Seus Medos escrita por Raposinha Marota


Capítulo 1
Veneno


Notas iniciais do capítulo

Olá, caros leitores!
Agradeço de antemão pela atenção e espero que possam aproveitar a leitura como desejam.
Desejo-lhes uma boa leitura.

Obs: A utilização de "senhorita" foi para substituir o termo japonês "-san".
Obs²: Essa estória é a continuação de Meus Sentimentos. O link está nas notas finais.



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Rin sentia-se como se alguém o estivesse estrangulando. Ele rolava sobre sua cama, arfando em desespero e suando ao ponto de encharcá-lo. A pele de seu rosto tinha uma tonalidade extremamente avermelhada, chegando a ter início de áreas arroxeadas. A falta de ar era insuportável e por mais que tentasse encher-se com a maior capacidade possível de oxigênio, não era o suficiente. Nessa situação desesperadora, ele tentava pedir ajuda, gritar e implorar que alguém o salvasse, mas sua voz não conseguia sair de sua garganta, como se estivesse trancafiada. Rin perdia a consciência lentamente. A respiração falha já trazia suas consequências. Tudo ao seu redor parecia girar incessantemente, impedindo-o de se quer ter uma real proporção de seu próprio dormitório. Devido isso, sentia-se enjoado e tonto. A fraqueza o consumia da mesma forma. 

Yukio já não se encontrava presente no edifício, sendo assim impossível que alguém viesse socorrê-lo. Era muito cedo para o início das aulas do colégio, sendo assim não sentiriam sua ausência por pelo menos mais uma hora. Dessa forma, Rin aceitava aos poucos de que não sobreviveria. Estava sozinho e sem condições alguma de agir para benefício próprio. 

Ele simplesmente morreria ali. 

Contudo, quando imaginou estar sentindo uma leve presença familiar, uma efêmera luz de esperança se acendeu em seu interior. Por mais que talvez fosse sua imaginação, era a sua melhor opção. Rin forçou-se, com o fim de suas forças, se levantar o suficiente para que, intencionalmente fosse ao chão. Assim que seu corpo inerte caiu sobre o assoalho, qualquer um que estivesse perto daquele cômodo poderia ouvir o barulho sem qualquer problema. Porém, Rin ainda não queria se dar por vencido. Lutando inutilmente contra a fraqueza, ele tentou arrastar-se para fora do quarto, mas nem mesmo um dedo este conseguia mais mover. Aos poucos, sua visão perdia o foco, escurecendo gradativamente. Prestes a perder a consciência, o rapaz ouviu ao longe a porta do cômodo sendo aberta. Um borrão em preto e vermelho se aproximou de si rapidamente. 

— Rin? - a voz de Akino estava muito longe, mas o jovem podia perceber a preocupação da mesma quando esta o chamou. - Ei, o que houve? Rin? Fale comigo. - o rapaz tentou respondê-la, mas, naquele momento, nem mesmo um único ruído era produzido por suas cordas vocais. Apenas o que pôde fazer fora mover os olhos em direção a garota, que ao ver tal reação, espantou-se. Akino o tomou em seus braços, notando de perto a respiração rasa e a temperatura extremamente elevada. - Droga, você está ardendo em febre. - o estado do rapaz piorava cada vez mais e a demônio sabia disso. Logo, uma doce fragrância proveniente dos lábios de Rin lhe chamou a atenção. Ela conhecia aquele aroma não pareceu surpresa ao reconhecê-lo, ficando extremamente séria. - Veneno... 

Sem mais qualquer delonga, Akino ajeitou o rapaz em suas costas e partiu do local o mais rápido possível. Assim que passou a descer os lances de escadas, recitou um curto encantamento e mais a frente, um portal de cor alaranjado se abriu. Antes que adentrassem na fenda formada, Rin perdera para a situação em que se encontrava, adormecendo enfim. 

Quando o rapaz acordou, notou estar em um cômodo tradicional japonês. A julgar pelo silêncio, acreditava estar bem longe da cidade. Sua cabeça latejava constantemente, dificultando-o recordar-se os acontecimentos após os sintomas do envenenamento. A visão ainda permanecia turva e desfocada, sendo impossível desvendar os detalhes do recinto que se encontrava. O único sentido que parecia estar intacto era o tato. Graças a isso, pode sentir como seu corpo emanava um calor insuportável por de baixo do futon japonês, fazendo-o continuar a suar constantemente. O calor era tanto que o rapaz tentou se mover para retirar o mesmo de si, mas nenhum músculo se moveu. Seu único conforto era o contato de algo macio, úmido e gélido sobre sua testa, mantendo-o levemente aliviado. 

Contudo, para a sua infelicidade, seu estado não havia melhorado de forma alguma. A garganta doía como se pequenos cacos de vidro estivessem cravados na região. O enjoo e a tontura também não haviam cessado. A cabeça, aos poucos, estava mais pesada e dolorosa. A angústia de seu corpo já era muito preocupante. O ar ainda parecia escasso, sendo assustador a necessidade de lutar pelo mesmo. 

Enquanto sofria com o próprio estado, Rin pode ouvir a porta do cômodo sendo aberta rapidamente e novamente o mesmo borrão que vira anteriormente se aproximada de si. 

— Rin. - ao julgar pela doce voz feminina que o chamara, o rapaz sabia quem estava ali. -  Consegue engolir por conta própria? - Akino ajoelhou-se ao lado do rapaz com uma pequena vasilha de cerâmica escura, cheia de um líquido esverdeado escuro. O jovem apenas conseguiu fixar seus olhos sobre a figura turva que acreditava estar o encarando e logo a jovem entendeu que o mesmo não conseguiria fazer nada mais além disso. - Vou mexer em você, está bem? Talvez você vai ficar pior por isso. 

Apesar da voz de Akino manter-se surpreendente calma, seu olhar delatava toda a preocupação e carinho pelo rapaz. Com todo o cuidado possível, a garota tomou Rin em seus braços, fazendo com que o mesmo repousasse a cabeça sobre seu colo. A mudança de posição vez com que o rapaz fechasse fortemente os olhos, demonstrando assim o sofrimento que se multiplicara. O ar que escapava de seus lábios pálidos era quente e esquentava o pescoço da demônio. Rapidamente, a jovem retirou o pano branco da testa do rapaz e a usou para esfriar as bochechas avermelhadas de Rin. Assim que feito, deixou o pano dentro de uma bacia de metal que se encontrava próxima a cabeceira do futon onde o rapaz repousara e cuidadosamente pegava uma colher para levar até a boca do enfermo. 

— Rin. Isso é um antídoto, ok? Por favor, tente tomar tudo. 

As primeiras doses foram consideravelmente um grande sucesso. Rin conseguia sentir a dor de sua garganta diminuindo ao que o líquido escorria pela mesma. Por mais que o antídoto fosse extremamente amargo, não podia deixar de desejar cada vez mais do mesmo assim que sentia-se levemente melhor. Porém, as próximas doses não foram tão bem aproveitadas. Akino já suspeitava que isso poderia acontecer, afinal, um dos ingredientes que usara no remédio era um forte anestesiante. Devido a isso, Rin deixou de sentir a própria boca, tendo assim, dificuldades em movê-la corretamente. Parte do medicamento começava a escapar pelos cantos de seus lábios. A demônio deu um longo suspiro desanimado e deixou a colher que usava ao lado da vasilha de cerâmica. Carinhosamente, retirava os fios negros que teimavam em esconder o belo rosto do rapaz. A visão que teve ao terminar não fora a que esperava obter. Com um olhar carregado em preocupação, a mesma uniu suas testas, tentando encontrar o conforto que necessitava. Ver o jovem naquele estado a machucava terrivelmente. Por alguns instantes, fechou seus olhos no intuito de manter-se calma o suficiente para prosseguir. Assim que os abriu, seus olhos estavam mais amorosos. Akino tomou a vasilha e encheu a própria boca com o antídoto. Dessa forma, gentilmente unir seus lábios com os do rapaz, surpreendendo-o de início. Assim que Rin abriu certa passagem, a demônio passava a controlar o fluxo do líquido para a boca do rapaz, fazendo-o continuar a tomar o medicamento. 

Para a sua felicidade, o método havia sido bem-sucedido. Bastou apenas mais algumas poucas vezes realizando o mesmo procedimento até que, finalmente, o enfermo tivesse ingerido todo o remédio. Cuidadosamente, Akino o posicionou novamente sobre o futon, cobrindo-o em seguida. Ela sabia que o rapaz ainda ardia em febre, mas devido a temperatura elevada, o clima certamente estaria assombrosamente mais frio. Assim, preferia mantê-lo dessa forma. A garota pegou o pano de dentro da bacia com água e torceu o suficiente conseguir enxugar as gotas de suor que cobriam novamente o rosto do rapaz. Assim que terminou o serviço, molhou novamente o tecido, torceu-o e o colocou sobre a testa de Rin. Akino notou a expressão de cansaço que o mesmo tinha, vendo o pesar nos olhos azuis marinhos. 

— Durma um pouco mais. O antídoto logo fará efeito. 

Os olhos de Rin focaram em si como se agradecesse por todo o cuidado que a jovem fazia. Logo, eles se fecharam e não demorou até que o rapaz adormecesse. Akino, por sua vez, não pode deixar um frágil sorriso traçar sua face. Talvez fosse a sensação de dormência que seus lábios sofriam, mas ela sabia que não era apenas isso. Permanecendo ao lado do garoto, esta afagou os cabelos do rapaz carinhosamente até que estivesse satisfeita. Assim que se levantou, sua expressão já não era a mesma. Podia-se notar todo o ódio e maldade que tomavam seu corpo. Buscando algo no bolso de seu short curto preto, a demônio alcançou um celular e rapidamente passou a discar um número conhecido. 

— Senhorita Akino? - apenas da surpresa continha na voz de Yukio, a jovem podia notar a alteração drástica desta. Ele parecia cansado de tanto correr. - Para você ter usado o celular, deve ser algo muito importante, mas agora eu estou tentando achar... 

— Eu estou com o Rin. 

— O que?! - o exorcista surpreendeu-se ainda mais. - Senhorita Akino. O que está acontecendo? 

— Eu espero que você possa me responder também. - a agressividade nas palavras proferidas pela jovem não haviam tamanho e certamente Yukio percebeu isso. 

— Onde você quer chegar? 

— Alguém tentou envenenar o Rin. 

— Como é? Senhorita Akino, eu estou indo onde você estiver agora mesmo. 

— Não! - a força na voz da demônio impediu que o rapaz tomasse qualquer atitude. - Não tem porque você vir até a mim. Eu tenho uma missão muito mais importante pra você em compensação. 

— Senhorita Akino? - Yukio estranhou as medidas tomadas pela jovem, impressionado com tanta crueldade e maldade em uma só voz. Não era à toa que ela era um demônio. - Só me diga como ele está, por favor. 

Por um instante, a garota deixou de expressar qualquer expressão sequer. Fora então que notara o surgimento de labaredas dançantes de cores avermelhadas. Fechando os olhos, esta tentou recobrar toda sua postura e controle, fazendo que as chamas aos seu redor fossem desaparecendo aos poucos. Quando tornou a abrir os olhos, as írises douradas estavam muito mais calmas. 

— Está seguro. Preparei um antídoto a tempo para que o quadro não agravasse ainda mais. Porém, eu não acho que ele será capaz de se mover livremente por alguns dias. - seus olhos repousaram sobre o corpo adormecido de Rin e novamente uma expressão de preocupação lhe tomou. - Vou ficar com a custódia dele durante esse período. Vamos concordar que ninguém seria louco o bastante para procurá-lo sabendo que está comigo. 

— Concordo. - Yukio deu um pequeno suspiro de alívio. - Muitos exorcistas têm medo de você. Talvez seja o melhor mesmo. 

— Você não pode vir também, Yukio. Tenha em mente isso. 

— Não se preocupe. Sei que se eu menos souber, será melhor. Só peço para que me mantenha informado. 

— Tudo bem. - Akino desviou seus olhos de Rin e se voltou para a porta atrás de si. - Agora, ao assunto principal. O veneno que utilizaram contra Rin foi uma mistura de diversos componentes demoníacos. Com isso, o veneno não age nas primeiras horas, porém acaba se tornando rapidamente agressivo depois desse tempo. Foi muita sorte que ele não morreu pelo... choque inicial. - Akino segurou ao máximo o ódio em suas palavras, mas não fora o suficiente não ser percebido por Yukio. - Sendo assim, vocês receberam algo diferente ontem à noite? 

— Bom... Recebemos alguns chocolates. 

— Chocolates? 

— Sim... Mas não se preocupe. A maioria foi dado pela Shiemi e pela senhorita Kamiki. Não. Quero dizer... 

— Yukio? - Akino estranhou aquela atitude tomada pelo rapaz, não entendendo em nada ao ponto que o incomodava. 

— Não fique irritada com elas. 

— Onde você quer chegar? - a demônio começava a se estressar. - Acredita que elas teriam feito isso? 

— Não! Claro que não... Senhorita Akino. Tem ideia de que dia foi ontem? 

— Era para eu saber? 

— Bom... - Yukio pensou em relevar que sabia da interação que Akino e seu irmão havia formado, mas não achou certo fazê-lo. Pensando cuidadosamente no que dizer, o rapaz acabou por dar um pequeno suspiro cansado. - Ontem foi dia dos namorados. 

— E o que essas duas queriam dando chocolate para Rin? - Akino não parecia mais irritada. Na verdade, Yukio se surpreendeu com a calma de suas palavras. 

— Senhorita Akino. Você não sabe nada mesmo sobre o dia dos namorados? 

— Não. Eu passei a maior parte da minha vida em Gehenna. - Akino não tinha a intenção ser ríspida com o rapaz, porém acabara sendo devido a forma como contara um fato. Ela não sabia nada sobre os costumes humanos. 

— Desculpa. Não foi a minha intenção. 

— E então? 

— Basicamente, nesse dia as garotas fazem ou compram chocolate para aqueles que amam ou tem algum afeto como amizade... Pensando bem. Ontem, Rin parecia muito feliz por ter ganhado uma caixa de bombons de uma garota no colégio. - o silêncio após o comentário de Yukio tomou a ligação para si. O rapaz enfim percebera como acabara soando sua informação para a garota e sentira-se mal com isso. - Senho... 

— Certamente, era um disfarce. Estou certa? - Akino não podia demonstrar que estava enciumada com aquela situação. Esta segurou por alguns instantes a respiração para manter-se controlada. 

— Sem dúvidas. Foram os únicos doces que Rin não compartilhou e comeu o que pode... Ele até comentou que não dividiria porque eram doces demais pro meu gosto. Nem ele mesmo estava aguentando. 

— Idiota... - Akino acabou comentando. - O doce excessivo era por conta do veneno. Yukio. Vou deixar você por conta das investigações. 

— Vou começar agora mesmo. 

— Só lhe peço uma coisa. 

— O que seria? 

— Se for um ex-exorcista, ou qualquer outra pessoa não vinculada à Ordem, ou até mesmo um demônio... Poderia me passar as informações necessárias para caçá-los? - novamente, o tom de maldade e ódio era sentido nas palavras da demônio. 

— Senhorita Akino? 

— Se for um exorcista, não seria prudente provocar ainda mais a organização. Mas caso o contrário, não seria problema algum. - o silêncio feito pareceu divertir o lado maléfico da jovem. - Só lhe peço isso. Se não falar nada, eu também vou entender. Não deve ser fácil a ideia de contar a um assassino quem será sua vítima. 

— Esse lado seu... 

— Não precisa continuar, Yukio. - respondeu secamente. - Eu sei bem onde quer chegar... Só... Só não esqueça que você e Rin são importantes pra mim. E não é porque minha mãe se tornou uma esposa do seu pai. 

— Eu sei, senhorita Akino. - Yukio deu um curto sorriso melancólico. Não queria ter julgado a garota novamente. - Proteja o Rin. 

E assim a ligação fora encerrada. 

Akino permaneceu por um longo tempo ali, parada. Naquele momento, a jovem refletia os últimos acontecimentos com calma e atenção. Precisava desse tempo para si para não se cobrar ainda mais do que já estava desde que resgatara Rin. Fora muita sorte do rapaz dela ter cedido pelo próprio desejo de vê-lo. Fora graças a isso que a demônio pôde chegar a tempo de acudi-lo. Ao lembrar desse fato, Akino sentiu os músculos de sua face se contraírem devido a vergonha de seus atos. 

Passado um bom tempo aquele modo, a garota acabou por voltar-se novamente para o rapaz adormecido. Relutantemente, aproximou-se do mesmo e sentou-se ao seu lado. Por alguma razão, apenas a imagem de Rin repousando já a satisfazia de diversas formas. Um mínimo sorriso transpareceu em seu rosto e finalmente aceitou ser, pelo menos por um tempo, um pouco mais humana. 

Horas caminharam rapidamente ao olhar de Akino. Assim que os olhos do enfermo se abriram lentamente, a garota notou o desnorteamento que o mesmo passava. Quando seus olhos se encontraram, ambos, inconscientemente, ficaram mais tensos. As maçãs do rosto do exorcista já se encontravam avermelhadas e a cor apenas se intensificou ao se encararem. A jovem agradou-se com aquele fato e não pôde deixar de considerar, no mínimo, gratificante aquela reação. Logo, os olhos azuis deixaram de enfrentar as írises douradas como sol, extremamente envergonhado pela situação passada por ambos, horas atrás. 

— Como se sente? - perguntou a garota gentilmente. 

— Melhor... - o garoto ousou a tentar se levantar, porém Akino rapidamente o impediu. 

— Não se apresse. Seu corpo ainda não aguenta movimentos bruscos. Continue deitado até uma segunda ordem, compreendido? 

— Ok. - respondendo de forma desanimada, o rapaz suspirou desanimado. A garota, em seguida, levantou-se, mas manteve seus olhos sobre Rin. 

— Sei que não é legal, mas é preciso. Vou preparar mais uma dose do antídoto e vou fazer algo pra você comer. 

Assim que a jovem se fora, o rapaz fora deixado com seus pensamentos. 

Ele não entendia como havia acabado daquele jeito. Estava profundamente irritado consigo mesmo por ter caído em um truque tão simples como o envenenamento, porém, ele queria acreditar que outras pessoas o viam como um ser humano, apesar de suas origens demoníacas. Como sempre dizia, tanto para os outros como para si mesmo, nunca havia pedido para ser uma cria de Satã... e estava muito longe de ser como ele. Por fim, toda a raiva converteu-se em mágoa e descrença. 

Ele nunca seria aceito... 

Mesmo tendo provado e demonstrado tanto sua determinação e bondade, o ódio permanecente no interior de cada pessoa não cessava de forma alguma. Muitas vezes, esse sentimento destrutivo apenas se intensificava. Rin só não queria admitir a verdade. Aceitar que nunca seria como os outros... aceitar que sempre seria um alvo para todos os males que seu pai biológico aprontasse... aceitar que nunca seria amado. 

Apenas alguns poucos o haviam aceitado como era. Akino estava entre estes, apesar de ser muito mais uma demônio do que um ser humano. 

E isso o fez refletir. 

Akino era como ele. Uma criatura indesejada entre os humanos e demônios por ser parte de ambas as naturezas. Como ela conseguia lidar todo esse ódio? Rin gostaria muito de saber, mas para isso, teria que invadir o espaço pessoal da garota. Afinal, Akino nunca contara sobre seu passado. O rapaz sempre fora curioso para conhecer a história da jovem, porém, por mais que remoesse por dentro, nunca havia ousado em questioná-la sobre o assunto. 

Talvez, agora que se tornaram muito mais próximos, fosse a hora de saber. 

O som das portas deslizando rapidamente chamaram a atenção de Rin e assim que seus olhos correram em direção da mesma pôde ver Akino se aproximando calmamente.  Em mãos, havia uma bandeja de madeira simples com um grande prato de mingau de arroz e outra travessa de antídoto caseiro repousando sobre o objeto. A jovem sentou-se ao lado do enfermo novamente, deixando a bandeja ao seu lado. Seus olhos travaram uma pequena batalha com o olhar atencioso do rapaz e deixando claro que nenhum deles tinha a intenção de deixar de sustentar tal atenção, ambos permaneceram assim. 

— Consegue sentar? 

— Eu não sei... - Rin deixou de olhá-la para levantar o tronco com o máximo de cuidado que poderia ter. A medida que se esforçava a isso, tanta sua cabeça como o próprio corpo latejavam pela dor do movimento. Akino agiu assim que notara a situação, auxiliando o jovem a se sentar. Dessa forma, Rin usou muito menos força e a dor, consequentemente, diminuíra. - Desculpa. 

— Pelo que?. - Akino logo lhe ofereceu a vasilha com a dose do antídoto a ser consumida. - Recomendo começar pelo antídoto. 

— Minha boca vai ficar dormente de novo? 

— Infelizmente. 

Apesar de não lhe agradar a ideia de ter a boca novamente abobada, Rin ousou em desacatar aquela sugestão e tomou o remédio para si. Como na primeira vez, o gosto amargo deslizava por sua garganta, aliviando as dores na região. Seu rosto não conseguiu disfarçar o sabor desagradável que ingeria, porém a demônio não o condenou por isso. Medicamentos não tinham a obrigação de serem agradáveis ao paladar. 

Com custo, Rin finalmente havia acabado de consumir o antídoto. Sua boca estava ainda mais dormente do que anteriormente. Talvez, fosse por causa que alguma parte fora dada pela própria boca de Akino. Ao se lembrar do que teve que passar, as maçãs de seu rosto voltaram a corar mais do que já estavam e consequentemente não teve audácia suficiente para encarar a demônio. Logo, o prato de mingau de arroz lhe pareceu bem atrativo e timidamente o alcançou. Ao provar pela primeira vez, sua reação fora de espanto. 

— Não está bom? - Akino não interpretara aquela reação de modo positivo. Pessoalmente, nunca se considerou uma boa cozinheira e com isso, a hipótese de matar o enfermo com sua própria comida podia ser levantada. 

— Está muito salgado. - Rin deu um pequeno sorriso carinhoso e voltou a comer com aquela feição. 

— Não pre... 

— Obrigado... 

Akino apenas se calou e continuou a assistir o rapaz comer, em silêncio. O rapaz não deixara sobrar nada do alimento e após descansar o prato na bandeja novamente, os olhos duros da demônio lhe chamaram a atenção. 

— Desculpa pela péssima comida. 

— Não me incomodo com isso. 

— Não é bom pra sua saúde. 

— Ei... Qualquer coisa que você fizer será bem-vindo para mim. - a garota rapidamente desviou o rosto para ajeitar a louça sobre a bandeja, aproveitando para manter seu semblante tão característico. 

— Vou levar as coisas. - assim que esta se levantou, esta partiu em direção a porta mais uma vez. 

— Quando eu estiver melhor, vou preparar o melhor jantar pra você. 

— Isso é um convite, por acaso? 

— Um que você não pode recusar. 

A jovem parou em frente à entrada, refletindo o assunto, e rapidamente saiu do cômodo. 

Rin se surpreendeu com a atitude de Akino, porém não era algo extraordinário. Por mais que houvessem aceitado o sentimento de amor que nutriam um pelo outro, a jovem nunca havia deixado de manter sua postura tão característica. O rapaz também não havia mudado tanto seu comportamento quando estavam separados, mas certamente era perceptível sua atenção e carinho que dedicava a garota quando juntos. Muitas vezes, seus companheiros o perguntaram se algo havia acontecido entre os dois e para manter as aparências, o exorcista dava tudo de si para enganá-los. 

Contudo, ainda queria sentir o calor do contato da demônio, como os beijos anteriores. 

Nos próximos 4 dias, o contato entre os dois fora tornando-se mais sólido. Akino ainda impedia que Rin esforçasse mais do que o necessário, teoricamente o obrigando a permanecer em seu leito o máximo de tempo possível, mesmo que este não a obedecia totalmente. As investigações de Yukio não haviam sido produtivas ao ponto de encontrar nomes concretos sobre o caso, porém tudo o que indicavam levavam a crer que alguns membros da Organização estavam por trás do atentado. 

Mais uma vez, Rin estava sentado sobre o futon. Pessoalmente, este estava farto de se encontrar preso naquele cômodo. Akino havia lhe pedido para não sair daquele lugar e por 4 dias havia atendido ao pedido. Contudo, não havia mais como acatar a ordem. Dirigindo-se a porta da forma como podia, o rapaz rapidamente a abriu e seguiu pelo corredor a sua esquerda. Seus passos eram lentos e cuidadosos, pois ainda não tinha pleno controle de seus movimentos. Rin notou como aquela residência era enorme enquanto caminhava e à medida que avançava, arrependia-se de ter saído de onde estava, já que suas pernas pediam por descanso. 

Devido a escuridão, o rapaz podia ver muito pouco do seu caminho, sendo guiado apenas pelas luminárias nos cantos de cada esquina. Assim que o exorcista tomou caminho por entre os corredores e cômodos, após alguns minutos, o mesmo se deparou com a saída daquela residência. O mesmo estava curioso em saber onde estava e cuidadosamente abriu a porta de entrada. 

A lua brilhava distante no vasto céu negro e manchado por diversas estrelas cintilantes. A brisa fria da noite rapidamente recepcionou Rin com um arrepiante carinho pelo seu corpo e o mesmo percebia como fazia frio naquela noite. Procurando uma maneira de se aquecer, o rapaz abraçou-se. Haviam árvores naquele enorme pátio em que se deparara e nelas, haviam cordas brancas com amuletos e encantamentos. A sua frente, seguia um longo caminho de pedras acinzentadas, formando um caminho até chegar as escadarias para fora do local. Sobre as escadarias, diversas estruturas características de templos xintoístas e, devido aquela estrutura, o rapaz ao menos sabia que estava em um santuário. Logo, uma mudança no caminho de pedras o chamou a atenção. Havia uma parte onde as pedras mudavam de direção, formando um círculo no solo. Ali, jazia uma lápide japonesa simples de pedra esverdeada pelo tempo. Rin não consegui ver o nome escrito ali pela distância e quando foi se aproximar do mesmo, sentiu uma mão o segurar pelo antebraço direito. 

— O que pensa que está fazendo? - Akino tinha seus olhos ferozes contra o rapaz e parecia muito irritada. 

— Eu queria tomar um pouco de ar. - Rin sentiu incomodado com aquele olhar, mas rapidamente a jovem abandonou o contato visual e o soltou. 

— Dá próxima vez que sumir assim, juro que te mato. 

— Desculpa.- A demônio respirou fundo, finalmente acalmando sua inquietude. Após isso, voltou-se para a porta de entrada e caminhou para dentro da mesma. 

— Está frio. Vamos entrar. 

— Que lugar é esse? 

Os passos da jovem rapidamente pararam. Rin olhou para a garota de costas para si e notou a tensão sobre os ombros da mesma. Os olhos do jovem se mostravam melancólicos enquanto observavam a silhueta de Akino nas sombras da escuridão. Algo dentro do rapaz sabia que estava em um lugar de trágicas memórias para a demônio e queria confirmar seu palpite. A garota levou apenas um pouco do rosto para trás, porém logo voltou para frente. 

— Akino. - Rin decidiu não mais esconder seus sentimentos e pensamentos. - Por favor, me diga. Eu quero saber mais sobre você. Não posso mais ignorar sua indiferença e seus medos sem saber o motivo. Não me deixe mais nessa situação. Eu quero te conhecer melhor, Akino. 

Novamente, o silêncio fora preciso. O rapaz notou que a tensão sobre os ombros da jovem havia aumentado drasticamente. 

— Há coisas que são melhores não se envolver. 

— E como você quer que não me envolva se eu já mergulhei de cabeça em nossa relação? Isso é o suficiente pra você ou não? 

Os olhos dourados da jovem brilhavam na escuridão e Rin viu, quando os mesmos se voltaram para si, a tristeza naquele olhar. E pela primeira vez, Akino havia retirado por um instante sua máscara, deixando claro seus sentimentos. 

— Esse templo pertencia ao meu pai... 

Rin surpreendeu-se com a revelação, mas não quis se pronunciar. A demônio logo voltou a se aproximar de Rin, porém esta passou por ele, descendo o curto lance de escadas e chegar a pisar sobre a trilha de pedras. 

— Meu pai foi um exorcista também. Diziam que seu trabalho era formidável. Quando o último sacerdote deste templo morreu, meu pai foi escalado como sucessor. Afinal, era de sua família para início de conversa. Ele largou a mão do trabalho prático e se dedicou a cuidar do templo e lecionar para os novos exorcistas. Não sei quando ele conheceu minha mãe, mas o pouco que ele me contou, ele rapidamente se apaixonou por ela. No primeiro momento, achei que fosse pela beleza que ela tem, mas... - Akino deu um longo suspiro. - Bem, Alurian é um demônio muito incomum. 

— Ela também gostava dele? 

Akino se voltou para Rin, notando sua inquietude. Não era uma pergunta tola, afinal, Rin tinha dúvidas se Satã realmente amou sua mãe e se sua mãe também seu pai. A garota rapidamente olhou para os céus, contemplando o belo brilho das estrelas. 

— Sim. Ela realmente o amou. 

Ao que a garota voltou a olhar para o rapaz, fora recebida pelo mais profundo olhar indescritível sobre si. Novamente, a jovem deu as costas para o exorcista. 

— E amou mesmo sabendo ele era um exorcista... e meu pai a amou mesmo sabendo que era um demônio. Alurian me contou mais tarde que já estava casada com seu pai naquela época, mas isso não incomodou ele de qualquer forma. Ela disse que era porque ele nunca a viu verdadeiramente como uma mulher e sim apenas como uma relação diplomática. Dizia que ele mantinha muitos casos. 

— Por que isso não me surpreende? - o tom de deboche na voz de Rin era muito evidente. 

— Sinceramente, Rin. Eu realmente acho que sua mãe abalou Satã de alguma forma. Não acho que você deve bater cabeça por isso. 

— Você está certa. - o rapaz suspirou derrotado e passou a observar as estrelas. 

— Em todo o caso, eu nasci. - o jovem focou seu olhar sobre a jovem. - Minha mãe achou melhor deixar que meu pai cuidasse de mim. Para eles, era muito mais fácil ser criada entre os humanos e esconder o fato de eu ser uma mestiça. No fim, foi o que aconteceu. Meu pai me criou do melhor jeito possível. Ensinou-me sobre o caminho do exorcismo e como me defender caso precisasse. Obviamente não me contou o que eu era, então eu realmente achei que era uma verdadeira humana...  

— Akino? - assim que a demônio passou a se afastar do templo, Rin rapidamente a seguiu. 

— Sinto falta daqueles tempos... - Akino parou em frente a lápide que o rapaz havia notado antes e não houve a necessidade de compreender a situação. Rin ficou ao lado da mesma, observando o túmulo com tristeza. Assim que seus olhos se acostumaram com a pouca claridade proporcionada pela lua distante, por ler os ideogramas “Shou Tamura”. 

— Eu sinto muito... 

— Meu ódio por humanos e demônios começou naquela noite... - Rin olhou para a jovem e viu a raiva expressava, mesmo que pouca, na face da demônio. - Por incrível que pareça, é possível fazer os dois lados lutarem juntos. Principalmente quando se trata em destruir. - Akino encarou as mãos como se elas estivessem manchadas. Mesmo que elas estavam limpas no momento, o rapaz rapidamente compreendeu o significado daquela ação. - Limpei tudo com essas mãos... - a demônio fechou os punhos com força. - Foi então que Alurian me chamou para viver com ela em Gehenna. Não havia motivos para recusar, sinceramente. Eu estava sendo caçada e a Ordem não teria piedade por uma mestiça só por ser uma criança de 9 anos. Pra falar a verdade, eu gostei de Gehenna. - Rin assustou-se com a confissão. - Eu aprendi muito lá... principalmente a sobreviver. 

Akino acabara por usar muito de sua força e suas unhas afiadas cortaram sua pele, deixando com que filetes de sangue escorressem das mãos fechadas. 

— Idiota. - Rin tomou as mãos de Akino e verificou se os cortes não eram profundos. Logo, suas mãos estavam manchadas pelo sangue da demônio e por alguns instantes, o rapaz se prendeu aquela visão. 

— Não vai dizer que sou repugnante? - a garota mantinha sua cabeça baixa. - Não vai me acusar de assassina? 

— Eu já disse... - Rin forçou com que a jovem o encarasse. - Você é uma idiota. 

— Devo ser... 

— Você é uma idiota por não ter me contado antes. - Akino se espantou com a explicação e não soube o que dizer. - Eu estou com você, Akino. Você manteve esse fardo sozinha por muito tempo. 

— Sim... Por 40 anos. 

— 40 anos?! - o rapaz gritou assombrado. - Como assim “40 anos”? Quantos anos você tem?! 

— 49. - Rin não acreditava no que ouvia. - Demônios vivem muito mais do que os seres humanos, Rin. E o tempo em Gehenna é muito diferente do de Assiah. 

— Ainda assim... 

— Está triste por ter amado uma velha? 

— Estou surpreso por AMAR uma velha. - ambos se encararam por um tempo e, tomando a coragem necessária, o jovem abraçou a demônio em um forte abraço. Akino não recusou o ato e o abraçou de forma mais sutil. - Eu te amo, Akino. 

— Rin... - uma forte brisa os envolveu e a garota fora capaz de ver todos os pelos do exorcista se arrepiarem, a fazendo dar um pequeno sorriso. - Vamos pra dentro. 

O rapaz concordou e com o apoio da demônio voltaram à residência.  

Ao que chegaram no cômodo onde Rin passara a maior parte do tempo após o incidente, Akino o auxiliou a se sentar sobre o futon. As pernas do rapaz doíam de forma incessante devido ao esforço físico. A garota reprovou o ato feito pelo jovem e se afastou para trazer mais cobertas para o mesmo. A noite prometia uma sensação térmica muito mais abaixo que o esperado. Assim que esta aconchegou as cobertas aos pés do futon e antes mesmo que pudesse se levantar, Rin tomou uma de suas mãos. A demônio rapidamente o encarou e percebeu o duro olhar que lhe era dado. 

— Posso te beijar? 

— Claro que pode. Desde aquele dia em que ficamos juntos. 

— Então, eu posso parar de me segurar? - Akino se surpreendeu por saber o quanto Rin estava se esforçando para não demonstrar seus sentimentos. Ele não era como ela, mas a necessidade que ambos tinham pelo contato um do outro era o mesmo. 

Gentilmente, a garota tocou o rosto do rapaz com a mão livre e o acariciou de forma sutil. Ao sentir aquele toque, o exorcista encarou aquilo como um sim e nem mais um minuto a perder, tomou os lábios que lhe eram de direito.


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Notas finais do capítulo

Caros leitores de todas as idades. Gostaria que, humildemente, deixassem uma palavra a esta escritora que aqui vos escreve. Não é pedir muito um simplório comentário para dar a luz que um escritor necessita.



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