Rebel Mermaid escrita por nekokill3r


Capítulo 16
O calmante inesperado




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O dia começa estranho. Logo às 07:00 da manhã, Prim retorna e me acorda de maneira calma, depois corta as minhas unhas bem curtas. Imagino que talvez seja por conta da higiene, já que deixei que elas crescessem sem perceber, mas descubro que não é só isso quando Boggs adentra no meu quarto me perguntando como estão meus pulsos e se eu aguentava fazer muito esforço, me levando para aprender a usar uma metralhadora e outras armas menores.

 No meio tempo que passamos dentro da sala de treinamento eu não questiono nada, não imagino nada, não me desespero por nada, pois sei qual vai ser a resposta caso eu me atrevesse a perguntar por quê estava ali. Ordens da presidente Coin. E, aparentemente, as pessoas daqui obedecem a ela sem nem mesmo se perguntarem qual o motivo disso.

Há um momento em que a metralhadora pesa no meu braço e deixo ela cair sem querer, o que faz Boggs correr para perto de mim.

—– Você nunca conseguiria se encaixar em algum esquadrão —– confessa ele pegando a arma, e sei que não estava me dizendo aquilo na intenção de me magoar. —– Seus pulsos ainda doem, estou certo?

—– Sim, um pouco —– respondo me sentando no chão e a pergunta sai sem que eu possa evitar. —– Se não vou entrar em nenhum, então por que está me ensinando a usar essas coisas?

Ele não responde. Acho que talvez tinha consciência que eu sabia o que diria, por isso não se deu ao trabalho. Boggs é um homem calado, observador, mas percebo como é gentil e educado mesmo com seu rosto sempre fechado. Tenho certeza dessas coisas porque ninguém me ajudaria a levantar, como fez agora.

Sou liberada dez minutos depois para poder tomar café da manhã no refeitório, mas sinto vontade de me esconder quando vejo que Ethan também está lá. É mais que certo que eu deveria ficar mais perto dele, só que, mesmo ele sendo do meu distrito e um velho conhecido, não sei ao certo o que pode acontecer; apesar de não ter visto as munhequeiras e nem ter comentado nada sobre a peruca, sei da possibilidade de terem contado a ele sobre muita coisa que me ocorreram, se não mostrado até o meu "filme", além de o meu pôster ainda estar no telão. Ethan tinha uma visão sobre mim no passado, na época em que eu era feliz e não me preocupava com nada, e não quero estragá-la mostrando o caos que me tornei hoje em dia.

Enquanto pego a bandeja penso em subir de volta para o meu quarto, mas olho de relance e suas orelhas estavam vermelhas. Não tem mais como fugir, aquela era a maior prova de que ele já me viu.

—– Bom dia, Ethan —– cumprimento assim que chego até a mesa e fico de frente com ele. —– Posso me sentar aqui?

—– Bom dia... —– deseja ele com dificuldade, percebo em suas mãos tremendo quando pega o copo de leite. —– Sim, pode...

Silêncio. Confesso que eu esperava que ele era quem puxasse assunto, porque normalmente é assim que as coisas funcionam, mas Ethan é diferente e sei bem disso.

—– Então, você gosta de trabalhar com o Beetee? —– pergunto tentando não deixar o silêncio predominar.

—– Sim, ele é muito legal... —– responde Ethan e olha para mim várias vezes, para depois encarar o chão. —– O que houve com o seu ouvido?

—– Ah, isso? —– Aponto para o aparelho que às vezes me esqueço de que ainda está pendurado em mim. —– Você se lembra de quando Katniss destruiu a arena? —– Ele afirma com a cabeça. —– Eu estava perto quando o raio caiu na árvore, acabei perdendo a audição desse lado. Foi Beetee quem o fez para mim, mas acho que a bateria deve estar estragando porque de vez em quando é como se eu nem o usasse.

—– Você quer que eu... bem... faça um novo pra você? —– pergunta ele, seus belos olhos me encarando, os lábios prensados um no outro.

—– Ah, se você não se incomodar, eu iria gostar muito —– respondo sorrindo.

Definitivamente, ele estava morando no distrito errado. Como é que alguém do 4, que é acostumado com praia, mar, sol quente e odor de peixe, se interessava tanto por tecnologia? Ou será que ele nasceu com esse dom? Para ter invadido o sistema do 13, Ethan deve estar aprendendo a como fazer essas coisas há anos, mas nada me convence da chance de ele ter sido levado do 3 para o nosso lar.

Só vejo a grande pulseira preta, que todos parecem ter menos eu, quando ela começa a apitar sinalizando que estava sendo chamado de volta para o trabalho. Ethan olha para mim meio triste, como se não quisesse ir e me deixar sozinha, mas eu sorrio o convencendo a ir e já começar a fazer o meu aparelho.

E enquanto o vi indo embora de costas, me veio a sensação de pedir que ele tivesse ficado mais um pouco, que ele conversasse comigo mais um pouco mais, que ele pudesse ao menos me dar um abraço depois de tanto tempo sem nos vermos. Somos conhecidos apenas de vista, penso comigo mesma quando não consigo mais enxergar as madeixas pretas, não é como se pudéssemos ficar trocando carinhos.

Porém, mesmo depois de guardar a bandeja, encarar o meu pôster horrível, suportar ficar a tarde toda no meu quarto, eu continuo com o sentimento de que esperava mais dele.

(...)

—– Você gosta dele, está na sua cara! —– grita Johanna rindo, assim que conto para ela tudo sobre Ethan.

Embora quisesse ter feito apenas uma pequena visita para ver como ela estava, de repente estávamos falando sobre algo que eu não sabia que era existente: a minha vida amorosa. E com Johanna sendo irônica a cada coisa que eu contava, pude sentir o quanto fazer isso foi uma má ideia.

—– Eu não gosto dele —– repito várias vezes. —– Uma coisa dessas nunca aconteceria, nos conhecemos desde crianças.

—– Mas esse é mais um motivo para ser verdade —– retruca ela com as sobrancelhas erguidas, o sorriso sarcástico sempre presente. —– E aí, ele é bonito mesmo? Porque, se for, acho que vou começar a passear mais onde o Beetee trabalha.

Preciso suspirar para não me sentir irritada, porque sei que ela está me provocando justamente para que eu fique com ciúmes dele. O que, com toda certeza, é algo impossível.

—– Ao invés disso, por que não me fala sobre o treino? —– pergunto mudando de assunto, pois já não suportava mais falar sobre Ethan. —– Você conseguiu se encaixar em algum esquadrão?

—– Não, porque tive uma porcaria de crise de pânico —– responde ela com o rosto triste. —– Mas pelo menos eles me deram uma outra chance, talvez por esses dias me chamem de novo.

Me sinto mal por ela, então apenas afirmo com a cabeça. A vendo daqui enquanto toma soro na veia e espera ansiosamente para que o cabelo possa crescer depressa, sei que Johanna não vai conseguir passar, mas não quero ser tão rude a esse ponto e não digo nada, apenas deixando que ela se esforce ao máximo para fazer isso.

Decido voltar para o meu quarto depois de um tempo, ainda com o que Johanna me disse na cabeça. Eu nunca havia me preocupado muito com toda essa coisa de gostar de alguém, afinal enquanto as garotas da minha idade estavam com namorados eu estava tentando permanecer viva dentro de uma arena, mas não acho que Ethan seja lá tão importante para mim a esse ponto. Ele era sim —– muito —– bonito, educado, gentil e a timidez dele era o que mais o diferenciava dos outros. Chega a parecer loucura achar que ele veio para cá só por minha causa, que abandonou tudo no 4 para ficar perto de mim, que possa sentir alguma coisa por alguém tão mentalmente ferrado como eu.

Desabando na cama e esquecendo todas essas coisas, percebo que eram 20:00. Pego mais um papel dos motivos para viver, o sorteado de hoje é Gale.

Porque preciso te ensinar a caçar

Eu sorrio, me lembrando de quando tivemos aquela conversa. Talvez seja uma boa ideia aprender algo como isso, visto que senti vontade de conhecer um pouco mais sobre os "restos do Distrito 12" quando ele me contou sua história. O vejo como aquele que me livrou do inferno e tenho certeza que ele me vê como uma baixinha suicida, por mais que às vezes percebesse os olhares sobre nós como se fossemos algo a mais do que isso.

Estou ajeitando as coisas para tentar dormir mais cedo quando Haymitch adentra no meu quarto, sem bater. Olho para ele com a mesma cara descrente que me deu no dia anterior, o que o faz bufar. Não ligo muito para sua presença e continuo arrumando os remédios de acordo com a hora que devo tomá-los, mas é horrível sentir ele olhando para as minhas costas.

—– O que devo a honra de sua visita? —– pergunto me sentindo Johanna.

—– Peeta —– responde ele e a expressão em meu rosto muda no mesmo segundo. —– Está arrependido por ter gritado com você, insistiu para te ver. Pensamos em deixar passar, mas ele está quase chorando implorando para levar você. Ele prometeu não surtar de novo. E, pelo amor de Deus, dessa vez não invente de fazer uma trança.

Ouço tudo conforme calço a bota de novo e quando vou arrumar a peruca, percebo algo que não tinha reparado antes: não é assim que Peeta me reconhece. Não é com essa pessoa que ele conviveu. E por saber que se lembra de quando fomos gravar a propaganda, tudo o que isso o traz são lembranças da Capital, então decido tirá-la e soltar o meu cabelo natural, o amarrando em um rabo de cavalo alto como eu sempre fazia. Vejo Haymitch se aproximando da porta, apressado para ir logo, mas há algo que não sai da minha cabeça.

—– Antes de irmos, eu queria saber quem teve a ideia de passar a minha história no telão e deixar aquele pôster meu lá —– peço parada no meio do quarto com os braços cruzados.

—– Ordens da presidente Coin —– responde ele, quase me fazendo perguntar se era sério se todos realmente só faziam as vontades dela. —– Primeiro ela teve a ideia de gravar você, depois passar tudo e então o pôster foi Plutach quem fez.

—– Poderiam ao menos ter perguntado o que eu achava, afinal usaram minha imagem sem que eu soubesse —– retruco meio irritada, tentando não me alterar. —– E deveriam tirar aquilo de lá, foi por isso que Peeta surtou ontem.

—– Não é bem assim, Krystal —– murmura ele suspirando novamente, buscando paciência. —– As memórias que Peeta tinha sobre Katniss foram todas alteradas, então ele claramente surta por qualquer coisa que envolva ela e não só por seu pôster falando sobre ter se juntado ao Tordo. Até se colocássemos alguma roupa perto dele que ela usava na época em que a conheceu, ele surtaria.

Sigo o caminho junto com ele, mas ainda não estou convencida sobre nada e também continuo com raiva pelo o que fizeram. Ordens da presidente Coin, ordens da presidente Coin, ordens da presidente Coin. Todos só sabem dizer isso, parecem robôs como meu médico especial parecia antes. Confesso que estou começando a ficar com raiva pela adorada presidente, não somente por ela usar a minha imagem sem meu conhecimento, e sim por estar parecendo que quer fazer com que Peeta fique contra mim de toda forma.

Ao adentrar no quarto quase cegante, logo percebo na diferença em seu rosto; embora ainda estivesse magro e machucado, posso ver que tinha mais cor e parecia menos agressivo, menos nervoso, dando espaço para o velho e tão generoso Peeta. Eu me sento em sua cama, percebendo que as amarras dessa vez estavam menos apertadas desde a última vez que vim o visitar, e ele parece alegre por me ver.

—– Oi, Peeta —– cumprimento, sorrindo. —– Me avisaram que você queria me ver.

—– Sim, Krystal... —– concorda ele com os olhos se enchendo de lágrimas. —– Me perdoe por ter gritado com você, eu não queria ter feito isso...

—– Não se preocupe, você já está desculpado —– garanto resistindo a tentação de enxugar seu rosto. —– Você se sente melhor?

—– Não... —– responde de cabeça baixa dessa vez, como se estivesse envergonhado. —– Disseram que eu deveria escrever por quê eu gostava tanto de você, em um papel.

Eles não disseram que eu tentei suicídio, penso comigo mesma, ou ele enlouqueceria mais achando que Katniss tivesse me matado.

—– Sim, eu li o que escreveu —– digo quando ele para de falar e olha para mim. —– Eu gostei de verdade, muito obrigada. Você também é meu amigo, Peeta, então tem que me prometer que vai se esforçar para ficar bom logo.

—– Estou tentando o meu melhor, juro —– diz ele e percebo que altera um pouco a voz. —– Mas parece que nada funciona, nada melhora.

—– Eu acredito em você, vai melhorar sim, você vai ver —– tento garantir mesmo com a voz trêmula por estar com um certo medo. —– Me fale sobre o bolo do casamento, como você teve ideia de decorar ele daquela forma?

Sou capaz de distraí-lo por vários minutos de forma que ele não surte ou comece a gritar, assim que faço com que se esqueça de Katniss. Conversamos sobre o bolo, sobre como minhas unhas estavam grandes e tive de cortá-las e sobre como parecia que ele havia crescido, mas quando me pedem para ir embora Peeta implora para que eu deixe que ele faça uma trança no meu cabelo. Olho meio desesperada para Haymitch e Plutarch através do vidro, eles afirmam com a cabeça apontando para os guardas prontos para qualquer ação agressiva dele.

As algemas são tiradas enquanto solto meu cabelo e imagino que Peeta vá voar sobre meu pescoço, porém com cuidado ele modela os fios de forma calma; ao terminar ele ainda olha para mim distraído, consigo ver as íris brilhando pelo trabalho bem sucedido, o sentimento de pena cai sobre mim novamente. Então vou embora, garantindo a ele que voltaria assim que pudesse e não há grito algum dele me chamando de mentirosa.

—– Acho que vamos dispensar todas as enfermeiras e contratar você para ficar com ele —– diz Plutarch assim que me vê, e eu começo a rir. —– É sério, nunca vimos Peeta tão calmo como agora. De certa forma, você parece ser a única pessoa que consegue acalmá-lo.

—– Não posso negar —– incentiva Haymitch ao lado dele, com um pequeno sorriso. —– Vamos te trazer mais vezes aqui, Krystal.

—– Mas eu não sou de grande ajuda —– confesso vendo as algemas voltarem para as mãos de Peeta. —– As lembranças que tenho com ele são todas do Massacre Quaternário ou de quando fomos sequestrados. Se eu falar sobre um dos dois, ele vai surtar.

—– Não, não estamos nos referindo a você lembrá-lo dessas coisas, estamos falando de distraí-lo da mesma forma que conseguiu fazer —– explica Plutarch, apontando com a caneta entre os dedos para dentro do quarto. —– Se Peeta for capaz de permanecer calmo como agora, talvez podemos até tirar as amarras.

Reflito um pouco sobre tudo. Ele perdia o controle diversas vezes, mas era mais quando se lembrava de Katniss. E eu, sendo a pessoa que nunca foi muito próxima dela, devo ser uma das únicas que ele, ao olhar para o meu rosto, não o faz recordar sobre nada. Talvez da arena, das torturas, mas não do Tordo.

—– Você não contaram sobre eu ter tentado me matar? —– pergunto receosa por parecer muito curiosa.

—– Achamos melhor não, poderia fazer ele piorar —– responde Haymitch dessa vez. —–, mas não deixe que ele veja as munhequeiras, porque certamente vai perguntar o que aconteceu.

Confirmo com a cabeça no mesmo segundo que um barulho alto vem do lado de dentro, eu me aproximo do vidro depressa vendo Peeta batendo o pé na cama e de toda forma conseguir desprender os braços. Percebo em seus olhos, a íris azul sumiu. Ele se foi mais uma vez.

—– Com qualquer coisa que for de alguma ajuda para ele, podem contar comigo —– garanto assim que aos poucos Peeta se acalma.

Cansada pelo dia cheio e movimentado, tomo o meu remédio já passado da hora e me enrolo no cobertor. Tento não ficar pensando, remoendo, relembrando todas as coisas que querem ficar na minha cabeça, então me viro pro lado e encaro o relógio vendo a hora passar até que possa conseguir finalmente adormecer.


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