Rebel Mermaid escrita por nekokill3r


Capítulo 7
O pesadelo estando de olhos abertos




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A fim de recuperar o tempo sem tal prestígio, sou permitida de dormir até duas da tarde.

 Os médicos e enfermeiras examinam meu corpo vendo o estado precário da minha unha perdida, das minhas costas destruídas pelas chicotadas, do meu ouvido que já estava ruim e havia piorado por causa do tanque de gelo e dos incontáveis machucados no meu rosto. Mas o que ocorre depois é o que me faz chorar de dor de verdade. É preciso arrancar o resto da unha para ela não infeccionar mais, além de passar remédios nas feridas e tirar os espinhos grudados das minhas costas —– eu ainda não havia tido permissão para nem mesmo tomar um banho, porque meu corpo estava muito machucado e poderia piorar a situação, mas não deixo de me alegrar por dentro quando uma das enfermeiras supõe a possibilidade de me banhar quando eu estivesse inconsciente.

Embora não quisesse agradecer por tal coisa, chega a ser bom que eu sequer pudesse abrir a boca por causa da irritação da mesma, pois sabia que todos queriam saber das coisas e do lugar aonde saí e não queria me recordar de nenhum momento daquele inferno. Sabia disso porque mais cedo, quando eu ainda estava meio sonolenta mas escutando bem, eu ouvi uma conversa em que só reconhecia a voz de Gale.

—– Deve estar de brincadeira, não é? —– perguntava ele baixo para não me acordar, porém não escondia a raiva nas palavras. —– A garota estava a quase duas semanas só com a roupa íntima dentro de uma sela com o ar condicionado abaixo de 0° e está com uma pneumonia grave, e você quer mesmo fazer ela gravar uma entrevista dizendo que está viva e bem? Ela nem ao menos consegue abrir a boca direito, Plutarch!

Não faço ideia de quem seja o homem com quem ele estava falando, mas fico agradecida por ter me defendido e não deixar que me obriguem a fazer algo assim, porque dessa vez eu não gostaria de ver o sistema sendo atacado com a notícia de que Snow continua vivo. E como não posso falar, começo a aprender libras e escrevo em um caderno as respostas para as coisas que me questionam, mas é difícil não tentar fazer minha voz sair e esperar com paciência até que resolva voltar a ficar boa.

Lá pelas quatro horas, Gale vem me visitar. Ele se senta na cama e então me conta que seu distrito havia sido bombardeado os obrigando a ir para o 13. Acabo sorrindo quando ele me diz que Katniss, Beetee e Finnick estavam vivos, e peço para que ele avise para todos que venham me visitar quando tiverem um tempo. E também descobri que ele não era primo de verdade de Katniss, o que me deu um certo alívio sem nenhuma razão aparente.

—– Você se sente melhor? —– pergunta ele depois de termos colocado as novidades em dia.

Sim, mostro a resposta no caderno rapidamente acrescentando algo, mas eu quero conversar.

—– Se eu fosse você não iria querer, tem uma fila gigantesca de pessoas só esperando isso acontecer para te inundar de perguntas —– avisa ele, demonstrando preocupação. —– Ninguém ainda veio te ver porque você dormiu muito.

Perdão, escrevo triste, fazia tempo que eu não conseguia nem fechar os olhos.

—– Não há necessidade de pedir algo assim —– diz ele, rindo. —– É mais do que certo que durma, afinal precisa se recuperar.

A pulseira preta que ele está usando que mais parece um grande relógio começa a apitar, como se estivesse sendo chamado.

—– Vou tentar voltar outra hora —– promete ele, mas sei da chance de não ser verdade. —– Eu irei avisar para os outros que você já acordou, com certeza logo eles vão vir aqui.

Obrigada, Gale, levanto o caderno esperando que ele leia, não só por estar vindo me ver, mas por ter me tirado de lá. Você nem imagina do pesadelo que me livrou.

(...)

Minha curiosidade em ver o 13 além das janelas do hospital se torna cada vez maior, mas não posso levantar por ainda estar muito fraca, então tudo o que sou obrigada a observar são os aparelhos e o teto branco me fazendo relembrar do que quero esquecer.

Não consigo tirar Peeta e Johanna da cabeça, imaginando como reagiram ao acordar e não me ver mais na sela ao lado, imaginando que devem ter achado que eu havia morrido por conta do meu vômito vermelho deixado no chão, imaginando que eu havia os abandonado. Se eu pudesse teria agido com mais inteligência e deixaria que pegassem um dos dois primeiro, porque sei da importância deles e tenho certeza de que ninguém está feliz por resgatar um tributo que nem se recordam mais. Os olhares desconfiados, o jeito que algumas enfermeiras aplicavam injeções de forma bruta, a cara mal humorada que alguns médicos me davam... tudo os denunciava me dizendo meu lugar não era aqui, que não era para logo eu estar aqui. Mas não posso fazer nada, porque não há esperança de voltar para minha casa antes de me recuperar e nem de achar que vou viver uma vida tranquila sem que me persigam até tornar a minha morte real. Pensava estar um pouco livre dos pesadelos ainda que acordada, só que mais uma vez me vem a ideia de ser jogada no mar dentro do caixão. E estar nesse lugar não alivia meu medo, só o piora, porque sabia que mesmo estando no subsolo havia a possibilidade de tudo acabar como cinzas novamente.

As visitas chegam quando já está anoitecendo, com seus rostos magros e destruídos. Eu os olho e não sou capaz de evitar as lágrimas, enquanto todos me abraçam também emocionados. O caos que estavam era notável, sendo que Katniss parecia ter perdido muito peso, Finnick parecia mais atordoado e Beetee estava em uma cadeira de rodas.

—– Você parece ainda mais adorável do que da última vez que a vi —– elogia Finnick, me fazendo sorrir. Apesar de tudo é bom ver que ele ainda gostava de deixar as pessoas envergonhadas com seus elogios.

—– Certamente, e mais natural do que naquele pôster dos Dias Escuros —– diz Beetee e o olho confusa, pergunto no caderno se ele viu a propaganda. —– Houve esse pôster que colocaram nos comerciais dos programas da Capital, mas a propaganda em si nunca foi vista.

A raiva me sobe no mesmo instante em que suspiro frustada. Fizemos aquilo por nada, então? Encaramos o nosso maior inimigo, ficamos ao lado dele para depois todo o esforço sequer ser exibido de verdade.

Mas eu ouvi você no estúdio, escrevo na folha, você conseguiu entrar no sistema da Capital e dizer que o Tordo estava vivo.

—– Sim, talvez por conta disso que a propaganda nunca foi divulgada –– explica ele e faz sentido. —– E como eles fizeram para vocês parecerem tão saudáveis?

Levaram uma estilista para as selas, escrevo depressa, e ela nos maquiou e nos deu roupas novas. Mas os Pacificadores quebraram o ar condicionado de propósito depois das filmagens e nos deixaram só com as roupas íntimas.

Vejo eles se entreolharem e percebo que estava os chocando demais contando aquelas coisas, então paro de escrever ou responder às perguntas relacionadas à Capital e os deixo contar como são as regras e autoridades no 13, enquanto me descrevem sobre a presidente Coin —– o que me faz pensar de imediato que ela talvez venha me visitar, e a ideia me apavora um pouco.

Quando todos vão embora, o medo se torna ainda mais real e quero minha voz de volta para gritar até que não consiga mais, até que eu a perca por completo. Mas permaneço ali deitada na cama, aterrorizada pelos meus próprios pensamentos, sem que ninguém venha. Nem mesmo Gale, como eu havia previsto. E no momento que desligam as luzes, eu não consigo dormir. Parece que vejo a moça ruiva no chão e o homem que estava com ela amarrado no teto com seu corpo em pedaços, ao mesmo tempo que ouço os sons da cadeira elétrica e do gelo contra o meu corpo. Quero berrar como nunca fiz antes.

Mas novamente suportando a dor, cubro a cabeça com o cobertor e fico ali, sendo assombrada pelos fantasmas daqueles que empurrei para a morte sem fazer nada para impedir.


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