

Bianca deu uma generosa mordida em um pêssego.

— Ela disse que você prometeu.

Piper olhou para Reyna como sela houvesse acabado de chutá-la do topo de um precipício. A garota, geralmente tão séria e estoica, sorriu. E havia algo de diferente naquele sorriso também, mais quente e leve. Como se ela estivesse achando graça da resignação de Piper. Ela levantou uma mão e segurou o seu pulso, já não mais dolorido.

— Vai ficar tudo bem, Hoje todos nós vamos devagar, você não vai ter nenhum ataque cardíaco.

— A gente nem trouxe os cachorros — Nico comentou, rindo.

— OK, OK, Mas e o Mitchell? — Piper acenou freneticamente para o irmão. — Vocês não podem esperar que eu simplesmente deixe meu irmãozinho aqui.

— Eu não importo de ir com vocês — ele deu de ombros — se você não se importar.

— Quanto mais melhor.

— Mas aí vão ser duas pessoas para tomarem banho e se arrumarem! — ela tentou a todo custo contra argumentar.

— Tomar banho? — Bianca riu. — Você vai suar tudo de novo. Só escova os dentes.

— Mas—

— Deixa eles terminarem de comer — Mitchell a segurou pelo ombro — a gente já volta!

O irmão a puxou em direção às escadas e o seu pulso escapou da mão de Reyna. Piper ainda olhou uma última vez, e lá estava a garota, lhe fixando com o mesmo olhar decidido, mas que transpassava confiança. E Piper não teve escolha, que não suspirar e se render.

— Ela é bonita — Mitchell comentou com um sorriso, quando eles já estavam na metade dos degraus.

— Quem? — Piper tentou se fazer de boba pela terceira vez naquela manhã. Céus, Leo faria uma careta.

— A garota que você estava encarando — ele deu uma piscadela.

À Piper, nada restou além de engolir em seco e socar o irmão nas costelas.

 

 

— Bem, talvez não tenha sido uma ideia tão boa assim — Percy comentou, meio divertido, e meio preocupado. Piper conseguia ver a preocupação naqueles olhos, ok? Mesmo que ele estivesse rindo.

— É claro que foi uma boa ideia — Nico contrariou — a Reyna só exagerou. Como sempre.

A garota em questão rolou os olhos para o primo, mas se aproximou com cautela de Piper. Uma de suas mãos subiu até repousar no ombro grudento dela. Em uma voz baixa e plácida, ela perguntou:

— Você está bem?

— Só... tonta...

O olhar de Reyna era tão intenso e genuinamente preocupado que Piper quis conseguir se levantar e voltar a correr ali mesmo. Mas, se o fizesse, provavelmente daria de cara com o chão. Conte sempre com Piper McEstúpida para estragar tudo e se envergonhar, pensou.

— Eu posso levar ela para casa se... — Mitchell começou.

— Não — Reyna o cortou antes que ele pudesse terminar. Percebendo o que havia feito, ela limpou a garganta e remendou: — não... só vai ser pior se ela parar subitamente. Piper precisa caminhar — ela olhou para o irmão, e eles pareceram ter uma pequena conversa telepática — vocês podem ir na frente, eu vou andar com ela.

— Reyna, você não precisa... — Piper tentou.

— A ideia foi minha — ela foi incisiva — além disso, quem vai te carregar se você cair?

Percy era bem capaz. Mitchell também. Até Bianca. Mas Piper não gostava tanto daquelas opções. Não tanto quanto...

— Sério. Vocês voltam para o parque e esperam lá. Alguns alongamentos não vão fazer mal também. A gente alcança vocês.

Percy puxou a irmã para o lado. Piper os acompanhou com o olhar, mas fosse lá o que estivessem conversando, ela não conseguia ouvir. Enquanto eles falavam, outra figura se aproximou dela, e uma que ela realmente não esperava: Hazel, com os cachos cor de chocolate levemente bagunçados onde estavam presos na base da nuca e um sorriso de comercial de pasta de dente. Ela tirou um retângulo do bolso do short e entregou:

— Está meio derretido por causa do calor, mas eu espero que ajude. A geralmente Reyna é ótima nessas coisas, eu espero que você não fique com raiva.

Ficar com raiva da Reyna por causa da minha bunda sedentária? Piper pensou. Mas, externamente, ela vocalizou seu agradecimento à garota mais nova e sorriu. Hazel era honestamente tão diferente dos seus dois irmãos, mais ainda do que ela e Mitchell. Mas era doce e incrivelmente encantadora à sua própria maneira. Piper sentia como se o encontro com Sally Jackson estivesse gradativamente lhe introduzindo em um rol de pessoas tão diferentes e apaixonantemente esquisitas — personalidades com as quais ela jamais interagiria, não no seu pequeno mundinho que se resumia às tardes de pizza com Leo e Frank, e ocasionalmente um boliche com Mitchell e Lacy.

Reyna era mais um ás naquele baralho — um ás que mais parecia uma presença constante nos seus pensamentos, inundando sua mente imaginativa com metáforas e alusões que ela poderia facilmente usar em uma história, mas que, por algum motivo, sentia-se envergonhada demais para ao menos colocar em palavras. E por isso toda aquela situação parecia um grande floreio dramático, para o qual a narrativa de Piper falhava.

Quando eles retornaram, Percy lhe deu um sorriso curto, mas firme, e disse que estariam esperando no parque. Reyna parecia consideravelmente aborrecida depois da conversa com o irmão, e Piper quis perguntar o que havia ocorrido errado mas — os deuses sabiam — ela tinha sua própria percentagem de brigas bobas com os seus próprios irmãos, que a deixavam de mal humor por horas a fio. Quando Mitchell terminou de se despedir, Bianca passou por ela com aquele mesmo sorriso zombeteiro, mas lhe ofereceu sua garrafinha de água.

— Fiquei com medo de oferecer antes e você vomitar — disse, ainda lhe olhando de forma engraçada — segura as pontas, baixinha.

Eles voltaram a correr, facilmente desaparecendo da linha de visão delas, e Reyna se aproximou. Se ainda estava incomodada com a conversa de Percy, não demostrou. Ela estendeu um braço, mas Piper apenas a encarou de volta com confusão.

— É pra eu segurar?

— É pra você se aproximar — ela balançou a cabeça, uma incredulidade cômica no seu tom de voz.

Ela fez o que foi pedido. Rapidamente, Reyna passou um dos braços de Piper pelos próprios ombros e circundou a cintura dela com o próprio.

— Você realmente não precisa—

— Quando é que você vai me deixar ser legal com você? — ela riu.

OK, você tinha me prometido nenhum ataque cardíaco, garota. Piper pensou, derrotada.

— Então nós... só caminhamos?

— Vai ser bom pra você se acalmar sem fazer nada súbito — Reyna explicou — além disso, talvez eu devesse ter começado só com uma caminhada. Às vezes eu exagero.

Piper ponderou as próximas palavras.

— Pode ser verdade — disse — mas você ficou aqui para cuidar de mim. Mesmo que intenções boas não justifiquem ações ruins, você sempre pode se esforçar para consertá-la.

Reyna a encarou por um tempo tão longo que Piper sentiu-se ficando tímida. Com o olhar castanho escuro a fixando por trás dos fios negros e o sorriso impassível, era difícil pensar direito.

— Você é sempre tão boa com as palavras, ou é a falta de oxigênio?

Piper a acotovelou nas costelas.

— Você é chata demais.

Mas Reyna realmente não era. A garota era o oposto de chata. E Piper pensou em como ela poderia lidar com isso pelo que parecia ser uma longa, longa caminhada. Pelo menos, ela poderia usar o tempo para pensar em outras palavras bonitas.


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Notas finais do capítulo

a piper vai ser uma negação em exercícios físicos porque a autora aqui também é.
espero que tenham gostado, comentários são sempre apreciados



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