19h03m.

— Filho da p... — Dustin ia dizendo quando olhou no relógio. Subiu na bicicleta o mais rápido que pôde. Estava atrasado.

Sua mãe havia recomendado expressamente que ele estivesse em casa antes de suas tias chegarem para a ceia. Pedalou como um louco mesmo que não quisesse de verdade voltar. Ia ser mais um natal com suas tias apertando suas bochechas e perguntando as mesmas perguntas de todos os natais.

Sentiu o vento gelado cortando o rosto, mas nem por isso diminuiu. A neve que caíra mais cedo, mesmo que rápida e leve, conseguira esfriar ainda mais o clima que já estava frio o suficiente. A bicicleta corria pelas ruas, derrapando hora ou outra em alguns pontos mais molhados, onde a neve havia se acumulado. Virou na primeira à esquerda, ainda pedalando rápido. Não parou para pensar muito. Estava com fome. Quando foi mesmo que comeu pela última vez? Era difícil saber, ele só conseguia pensar em répteis, em Dart... e em Max... com Lucas.

Que merda.

Ok. Ele entendia. Ele não tinha culpa de ter se apaixonado por ela. Mas ele estaria mesmo apaixonado? O que era aquela sensação estranha que não conseguia tirar do peito? Ele nunca sentira isso antes. Ele, que sempre fora tão inteligente em tudo, dessa vez estava se sentindo meio idiota. Será que era isso que Mike vinha sentindo nos últimos meses antes de reencontrar a El? Talvez perguntasse ao Mike outra hora.

‘Eu sei que o Lucas é um cara legal’ ele ia conversando consigo mesmo, ‘mas eu também sou...’ e pedalando ‘... o que será que ela viu nele?’ e fazendo curvas cada vez mais fechadas ‘só pode ser o sorriso... é isso! Os dentes dele são mais bonitos que os meus... filho d...’ e voou. Um segundo depois ele estava jogado de um lado do início da Rua Maple e sua bicicleta, do outro.

Dustin se levantou o mais rápido que conseguiu. Olhou em volta para entender o que o havia derrubado. Lá estava uma poça bem na esquina, que ele não vira. Pegou a bicicleta, bateu a mão nas calças para limpar e avaliou os danos. Ótimo, tinha rasgado a calça no joelho e esperava que fosse só o joelho da calça, não o seu.

Subiu na bicicleta novamente. Pedalou. Nada doeu. Estava tudo bem. ‘Talvez esse seja um sinal para eu parar de ser idiota’ pensou por fim, entrando na rampa de casa. O carro de sua tia ainda não estava lá.

— Dusty... - Sua mãe veio da cozinha assim que ouviu o barulho do filho entrando na sala - onde é q... QUE HOUVE? - Ela perguntou correndo em direção ao filho, jogando longe o pano que segurava.

— Eu só caí ali na esquina de cima, tinha uma poça e eu não vi, e a bicicleta escorregou... mas ‘tá tudo bem. Vou tomar um banho antes de ver a tia Ruth e a tia Wanda.

— Ok, querido... - Claudia Henderson pareceu não muito convencida.

— É sério, mãe, ‘tá tudo bem! - ele a tranquilizou novamente enquanto seguia pelo corredor.

Dustin abriu a porta do quarto, tirou o casaco jogando-o junto da roupa suja e a mochila nos pés da cama, se deitando em seguida. Respirou fundo e fechou os olhos. Pensando bem, parece que algumas partes do seu corpo doíam sim. Só não queria ter que pensar mais nisso agora. Respirou fundo novamente, se levantando logo depois. Foi até o armário e escolheu qualquer roupa para vestir.

Um tempo depois ele se encarava no espelho do banheiro, que ia embaçando logo sempre que ele passava a mão. Seu cabelo molhado pingava em gotas gordas. Ao longe pôde ouvir o barulho do carro estacionando. Se apressou e se vestiu.

O garoto chegou na sala a tempo de cumprimentar suas tias que haviam acabado de se sentar à mesa. Wanda e Ruth eram extremamente parecidas com Claudia, sua irmã. Em tudo. Dustin as abraçou e conversou com elas como se já não soubesse todas as perguntas que elas fariam.

Escola... Filmes que tinha assistido... Livros que estava lendo... Amigos... Namoradas... ‘Peraí? Namoradas? Essa era nova. Se sentou desconfortável à mesa, começou a se servir enquanto Wanda e sua mãe conversavam sobre algo que ele não saberia nem em mil anos dizer o que era. Não pensou que nem naquele momento, onde todos os anos a mesma coisa acontecia, aconteceria algo fora do roteiro.

— Ouvi dizer que você estava radiante no baile, meu amor! - Ruth segurou sua mão por sobre a mesa.

— Ah... oi, é... - ele a olhou com a boca aberta. Não conseguiu pensar no que responder. Ah, universo, por quê?

— Sua mãe me falou que você estava dançando com uma garota mais velha... quem era? - Ruth sorriu amigavelmente enquanto pegava o purê.

‘Peraí, como sua mãe soube disso?

— É a irmã do meu amigo Mike, a Nancy. - As coisas estavam estranhas o suficiente para ele poder responder sem parecer mais estranho ainda.

— Mas ela não é um pouco velha para ser sua namorada, meu bolinho? - Wanda se intrometeu.

— Mas eu não disse que ela é minha namorada. Ela só dançou comigo... - ele respondeu, indignado.

Suas tias trocaram um olhar que dizia algo que só elas entendiam e, antes que pudessem falar mais alguma coisa, Claudia interveio, desviando a atenção de ambas, pelo menos por hora.

— Ah! Esse ano fiz a receita da mamãe! Vocês precisam me dizer o que vão achar. Eu achei que ficou muito parecido...

A família foi se servindo à medida que o assunto foi sendo deixado de lado. Dustin comeu um pouco de cada coisa, mas tudo tinha o mesmo gosto. Gosto daquele sentimento que ele não sabia o que era.

A ceia se foi e a sobremesa logo veio. A conversa foi fluindo. Suas tias comentando da família com sua mãe, ele hora ou outra falando da escola e dos amigos.

— Steve Harrington... - sua tia Wanda fez uma pausa. - Acho que conheço os pais dele.

— ... então, ele quem me deixou no baile. - Dustin falou enquanto comia o pavê de sua mãe. Pelo menos ele estava com gosto de pavê.

— Mas ela certamente quer algo com você, meu amor, se ela dançou com você... - Ruth ressurgiu com o assunto.

— Quem? - Dustin demorou a entender.

— Nancy...

— Nancy Wheeler - Wanda completou.

Dustin olhou para sua mãe que olhava de um para o outro na mesa sem saber o que dizer. Dessa vez não teria como ajudar.

— Ela não quer nada comigo, ela só dançou comigo. - Ele deu de ombros. Sua cabeça fora longe nesse momento: se a lógica de suas tias estivesse certa, então Max e Lucas realmente... Por que diabos não parava de pensar nisso? - Além disso, ela é namorada do Steve. - ele completou rápido. Meia verdade, ele sabia. Nancy havia sido namorada do Steve, não era mais. Mas isso era só um detalhe. Contanto que servisse para suas tias pararem de importuná-lo, ele já estaria satisfeito.

— Mas, - Ruth falou logo depois de um pequeno silêncio enquanto degustava o pavê - Steve não foi te deixar no baile? Por que ele não ficou para dançar com a namorada.

 Dustin arqueou as sobrancelhas. Aquilo já estava indo longe demais.

— Quer saber? - Ele perdeu a paciência - Ela dançou comigo porque a garota com quem eu queria dançar estava dançando com o meu melhor amigo e então ela me tirou pra dançar porque viu que eu estava sozinho no canto...

— Mas... - Wanda ia começando.

— ... e o Steve - Dustin ergueu a mão interrompendo a tia - e ela não estão mais juntos, ele me contou e ele está chateado por isso. Ele me levou no baile e não ficou porque não poderia ir com ela...

— Então... - dessa vez foi sua tia Ruth.

— ... então, - Dustin a interrompeu também, da mesma forma - sim, nós dançamos, não, ela não quer nada comigo, e não ela não é minha namorada, nem será. Ela só me tirou ‘pra dançar, pois todos os garotos estavam dançando.

Sua mãe o olhou. Suas tias o olharam, caladas. Ele olhou de volta para sua mãe e conseguiu ver em seus olhos o nome daquele sentimento que ele não sabia identificar. Não, ele não estava apaixonado. O que ele sentia no peito todas as vezes em que ele pensava em Max e Lucas não era ciúme... O que ele estava sentindo era pena. Pena de si mesmo.