O Intruso escrita por thierryol1


Capítulo 8
O Cão Feliz




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"Eu sinto como se o mundo tivesse sugado tudo de mim pelo que eu fiz..."

 

Segunda-feira, 7 dias antes da morte de Lisa Patterson

Lucie caminhava até o parque lentamente, segurando a coleira de Happy. Tinha marcado com Lisa às duas horas da tarde, mas ela estava um pouco adiantada.

Ela se sentou num banco em baixo de uma sombra de árvore e ficou ali alguns minutos, quando uma voz familiar disse algo:

— É muito bom aqui né? Eu sempre venho aqui quando quero limpar a mente...

Lisa estava usando um vestido bem discreto. Happy pulava nela, que se abaixou e fez carinho nele.

— Posso me sentar aqui?

Lucie acenou positivamente com sua cabeça e Lisa se sentou do seu lado. Elas ficaram em silêncio alguns minutos, ouvindo apenas a brisa do vento passando.

— Como você está? – Lucie perguntou.

Lisa não respondeu e o silêncio voltou. Após um tempo ela disse algo bem baixo:

— Eu quero fazer isso...

— O que disse? – Lucie se virou e perguntou.

Uma lágrima caiu dos olhos de Lisa. Ela levantou sua cabeça e sorriu para Lucie.

— Tem uma festa sábado. Eu nunca fui numa festa antes. Você quer vir comigo?

Lucie a fitou por um momento, não sabia o que tinha acontecido, então ela apenas respondeu que sim.

Lisa a abraçou e elas ficaram ali mais alguns minutos, antes de saírem para tomar um sorvete.

*****

Quinta-feira, 4 dias antes da morte de Lisa Patterson

Lucie e Abel tomavam chá na casa dele. Lucie estava sentada na mesa enquanto Abel estava em pé, de frente para a pia.

— Você e Lisa saíram todos os dias dessa semana... Não acha que vocês estão muito próximas? – Abel perguntou, olhando sua xícara de chá.

— Você quer dizer tão próximas quanto você e Rebecca estão? Vocês também saíram juntos todos os dias dessa semana, não é mesmo? – Lucie respondeu, sorrindo.

Abel fingiu um sorriso e ficou em silêncio.

— Bem... Não sei se você está acompanhando as notícias, mas tem um assassino em série aqui em Vila Obélia.

— Você quer dizer além de mim? – Lucie soltou um suspiro e fechou os olhos.

— Lucie... Tem alguém matando as pessoas aqui. De verdade. Já se foram seis pessoas do clube de literatura.

— Como assim?

— Eu não sei bem... Ninguém sabe ao certo, parece que a polícia está tentando deixar as pessoas o mais calmas possível...

Os dois voltaram a ficar em silêncio. Abel continuou olhando sua xícara por uns longos minutos.

— Lucie?

O celular de Lucie começou a tocar de repente, impedindo Abel de terminar o que ele ia falar.

— É Lisa. A gente vai comprar algumas roupas juntas hoje, eu tenho que ir. – Ela levantou-se correndo, deu um beijo na bochecha de Abel e saiu. Ele respirou fundo.

— Eu acho que estou gostando de você... – Abel disse como se ela ainda estivesse sentada ali no sofá. Ele apenas agachou, e debruçado na pia começou a chorar.

*****

Sábado, 2 dias antes da morte de Lisa Patterson

A chuva estava caindo com uma força tremenda. Duas garotas molhadas entraram correndo pela porta do hotel.

Ficaram sentadas no sofá da recepção algumas horas, esperando a chuva passar. Quando perceberam que a chuva não iria parar tão cedo, se aproximaram do balcão e falaram com a recepcionista:

— Um quarto, por favor.

— Infelizmente os nossos quartos com duas camas acabaram. Vocês se importam de ficar num quarto de casal?

As garotas se olharam e disseram que não. Pagaram em dinheiro, pegaram a chave e entraram.

Lucie se sentou na cama e resmungou:

— Maldita chuva, a gente vai perder toda a festa.

Lisa estava olhando para o pequeno rádio em cima do criado mudo. E do nada ela sorriu e olhou pra Lucie.

— A gente pode fazer nossa própria festa, não acha?

Antes que Lucie pudesse dizer algo, Lisa tirou o telefone do bolso e discou algum número. Pediu algumas bebidas e desligou o celular.

— O que foi? – Ela sorriu pra Lucie, que começou a rir.

Lisa correu e ligou o rádio. Estava tocando Habits, da banda Tove Lo. Lisa começou a gritar a puxou Lucie para dançar com ela.

— Aaah! Eu amo essa música! – Lisa pulava e jogava os braços pra cima. Lucie apenas se mexia, sorrindo.

Após alguns minutos, alguém bate na porta: eram as bebidas que Lisa tinha pedido.

Ela foi abrindo uma garrafa de vodca e bebendo uns goles, fazendo uma careta logo em seguida. Ela direcionou a garrafa para o lado de Lucie, que respondeu:

— Eu nunca bebi vodca antes... Eu...

Antes que ela terminasse, Lisa abriu a boca dela com a mão esquerda e com a direita jogou alguns goles da bebida. Lucie fez uma careta horrível quando engoliu o líquido.

— A gente ia à festa porque a gente queria ficar louca, mas como não deu, a gente fica louca aqui mesmo! – Lisa gritou alto, aumentou mais ainda o rádio, que estava tocando uma música que elas nunca tinham ouvido. Elas começaram a beber e dançar.

Meia hora depois, as duas caíram na cama, suadas e exaustas. Beberam mais uns goles enquanto riam e gargalhavam. As duas já estavam bêbadas nessa altura.

De repente Lisa se sentou com as pernas cruzadas e perguntou Lucie:

— Lucie, Lucie, Lucie! Você gosta do Abel?

Lucie também se sentou e respondeu:

— O quê? – Ela começou a rir descontroladamente, apoiando sua cabeça no ombro de Lisa.

— Ele parece gostar de você. Você gosta dele?

— Sinceramente? Não sei... – Lucie respondeu, parando de rir e apenas ficando em silêncio com a cabeça apoiada no ombro de Lisa.

A chuva havia parado. Ficaram em silêncio um pouco, até começar a tocar Huggin & Kissin, da banda Big Black Delta. Lucie então levantou a cabeça do ombro de Lisa e começou a mexer as mãos no ritmo da música. Lisa começou a rir muito.

Do nada, Lucie parou e ficou olhando para o rosto de Lisa. Lisa parou de rir e apenas ficou sorrindo.

Lucie se direcionou à outra garota e deu um selinho nela. Lisa riu um pouco, e puxou Lucie para dar outro selinho. E outro. As duas então começaram a se beijar de verdade. Ás vezes elas se desequilibravam um pouco, mas ainda sim, aquele era um momento novo para ambas.

A língua de Lisa encaixava perfeitamente com a língua de Lucie, que sentia uma sensação estranha. Elas pararam de beijar um pouco, e Lisa começou a tirar a blusa de Lucie, que distribuía beijos pelo pescoço dela.

Lucie deitou na cama e tirou sua calça, ficando apenas de calcinha e sutiã. Lisa ficou de pé na cama e começou a desabotoar sua camisa, enquanto Lucie puxava sua saia. Quando ambas estavam apenas com roupas íntimas, Lucie puxou Lisa para cima dela e começou a beijar ela.

Lisa começou a descer os beijos pelo pescoço e ombros de Lucie, que passava sua mão nos cabelos da outra. Lisa passou os beijos entre os peitos de Lucie e desceu até sua barriga, segurando com sua mão na parte interna das coxas de Lucie.

Nesse momento a garota começou a empurrar Lisa.

— O que foi? Você não quer?

Lucie disse que queria, e Lisa continuou a descer seus beijos. Lucie já não estava mais sentindo excitação, e ela apenas ficou olhando o teto.

Quando Lisa estava prestes a tirar a roupa íntima, Lucie falou séria:

— Eu matei três pessoas.

Lisa riu um pouco, mas quando ela notou que Lucie estava séria, ela se afastou um pouco.

— Você... Está falando sério?

Lucie continuou olhando para o teto. Lisa xingou algo baixo e começou a vestir suas roupas. Antes de sair do quarto ela olhou mais uma vez para Lucie, que continuava imóvel.

Vinte minutos depois, Lucie se levantou. Tudo que ela queria era que o efeito da bebida acabasse. Aquilo estava horrível. Vestiu sua roupa com um pouco de dificuldade e saiu, deixando o rádio ligado.

*****

Andando pelas ruas escuras, pisando nas poças d'água e pensando na vida, Lucie ia lentamente. Já eram aproximadamente três horas da manhã.

Quando ela chegou à rua de sua casa, um vulto começou a segui-la silenciosamente. Lucie ainda estava um pouco bêbada e não reparou que alguém a observava.

Ela começou a procurar algo na sua bolsa, quando uma mão tapou sua boca e a agarrou. Lucie tentou gritar, sem sucesso.

O intruso começou a puxa-la, mas ela segurou algo na bolsa, e quando percebeu que era uma caneta, enfiou ela na coxa do perseguidor, que a soltou e começou a gemer. Ela saiu correndo enquanto ele tirava a caneta penetrada em sua pele.

Lucie começou a gritar por socorro, mas o intruso era mais rápido que ela, que apenas sentiu alguém a puxando pelo braço antes de apagar.

*****

Segunda-feira

Lucie acordou com a luz do sol batendo em sua cara. Estava em um sofá que já tinha visto antes. A porta da cozinha se abriu e Abel veio com algo que parecia ser um prato de sopa.

— Finalmente você acordou...

Lucie tentou se levantar mas sua cabeça doía muito. Ela passou a mão em sua testa e percebera um curativo enorme.

— Calma, calma. Anteontem eu te encontrei aqui na rua caída no chão, acho que você bateu sua cabeça porque ela estava sangrando.

— Anteontem?

— Sim, você passou o domingo todo dormindo... Eu já estava começando a ficar preocupado.

Abel se sentou do lado de Lucie.

— Aqui, você precisa se alimentar.

— Eu preciso falar com Lisa...

— Lucie...

— Por favor Abel, eu preciso muito falar com ela, será que você poderia me deixar perto da casa dela?

— Eu não acho inteligente você fazer força física agora.

— Abel... Por favor... – Lucie pegou na mão do garoto. Ele suspirou e acenou positivamente.

— Mas lembre-se que eu não acho isso uma boa ideia.

*****

Lucie estava encostada na viatura da polícia. Ela estava tremendo muito. As pessoas que passavam pela rua e ficavam olhando todas as viaturas sem parar.

Lisa estava morta. Lucie ainda não conseguia processar isso. Após uns longos minutos que pareceram uma eternidade para a garota, o detetive Fischer saiu de dentro da casa que era agora cena de um crime. Uma pessoa acompanhava-o.

— Senhora Lucie, este é o policial Caleb. – Lucie pegou na mão dele.

— Tem alguma ideia de quem fez isso?

Fischer ficou em silêncio alguns segundos, antes de responder:

— Nós ainda não sabemos quem fez isso, mas a forma da morte e o símbolo na parede são idênticos a de outros crimes que aconteceram em menos de três semanas. – O detetive respondeu, colocando suas mãos na cintura.

— Isso significa o quê?

— Você tem alguma ideia de quem possa ser o assassino ou viu ou ouviu algo estranho esses dias? – Perguntou Fischer, curioso.

Lucie ficou olhando para o chão, estática. Pensou bem e respondeu:

— Bem, um cara me perseguiu algumas vezes... Mas o estranho é que toda vez que ele tem oportunidade de me pegar ele me deixa viva.

— Hm... E quantas vezes esse cara te perseguiu? Você chegou a ver o rosto dele?

— Ele me perseguiu cerca de umas três vezes já. Eu não consegui ver o rosto dele, ele usava algo que parecia uma máscara de gás... – Lucie ia falando enquanto o detetive Fischer ia anotando coisas num pequeno caderno.

— Entendo. Eu vou tentar providenciar uma busca por pistas com essas informações. Se você conhecer mais alguém que frequenta o clube de literatura da cidade, peça pra evitar sair de casa o máximo.

— Como assim?

— Bem, até agora, todas as vítimas tinham uma coisa em comum: todas eram frequentes nesse clube. Eu vou pedir para o líder do clube suspender as reuniões por um tempo, até você também deveria evitar ao máximo sair de casa.

Lucie acenou que sim com a cabeça.

— É um belo colar... – Fischer falou, sério. Lucie tentou forçar um sorriso de volta para ele.

*****

Três batidas na porta. Amanda foi rápido atender, mas não sem antes olhar pelo olho de vidro.

— Lucie, eu já estava ficando preocupada, você geralmente não é de atrasar.

— Me desculpa, é que o Happy desapareceu. Eu estou com medo! – Lucie falava com um tom de voz alto, era visível sua força para segurar o choro.

Amanda abraçou a amiga por alguns segundos. Rebecca que estava sentada no sofá se levantou e perguntou:

— Cadê o Abel?

— Ele não pôde vir, ele disse que ia procurar Happy.

— E você o deixou ir sozinho? Você está louca? – Rebecca começou a gritar.

— Ele que disse que ia procurar sozinho... Eu... Eu não sabia o que fazer...

— Você é uma sem noção mesmo né? Licença. – Rebecca passou pela porta empurrando Lucie.

Ela e Amanda ficaram vendo Rebecca ir embora sem falar nada.

— Não deveríamos a deixar sair sozinha...

Amanda apenas puxou Lucie pra dentro e fechou a porta. As duas se sentaram no sofá e Amanda ofereceu alguns biscoitos e chá.

As duas começaram a conversar sobre o que vinha acontecendo.

*****

5 Anos Atrás

Lucie desceu do ônibus, que acelerou rapidamente, jogando fumaça para todos os lados. Não se importando com isso ela começou a andar lentamente pelas ruas da nova cidade.

Após uns bons minutos caminhando, ela parou na frente de uma loja e se olhou no espelho: ainda era difícil se reconhecer no espelho. Mas essa mudança brusca era necessária para que ninguém a encontrasse.

Ela ficou ali, parada, olhando para o seu reflexo na vitrine. Foi quando ela notou um pequeno cachorrinho do lado de dentro, olhando calado para ela com curiosidade.

Ela sorriu, mas o pequeno e indefeso pinscher continuou com a mesma feição.

Vinte minutos depois de ficar parada olhando reciprocamente para o cachorro, ela entrou na loja e o comprou.

"Seu nome será Happy." – Pensava. "Porque a partir de hoje, eu vou começar uma nova vida feliz."

Ela sentou em um banco e ficou acariciando seu novo bichinho de estimação.

"Você representa a mudança na minha vida, Happy. Eu quero que saiba que a partir de hoje, não haverá mais tristeza na nossa vida. Nunca mais. Apenas alegria. Hoje eu começo uma nova vida, e não será meu passado que irá me atrapalhar" – Pensou a garota. Ela mal sabia na época como estava enganada.

*****

Lucie falava sobre o intruso com entusiasmo. Tanto entusiasmo que ela não foi capaz de notar Rebecca ouvindo toda a conversa pela janela.

— Eu acho que estou ficando louca, Amanda...

— Por que você diz isso?

— Eu não tenho mais certeza se eu o que eu estou vendo é real ou não.

Amanda ficou calada, apenas olhando para sua xícara.

— Ele não é o único...

— O que disse?

— Eu disse que o mascarado não é o único que eu vejo me perseguindo... Eu também vejo alguém sem rosto vindo atrás de mim.

— O quê?

— Viu só? Eu não sei mais no que acreditar...

Rebecca, do lado de fora, apenas sorriu e saiu andando em direção ao centro da cidade, onde a delegacia ficava posicionada.

*****

Lucie voltava pra casa com pressa. A cidade estava muito pouco movimentada. Um vento frio de início de inverno soprava lentamente.

Começou a procurar sua chave em sua bolsa, mas não encontrou. E nem precisava, sua porta estava aberta.

— Olá? – Ela foi entrando lentamente.

Após verificar a sala, ela voltou para o hall para ver a cozinha. De repente alguém apareceu bruscamente pela porta principal.

— Lucie? É você?

— Josh? O que você está fazendo?

Ele se aproximou e suspirou.

— Oh, graças... Josh esqueceu sua tesoura de corte, e quando Josh voltou para buscar viu sua porta aberta. Josh ficou preocupado por causa dos casos de assassinato.

— Ah, tudo bem, você deveria preocupar com você, afinal você me disse que morava numa fazenda um pouco longe daqui.

— Sim, Josh não gosta muito do barulho da cidade...

Os dois ficaram em silêncio alguns segundos.

— Bem, já que está tudo bem, Josh vai indo.

Lucie se despediu e ele foi embora. Lucie fechou a porta e ficou parada, olhando para a maçaneta quando percebeu um cheiro meio desagradável.

Ela foi tentando se orientar na direção do cheiro, até que abriu a despensa, onde encontrou o corpo de Happy com os órgãos para fora, ainda pulsando. Um símbolo de caveira em formato de borboleta estava pendurado em sua coleira.

Lucie não teve tempo de reagir, um barulho foi ouvido no segundo andar.

Com lágrimas caindo pelos seus olhos incessantemente, ela segurou o choro, pegou uma faca e subiu lentamente as escadas. O barulho vinha do seu quarto.

Ao entrar, Lucie ficou extremamente confusa com a cena que viu: Rebecca, com as mãos marcadas de sangue, guardando várias coisas de Lucie em uma bolsa.


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