Fortress of Lies;

Shieda Kayn colocou seus pés sobre a mesa de metal que ficava no centro da sala de comandos da nave. Tudo estava extremamente silencioso e seus tripulantes estavam em um planeta próximo extraindo Ora. Aquele era um momento só dele, e ele poderia aproveitá-lo como quisesse. Rhaast estava extremamente silencioso e embora ele apreciasse a companhia de sua arma — às vezes —, se sentia melhor por não ter uma voz lhe perturbando.

Seus olhos amarelados se voltaram para a grande janela da nave, de onde ele conseguia ver apenas o grande, imenso e silencioso espaço. Eram momentos raros quando ele podia apreciar sem ter algum subordinado enchendo seu saco. Talvez ele devesse se concentrar nas missões que Jarvan, o líder do exército Demaxiano havia lhe dado, mas naquele momento, sua paz parecia ser mais importante após ele ter conseguido capturar seu alvo mais difícil.

Ainda assim, não havia notificado Jarvan de que finalmente conseguiu capturar a mística, Sona. Ele não tinha ideia se aquela estranha mulher tinha algum sobrenome ou o que porras ela era, se fosse sincero consigo mesmo. Tudo o que ele sabia é que ela podia controlar o Ora, e conseguia se comunicar com o ouro líquido também. E isso já lhe bastava. Era o suficiente. A mulher de olhos amarelados, assim como os dele — provavelmente pela grande quantia de Ora que Shieda Kayn ingeria, na influência de Rhaast — apenas lhe julgava silenciosamente. Sua expressão impenetrável, e Kayn por vezes se questionava se aquela mulher lhe odiava ou algo do tipo.

Mas ela parecia serena demais pra conseguir sentir qualquer coisa que fosse ruim. Sona perambulou pelo ambiente onde ele estava, e se sentou na frente do homem de cabelos azulados. Ele arrumou a franja que cobria seus olhos e soltou um suspiro pesado, encarando o rosto delicado e sereno da mística que estava em sua frente. Seu Etwahl estava jogado em alguma parte do compartimento da nave, mas Sona estranhamente não parecia estar incomodada com aquilo. Como uma mulher aceitava ser sequestrada tão facilmente? Kayn se questionou aquilo enquanto trocava olhares com Sona, que estava neutra.

— Precisa de alguma coisa? - Sua voz saiu seca e particularmente desinteressada. E fazia sentido, já que Shieda Kayn não via uma real necessidade em ter Sona a bordo de sua nave. Ele só queria os poderes daquela mulher. Faziam algumas semanas em que ela já convivia com ele, e em momento algum ela pareceu ficar triste ou querer voltar para casa. Ou sabe se lá onde aquela mulher esquisita vivia. Mas aquilo não lhe interessava.

Sona apenas encarou as orbes cor de ouro do tal Ordinal de Alto Escalão do Império Demaxiano. Seus lábios pareceram formar um leve e delicado sorriso ao se lembrar do homem em sua frente se apresentando e falando todo o título enorme que tinha, como se ela ligasse para aquilo. Kayn arqueou as sobrancelhas, incomodado por não obter resposta e por notar o leve sorriso nos lábios da mulher de traços delicados.

— Você é chata pra caralho. E sequer fala. - Comentou aborrecido, na tentativa de ver alguma feição diferente na mulher controladora de Ora, mas nada mudou. Sona permanecia em um pleno estado de paz enquanto admirava as enormes janelas e o espaço escuro. Kayn seguiu o olhar dela para fora, onde se era possível ver o pequeno planeta onde seus subordinados extraíam minerais e ele agradeceu mentalmente ao notar que certamente ainda demorariam para retornar à nave. — Sabe, mesmo assim, ainda prefiro sua presença do que a desse bando de macacos que servem para mim. - A voz suave do homem pareceu preencher a sala silenciosa, e Sona voltou suas orbes amareladas para Kayn, curiosa.

Tamborilou seus dedos na mesa e ele notou que se ela estivesse com seu Etwahl talvez fosse mais fácil a comunicação entre os dois, já que Sona era muda. Mas não lhe entregaria sua arma agora. Não poderia vacilar daquela forma. Mesmo ela sendo uma mulher e parecendo frágil, algo dentro de Shieda Kayn o avisava que ela era perigosa.

— O que você quer dizer com isso? Eu não consigo entender você. Já te falo isso à semanas. - Ele se levantou da cadeira alaranjada que estava em volta da mesa e andou em direção a Sona que pareceu se encolher levemente na cadeira com a aproximação repentina dele. Kayn abriu um sorriso debochado e crispou os lábios em seguida ao notar a reação da mulher. — Você tem medo de mim, Sona?

A mulher pareceu lhe olhar furiosa e tamborilou os dedos mais uma vez na mesa, em um ritmo mais agitado, como se estivesse negando aquilo que Kayn havia acabado de proferir. Ele riu alto e a capa verde de Sona que flutava pareceu se esvoaçar ainda mais. Ela estava irritadiça, e Kayn adorava deixá-la daquela forma.

— Tá bom, tá bom. Entendi. Você não tem medo de mim. - Ele tocou em seus cabelos azuis, arrumando-os, e se apoiou na mesa, aproximando seu rosto ao de Sona, que permaneceu parada desta vez. Kayn sorriu novamente e segurou a face delicada da mística, cuidadosamente. Não pretendia lhe machucar. Apenas lhe dar um aviso. Sona arregalou seus olhos tentando entender o que ele planejava com aquilo e um fio de seus cabelos pretos caiu em seu rosto, rebelde.

 — Mas você devia ter. - O homem assoprou o fio e ela bufou aborrecida, como se estivesse esperando algo a mais. O Ordinal notou aquilo e arqueou sua sobrancelha, curioso. — Você estava esperando mais alguma ação minha, Sona?

A mulher ruborizou de uma forma nunca vista antes e sua pele que era claríssima se tornou vermelha como o tom de seus lábios. — Ah, acho que sei o que você queria. - Ele sorriu cínico e tocou sua boca nos lábios macios da mística que pareceu se agitar com aquilo. Kayn soltou o rosto dela e Sona cobriu seus olhos com suas mãos na esperança de que sua agitação passasse. Ele riu.

Já tinha virado rotina deixar Sona ruborizada e ele se divertia demais com aquilo. Ela era delicada e não sabia esconder suas emoções, e por mais que aquilo parecesse maldoso, algo dentro de Kayn parecia lhe avisar que existia um sentimento sincero ali. Dele para com ela. Mas é óbvio que ele jamais se permitiria sentir isso. Naquela fortaleza de mentiras construída por ele, seus sentimentos eram fechados de uma forma que sequer Kayn conseguiria acessar.

Não sabia dizer exatamente o relacionamento que tinha com aquela mulher. Era estranho para ser colocado em palavras. Ela era sua prisioneira e tinha todos os motivos do mundo para odiá-lo, mas parecia incapaz de odiar qualquer alma existente no universo. Embora Rhaast lhe enchesse a cabeça dizendo que devia matar Sona e capturar seu poder de controlar Ora, Kayn se questionava se realmente conseguiria fazer aquilo; matar Sona. Quando a capturou pela primeira vez, aquilo parecia ser uma tarefa bem simples, mas que ele foi impedido de executar porque a nave daquela mulher idiota — Jinx — chegou e tomou Sona dele. Mas desta vez, a ideia de matá-la parecia algo distante em sua mente.

Shieda Kayn não tinha certeza se conseguiria fazer isso e também não pretendia obedecer Rhaast. Jamais se curvaria à sua própria arma. Ele era muito mais poderoso que isso. A mística se levantou da mesa onde ele estava e saiu silenciosamente em direção a outro cômodo, com uma feição de confusão e vergonha. Kayn a seguiu com os olhos mas decidiu não ir atrás daquela mulher. Por hora.

Preferiu ficar parado observando a imensidão do espaço e tentando entender seus próprios sentimentos. Contudo, só tinha certeza de uma coisa:

Desta vez não deixaria que levassem Sona novamente.