Haven't we met? escrita por liz doolittle


Capítulo 9
Capítulo 9




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Darcy havia chegado ao cortiço com o intuito de entregar a Elisabeta a caixinha que ele teria lhe dado no dia anterior se ela não estivesse adormecida. Ela disse que iria aproveitar esta noite para dormir, mas ele pensou em deixar o objeto na sala de estudos, em cima da escrivaninha, para que ela o encontrasse pela manhã. Entretanto, antes que descesse do carro, ele notou, de longe, que a pequena sala estava com as luzes acesas. Ele deixou o presente no veículo e foi para o local.

Talvez era a própria Elisabeta quem estava usando a noite livre para treinar na máquina de escrever. Percebeu que estava certo ao se aproximar da porta, pois escutou a voz que havia se tornado tão familiar para ele nas últimas semanas. Em algum momento de seu discurso, ela disse a palavra "tutor" para uma jovem loira que estava a seu lado. Ele não conseguia enxergá-las muito bem, apenas as via de relance.

Ele julgava errado ouvir conversas alheias e prezava pelo respeito à privacidade e descrição dos demais. No entanto, parecia irresistível escutar o que ela tinha a dizer. Elisabeta estava falando algo sobre ele, e ele simplesmente precisava saber o que era. Não podia vê-la, mas podia jurar que ela estava sorrido ao falar sobre as aulas. E então a outra jovem mencionou algo sobre casamento e sobre Elisabeta entregar seu coração a ele.

Neste momento, Darcy prendeu sua respiração. Ele conhecia Elisabeta há pouco tempo e ainda era cedo para pensar em matrimônio, mas, se ela sentisse o mesmo por ele, casamento seria questão de tempo, pois ele tinha certeza que queria passar o resto de sua vida ao lado daquela aspirante a jornalista — e por isso, foi um choque escutá-la rejeitando qualquer possibilidade de união. Quando ela disse que não o via como mais que um amigo, seu coração pesou ainda mais.

Seria possível que ela não sentia absolutamente nada por ele?

Que as últimas semanas significaram algo — ou tudo — apenas para um dos dois?

Darcy teve vontade de sair dali; pensou em voltar depois para conversarem. Mas ele mal teve tempo de considerar a possibilidade, pois, embora não estivesse mais prestando tanta atenção ao que as duas conversavam dentro da sala, ele escutou vagamente seu nome e as palavras "dono de um jornal". Sua mente demorou um momento para processar aquilo e, exatamente quando as palavras fizeram sentido dentro de um contexto, Elisabeta abriu a porta e ficou parada de frente para ele.

Ela possuía uma expressão angustiada, seus olhos estavam mais verdes que o normal. Brilhavam, mas não de felicidade: era perceptível uma mistura de incredulidade e decepção. Ficaram na mesma posição por diversos segundos, sem que tivessem qualquer reação. Por fim, Elisabeta engoliu em seco antes de perguntar:

— É verdade?

Darcy assentiu. Não sabia o que fazer. Não sabia o que dizer.

A moça que estava com Elisabeta dentro da sala se aproximou dela e a abraçou de lado, dando um beijo em sua bochecha.

— Te espero no quarto, Elisa. Boa noite. — Ela acenou para Darcy com a cabeça e se foi.

Uma lágrima escorreu pelo rosto de Elisabeta e ela a limpou, impacientemente. Ela passou por ele e caminhou em direção ao pátio do cortiço, parando em uma parte isolada cuja luz era fraca, onde ninguém poderia ouvi-los. Darcy a seguiu e agradeceu em silêncio por ficarem ali, uma vez que, ao menos do lado de fora, seria menos difícil procurar o ar que parecia faltar em seus pulmões nos últimos minutos.

— Então você é dono de um jornal. — ela disse, arqueando as sobrancelhas. — É o jornal no qual farei entrevista?

Darcy, mais uma vez, assentiu.

— E quando você planejava me contar?

— Antes da entrevista, eu acho... mas para ser sincero, eu não sei exatamente. – Darcy sentiu suas costas pesarem pela culpa que sentia. Procurou as palavras certas para se explicar, mas antes que pudesse continuar, Elisabeta o interrompeu.

— "Sincero." — ela exclamou, com desdém.

Ele faria qualquer coisa para apagar aquele olhar desolado que ela tinha e substituí-lo por sua vivacidade do dia anterior.

— Elisa, exceto por isto, eu sempre fui sincero com você. Em tudo que te contei sobre mim, em tudo que falamos.

Ela revirou os olhos e retrucou:

— Eu também pensei que sinceridade fosse nosso ponto em comum. Eu compartilhei com você praticamente todos os meus pensamentos. Te contei sobre meus anseios, meus sonhos, meus medos. — Ela parou, respirou fundo e então continuou: — Mas você resolveu esconder de mim justamente sua posição no jornal? Algo tão crucial. — Ela balançou a cabeça em negativa, cruzando seus braços.

— Sei que não estou em condições de pedir isso, mas me perdoe, Elisa. — Ele sentiu sua própria voz embargar, e então parou de falar.

— Por que você fez isso? — Ela disse, ignorando seu pedido.

— Eu fiquei com medo de você achar que eu iria te beneficiar de alguma forma no processo seletivo. Você me disse mais de uma vez que se sentia feliz e realizada por ter conseguido chegar até aqui por mérito. E eu não queria que você duvidasse da sua própria capacidade. Eu… — Darcy fechou os olhos por um momento. — Tenho uma confissão a fazer.

Elisabeta não disse nada, apenas continuou encarando-o.

— Eu li seus textos. — Ela entreabriu seus lábios, surpresa. — Charlotte tinha vontade de trabalhar no jornal, e por se interessar por recursos humanos, ficou responsável por esta área recentemente. Ela não possuía experiência, por isso eu a ajudei a preparar as etapas para contratação dos colunistas. Eu li com ela todos os textos e mostrei pra ela quais estilos combinavam mais com o nosso, quais características estávamos buscando. E quando você mencionou seu nome e o que veio fazer em São Paulo, me lembrei que havia lido os seus escritos. E eu sei, Elisa, que você é extremamente talentosa, além de esforçada e...

Elisabeta  o interrompeu.

— Darcy, por favor! Eu não acredito que você teve acesso a meus textos, que sua própria irmã iria me entrevistar e você simplesmente não me contou. Possivelmente nem contaria antes da entrevista. — Elisabeta passou a mão por seu rosto, em uma expressão ultrajada. Ela parecia sentir-se ofendida pelas atitudes dele. — Você se ofereceu para me ajudar a aperfeiçoar minhas habilidades e mentiu para mim sobre seus motivos para fazê-lo. E agora me diz que não queria que eu me sentisse favorecida? Difícil entender sua lógica.

Darcy engoliu em seco.

— Eu não contei a Charlotte sobre você. — Darcy respondeu e Elisabeta o interrogou com o olhar. — Ela irá fazer a entrevista sem saber quem você é, para que não afete seu julgamento. E eu imaginei que te ajudar não fosse tão condenável, afinal se não fosse eu, você poderia encontrar algum outro tutor. Mas eu queria passar um tempo com você, porque desde que nos falamos naquela praça, eu comecei a me… — Ele engoliu suas palavras. Não sabia se era o momento adequado para contá-la sobre a intensidade de seus sentimentos. — Eu me afeiçoei por você. Desde o primeiro momento eu pensei em te contar sobre o jornal, mas você me falou sobre seu orgulho e…

— Meu orgulho?

— Você me contou sobre sua dificuldade em aceitar algo gratuitamente.

— Ah, então agora a culpa é minha, do meu orgulho? — Ela arqueou as sobrancelhas.

— Não, mas…

— Mas o quê? — Ela o interrompeu, irritada.

— Mas seu orgulho já era um impedimento para você aceitar minha ajuda, não era? E seria um decisivo se eu te contasse sobre minha posição no jornal, se você soubesse que eu poderia ter alguma interferência nisso tudo.

Elisabeta ficou em silêncio por um tempo. Ela o fitava seriamente quando disse:

— Entendo que para você haja mil motivos, mas para mim não há nenhuma justificativa para mentiras e omissões. Acho tal atitude inaceitável até mesmo vinda de desconhecidos, quem dirá de você, que se tornou tão… — Ela não terminou sua frase.  

— Mas a sinceridade não faria tanta diferença para algo a mais entre nós, não é mesmo? — As palavras de Darcy saíram de sua boca sem que ele pensasse duas vezes antes de dizê-las.

— O que você quer dizer?

Darcy olhou para os lados, tomando coragem para encará-la.

— Mesmo antes de saber sobre meu envolvimento no jornal, você rejeitou qualquer envolvimento entre nós. Rejeitou qualquer coisa além de amizade.

Ela franziu sua testa, aparentemente sem entender como ele havia chegado àquela conclusão, mas após um tempo ela pareceu se lembrar que ele havia escutado a conversa dela com a moça que estava na sala de estudos. Com desânimo tanto em seu olhar quanto em sua voz, ela murmurou:

— A única coisa que eu posso te afirmar é que suas mentiras e sua falha de caráter quebraram qualquer coisa que estava sendo construída entre nós.

Se Darcy já havia se sentido tão débil quanto no momento que ele escutou as palavras dela, era difícil se lembrar. Queria poder sentir angústia, raiva, tristeza ou indignação, mas o discurso de Elisabeta drenou qualquer sensação dele. Ele se sentiu vazio. Oco.

Ela já nem o olhava mais. E então ele assentiu, se virou e a passos lentos foi embora.

 

~~~~~

 

Elisabeta se arrependeu do que disse imediatamente após proferir as palavras.

Falha de caráter.

Oh, céus.

Ela permitiu-se ficar um tempo silêncio, com o objetivo de conter sua respiração vacilante e acalmar seus pensamentos antes de dizer algo apropriado. Ela havia sido, mais uma vez, impulsiva. Se não fosse uma situação tão angustiante, ela teria rido. Ela se negava a receber de sua mãe o rótulo de impulsiva, mas era assim que acabara de agir.

Ela entendia que haviam motivos para sua reação e decepção: ele havia omitido uma informação fundamental sobre si. Uma informação que teria feito total diferença na relação entre os dois. Era como se todos os momentos que eles haviam passado juntos tivessem sido verdadeiros apenas para ela. Ele conhecia toda sua expectativa em relação à oportunidade de trabalhar como colunista, e mesmo assim deliberadamente escondeu dela que havia lido seus textos e que era proprietário do jornal.

Ela admirava e prezava a honestidade acima de tudo: ainda mais entre eles, que praticamente desde que se conheceram se tornaram confidentes. Se ele mentia em relação a algo tão crucial, seria capaz de mentir sobre outras coisas? E, pior de tudo, sequer havia sido ele quem revelou a ela a verdade. Isso, possivelmente, machucava ainda mais: saber que ele prosseguiria ainda mais tempo com aquela mentira.

Mas, mesmo assim, ela errara ao dizer que era uma falha de caráter dele. Não podia julgá-lo tão precocemente, sem ter certeza que mentiras moldavam palavras dele habitualmente. Ela imaginava que não, mas não poderia ter certeza, depois de tudo que acontecera. O que ela podia concluir era que, na percepção dele, havia justificativas para o que fizera e possivelmente ele possuía um pouco de razão, pois, se após conhecer o dono do jornal ela fosse aprovada no processo seletivo, ela não teria certeza se foi por seu talento ou pela ajuda dele. Mas, se ele tivesse dado sua palavra que não faria nada para passá-la na frente de seus concorrentes, ela teria acreditado nele, sem nem pestanejar.

E o orgulho dela era, sem dúvidas, um decisivo em muitas questões, mas não seria tão inabalável a ponto de ela rejeitar terminantemente um favor. Se ela não o conhecesse, se ele fosse apenas o amigo do namorado de sua irmã, ela aceitaria uma recomendação para conseguir o emprego.

Possivelmente no dia que se conheceram ela havia descrito seu defeito com demasiada ênfase, o que o fez pensar que ela era inclinada a rejeitar favores de qualquer pessoa, no entanto, não era bem assim: ela preferia conseguir por si mesma, mas nem sempre era possível. Ainda mais num mundo tão desigual.

Mas a questão da falha de caráter não era a única parte que havia dito impulsivamente. Além de ferir sua honra, ela ainda disse que qualquer envolvimento entre eles estava fora de questão a partir daquele momento. Ela suspirou, incerta. Estas palavras tão precipitadas eram verdade? Ela, mais uma vez, não sabia. Estava muito exasperada no momento para refletir. Se ela sequer havia chegado a uma conclusão sobre seus sentimentos, quem dirá sobre o relacionamento — ou ausência de relacionamento — dos dois.

Elisabeta se perdeu em meio a suas ponderações e ao arrependimento pelas palavras ditas, quase se esquecido que ele continuava ali com uma expressão distante. Ela havia sido muito dura e, embora ainda se sentisse tapeada e machucada, por ora, deveria pedir desculpas. No entanto, antes que ela pensasse em palavras, ele lançou a ela um último olhar demorado, e logo depois se virou para ir embora.

Elisabeta não o impediu. Ambos estavam muito magoados com o ocorrido: seriam capazes de se perdoarem algum dia? O perdão significaria o que para ele? E para ela? Conseguiria deixar para trás a falta de honestidade dele? Com medo das respostas, Elisabeta voltou para seu quarto e se deitou ao lado de Jane, que já estava adormecida, mas não conseguiu dormir: continuava pensando em tudo que havia acontecido na sua vida nos últimos dois dias. A cada lembrança, um turbilhão de sentimentos confusos emergiam dentro de si.

Horas depois, Elisabeta permanecia no mesmo lugar, e por isso ouviu quando leves batidas soaram em sua porta. Quando ela abriu, viu Darcy do lado de fora com uma expressão cansada. Ele segurava uma pequenina caixa de madeira de enfeite e uma carta. Assim que Elisabeta as tomou em suas mãos, ela viu-o, pela segunda vez naquele dia, ir embora. E, pela segunda vez, ela não tentou impedi-lo.

Ela fechou a porta e olhou para o objeto que segurava, notando que na parte de baixo havia um pequeno interruptor. Ela o pressionou, acendendo as luzes que haviam dentro e iluminando os formatos de alguns dos mais famosos monumentos já criados. Cada um dos desenhos era lindamente delicado.

Ela deixou o objeto em cima de sua escrivaninha e abriu a carta de Darcy.

 

Elisabeta,

 

 Não irei renovar as justificativas ou anseios que eu, direta ou indiretamente, revelei a você esta noite. Tenho ciência também de que não estou em condições de pedir nada a você, mas preciso fazê-lo.

 

Peço que não desista de seus objetivos e sonhos por conta do que ocorreu entre nós. Por favor, faça a entrevista no jornal e siga seu caminho, se tudo der certo para você — e sei que dará. Não por qualquer influência minha, mas porque seus textos são maravilhosos e refletem a pessoa grandiosa que você é.

 

Eu não cheguei a te explicar exatamente sobre meu envolvimento com o jornal, mas eu não possuo nele nenhum cargo administrativo, apenas o supervisiono da mesma maneira que faço com os demais negócios da minha família. Desse modo, minha presença nele se faz cada vez menos necessária. Durante os próximos dias, Charlotte irá cuidar da sua entrevista e dos demais candidatos à vaga. É ela, apenas ela, quem tem autonomia e independência para decidir sobre quem serão contratados.

 

Com eterna admiração por você,

 

Darcy Williamson

 

Ela ficou olhando para o papel por diversos minutos, analisando a letra e cada uma das palavras dele. Quando finalmente se deitou, levou consigo para a cama a caixinha que ele havia lhe dado. Ela adormeceu com o objeto e a carta em seus braços.

 

Elisabeta não sabia se o fez por si mesma ou por Darcy, mas atendeu seu pedido, pois naquela semana foi à entrevista. O prédio que abrigava o jornal possuía um estilo clássico semelhante à casa dele, e ela suspeitou que fora ele quem decidira sobre a arquitetura do lugar.

Na ocasião, Elisabeta conheceu Charlotte. Ela era exatamente como o irmão: adorável, divertida e atenciosa.  Elisabeta decidiu manter a entrevista estritamente profissional, e por isso não contou a ela que conhecia Darcy e sobre o que havia se passado entre eles, pois tampouco poderia explicar. Desde que o vira pela última vez, sentia-se, de certa forma, entorpecida, pois suas ações eram mais automáticas que deliberadas. Ela pensava muito nele, mas sem realmente saber o que pensar. Ele não a procurou novamente e ela também não o fez.

Um dia depois da entrevista, após passar na casa de chá para desejar boa sorte à funcionária que Clarisse havia contratado no início da semana para substituí-la, Elisabeta se dirigiu novamente para o jornal, onde, numa espécie de auditório, realizou os testes de idiomas e datilografia junto a outros candidatos. Ao sair, precisou assinar uma lista de presença e a secretária responsável pelo processo perguntou-lhe a qual endereço deveria enviar a carta informando se ela seria contratada. Elisabeta quase deu o endereço do cortiço.

Quase.

Antes que a caneta-tinteiro tocasse o papel, ela ponderou por um momento e, por fim, escreveu o endereço do Vale do Café. Naquela noite, pagou um cocheiro para levar a máquina de escrever para casa de Darcy, com uma nota que dizia: "Muito obrigada por tudo. Jamais me esquecerei."

Nas primeiras horas do dia seguinte, Elisabeta já estava à caminho de sua cidade natal.


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