Rebel Mermaid escrita por nekokill3r


Capítulo 25
O verdadeiro inimigo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/767742/chapter/25

A falta de informações é recompensada no outro dia, exatamente no momento em que acordo logo pela manhã.

 As boas preenchem meus ouvidos; nós vencemos a guerra, Snow foi preso e será executado ainda hoje, Coin é oficialmente a nova presidente Panem, a paz vai voltar a reinar. Porém, as más também chegam para apertar o meu coração; houve as explosões perto da mansão onde muitas crianças morreram, o que inclue a irmãzinha de Katniss —– Prim, a angelical Prim, com seus cabelos louros e sua pele clara, com sua pouca idade e muito conhecimento, a melhor enfermeira para aplicar injeções, a dona da presença que transmitia paz, a pequena Prim... a adorável Prim... a doce Prim... morta. E graças a esses acontecimentos tivemos todos de vir para a Capital ficarmos hospedados na mansão, um lugar que parece ainda mais assombroso sem a presença de seu dono, uma vez que se tem a impressão de que ele vai aparecer a qualquer momento e mandar nos fuzilar.

Eu passo o tempo todo grudada com Ethan. Desde o momento em que durmo até quando acordo sobressaltada, tendo seus braços e sua bela voz para me confortar. Não houve nenhuma iniciativa sobre o que estava escrito no papel, o que faz com que eu imagine que ele nem tem ideia de que consegui achar isso, mas ordeno à mim mesma para parar de ser paranóica por esperar tanto das outras pessoas, de quase implorar para que toquem em um certo assunto que não tenho coragem para fazê-lo, então apenas aproveito de sua companhia enquanto não está mais trabalhando sem parar.

A minha preparação é especial. Tomo um banho com a ajuda de Ethan, que me senta na banheira e ensaboa minhas costas, percebendo nas cicatrizes de quando fui torturada. Logo percebo em seu olhar assustado, o jeito que passa a espuma como se fosse me fazer sangrar se passasse com muita força.

—– Eu também não gosto muito delas... —– digo quando o vejo espantado ao encontrar um sinal do chicote de Thread. —– Acho que até vou fazer uma cirurgia para tentar tirar essas marcas.

—– Você não deveria fazer isso, sabia? —– diz ele sorrindo perto do meu rosto. —– Essas marcas representam sua força, a forma que você conseguiu suportar mesmo quando estava em um inferno.

—– E encarar você fazendo essas caras enquanto vê o meu corpo? –—– questiono dando de ombros, fazendo barulho na água.

Abaixo a cabeça apoiada nos joelhos. Apesar de tentar não deixar aparente, está estampado em meu rosto a vergonha que sinto por aquilo o que me tornei. Cheia de cicatrizes gigantes, as costas revestidas de sinais de chicote, os braços cheios de marcas. Isso afeta minha relação quanto a minha aparência bem mais forte do que eu poderia imaginar, de imediato fazendo eu me sentir um monstro.

—– Não, só estou impressionado com a maldade das pessoas —– recomeça Ethan quando me enrola em duas toalhas. —– Sabe, minha mãe... ela também tinha muitas cicatrizes, principalmente nos pulsos...

Olho para o seu rosto e percebo no semblante triste, deixando evidente que ele se sente culpado por tê-la encontrado sem vida. Acho que entendo, pois com meu avô eu sempre ficava receosa de sair de casa e depois encontrá-lo morto no chão de casa, por isso eu nunca saía muito e ficava o tempo todo ao seu lado. E nem mesmo isso foi capaz de mantê-lo vivo.

—– Você sente... falta dela? —– pergunto o vendo piscar rápido para conter as lágrimas.

—– Sim, bastante, mas na verdade sinto falta de todos... —– responde ele passando a mão quente no meu ombro. —– Apesar de tudo, eles continuam sendo minha família.

—– Também sinto falta do meu avô, era o meu único parente —– digo quando percebo que foi indelicado tocar nesse assunto.

—– Você nunca conheceu seus pais? Possíveis irmãos? Primos? Tios? Não tinha nem mesmo uma foto na sua casa deles? —– questiona ele e nego com a cabeça várias vezes. —– Sinto muito por isso, Krystal...

Apenas balanço a cabeça negando e sorrio de lado, lhe impressionando quando lhe dou um selinho rápido.

—– Agora eu tenho você, e isso é o mais importante —– admito ainda sorrindo, o que o faz ficar com as orelhas vermelhas.

Eu me enxugo da melhor maneira que posso por conta do gesso, então coloco a roupa que Tigris me deu e também a peruca verde que me fazem parecer uma cidadã refugiada da Capital —– penso que é exatamente isso que Johanna vai dizer ao me ver vestida assim e não consigo mais contar os minutos para que nos reencontraremos logo.

Antes de ir para a pequena reunião junto da presidente Coin e os outros vitoriosos, sou avisada de que Annie também estava lá e que contaram para ela que Finnick continuava no 13, e logo estaria chegando. E eu sei que ela é ingênua suficiente para acreditar nisso, o que me parte o coração. Minha oportunidade vai ser depois de sairmos da sala, o momento em que anunciarei para ela a morte de seu marido. Embora tentasse de todo jeito formular palavras que não saíssem dolorosas ou pesadas demais, nada parecia ser o suficiente, pois eu nunca tinha dado uma notícia dessas a ninguém.

Como não consigo andar direito com a muleta, sou obrigada a permanecer na cadeira de rodas. Minha entrada acaba sendo triunfal, porque Ethan estava brincando comigo na cadeira e acabamos passando pela porta muito rápido e rindo alto. Nós dois ficamos com o rosto vermelho de vergonha quando me encaixo na mesa entre Peeta e Annie, e Ethan acaba sendo obrigado a sair. E Johanna, perto de Coin, tenta segurar o riso de forma fracassada.

—– Eu os pedi aqui para resolver um debate. Hoje vamos executar Snow. Nas semanas anteriores, centenas de seus cúmplices de opressão de Panem foram julgados e aguardam agora a sua própria morte. No entanto, o sofrimento nos Distritos foi tão extremo que estas medidas parecem insuficientes para as vítimas. De fato, muito estão chamando para uma completa aniquilação de quem detinha a cidadania da Capital. No entendo, no interesse de mandar uma população sustentável, não podemos permitir isso —– fala Coin devagar para que acompanhemos.

Por um segundo olho a mesa ao meu redor conforme continuo prestando atenção em suas palavras; Beetee com seu rosto sereno, Katniss visivelmente destruída, Johanna com seu cabelo melhor e seu típico sorriso irônico, Peeta com uma expressão calma, Annie com os cabelos bagunçados e tentando não roer as unhas, Haymitch se esforçando para se manter sóbrio e Enobaria, aquela que ameaçou arrancar minha garganta com os dentes na arena, com cara de quem quer ir embora logo. E tem a mim, que se sente deslocada e até envergonhada.

—– Assim, uma alternativa foi colocada sobre a mesa. Como os meus colegas e eu não pudemos vir com nenhum consenso, foi decidido que vamos deixar os vencedores decidirem. A maioria de quatro vai aprovar o plano, ninguém pode se abster a votar —– explica Coin, olhando para o rosto de cada um por alguns segundos. —– O que foi proposto é que em vez de eliminar a população inteira da Capital, teremos uma final simbólica, uma edição dos Jogos Vorazes, usando as crianças diretamente relacionadas com aqueles que detinham o maior poder.

Todos olhamos para ela com o espanto e as exclamações evidentes, mas, por alguma razão, eu não me sinto impressionada nem surpresa por causa disso.

—– O quê? —– pergunta Johanna assustada.

—– Consideramos outro Jogos Vorazes usando crianças da Capital —– repete Coin, a voz tão fria que é como se estivesse falando sem sentir nada.

—– Você está brincando? —– pergunta Peeta, as sobrancelhas apertadas com raiva.

—– Não. —– Ela olha para ele com a mesma serenidade e os olhos vazios. —– Também devo dizer-lhes que se realizarmos os Jogos, será conhecido que foi feito com a sua aprovação, embora a distribuição individual de seus votos serão mantidas em sigilo para sua própria segurança.

—– Essa ideia foi de Plutarch? —– pergunta Haymitch.

—– Foi minha, pareceu equilibrar a necessidade de vingança com o mínimo de perda de vida —– responde Coin, e vejo um mínimo sorriso aparecer em seu rosto. —– Vocês podem votar.

—– Não! —– explode Peeta ao meu lado, quase se levantando da cadeira. —– Eu voto não, claro! Nós não podemos ter outro Jogos Vorazes!

—– Por que não? —– retruca Johanna rindo irônica. —– Parece muito justo para mim. Snow ainda tem uma neta. Eu voto sim.

—– Eu também —– diz Enobaria, quase indiferente. —– Deixe-os ter um gosto de seu próprio veneno.

—– É por isso que nos rebelamos! Lembra-se? —– Peeta nos olha indignado, visto que quase ninguém achou a ideia injusta. —– Annie? Krystal?

—– Eu voto não com o Peeta —– responde ela com a voz trêmula. —– Assim faria Finnick se ele estivesse aqui.

E agora, o que eu devo votar? Se eu disser que sim, vou ser considerada um deles não só pela forma de me vestir. Mas se eu disser que não, estarei sendo desonesta com os inocentes que perderam a vida, assim como o meu parceiro que vi morrer. Seria horrível ter de assistir isso, porém, também fomos obrigados a participar dos Jogos sem nenhuma opção.

—– Eu voto sim —– digo abrindo a boca pela primeira vez e me olham mais espantados ainda.

—– Não acredito nisso, Krystal! —– exclama Peeta, seus olhos quase se enchendo de lágrimas. —– Você acha mesmo que é assim que vamos construir uma nova Panem? Fazendo Jogos com crianças que não têm culpa de nada?

—– Não confunda uma coisa com a outra, Peeta —– retruco batendo a mão na mesa. —– E quando ocorreu conosco, tivemos culpa? Tivemos alternativa? Você acha mesmo que as mortes devem passar em vão? —– Ele abaixa o olhar sabendo que estou falando de Prim, e então repito: —– Eu voto sim.

Sem perceber, estou quase ficando em pé. Me sinto um pouco mais envergonhada e ajeito as costas, suspirando fundo por conta da demora para sair daqui.

—– Não —– diz Beetee quando as coisas acalmam. —– Seria um precedente ruim. Temos que parar de ver uns aos outros como inimigos. Neste ponto, a unidade será essencial para nossa sobrevivência. Não.

Sobram Katniss e Haymitch, um dos dois iria decidir. Agradeço em silêncio por não ter ficado com essa missão, uma vez que entraria em pânico ao começar a pensar na resposta que daria. Eu olho para Katniss de relance, vejo seus machucados no pescoço por conta do fogo que lhe atingiu, os olhos vazios vagando sem rumo e sei qual será sua decisão.

—– Eu voto sim... por Prim —– murmura ela concentrada na rosa a sua frente.

—– Haymitch? —– pergunta Coin, embora pelos votos já sei que o evento acontecerá.

—– Eu estou com o Tordo —– diz ele somente.

—– Excelente, isso termina a votação —– comemora ela juntando as mãos perto do rosto. —– Agora nós realmente devemos tomar lugares para a execução.

Finalmente, essa é a única palavra que se passa na minha cabeça quando ela diz isso. Ethan volta e me empurra para fora, onde eu dou um abraço em —– quase —– todos os que estive sem ver.

—– Olha só quem está viva, a refugiada —– ironiza Johanna assim que se abaixa para me abraçar. —– Não acredito que ainda está usando essas perucas horríveis.

—– Perdão, acho que eu deveria ter te dado uma, não é? Porque imagino que está com inveja! —– brinco com ela rindo. —– Que saudades eu estava de você, magrela.

Com o cabelo já maior, Johanna parece outra pessoa; com mais peso, com menos ossos aparecendo, com uma aparência saudável e não a decadente que costumava ter. Chego a ficar a admirando enquanto fala comigo, impressionada pela sua melhora rápida.

Então ouço Annie logo a frente, eu abro a boca para chamá-la e paro no instante em que percebo em sua barriga. Mesmo que estivesse pequena, era evidente o motivo de parecer mais cheia. Grávida, a palavra pisca várias vezes conforme continuo congelada, ela está grávida. E constatei que não conseguiria fazer isso.

—– Peeta... —– chamo e o rosto dele se vira fechado, sei que está com raiva de mim por causa do meu voto. —– Peeta, venha cá, por favor...

—– O que foi? —– pergunta ele sem muito interesse.

—– Não vou ser capaz de contar para a Annie sobre Finnick, eu sei que você é melhor com as palavras... —– sussurro em seu ouvido. —– Também sei que está bravo comigo, mas poderia me fazer esse favor?

—– Está bem... —– diz ele ao se afastar de mim.

O vejo pegando na mão de Annie e se afastando dali, o sorriso meigo e a forma que a acompanha fazem com que ela sequer desconfie do que está prestes a ouvir. O sentimento de culpa me atinge muito forte, tanto que deixo algumas lágrimas escorrerem.

—– Krystal —– chama uma voz que não gostaria de ter de ouvir e me viro para olhar para o rosto de Coin. —– Antes de irmos para a execução, gostaria de te propor algo. —– Eu apenas afirmo com a cabeça para que ela continue. —– Como uma forma de retribuição pelos ocorridos, pensamos em dar o direito aos vitoriosos de falar algo à Snow por, no mínimo, quatro minutos. Você gostaria de ir?

Encarar o homem que acabou com minha vida. Ficar frente à frente com ele. Por quatro minutos. É uma ideia maluca, olho para Ethan e ele me diz com os olhos para que eu não fosse, então me viro para Coin.

—– Eu aceito —– respondo surpreendendo até a mim mesma por essa decisão.

Somente eu e Katniss fomos malucas e corajosas de ir, sendo que ela empurrava a cadeira conforme seguíamos Coin. Decido ir primeiro pois quero que acabe logo, empurro as rodas com força e rapidez até encontrá-lo; dentro de uma sela com os vidros transparentes, revestido ao redor das rosas brancas que tanto gostava, o sorriso maligno e seus olhos de serpentes ainda os mesmos. Quis voltar no mesmo instante ao ver que seria mais difícil do que imaginava, mas a vantagem era que ele não poderia falar em momento algum, aguentando o que devo cuspir nele.

Aproximo um pouco mais a cadeira da sela, fico bem de frente com ele percebendo em seu sorriso que continua não acreditando que estou viva e as palavras saem com mais ódio do que eu possa evitar.

—– Eu me recordo que tentou me afogar em tanques diversas vezes, e também ameaçou me jogar dentro de um caixão ainda viva no mar. Perdão, "presidente" Snow, sinto muito em te informar que fez tudo isso... —– Sorrio de lado, a mesma expressão de deboche que eu usava no Centro de Treinamento, minhas últimas palavras já na ponta da língua. —– Mas você se esqueceu que uma sereia não pode morrer afogada, ainda mais quando é uma rebelde.

(...)

Retorno sem nenhuma lágrima ou arrependimento pelas minhas palavras, respirando fundo quando me vejo fora da sala. Ethan me encontra e vamos até o local da execução, no espaço onde costumava acontecer os desfiles, que agora está com um aglomerado de pessoas e fico no centro junto com os outros vitoriosos.

Ele se agacha ao meu lado, sorrindo de lado e sinto a necessidade de perguntar algo.

—– Você não acha estranho o que aconteceu com Prim? —– Ele me olha meio desesperado. —– Quer dizer, ela era muito nova para estar no meio de uma guerra.

—– Eu também achei isso, mas foi a presidente Coin quem a mandou ir —– conta ele e o ouço sem dizer nada. —– E sobre as bombas que a atingiram... bem... elas eram nossas, não de Snow.

—– O quê? —– pergunto sem acreditar. —– Você ajudou a fazê-las?

—– Não, não, jamais! —– exclama ele rápido por perceber que estou desconfiada. —– A ideia foi da presidente Coin, que passou para Gale, e ele e Beetee planejaram. Eu me recusei, então ela me expulsou.

—– Sinceramente, o que você ganhava de salário? Dois pães a mais? —– brinco rindo para não parecer brava ou indignada.

—– Ganhava o direito de poder ver você todos os dias... —– responde Ethan me surpreendendo, e bato de leve em seu braço.

Embora eu esteja rindo, os pontos estão ligando. Se me recordo bem Coin nunca gostou de Katniss e nem de mim, porque sabia que não iríamos apoiá-la no caso de haver uma votação para a colocar como presidente oficial. Ela tentou nos matar nos enviando para uma missão suicida; comigo não conseguiu, mas tirou algo muito mais valioso de Katniss do que sua vida.

Não estou arrependida da minha decisão, mas alguém que bombardeia crianças por pura vontade e ainda é capaz de rir quando conta isso para mim é mais do que uma psicopata. E acho que colocamos alguém pior do que Snow na presidência de Panem.

Em pouco tempo colocam Snow amarrado em um poste mais a frente, enquanto a presidente Coin sobe ao palco não conseguindo esconder sua cara de superior por ter conseguido o que tanto queria. Katniss entra com sua roupa de Tordo e é impossível não ver o ódio em seus olhos conforme marcha com o arco na mão, pronta para acabar com aquele que lhe tirou tudo. Um pequeno discurso é feito e estreito o olhos no momento em que vejo o sangue começar a escorrer do canto da boca de Snow, não sabendo ao certo a razão.

O silêncio é total no momento em que a flecha está inclinada para acabar com o inimigo, mas a minha cabeça me diz que estou errada em pensar assim; Snow acabou com nossas vidas, só que o verdadeiro pesadelo está em cima do palco com seu sorriso irônico de quem não fez nada pelas crianças que morreram na Capital. Percebo que a direção do braço de Katniss muda para cima, para onde Coin está. Direto no coração, ela cai já sem vida.

A risada de Snow junto ao sangue que espirra de sua boca é o único barulho ouvido antes de a multidão invadir o espaço e seria algo que possivelmente iria me atormentar nos momentos em que tentasse dormir, se eu não estivesse com um enorme sorriso assim como ele.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rebel Mermaid" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.