O silêncio após tal declaração foi deveras pior e maior do que o do segredo. E agora o coração de ambos pulsava velozmente. Era uma estranha e nova sensação para o rapaz que sempre tivera as “emoções” dominadas pelos cheiros, e sempre conseguira conter a alegria ou raiva, seu nariz e mente nunca lhe falhavam... Mas dessa vez algo deu errado. Algo no perfume dela o apossava, como se ordenando que ficasse sempre ao seu redor para sentir-lhe e dizer o quão perfeito era.

- Preciso ver teus olhos para sentir-me calmo. Ouvir tua voz para saber que esta comigo não apenas em presença mas também em pensamento – Pegou as mãos dela e fitou-as – Sentir teu toque roçar minha pele e fazer meu coração disparar pela primeira vez por uma jovem, e não apenas por seu aroma. – E o olhar desviou de foco indo em direção aos orbes da jovem.

- Jean, porque me fala tais coisas? – Estava desconcertada, corada; imaginava uma declaração, mas jamais de tão singela forma.

- porque quero ter-te ao meu lado a cada dia que passa. Não necessariamente próxima a mim, mas apenas manter-se aqui, para que saiba onde procurar por minha incógnita flor...

- Está bem. Prometo não sair daqui, até que me peça o contrário. – Finalizou sorrindo.

E ele sentiu-se seguro pelo simples fato de estar certo de que ela estaria lá, ao seu lado, mesmo que em pensamento.

Andaram juntos por mais algumas horas, conversando sobre coisas banais, como trabalho, futuro e coisas preferidas. Já se passara das onze da noite, e a descente menina tinha que voltar para casa.

A despedida deveria ser breve; nenhum dos dois sabia muito bem o que fazer. Ela pensou em apenas acenar, mas ai poderia parecer que não queria mais nada com ele; poderia o beijar, mas ai pareceria mais uma das garotas da corte; pensou eu dar-lhe um beijo na bochecha... e esta lhe pareceu a melhor das alternativas.

Com um beijo estalado se despediu e adentrou sua casa. Grenouille ficou ali, cheirando o filete de aroma que transpassava pela porta, inspirando fervorosamente, relembrando do tempo que passou tão próximo dela. E agora o que faria? Decidiu dar um tempo, esperar as coisas se acalmarem, depois decidia.

***

Ela não saia de sua cabeça, era como se tivesse feito uma lavagem, deixando apenas sua imagem. As feridas deixadas pelo couro não ardiam, e os antigos sonhos pareciam fúteis e sem valor, tudo agora se resumia em tê-la  por perto...

Decidiu por fim falar com ela novamente. Já havia se passado uma semana desde que tinham se encontrado, e apenas a incerteza o impedia de ir vê-la novamente. O medo dela ter outro em sua mente, e não o menino do cortiço Grenouille.

Uma estranha sensação lhe preponderou; Jamais se preocupara com a mente e coração de ninguém... E isto não podia ser mal sinal, ao menos não ele começar a se importar, e de tão bela forma.

Largou o couro molhado e correu até o mercado de olhos fechados, procurando aos arredores pelo perfume da mesma maneira que havia feito da ultima vez. E para sua alegria ela ainda estava lá. Os cabelos presos e uma pequena cesta de nectarinas em suas mãos.

- Você ainda está aqui! – reparou em voz alta abraçando-a por trás.

- Ah! Grenouille. Claro que ainda estou aqui, e você não pode me abraçar de tal forma – disse se desvencilhando do abraço.

- Desculpe. Apenas fiquei feliz por saber que não me abandonou.

- Mas você não sente meu “cheiro” de longe?

- Sim, apenas não sei o quão longe é... e apenas teu aroma não me é o suficiente. – Explicou encabulado

- Entendo – Finalizou Camille corando.

- Bom, digo-lhe que quero ver-lhe hoje. No mesmo horário e lugar da ultima vez. E você, que me diz? – Foi logo soltando a informação de solavanco.

- Ahn.. Pode ser - concordou por fim sorrindo.

Grenouille nem esperou e saiu às pressas de volta ao cortiço. Sabia que se não voltasse rapidamente Monsieur Grimal iria espancar-lhe e ficaria em estado deprimente para a pequena Camille.

***

A noite caiu rápido. Grenouille havia trabalhado incessantemente e fez com que as horas passassem despercebidas. Arrumou-se rapidamente e se dirigiu até o pátio principal, igualmente a ocasião anterior.

Já eram oito horas quando por fim ela chegou exatamente no horário marcado. Tinha uma expressão desconfortável no rosto, e seu aroma estava destorcido pelo desalento.

- Que houve? – Perguntou de longe.

- Nada...

- Não não, seu aroma esta diferente, parece que esta triste... que houve? – Preocupou-se pela primeira vez o rapaz.

- Sabe... – começou titubeante – Ando pensando muito numa pessoa, mas sinto que ela não pensa em mim.

- Ah... – Então ela gostava de outro... Tudo bem, ela estava livre para isso, mas por que o atingiu dessa forma? Parecia que tinha levado um soco no estômago, e ainda sem ar prosseguiu – E posso saber quem é tal tolo?

- ...

- Sabia que também ando pensando em uma jovem? – Ah meu Deus, o que estava dizendo? Não estava gostando de ninguém... Ou estava? A confusão fez a vista turva e o coração latente impedirem que a voz saísse firme – Apenas acho que ela pensa que não gosto dela...

- E posso saber quem é ela? – Repetiu a mesma pergunta que ele a havia feito.

Tensos ficaram se encarando. Até que por fim ela se deu por vencida suspirou e fechou os olhos.  O impulso o dominou e a boca semicerrada o convidava a entrar. Cuidadosamente se aproximou passando a mão sobre a cintura da jovem, e com a outra levantou o rosto dela

- “Ela” está exatamente aqui – sorriu.

Ela porém foi quem tomou a atitude. Aproximou-se e selou os lábios dele. O beijo à princípio assustado foi decorrendo lentamente, ao contrário do coração que batia rápido a ponto de parecer querer pular para fora. Aos poucos o beijo foi se intensificando, e tomando-a nos braços Grenouille teve o contato com algum humano sem repulsa alguma.

Finalizaram os beijos aos poucos, e ao finalizar permaneceram abraçados. Ficaram assim por alguns minutos. Ele sentindo o aroma dela, e sabendo que agora um pouco de sua essência habitava nele. Ela sentindo os corações acelerados acalmarem-se ao poucos, e torcendo que aquilo não fosse mais um de seus sonhos com o estranho rapaz do mercado.