Predestinado escrita por GabusDramaticus


Capítulo 12
Capítulo Doze




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Seis horas da tarde, apenas breu em minha volta. Mesmo assim consegui não esbarrar em nenhuma árvore.

Nunca tive medo do escuro, mas ali na floresta as sombras pareciam ter matéria, prontas para me agarrar a qualquer momento. As folhas das árvores se balançavam com as brisas gélidas que faziam meus dentes baterem enquanto eu corria mais e mais para longe do acampamento. Tentava achar o caminho para a estrada, mas a floresta se estendia como se fosse infinita. Nenhum sinal de postes de luz ou barulho de carros, apenas silhuetas enormes de pinheiros e bétulas e o barulho de folhas secas quebrando por onde eu andava.

Logo eu estava exausto, meus pés doíam e eu ainda estava num turbilhão de pensamentos, por mais que não conseguisse me concentrar em absolutamente nada. Parei do lado da árvore mais próxima, me sentando em suas raízes e respirando fundo.

—Plano... – afastei os cabelos dos olhos. –Foco, seu imbecil, preciso de um plano. Está tudo errado...

Um agudo creck pôde ser ouvido atrás de mim, como um animal selvagem que acaba de perceber que está sendo observado. O som de um galho quebrando veio um segundo depois, seguido de rangidos e estalos como alguém de levantando de uma cadeira de madeira velha. O som se repetia irregularmente, como se não fosse apenas um.
Prendi a respiração, a mão indo instintivamente em direção à espada. Era um grupo de monstros. Perceberam que eu estava ali.

As coisas deram alguns passos em direção a árvore onde eu estava. Ouvi o bater de asas de alguns pássaros em seus galhos, fugindo para longe. Mais rangidos, agora mais perto. Fechei os olhos com força, tentando ao máximo engolir o gemido que se formou em minha garganta. Os passos estavam ainda mais perto, cercando a árvore quando um rugido irrompeu em todo o bosque, o estrépito de terra e pedras sendo movidas ecoou, como algo se erguendo do chão. Algo grande. Mais um.
Ele emitiu um barulho que me lembrou um cachorro molhado se sacudindo.

Os estalos aumentaram de intensidade, como se o grupo de criaturas número um se comunicasse com a maior. Um rosnado gutural seguido do que devia ter sido uma sequência de mordidas e ataques em conjunto irradiaram. Espadas foram puxadas e flechas foram atiradas, mas a criatura maior parecia não ceder. No fim, os sons de estalido cessaram. Foram destruídos.
O monstro que permaneceu farejou o ar, e antes que eu me desse conta, havia atacado a árvore onde estava me escondendo.

Me encolhi no chão com as mãos protegendo a cabeça, pedaços de madeira bruta se fincaram em meus braços. Me arrastei para longe, mas algo me agarrou pelo sapato.

Minha boca se abriu num grito silencioso quando me voltei para o monstro. Era um enorme leão coberto inteiramente de plantas e galhos. Seus olhos âmbar brilhavam como dois vaga-lumes do tamanho de um punho humano. As presas eram grossos espinhos unidos, que poderia me dilacerar com uma única dentada. Sua pata estava sobre meu pé, cobrindo-o totalmente.
Não conseguiria pegar a espada naquela posição. Estava paralisado de medo. Só poderia fechar os olhos e esperar por uma morte rápida. O leão grunhiu e arreganhou os dentes, mas não para fincá-los em mim. Algo o tinha machucado.
Quando se virou, a parte da armadura de galhos e videiras que protegia suas ancas tinha algo a atravessando, uma lança, espadas e flechas, deduzi. Meia dúzia de silhuetas de armaduras gregas enferrujadas tinham suas armas enterradas na traseira do monstro, que aos poucos se transformava em cinzas.

Eu tremia com a adrenalina, me levantando e encarando o grupo de guerreiros que me salvara. Todos tinham olhos que brilhavam numa luz esverdeada. Alguns tinham membros faltando e partes da armadura dilaceradas. O do meio virou-se para mim com lerdeza, cada movimento que fazia soltava rangidos, como se os ossos estivessem a muito tempo sem se mexer. Ele chegou mais perto, seu ombro dilacerado parecia querer se formar novamente, o que não fazia sentido. Foi quando a luz da lua iluminou o bosque que eu finalmente entendi: aquilo não era um guerreiro comum. 
Sua pele tinha um tom doentio de cinza e estava apodrecendo. No lugar de lábios haviam apenas alguns dentes amarelados e putrefatos, parte de suas costelas estavam a mostra pelo buraco da armadura. Os outros mais atrás não eram diferentes.

Eram mortos-vivos.

Todos fizeram reverência, depois chegaram mais perto. Tive o impulso de desembainhar a espada, apontando-a para cada um deles, pois não sabia qual atacar primeiro. Eles pararam por um momento, então o do meio avançou e eu cortei sua cabeça fora com um golpe, mas o resto do corpo não parou. Chutei-o na falha da armadura e só aí ele despencou. Seu grupo hesitou e eu os ataquei um a um com precisão, mas eles não revidavam.
Arfei quando todos eles foram derrotados, tremendo.
Guardei a arma e olhei em volta, pensando em como eu iria sair dali, mas antes que eu pudesse dar um passo, senti algo me prendendo ao chão pelo tornozelo. Logo depois minhas pernas e braços estavam presos pelos membros dos zumbis, que pareciam firmes como cordas, cordas fedidas e ossudas. Um deles me apanhou por trás, não me deixando alcançar a espada. Seu líder tinha seu corpo reformado, chegando perto o suficiente para que eu sentisse seu cheiro de morte.

Ele tentou dizer algo, mas tudo o que saiu de sua boca foi um sussurro sombrio, e tudo ficou escuro.

Imediatamente pensei que tinha morrido. Ouvi milhares de vozes falando de uma só vez, balbuciando em línguas antigas. A escuridão se apossou de mim, e estava começando a me submeter a ela quando caí no mundo material mais uma vez. Demorei um pouco para me situar e entender onde havia parado, mas não era parecido com nada que eu já tivesse visto.
Eu estava de pé num terreno arenoso e ao mesmo tempo, rubro como sangue seco. Um largo rio de água suja e oleosa gorgolejava em minha frente, com lixo flutuando e afundando de segundo em segundo. Olhei para cima, mas não havia um teto para se ver, de tão alto que era aquele lugar. Tinha a aparência de uma gigantesca caverna. Ainda mais adiante, - muitos quilômetros, presumi – avistei a silhueta de um castelo se destacando na névoa. Era minúsculo comparado ao resto do lugar, mas tinha uma aura majestosa. Uma aura... que me puxava em sua direção.

O guerreiro zumbi estava do meu lado, seu grupo não parecia ter vindo. Sua forma tremeluzia entre sua aparência putrefata e o corpo musculoso de um guerreiro que deveria ter seus vinte e poucos anos. Ele olhava para o castelo e depois para mim, esticando o braço que ainda tinha para lá. Sua expressão era vazia, mas os olhos fantasmagóricos brilhavam.

Érebo... – sua voz era fraca, mas consegui distinguir a palavra. Ele então soltou um suspiro de alívio e se desfez em fumaça, deixando para trás apenas a armadura dilacerada e o elmo caídos na areia.

—E como eu vou atravessar isso?  – perguntei, olhando para a pilha enferrujada aos meus pés. Acho que estava finalmente perdendo a cabeça. –Por que você não me deixou na outra margem? Qual o problema com você, porra?

Então as histórias de Erika passaram a um milhão de quilômetros pela minha cabeça. Érebo. Eu estava no Mundo Inferior. Deveria ter morrido mesmo, afinal.

Que maravilha.


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Notas finais do capítulo

Haverão mudanças na escrita dos próximos capítulos. Espero que tenham gostado.



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